O ENSINO SECUNDÁRIO MILITAR E A CARREIRA DOS OFICIAIS (1858-1889) Carla Sass Igor Fernandes Viana de Oliveira Simone Macena Avancini Pedroso *** Resumo: O presente trabalho pretende analisar a inserção do ensino de nível secundário oferecido pelos espaços institucionais do exército na configuração da carreira dos oficiais militares. Diferentemente dos preparatórios aos exames de nível superior no Império, que assumiram formato fragmentário e duração indefinida, o preparatório oferecido pelo Exército tendeu a se organizar gradativamente sob a forma de curso seriado e com a exigência de aprovação em todas as matérias. Palavras-chave: Exército; Ensino Secundário; Império. Abstract: The following work intends to analyze the insertion of secondary education offered by the Brazilian army institutions in order to configure a military officers careers. Differently from the empire s preparatories and higher education exams, which assumed a fragmentary format and undefined duration, the preparatory offered by the military tended to gradually organize itself into a serial course requiring the approval in all subjects. Keywords: Military; Secondary Education; Empire. Graduanda de Pedagogia da Universidade Federal Fluminense e bolsista de Iniciação Científica pela FAPERJ Graduando de História da Universidade Federal Fluminense e bolsista de Iniciação Científica pela PIBIC/CNPQ *** Graduanda de Pedagogia da Universidade Federal Fluminense e bolsista de Iniciação Científica pela FAPERJ
O ENSINO SECUNDÁRIO MILITAR E A CARREIRA DOS OFICIAIS (1858-1889) As transformações por que passou o Exército em seu processo de profissionalização, articulado às demais políticas implementadas na consolidação do Estado Imperial, apontavam para a redefinição do perfil do oficial militar. Como ressaltam alguns autores, a valorização da instrução no exército acentuou a contribuição da educação de nível superior oferecida aos oficiais nas academias militares (MOTTA, 1974; SCHULZ, 1994; SOUZA, 1999). Nesse sentido, porém, também pode-se constatar a importância que o ensino secundário oferecido pelos militares foi adquirindo desde meados do século XIX. Sob a forma de preparatórios, esses cursos passaram por diversas transformações ao longo do período imperial. Em 1856, no primeiro ano de funcionamento da Escola de Aplicação passou a funcionar anexo à mesma Escola, uma aula preparatória denominada Aula Provisória. Nesse mesmo ano, foi freqüentada por 99 dos 166 alunos da Escola de Aplicação, indicando que se tratava de uma necessidade real para a formação dos oficiais. Contendo majoritariamente as disciplinas matemáticas que eram estudadas no primeiro ano do curso superior da Escola Central (tais como Aritmética e Geometria), a Aula Provisória buscou oferecer, aos alunos militares, uma real oportunidade para consolidar as doutrinas futuramente abordadas no curso superior de modo a responder à exigência de maior soma de conhecimentos preparatórios, condignos dos elevados graus científicos reclamados naquele período. 1 Com a reforma do Regulamento das Escolas Militares empreendida na gestão do Ministro da Guerra general Jeronymo Francisco Coelho, em 1858, somou-se à Aula Provisória ministrada na Escola de Aplicação, agora denominada Aula Preparatória e dedicada especificamente a alunos militares, um curso preparatório a ser oferecido na Escola Central direcionado tanto a militares quanto a civis. O curso, nomeado Ensino Preparatório, era constituído por três aulas que adicionavam aos conteúdos matemáticos, disciplinas como a História a Geografia e o Francês. Nesta reforma, também a Escola Militar do Rio Grande do Sul foi transformada em um curso preparatório destinado principalmente a instrução de praças e postos inferiores do Exército demonstrando o nível da demanda por instrução secundária requerido, naquele momento na corporação. 1 Relatório Ministro da Guerra 1855, p. 7
A implementação em conjunto dessas medidas, significou no período, multiplicar por três os lugares em que se passou a oferecer preparação para o ensino superior no Exército: um na Escola Central, um na de Aplicação e outro no Rio Grande do Sul. No Relatório apresentado pelo mesmo Ministro da Guerra, nesse mesmo ano, ficava clara a preocupação com a formação qualificada da oficialidade e o público a qual se destinavam essas medidas: A criação de um curso preparatório na Escola Central franqueou as portas acadêmicas a todas as classes, e especialmente as classes pobres, e mais que tudo aos provincianos. A exigência de preparatórios estudados externamente arriscava, a que um pai, para preparar seu filho, recorresse nas províncias ou a maus colégios (...) 2 No mesmo Relatório, o Ministro de Guerra Jeronymo Francisco Coelho também destacava uma importante vantagem que o preparatório traria à formação dos oficiais: permitiria elevar o grau de conhecimentos secundários exigidos para a matrícula no curso superior militar, ao mesmo tempo em que facilitava a instrução dos segmentos que pretendiam seguir a carreira das armas já que o antigo primeiro ano do curso superior poderia ser estudado, agora, no curso preparatório. Reforçava que tal operação era extremamente necessária diante das condições de ensino no país, onde os meios externos de instrução particular eram na maior parte das localidades, são escassos, defeituosos ou improfícuos, e muitos completamente nulos. 3 Os preparatórios da Corte, anexas à Escola Central e à Escola de Aplicação, continuaram em funcionamento até o ano de 1863. Nesse ano, o novo regulamento unificou-os em um único lugar chamado de Escola Preparatória. É interessante perceber como, justamente naquele momento, em que o ensino secundário militar era percebido como uma espécie de garantia de qualidade para a carreira militar, a Escola Preparatória foi anexada, não à Escola Central, mas à Escola Militar da Praia Vermelha, devendo os pretendentes à Escola Preparatória assentar praça no exército e se submeterem, às mesmas regras de disciplina militar. Também é possível constatar, ao longo desse processo, a progressiva importância que a congregação de professores da Escola Militar vai adquirindo na orientação das práticas educativas da Escola Preparatória. Se no ano de 1858, indicava-se que a congregação de lentes na Escola Central, e o conselho de instrução na militar e de aplicação organizariam o programa 2 Relatório Ministro da Guerra 1857, p. 19 3 Relatório Ministro da Guerra 1857, p. 20
dos pontos para os exames das aulas preparatórias e dos diferentes cursos, a partir de 1866, ela também passava a organizar a distribuição do tempo relativa ao ensino prático e teórico e o programa do número de lições e as matérias 4. Igualmente na aprovação dos pretendentes ao curso e no concurso para os lugares de professores, a congregação de professores do curso superior passou gradualmente a ocupar um papel fundamental. O preparatório oferecido pelo Exército tendeu a se organizar gradativamente sob a forma de curso seriado. Com a já mencionada reunião dos preparatórios da Corte em um só estabelecimento, em 1863, as disciplinas foram dispostas ao longo de dois anos. Mais tarde seria incorporado mais um ano à Escola Preparatória, consolidando alguns aspectos que indicavam o formato do curso seriado a ser oferecido. Se antes os conteúdos transmitidos se limitavam a ensinar as doutrinas que constituíam os primeiros anos do curso superior, cada vez mais, as disciplinas oferecidas pelo preparatório, passaram a representar um conhecimento relativamente autônomo e articulado ao da Escola Militar. Estas medidas implicaram em uma maior procura pelo curso da Escola Preparatória: ficava registrado no Relatório de 1863, que a todos não foi possível atender porque o edifício não tinha ainda a necessária capacidade 5. Posteriormente um outro ministro deixou registrada a sua indignação com os alunos que concluíam o curso preparatório e não continuavam no Exército. Pode-se perceber como, naquele momento, se construía uma identidade importante entre a Escola Preparatória e a carreira dos futuros oficiais militares. Ultimamente deram-se vários casos de alunos do curso preparatório, apoiados pelos seus pais e tutores, pedirem baixa do exército depois de um certo tempo de freqüência nas aulas preparatórias, ou mesmo depois de completos os seus estudos. Assim ilude-se totalmente o fim da criação daquele estabelecimento (...). Talvez fora conveniente estabelecer regras que dificultem aquelas preensões, (...) 6 A trajetória das décadas finais do Império contribuiu para ressaltar essa progressiva identificação da formação recebida no ensino secundário militar, principalmente na Escola Preparatória, com a carreira dos oficiais. Enquanto, de maneira geral, nas academias de ensino 4 Decreto 2146, 1858 art. 64 e Decreto de 3705, 1866 art. 9º 5 Relatório Ministro da Guerra 1863, p. 16 6 Relatório Ministro da Guerra 1871, p. 35,36
superior civis, tendeu-se a uma generalização do reconhecimento dos exames prestados em outras instituições (tanto secundários como superiores), o ensino militar procurou, na medida em que se organizava um campo de instrução no interior do Exército, garantir a continuidade e a preferência dos alunos que tivessem cursado o preparatório militar. Contrastando com o Regulamento de 1858, em que os alunos egressos de instituições aprovadas pelo Regulamento Geral de Instrução Pública tinham a matrícula assegurada no preparatório, o Regulamento de 1889 previa, mesmo aos alunos vindos de instituições consagradas como o Colégio Pedro II a prestação de exames de matemática e os de noções de cinemática elementar e de geometria celeste, da 3ª aula do 3º ano do curso preparatório. 7 FONTES Coleção Leis e Decretos do Brasil Império Relatórios apresentados pelos Ministros da Guerra à Assembléia Geral do Império 1855/1889 BIBLIOGRAFIA ALVES, Claudia. Cultura e Política no Século XIX: O Exército como campo de constituição de sujeitos políticos no Império. Bragança Paulista: Editora da Universidade São Francisco, 2002. HAIDAR, Maria de Lourdes Mariotto. O Ensino Secundário no Império Brasileiro. São Paulo: Grijalbo, EDUSP, 1972. MOTTA, Jehovah. Formação do oficial do Exército Brasileiro: currículos e regimes na Academia Militar, 1810-1944. Rio de Janeiro: Cia. Brasileira de Artes Gráficas, 1976. SCHULZ, John. O Exército na Política: Origens da Intervenção Militar, 1850-1894. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1994. 7 Decreto 2146, 1858 art. 40 e Decreto 10203, 1889 art. 48
SOUZA, Adriana Barreto de. O Exército na consolidação do Império: um estudo histórico sobre a política militar conservadora. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1999.