GENÉTICA E HEMATOLOGIA DE LAGARTOS DO GÊNERO TUPINAMBIS (SAURIA:TEIIDAE)



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GENÉTICA E HEMATOLOGIA DE LAGARTOS DO GÊNERO TUPINAMBIS (SAURIA:TEIIDAE) Fábio Maffei 1 Maricê Domingues Heubel 2 Fabiane Bortoluci da Silva 3 1 Biólogo pela Universidade do Sagrado Coração - USC e Bolsista do CNPq 2 Bióloga Professora Doutora do Centro de Ciências Biológicas e Profissões da Saúde da Universidade do Sagrado Coração 3 Bióloga, Especialista em Ciências, Universidade do Sagrado Coração Recebido em: 16/3/2006 Aceito em: 12/3/2007 v. 26, n. 3, p. 337- RESUMO Os teiús são os maiores lagartos predadores da América do Sul, os maiores lagartos do Novo Mundo e os maiores representantes da família Teiidae; portanto, seu papel na cadeia alimentar e no equilíbrio de um ecossistema é fundamental. Todas as espécies de teiús ocorrem no território brasileiro, sendo duas delas endêmicas. Este artigo teve como objetivo caracterizar lagartos do gênero Tupinambis por meio da genética e da hematologia. Foram analisados 17 animais de cativeiro de cinco espécies de teiús, sendo oito Tupinambis merianae, quatro T. rufescens, três T. quadrilineatus, um T. teguixin e um T. duseni. No que concerne à hematologia, foram analisados hematócrito, dosagem de hemoglobina, contagem de eritrócitos, volume corpuscular médio, hemoglobina corpuscular média e concentração da hemoglobina corpuscular média. Os resultados mostraram que ocorreu diferença entre as espécies em todas as variáveis hematológicas. A partir da técnica eletroforética em acetato de celulose (tampão Borato ph 8,9), foram identificados os padrões de hemoglobina de quatro espécies de teiús (T. merianae, T. rufescens, T. quadrilineatus e T. teguixin). Nas quatro espécies, verificaram-se dois padrões eletroforéticos, e com a mesma distância entre as bandas. Apesar de o gênero Tupinambis estar em constante modificação e novas espécies sendo descritas, foi possível observar diferenças entre as espé- 337

cies analisadas no trabalho. O acompanhamento de animais em cativeiro é importante para esclarecer situações ocorridas em ambientes naturais. Palavras-chave: Tupinambis, Teiidae, genética. ABSTRACT Genetics and hematology of lizards of the genus Tupinambis Tegus are the largest predator lizards in South America, the largest terrestrial lizards of the New World and the largest members of the family Teiidae; therefore its role in the food chain and inside an ecosystem balance is essential. All tegus species occur in Brazilian territory, and two of them are endemic. This work aimed to characterize animals through genetics and hematology. 17 animals of 5 tegus species were analyzed, being 8 Tupinambis merianae, 4 Tupinambis rufescens, 3 Tupinambis quadrilineatus, 1 Tupinambis teguixin and 1 Tupinambis duseni. In hematology were analyzed hematocrit, hemoglobine dosage, erythrocyte count, average body volume, average body hemoglobin and average body hemoglobin concentration. The results showed that occurs differences between the species in all of hematology variables. Throught electrophoretic techniques in cellulose acetate (Borato ph 8,9), hemoglobin patterns were identifi ed four tegus species (T. merianae, T. rufescens, T. quadrilineatus and T. teguixin). In four the species it was possible to verify two standard eletrophoretics, and with the same distance among the bands. In spite of the Tupinambis genus is in steady modifi cation and the description of new species, it was possible to note differences among the analyzed species during this work. The accompaniment of the animals in captivity is important for elucidate the situation in natural environmet. Key words: Tupinambis, Teiidae, genetics and hematology. INTRODUÇÃO Os teiús são os lagartos do gênero Tupinambis, que, junto com os jacuruxis (Dracaena sp.), são os maiores representantes da família Teiidae. Com cerca de 80 espécies, essa família possui animais de hábitos terrícolas bastante ativos (POUGH, 1999). Sua distribuição é restrita à América do Sul, a leste dos Andes, da Amazônia ao norte 338

da Patagônia (PÉRES Jr., 2003). Sua dieta é muito variada, incluindo desde ovos, vegetais e artrópodes até pequenos vertebrados (COLLI, 2005), possuindo um grande potencial para agir como dispersores de sementes (CASTRO, 2004). O gênero Tupinambis atualmente é formado por sete espécies: T. merianae, T. rufescens, T. quadrilineatus, T. teguixin, T. longilineus, T. duseni e T. palustris (PÉRES Jr., 2004). O gênero está incluído no Apêndice II da CITES (Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Fauna e Flora Silvestres Ameaçadas), sendo considerado vulnerável à extinção. Essa situação deve-se, principalmente devido à comercialização de seu couro (PÉRES Jr., 2003). Embora todas espécies que se encontram no Apêndice II da CITES não serem consideradas em perigo de extinção, poderão chegar a essa situação, a menos que o comércio dos espécimes esteja sujeito à regulamentação rigorosa, a fim de evitar uma exploração incompatível à sua sobrevivência (MOURA, 1979). A taxonomia do gênero é muito confusa. Recentemente, novas espécies foram descritas e estudos detalhados têm provocado mudanças em nomes específicos (PÉRES Jr., 2003; PÉRES Jr., 2004). Segundo Colli (1998), o número de poros femorais e dorsais, o tamanho relativo dos membros e as escamas ao redor do meio do corpo são os melhores discriminadores entre as espécies. A espécie Tupinambis merianae é encontrada na Argentina, no Paraguai, no Uruguai e em todas as regiões do Brasil abaixo do rio Amazonas (ÁVILA-PIRES, 1995). Foi introduzida erroneamente no Arquipélago de Fernando de Noronha no fim da década 1950 com o objetivo de controlar as populações de ratos e sapos, animais com hábitos diferentes dos teiús. O crescimento das populações de T. merianae no arquipélago ameaça as populações de espécies nativas, como aves e tartarugas marinhas (PÉRES Jr., 2001), importantes para a manutenção da riqueza natural local. O Tupinambis rufescens é restringido, aparentemente, à Argentina, à Bolívia, e ao Paraguai. Embora a espécie possa habitar áreas de transição entre o Chaco e outros biomas do Brasil, é muito provável que os registros brasileiros de T. rufescens sejam espécimes de T. duseni (PÉRES Jr., 2003). A espécie Tupinambis quadrilineatus é aparentemente endêmica do Cerrado, associado às matas de galeria e também foi classificada como Tupinambis cerradensis (COLLI, 1998), mas utiliza Tupinambis quadrilineatus de Manzani e Abe. Tupinambis teguixin ocorre em praticamente em toda a Floresta Amazônica, incluindo Brasil, Guiana, Guiana Francesa, Suriname, Colômbia, Venezuela, Equador, Peru e Bolívia (ÀVILA-PIRES, 1995). 339

Literaturas não muito recentes trazem esta espécie como Tupinambis nigropunctatus. Vanzolini (2003) e Péres Jr. (2003) relatam que a denominação correta para o Tupinambis, de ocorrência Amazônica, é T. teguixin de Linnaeus e não T. nigropunctatus de Spix. O Tupinambis duseni é aparentemente endêmico do Cerrado, ocorrendo no Brasil (Paraná e Goiás) e no Paraguai (PÉRES Jr., 2004). Tupinambis longilineus foi encontrado na região de Alvorada d Oeste (Rondônia-Brasil) e do rio Ituxi (Amazonas) (COLLI, 1998). A última espécie descrita, Tupinambis palustris (MANZANI; ABE, 2002) foi considerada por Péres Jr. (2003) sinônima de T. teguixin, já que não apresentou diferenças merísticas consideráveis, além de que a descrição original de T. palustris é incompleta e os caracteres diagnósticos apresentados não são convincentes, de acordo com o autor. Análises laboratoriais em répteis representam fundamental ferramenta no processo de diagnóstico de enfermidades (RISTOW, 2003). Ceballos (1995), analisando o lagarto Liolaemus wiegmannii Tropiduridae), relatou que a hematologia promove um importante número de dados sobre os distintos elementos do sangue, entre eles a morfologia e o número absoluto e relativo das distintas linhas celulares. Estes dados estão diretamente relacionados às funções que cumprem alguns elementos: transporte de gases respiratórios nos eritrócitos, funções de defesas de leucócitos e hemostasias nas plaquetas. Seu conhecimento mostra um panorama fisiológico que tanto biólogos como veterinários utilizam para estabelecer o estado de saúde dos animais. O autor chegou à conclusão de que o número total de eritrócitos sofre variações durante o ciclo anual, com aumentos no verão e diminuição durante a hibernação. O hematócrito de répteis gira em torno de 25% a 35% e a contagem total e relativa de células sangüíneas pode variar enormemente em função de diversos fatores, como: o tamanho da célula; a idade do animal; o gênero; a sazonalidade, além dos fatores patológicos, nutricionais e ambientais (RISTOW, 2003). Segundo Santos (1999), os valores de referências para hematócrito (%) de jabotis são de 20-33, de jacarés 23-32 e lagartos 31-36. Frye (1986) cita valores de referências em iguanas (Iguana iguana) para hematócrito 22%. Complementando os estudos hematológicos, a análise da molécula protéica hemoglobina, por meio da eletroforese, é de grande importância na genética bioquímica, para verificação de variações intra e interespecíficas. A hemoglobina é uma molécula protéica muito utilizada em genética bioquímica, visando à caracterização das espécies. Essa 340

v. 26, n. 3, p. 337 molécula tem a função de transportar o oxigênio e é quimicamente composta por um pigmento, o heme, e uma proteína, a globina (NAOUM, 1999). Este artigo teve como objetivos analisar as variações hematológicas e caracterizar o padrão eletroforético da hemoglobina de lagartos do gênero Tupinambis. MATERIAL E MÉTODO Foram analisados 17 animais de cinco espécies de teiús, sendo oito Tupinambis merianae, quatro T. rufescens, três T. quadrilineatus, um T. teguixin e um T. duseni. Para comparações concernentes à genética, analisou-se um espécime de lagarto-monitor (Varanus niloticus) (Figura 1). As coletas de sangue foram feitas no Parque Zoológico Municipal de Bauru (SP) e no Parque Zoológico Municipal Quinzinho de Barros Sorocaba (SP). Figura 1 A) Tupinambis merianae, B) Tupinambis duseni, C) Tupinambis rufescens, D) Tupinambis quadrilineatus, E) Tupinambis teguixin e F) Varanus niloticus 341

A coleta de sangue foi feita apenas uma vez em cada animal pelo veterinário responsável de cada instituição e realizada por punção da veia dorsal caudal com o animal na posição dorsal (MADER, 1996), evitando ao máximo o estresse do mesmo. Foram utilizadas seringas hipodérmicas heparinizadas (5.000 U.I.) de 3ml com agulha 25mm x 5mm e a amostra de sangue foi depositada em tubo de ensaio e homogeneizada, tomando-se os devidos cuidados para evitar hemólise. Posteriormente, foram realizados os exames hematológicos. A determinação do volume globular ou hematócrito, dosagem de hemoglobina e índices hematimétricos volume corpuscular médio (VCM), hemoglobina corpuscular média (HCM) e concentração de hemoglobina corpuscular média (CHCM) foram realizados de acordo com o método descrito em Vallada (1999). A contagem de eritrócitos foi realizada segundo Natt e Herrick (1952) e Domingues (1992). Não foi possível a realização da contagem de eritrócitos e da determinação dos índices hematimétricos VCM e HCM para a espécie Tupinambis quadrilineatus devido à pouca quantidade de material coletado. Para a separação da hemoglobina, utilizou-se a técnica de eletroforese em gel de acetato de celulose adaptado de Machado (1973), com tampão Borato 0,09 M ph 8,6. O gel foi corado com Coomassie por 15 minutos e a descoloração das frações a partir de solução de ácido acético glacial a 10%. RESULTADOS E DISCUSSÃO Na parte hematológica, foi possível observar uma variação entre machos e fêmeas de Tupinambis merianae na taxa de hemoglobina com 13,7g% para fêmeas e 17,5g% para machos. Quanto ao hematócrito, T. quadrilineatus, T. rufescens, T. merianae, T. teguixin e T. duseni apresentaram valores médios entre 34 a 40%. De acordo com Santos (1999), os valores de hematócrito para lagartos são de 31-36%, portanto, os valores foram próximos aos dos animais estudados. Entretanto, nos valores médios para a concentração de hemoglobina, as espécies apresentaram grande variação: T. quadrilineatus (X = 10,81g%, DP = 1,18), T. rufescens (X= 12,79g%, DP = 1,32), T. merianae (X= 15,81g%, DP = 2,80), T. teguixin (13,06g%) e T. duseni (19,01g%). O número de eritrócitos apresentou valores variáveis, cujos indivíduos permaneceram entre 44 e 166 (x 10.000). Entretanto, os valores médios encontrados em duas espécies foram: T. rufescens (X= 73, 25, DP = 29,74) e T. merianae (X= 77, 00, DP = 40). E os únicos 342

exemplares de cada apresentaram os valores: T. teguixin (57), T. duseni (92) e T. quadrilineatus (98). Os valores dos índices hematimétricos também variaram, pois são dependentes dos valores da hemoglobina (Hb) e eritrócitos encontrados em cada espécie. Os valores de VCM (Ht/Er) encontrados para T. rufescens (X = 5, 00, DP = 1,09), T. merianae (X= 5,00, DP = 1,35), T. teguixin (7,02) e T. duseni (4,35). Somente o resultado de um exemplar de T. quadrilineatus é 3, 98, cujo problema técnico foi citado anteriormente. Os valores de HCM (Hb/Er x 10) encontrados para T. rufescens (X = 1,97, DP = 0,81), T. merianae (X= 2,37, DP = 1,07), T. teguixin (2,29) e T. duseni (2,10). Somente o resultado de um exemplar de T. quadrilineatus é 1,19. Os valores de CHCM (Hb/Ht x 100) de T. quadrilineatus (X= 30,94, DP = 0,87), T. rufescens (X= 38,40, DP = 8,73), T. merianae (X= 45,98, DP = 13,45), T. teguixin (32,66) e T. duseni (48,28) (Tabela 1). Tabela 1 Média e desvio padrão de parâmetros hematológicos do gênero Tupinambis Espécie Ht (%) 35,00 ±4,58 34,75 Hb (g%) 10,81 ±1,18 12,79 Erit. (x 10.000) VCM (%) HCM (%) CHCM (%) 30,94 ±0,87 38,40 T. quadrilineatus (n=3) T. rufescens 73,25 5,00 1,97 (n=4) ±9,07 ±1,32 ±29,74 ±1,09 ±0,81 ±8,73 T. merianae 34,63 15,31 77,38 5,00 2,37 45,98 (n=8) ±7,71 ±2,80 ±39,72 ±1,35 ±1,07 ±13,45 T. teguixim (n=1) 40,00 13,06 57,00 7,02 2,29 32,66 T. duseni (n=1) 40,00 19,31 92,00 4,35 2,10 48,28 Ht = hematócrito Hb = hemoglobina Erit. = contagem total de eritrócitos VCM = volume corpuscular médio HCM = hemoglobina corpuscular média CHCM = concentração de hemoglobina corpuscular média A partir de técnicas eletroforéticas em acetato de celulose, foram identificados os padrões de hemoglobina de quatro espécies de teiús (Tupinambis merianae, T. rufescens, T. teguixin e T. quadrilineatus) e, para fins comparativos, também foi analisada uma espécie de lagarto-monitor (Varanus niloticus). Todas as espécies apresentaram padrões eletroforéticos semelhantes, entretanto, os tipos de bandas (migração) não coincidiram (Figura 2). De acordo com a eletroforese, podemos mencionar que os padrões de hemoglobina de T. merianae estão muito próximos de T. teguixin, devido à semelhança dos 343

pontos de migração das duas bandas encontradas. Em Tupinambis quadrilineatus também foi possível observar duas bandas, sendo a segunda bem diferente da primeira, mas com ponto de migração igual de T. merianae e T. teguixin. Tupinambis rufescens, apresentou as bandas com pontos de migração bem diferentes dos demais. A eletroforese do lagarto-monitor (Varanus niloticus) apresentou apenas uma banda, evidenciando a diferença por ser um animal de uma família diferente. Figura 2 Eletroforeses de hemoglobina de espécies de Tupinambis e Varanus niloticus CONSIDERAÇÕES FINAIS Apesar de o gênero Tupinambis estar em constante modificação e novas espécies sendo descritas, observou-se uma semelhança entre os animais do mesmo gênero. No que se refere à eletroforese do trabalho, as quatro espécies apresentaram dois padrões eletroforéticos, e com a mesma distância entre as bandas, porém, com pontos de migração diferente em todas. As características hematológicas do gênero Tupinambis obtidas possibilitarão comparações com demais lagartos e também com animais em cativeiro. É importante conhecer os índices hematológicos dessas espécies para fornecer informações sobre as condições fisiológicas dos animais. O acompanhamento de animais em cativeiro é importante para esclarecer possíveis situações ocorridas em ambientes naturais. 344

AGRADECIMENTOS À Universidade do Sagrado Coração, ao Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico, pela concessão da bolsa de iniciação científica PIBIC/CNPq (Processo 111054/2002-8), ao Parque Zoológico Municipal de Bauru e ao Parque Zoológico Municipal Quinzinho de Barros Sorocaba (SP), por cederem os animais para a pesquisa. REFERÊNCIAS ÁVILA-PIRES, T. C. S. Lizards of Brazilian Amazonia (Reptilia: Squamata). Zoologische Verhandelingen Leiden. 1995. CASTRO, E. R.; GALETTI, M. Frugivoria e dispersão de sementes pelo lagarto teiú Tupinambis merianae (REPTILIA: TEIIDAE). Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo. Papéis Avulsos de Zoologia, v. 44, n. 6, p. 91-97, 2004. CEBALLOS, S. B. Algunos parámetros hematológicos en Liolaemus wiegmannii Tropiduridae). Cuadernos de Herpetologia, v. 9, n. 1, p. 51-56. 1995. COLLI, G. R. Tupinambis merianae. Disponível em: <http://www. unb.br/ib/zoo/grcolli/guia/tmerianae.htm>. Acesso em: 10 dez. 2005. COLLI, G. R.; PÉRES Jr, A. K.; CUNHA, H. J. A new species of Tupinambis (Sauria, Teiidae) from central Brazil, with an analysis of morfological and genetic variation in the genus. Herpetologica, v. 54, n. 4, p. 477-492, 1998. DOMINGUES, M. T. C. Possíveis correlações entre fragilidade osmótica eritrocitária e variáveis hematológicas em Synbranchus marmoratus Bloch 1795 (Pisces, Synbranchidae). 111 f. 1992. Dissertação (Mestrado em Ciências Biológicas) Instituto de Ciências Biológicas, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Botucatu, 1992. FRYE, F. L. Hematology of captive reptiles. In: FOWLER, M. E. Zoo & wild animal medicine. 2 nd ed. Philadelphia: W. B. Saunders, 1986. MACHADO, P. E. A. Contribuição ao estudo do comportamento das hemoglobinas A1, A2 e B em negros e mulatos, siclêmicos. 1973. Tese (Doutorado em Ciências Biológicas) Faculdade de Ciências Médicas e Biológicas da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Botucatu. 345

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