2- Ruptura com o Gozo Fálico: como Pensar a Neurose e a Psicose em Relação à Toxicomania?



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Transcrição:

2- Ruptura com o Gozo Fálico: como Pensar a Neurose e a Psicose em Relação à Toxicomania? Giselle Fleury(IP/UERJ), Heloisa Caldas(IP/UERJ) Para pensar, neste trabalho, a neurose e a psicose em relação à toxicomania, partimos de uma das poucas referências de Lacan sobre a questão do uso de drogas pronunciada na Sessão de encerramento da Jornada de Cartéis (1975/1981, p. 119). Na ocasião, ele afirma que não há outra definição para a droga que não seja esta: é o que permite romper o casamento com o pequeno-pipi. Essa indicação aponta para o uso de outra expressão romper com o gozo fálico que tornou-se corrente nos trabalhos sobre toxicomania. Expressão que se for articulada ao texto de Lacan De uma questão preliminar a todo tratamento possível das psicoses (1958/1998) fomenta as seguintes questões: como se inscreve essa ruptura com o gozo fálico nas diferentes estruturas clínicas da neurose e da psicose? A promoção desta ruptura com o gozo fálico é possível quando o sujeito não está no registro da foraclusão do Nome-do-Pai? Há uma modificação na leitura desta ruptura para os sujeitos psicóticos que fazem uso de drogas? Destacamos, portanto, como central nessa discussão a importância do diagnóstico diferencial na clínica das toxicomanias, uma vez que as estruturas clínicas apresentam-se mascaradas pela amarração do sujeito com o objeto-droga. Trata-se de examinar a relação entre o consumo de drogas e a incidência da função paterna, questionando o que está implicado nessa ruptura no registro da neurose e o que se apresenta na psicose, na qual observamos a ausência da inscrição do Nome-do-Pai. A clínica das toxicomanias reaviva assim a discussão da operacionalidade do falo nas diferentes estruturas clínicas. Segundo Laurent (1994), o fenômeno toxicômano é uma operação que não depende da estrutura. O sujeito pode ser usuário de drogas independente da estrutura. A droga pode assim assumir múltiplas funções na relação do sujeito com o Outro. A metáfora paterna e sua incidência nas toxicomanias Para começar a tratar da questão fazemos um breve percurso pela teorização clássica de Lacan a respeito da metáfora paterna.

A produção da significação fálica pela ação da metáfora paterna inscreve o complexo de castração que, de acordo com Lacan (1958/1998, p. 665), tem uma função de nó, de enlaçamento, resultando na estruturação dinâmica dos sintomas. No sentido analítico trata-se do que é analisável nas estruturas neurótica, psicótica e perversa. Para Lacan, o Nome-do-Pai é uma metáfora (1958/1998). Consiste na substituição do desejo da mãe pelo significante fálico, a partir da elisão do desejo materno. Observa-se que o apelo ao Nome-do-Pai corresponde não à carência do pai real, mas à carência do próprio significante. Nesse sentido, Lacan indica que o chamado ao Nome-do-Pai responde não a ausência de um pai real, mas a carência do significante, uma vez que essa ausência é compatível com a presença do significante fálico. Diferentemente dos sujeitos neuróticos para os quais a metáfora paterna constrói uma identificação, o sujeito psicótico, em torno da ausência do significante fálico, suporte da cadeia significante, busca uma identificação que nomeie sua falta-a-ser, com a produção de um delírio, como observado nas memórias de Schreber - o de ser A mulher de Deus. Sabe-se que o delírio bem constituído é um apaziguamento para o sujeito, pois fornece um contorno que o situa numa certa relação ao simbólico. Pelo uso da linguagem, o sujeito psicótico contorna esse vazio de significação produzido pela ausência do significante fálico. Para Lacan (1958/1998, p. 565), o delírio de Schreber revela a estrutura própria ao processo psicótico. Na psicose podemos então ler a ruptura com o gozo fálico como a foraclusão do significante do Nome-do-Pai. A ausência do significante do Nome-do-Pai, ou seja, a ruptura da identificação paterna está marcada como P 0 no esquema I construído para pensar a psicose de Schreber. No ponto em que, na neurose, o Nome-do-Pai (P) produz a significação fálica ( ) do que é dito, na psicose temos, ao invés disso, essas indicações de falha: 0, P 0. A partir dessas duas formas de pensar as falhas de inscrição, Lacan se questiona se uma implica necessariamente a outra e se uma pode existir sem a outra. Ou seja, se podemos encontrar sujeitos para quem haja P mas falte e vice-versa. Sobre esse aspecto, Laurent (1994/2014, p. 21) responde que, no tocante à psicose, ele não sabe se pode existir o 0 separado do P 0, porém a utilização do tóxico pode nos levar a crer na possibilidade da ruptura com o gozo fálico, sem que o sujeito esteja no registro da foraclusão do Nome-do-Pai, ou seja: temos 0 mas encontramos um P.

O frequente diagnóstico de psicose no campo da toxicomania decorre do fato da clínica receber muitos psicóticos com problemas de toxicomanias, ou toxicômanos que são equivocadamente diagnosticados como psicóticos. Para que esta clínica seja melhor trabalhada, no entanto, a partir do primeiro ensino de Lacan, é preciso operar a partir da operacionalidade do Nome-do-pai na estrutura. O que nos leva a localizar a ideia da ruptura com o falo na neurose e na psicose. Além dessas duas possibilidades, há uma terceira categoria clínica que nos intriga por apresentar amarrações diferentes. Sobre esse aspecto, Naparstek (2010) refere-se ao tema dos inclassificáveis, trabalhado por psicanalistas do Campo Freudiano. A categoria de inclassificáveis diz respeito a casos que não apresentam as mesmas características encontradas nas estruturas clínicas tipificadas. Sobre este tema, Miller (1999) diferencia psicoses ordinárias de psicoses extraordinárias, tomando as ordinárias como aquelas cujo delírio se sustenta mais próximo ao senso comum em oposição às extraordinárias que respondem com a construção de um delírio mais bizarro, ao estilo Schreber. Os psicóticos ordinários podem romper com o Outro, e reenlaçar-se novamente de forma mais sutil, pois, para Miller, são mais flexíveis. Observando trabalhos clínicos elaborados por psicanalistas do Campo Freudiano, a partir da pesquisa do tema da toxicomania, Laurent (1994/2014, p. 23) nos recorda que encontrou na clínica toxicômanos psicóticos, que não se apresentavam sob o modo sou toxicômano. Menciona um caso atendido no hospital psiquiátrico, de um homem viciado em éter que relata estar ali, por um assunto de família, cuja questão familiar era a herança, as terras. Para o analista, a homofonia em francês dos termos terra (les terres) e éter (l ether), sublinha que o gozo da substância, a inalação do éter, era o retorno no real desse gozo extraído do Nome-do-Pai, que era para ele a herança das terras. A droga e o rompimento com o pequeno-pipi A indicação lacaniana (1975) de que a droga é o que permite o rompimento do corpo com o pequeno-pipi remete-nos ao caso Hans (Freud, 1905). No momento do aparecimento da angústia e eclosão de sua fobia, a agitação do órgão foi o que retirou Hans de sua vivência de paraíso na relação fusional com a mãe. Essa parte do corpo que se excita com facilidade provoca um desconforto, colado a um não saber sobre a diferença, implicada no corpo do hetero. Esse desconforto impulsionou Hans a

enveredar em suas pesquisas sobre quem tem e quem não tem pipi. Imagem de um tempo necessário e anterior à instalação do complexo de castração. A castração é um gozo que nos livra da angústia, localizando-se no ponto em que o sujeito, homem ou mulher, é surpreendido pelo casamento do corpo com o órgão. Trata-se de uma complicação ligada ao nó, explicita Kaufmanner (2003, p. 39). O autor nos lembra de que a ênfase no órgão é dada por Lacan porque o órgão é o que melhor se empresta a sustentar o falo enquanto função. O momento de inscrição do falo, vivenciado por Hans, é o que Naparstek (2008) nomeia de momento de solda, de enlaçamento, ao pontuar o que legitima esta inscrição fálica explicada por Lacan (1971) como fazer de um órgão um instrumento. Na condição de que só se instrumentaliza o órgão pela via do simbólico, ou seja, que o órgão responda à palavra, instrumentalizar o órgão resulta em que ele pode ser utilizado como ferramenta ou moeda de troca, na relação com o outro sexo. A tese de Naparstek (2008) corrobora a de Lacan na proposta de que a inscrição do falo e sua colocação em funcionamento são coisas distintas e que se dão em tempos diferentes. Se o falo está inscrito, o sujeito pode ou não fazer uso dele em um segundo momento. Para o autor, há uma diferença essencial entre órgão e instrumento: o órgão está reduzido à anatomia, ao passo que o instrumento relaciona-se com a possibilidade de fazer uso deste no laço com o Outro. Naparstek (2008) relata um caso em que a droga não serviu para romper o matrimônio do corpo com o faz-pipi. Trata-se de uma leitura clínica na qual a droga, ao contrário, parece favorecer esse matrimônio do corpo com o órgão. Ele nos conta a história de um sujeito que, desde os seus 12 ou 13 anos, ficou para trás. Hoje é um adulto que não sabe como abordar as mulheres, preferindo a masturbação e o estar só, acompanhado pelo consumo de certas drogas que o ajudam nesta prática solitária (idem, p. 99). Em análise, produz os significantes estancado, preso a mim mesmo e a frase: fico enganchado ao ficar só, com a masturbação, com a droga, enganchado com o pinto. Para o analista, trata-se de um caso de um homem verdadeiramente solteiro, ou seja, um sujeito que está casado com seu próprio falo. Ele não rompeu o casamento com o faz-pipi. Nesse caso, ao contrário, a droga serve para afirmar a aliança com o órgão.

Há dois caminhos possíveis para abandonar o casamento com o falo: um é pela via do significante no campo fálico, o que possibilita muitas vezes uma análise; o outro é por uma via que não implica o significante, uma tentativa de enfrentamento da pulsão pelo caminho do real, como aborda Naparstek (2008, p. 103): Aqui a droga encontra um lugar que já não permite o casamento com o órgão, ao contrário, quando esse casamento se torna insuportável, possibilita sua ruptura. Assim, rompe-se o casamento com o falo e o sujeito sai do campo do Outro por uma passagem ao ato. Outro ponto a observar é que os toxicômanos não querem uma coisa precisa; eles respondem à mutação do mercado, que sempre pode inventar uma nova droga como gadget. Situamos, com relação a isso, a afirmação de Laurent (1994) de que o rompimento do gozo fálico suprime as particularidades do sujeito. Observamos, então, na clínica das toxicomanias, os sujeitos reduzidos às nomeações emprestadas de seus objetos tóxicos. Considerações finais A partir do exposto verificamos duas hipóteses sobre o funcionamento da droga na neurose. A primeira hipótese se sustenta na fixação, na passagem do auto-erotismo nomeado por Freud (1908/2006, p. 150) onanismo como solda, para a relação com o objeto a. Nesses casos a droga seria o gadget utilizado para manejar a relação com o Outro configurando uma posição sustentada pela fantasia e, portanto, mais masculina em referência às fórmulas da sexuação. A segunda hipótese se localiza do lado feminino das fórmulas da sexuação, no qual se encontra a possibilidade de um gozo Outro, ilimitado e não-todo. Nesses casos, há uma não regulação prévia do falo, uma vez que o não-todo, do lado feminino, empurra os sujeitos para o litoral do real. A primeira consequência teórica que podemos extrair dessas considerações é a de que há ruptura com o Nome-do-Pai fora da psicose, em casos de neurose. Isso pode ser verificado na tese de ruptura proposta por Lacan. A segunda consequência consiste em que, para a neurose, trata-se de uma ruptura com as particularidades da fantasia, ou seja, com o fato de que a fantasia supõe o objeto de gozo na medida em que ela inclui a castração (idem, p. 23). O toxicômano engendra assim um uso de gozo fora da fantasia, através do recurso à droga: um curto-circuito. A ruptura com o pequenopipi é a prova de que se pode gozar sem passar pelos meandros da fantasia.

Podemos concluir apontando que essas colocações teóricas devem ser examinadas uma a uma, no caso a caso e que a aposta de uma análise é a de que o sujeito possa, sob transferência, encontrar uma outra amarração significante possível, diferente daquela do recurso ao tóxico. Referências Bibliográficas: FREUD, S. (1908/2006) Fantasias histéricas e sua relação com a bissexualidade. Em: Obras Psicológicas Completas, Edição Standard Brasileira Vol. IX. Rio de Janeiro: Imago. LACAN, J. (1958/ 1998). De uma questão preliminar a todo tratamento possível na Psicose. Em: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. (1955-1956/1998). O Seminário, livro 3: as psicoses. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. Sessão de encerramento da Jornada de Cartéis da Escola Freudiana de Paris, 13/04/1975. Em: Documentos para uma Escola, Revista Letra Freudiana, circulação interna. LAURENT, E. (1994). Tres observaciones sobre la toxicomania. Em: Sujeto, Goce y modernidad. Paris: Atuel, TyA. KAUFMANNER, H. (2003) Wiwimacher, fobia e toxicomania: impasses de um casamento. Em: Opção Lacaniana, Revista Brasileira Internacional de Psicanálise, n. 38, Novembro de 2003. São Paulo: Eólia. MILLER, J.-A (1999) e outros. Los inclasificables de la clínica psicoanalítica. Buenos Aires: Paidós, MEZËNCIO, M.; ROSA, M.; FARIA, W. (orgs.) (2014) Tratamento possível das toxicomanias com Lacan. Belo Horizonte: Scriptum. NAPARSTEK, F. (2008). A tese lacaniana, sobre a droga. Em: Revista de Psicologia Plural,, n.27, jan-jun. Belo Horizonte: Fumec. (2010). Los inclasificables em la toxicomanias y las psicosis. Em: Introducción a la clínica com toxicomanias y alcoholismo III. Buenos Aires: Grama.