HISTOQUÍMICA DOS TECIDOS MINERALIZADOS NAS LESOES DE DISPLASIA FIBROSA E FIBROMA CEMENTO-OSSIFICANTE PERIFÉRICO*



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Transcrição:

HISTOQUÍMICA DOS TECIDOS MINERALIZADOS NAS LESOES DE DISPLASIA FIBROSA E FIBROMA CEMENTO-OSSIFICANTE PERIFÉRICO* Taciana Marco FERRAZ** Terezmha de Oliveira NOGUEIRA*** 8 RESUMO: Neste estudo avaiiamos histologicamente duas lesões fibro-ósseas benignas, espedcamente a displasia fibrosa e o fibroma cemento-ossificante periférico do complexo maxiio-mandibular. Estas duas lesões apresentam padrões histológicos muito semelhantes, caracterizando-se por formação de tecido conjuntivo com focos de mineraiização de aspecto vaável. Muitas vezes, o diagnóstico histológico final só é fornecido após estudo do exame radiográfico e da história clúlica do paciente. Sendo assim, a partir da utilização de técnicas histoquímicas específicas para tecido calcificado, tais como a Técnica de Von Kossa, a de Gallego e da Purpurina, era nosso intuito verificar o auxílio que estas poderiam fornecer, facilitando o estudo histológico dessas lesões. As lâminas em parafma das lesões citadas foram coradas utilizando-se as três técnicas em questão, porém apenas a técnica de Von Kossa mostrou resultados de interesse que nos auxiiiaram na diferenciação histológica das duas lesões em estudo. 8 PALAVRAS-CHAVE: Displasia fibrosa; fibroma ossificante, cemento. Introdução Embora Menzel, em 1842, tenha sido o primeiro a descrever a entidade patológica fibroma ossificante, foi Montgomery que, em 1927, Trabalho subvencionado pela Fapesp (Processo 94/2404-9). ** Cirurgiã-dentista - 12245-000 - São José dos Campos - SP. *** Departamento de Patologia - Faculdade de Odontologia - UNESP - 12245-000 - São José dos Campos - SP. Rev. Odontol. UNESP, São Paulo, 27(1): 87-98, 1998 87

denominou-o "fibroma ossificante". Subsequentemente, com a introdução do termo "displasia fibrosa" por Lichtenstein em 1938, foi sugerido que as lesões no complexo maxilo-mandibular previamente denominadas fibro-osteoma ou fibroma ossificante deveriam ser chamadas de displasias fibrosas. Recentemente, esta tendência parece estar se revertendo e as duas lesões têm sido consideradas como entidades clínicas distintas.6 A displasia fibrosa é uma condição idiopática na qual o tecido ósseo é gradualmente substituído por uma proliferação de tecido conjuntivo fibroso. O tecido mesenquimal forma tecido ósseolosteóide, que surge no local da lesão por um processo de metaplasia. O tecido fibro-ósseo resultante é mal formado e estruturalmente inadeq~ado.~ A etiologia desta condição permanece desconhecida, muito embora várias teorias tenham sido propostas. Muitos pesquisadores aceitam a premissa de que a displasia fibrosa representa um crescimento hamartomatoso, não-neoplásico, resultante da atividade desordenada da célula mesenquimal. Tem sido proposto também que esta lesão resulta de uma parada na maturação do tecido mesenquimal no estágio de osso imaturo. Uma outra hipótese sugere que se trata de uma reação anormal do osso relacionada a um episódio traumático localizado. Alternativamente, tem sido ainda sugerida como possível a ocorrência de um distúrbio endócrino, manifestando-se como uma alteração focal do osso. Não se determinou uma base hereditária para a displasia fibrosa.g As displasias fibrosas são classificadas em "monostótica" e "poliostótica" conforme envolvam um ou mais ossos, respectivamente. São descritos dois tipos de displasia fibrosa poliostótica, aparentemente separados : a) displasia fibrosa envolvendo um número variável de ossos, embora grande parte do esqueleto esteja normal, acompanhada de lesões pigmentadas da pele ou manchas "café-com-leite". É a do tipo Jaffe ; b) displasia fibrosa mais acentuada, envolvendo quase todos os ossos do esqueleto, acompanhada de lesões pigmentadas da pele e distúrbios endócrinos de vários tipos. É chamada de Síndrome de Albright. A displasia fibrosa monostótica, aquela forma de doença em que apenas um osso é envolvido, não apresenta lesões extra-esqueléticas como as que se observam nas displasias fibrosas poli~stóticas.~~ Não obstante esta doença seja localizada, ela é bastante confusa em razão de 88 Rev. Odontol. UNESP, São Paulo, 27(1): 87-98, 1998

sua distribuição, sua variação histológica e curso clínico. As lesões da maxda podem propagar-se e envolver o seio maxdar, o zigoma, o osso esfenóide e o assoalho da órbita, sendo conhecida então como displasia fibrosa crani~facial.~ O padrão histológico da displasia fibrosa varia com a evolução e o estágio de desenvolvimento da doença. Na lesão inicial o tecido é bastante celular, com predominância de fibroblastos, podendo-se encontrar também pequenas formações de tecido rninerahzado. Com a progressão da lesão, a quantidade de tecido minerahzado aumenta e gradualmente o tecido fibroso diminui, tanto em quantidade como em celularidade. Não há separação nítida entre o novo tecido rnineralizado formado e o tecido ósseo cir~unjacente.~ O íibroma cemento-ossificante é classificado em central ou periférico, segundo a sua localização, se intra- ou extra-óssea. O fibroma cemento-ossificante periférico pode oconer em qualquer idade, porém é mais comum em crianças e adultos jovens.ll O aspecto clínico da lesão é característico, mas não patognomônico. É uma massa focal de tecido, bem delimitada, na gengiva, com uma base séssil ou pedunculada. Geralmente é da mesma cor da mucosa, podendo ser ligeiramente avermelhado. A superfície pode estar intacta ou ulcerada. Mais comumente parece originar-se em papila interdentária. Radiograficarnente, na maioria dos casos não se observa envolvimento aparente do osso subjacente. Todavia, em ocasiões raras pode ocorrer uma erosão superficial do osso.1 Histologicamente, a lesão é composta, basicamente, por delicadas fibras colágenas entrelaçadas, raramente dispostas em feixes isolados, entremeadas com numerosos fibroblastos em ativa proliferação. Embora possam existir figuras de mitose em pequeno número, raramente há pleomorfismo celular evidente. No conjuntivo, podemos notar a presença de tecido calcificado de aspecto variável, desde pequenos focos de trabéculas ósseas irregulares, que podem ter certa semelhança com a forma das trabéculas ósseas da displasia fibrosa, e/ou inúmeros focos de massas basófilas semelhantes a cemento (redondas, ovóides, ligeiramente alongadas ou muitas vezes lobuladas), circundadas por cementóide e cementoblasto, ou ainda calcificação distrófica. Os diferentes aspectos podem ser observados isolada ou associadamente em uma mesma lâmina. Raramente, vêem-se células da inflamação.1 Com a maturação da lesão, o número de focos de material calcificado aumenta e, finalmente, coalescem. Isto explica o aumento da radiopacidade da lesão na radiografia. Rev. Odontol. UNESP, São Paulo, 27(1): 87-98, 1998 89

Buchner et ali3 estudando 207 casos de fibroma cemento-ossificante periférico, observaram que histologicamente esta lesão apresenta tecido conjuntivo ricamente celular e áreas de mineraiização, semelhantes a tecido ósseo, cemento ou na forma de calcificação distrófica. O fibroma cemento-ossificante central pode ocorrer em qualquer idade, porém é mais comum em adultos jovens, e mostra predileção pela mandíbula. Geralmente a lesão é assintomática até o crescimento produzir tumefação visível e deformidade moderada; o deslocamento dos dentes pode ser uma de suas características clínicas. É um tumor de crescimento relativamente lento e pode existir durante anos sem ser descoberto. Graças ao crescimento lento, as tábuas ósseas corticais e a mucosa suprajacente estariam usualmente intactas. Esta lesão apresenta aspecto radiográfico extremamente variável, dependendo da fase de desenvolvimento. A lesão é bem circunscrita e delimitada pelo osso circunjacente, ao contrário da displasia fibrosa, que apresenta aspecto de "vidro despolido", não havendo limites nítidos entre a lesão e o tecido ósseo normal.1 Apesar de os aspectos clínicos diferirem bastante, na hstopatologia há uma semelhança entre o fibroma cemento-ossificante e a displasia fibrosa do complexo mcuálo-mandibular, e muitas vezes o diagnóstico final só é fornecido após o estudo do exame radiográfico e da história clínica do pa~iente.~ Slootweg et al.12 avaliaram radiográfica e histologicamente casos de displasia fibrosa e fibroma cemento-ossificante. Deram ênfase a interface lesão-tecido ósseo normal, já que radiograficarnente apresentam padrões bem diferentes. Concluíram que há uma semelhança entre os dados radiográficos e os aspectos histológcos das lesões. Em 1971, a Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou o fbroma cementificante e o fibroma ossificante como duas entidades distintas. O primeiro foi classificado como uma neoplasia benigna de origem odontogênica e o segundo, como urna neoplasia benigna de origem o~teogênica.~ Porém, em 1992, quando a OMS divulgou uma nova classificação dos tumores, o fibroma ossificante e o fibroma cementificante foram considerados uma mesma entidade, classificados como neoplasia benigna de origem osteogênica, visto que o material semelhante a cemento que é encontrado em algumas lesões do complexo mdo-mandibular também foi encontrado em lesões de outros ossos do corpo. Essas obser- 90 Rev. Odontol. UNESP, São Paulo, 27(1): 87-98, 1998

vações podem ser atribuídas ao fato de que a célula responsável pela formação do tecido minerahzado destas lesões pode ser tanto o cementoblasto como o osteoblasto, dependendo da localização da lesão, e na verdade estas células poderiam ser provenientes da diferenciação de uma mesma célula precursora. Segundo esta classificação, as duas lesões são agora chamadas de fibroma cemento-o~sificante.~ Alguns autores, como Eversole et al.,4 Balogh et al.l e Kfir et al? sugerem que o fibroma cemento-ossificante periférico seria uma lesão hiperplásica inflamatória que apresenta material calcificado. Amda segundo a classificação de 1992, a displasia fibrosa do complexo maxilo-mandibular é classificada como uma lesão óssea não-neoplásica. É descrita como uma lesão bem delimitada, mas não encapsulada, ocorrendo epecialmente em indivíduos jovens. Geralmente ocorre na maxila e provoca substituição do tecido ósseo normal por um tecido fibroso que contém iihotas ou trabéculas de tecido ósseo metaplá~ico.~ Sendo assim, diante da dificuldade em diferenciar histologicamente as lesões fibro-ósseas benignas, e neste trabalho especificamente a displasia fibrosa e o fibroma cemento-ossificante periférico, lançamos mão de três técnicas histoquímicas, a Técnica de Gallego, de Von Kossa e da Purpurina, próprias para tecido calcificado, com o intuito de verificar como estas técnicas auxiharam no diagnóstico hstológico das lesões. Material e método Todos os casos de displasia fibrosa e fibroma cemento-ossificante (central e periférico) do arquivo de lâminas da Disciplina de Patologia Bucal do Departamento de Patologia da Faculdade de Odontologia de São José dos Campos (FOSJC), UNESP, foram levantados e selecionados para o estudo, e durante o levantamento não se encontrou nenhum caso de fibroma cemento-ossificante central. Os blocos selecionados foram cortados e corados com a Técnica de Von Kossa, de Gallego e da Purpurina. Abaixoi segue a descrição das técnicas citadas por Behmer et al. :2 a) Técnica de Von Kossa: desparafinar os cortes durante 30 minutos, em estufa a 57"C, e desaquecer durante 20 minutos a temperatura ambiente; Rev. Odontol. UNESP, São Paulo, 27(1): 87-98, 1998 91

lavar em água destilada; tratar pela solução de nitrato de prata a 5% por 20 a 60 minutos expondo-os a uma lâmpada de ultravioleta ou simplesmente uma lâmpada; lavar em água destilada; tratar com solução de hipossulfito de sódio por 2 a 3 minutos; corar pelo vermelho Naftol ou bordeaux-alumínio ou vermelho neutro 1% por 1 minuto; e lavar em água destilada; desidratar pelo álcool 95%, absoluto e xdol; montar. Resultados esperados : sais de cálcio: preto; e núcleo celular: vermelho; citoplasma celular: rosa. b) Técnica de Gallego: desparafinar os cortes durante 30 minutos, em estufa a 57"C, e desaquecer durante 20 minutos a temperatura ambiente; lavar em água destilada; e corar pela hematodna férrica por 6 minutos; lavar em água por 5 minutos; e tratar com mordente cloreto fémco-fomol-ácido nítnco por 30 segundos; lavar em água por 5 minutos; e corar pela fucsina-fenicada-acética por 5 minutos; lavar em água destilada; tratar com mordente cloreto férrico-formol-ácido nítrico por 30 segundos; lavar em água destilada; corar pelo azul de anihna-ácido pícrico por 2 minutos; e lavar em solução acética 0,1%; desidratar em várias acetonas, acetonas/xílol e montar. Resultados esperados : núcleo celular: preto e cinza; fibras reticulares e colágenas: azul escuro; cálcio: laranja, amarelo-esverdeado; e grânulos de mastócitos: vermelho-amarelado; cartilagem: púrpura e violeta; 92 Rev. Odontol. UNESP, São Paulo, 27(1): 87-98, 1998

mucoproteína: azul violeta; citoplasma celular: verde escuro-marrom; fibras elásticas : púrpura-vermelho. c) Técnica da Purpurina: desparafinar os cortes durante 30 minutos, em estufa a 57 C) e desaquecer durante 20 minutos a temperatura ambiente; e lavar em água destilada; tratar pela solução alcoólica saturada (95%) de Purpurina por 5 a 10 minutos; lavar em solução alcoólica de cloreto de sódio a 0,75%; diferenciar em álcool 70% até retirar o excesso de corante; e desidratar rapidamente em álcool 95%, absoluto e xdol; montar. Resultados esperados: vermelho: estruturas com sais de cálcio. Resultado Displasia fibrosa Do arquivo de lâminas da Disciplina de Patologia Bucal do Departamento de Patologia da Faculdade de Odontologia de São José dos Campos, UNESP, foram selecionados e corados 12 casos de displasia fibrosa. Porém, apenas dois casos apresentaram resultados positivos quando corados pela Técnica de Von Kossa, e quatro casos quando corados pela Técnica da Purpurina. As lâminas coradas pela Técnica de Gallego não apresentaram os resultados esperados. Em geral, os resultados morfológicos e histoquímicos observados nos casos de displasia fibrosa foram os seguintes: a) resultados morfológicos: massa de tecido conjuntivo frouxo, contendo em seu interior trabéculas irregulares de tecido ósseo, por vezes bem delimitadas. Na periferia das trabéculas, observamos em alguns locais presença de osteóide e osteoblastos enfileirados delirnitando as trabéculas ósseas. Também notamos a presença de um ou Rev. Odontol. UNESP, São Paulo, 27(1): 87-98, 1998 93

outro osteoclasto na região periférica da trabécula, estando algumas destas células dentro das lacunas de Howship (Figura 1). b) resultados histoquímicos: Técnica de Von Kossa: as trabéculas ósseas foram coradas em negro em razão da precipitação da prata e apresentavam limites irregulares. Observamos um aspecto granuloso, especialmente nas áreas periféricas das trabéculas. As áreas correspondentes ao osteóide não apresentavam coloração enegrecida (dois casos positivos) (Figura 2); Técnica da Purpurina: trabéculas calcificadas coradas em róseo, algumas bem delimitadas e outras com limites irregulares. No interior de algumas trabéculas, observou-se um aspecto granuloso. Algumas trabéculas também apresentavam os osteoplastos vazios (quatro casos positivos) (Figura 3). Fibroma cemento-ossificante Do arquivo de lâminas da Disciplma de Patologia Bucal do Departamento de Patologia da FOSJCIUNESP foram selecionados e corados 18 casos de fibroma cemento-ossificante periférico existentes. Apenas oito casos apresentaram resultados positivos quando corados pela Técnica de Von Kossa, e dez casos quando corados pela Técnica da Purpurina. Entretanto, nenhum deles apresentou resultado positivo quando corados pela Técnica de Gallego. Em geral, os resultados morfológicos e histoquímicos observados nos casos de fibroma cemento-ossificante periférico estudados foram os seguintes : a) resultados morfológicos: massa de tecido conjuntivo frouxo, contendo em seu interior trabéculas ou massas de tecido ósseo, massas de cemento ou alguns casos de calcificação distrófica. As trabéculas ósseas apresentavam-se bastante volumosas, bem delimitadas e com os osteoplastos e os osteócitos bem nítidos. Na periferia das trabéculas, observamos em alguns locais presença de osteóide e osteoblastos enfileirados margeando a trabécula óssea. Também notamos a presença de um ou outro osteoclasto na região periférica da trabécula, estando algumas destas células dentro das lacunas de Howship (Figura 4). b) resultados histoquímicos : Técnica de Von Kossa: as trabéculas ou massas de tecido ósseo, os focos de calcificação distrófica e as massas de cemento estavam ho- 94 Rev. Odontol. UNESP, São Paulo, 27(1): 87-98, 1998

mogeneament e corados em negro e apresentavam-se bem delimitados. No interior das trabéculas ósseas observamos osteoplastos nítidos (Figura 5); Técnica da Purpurina: as trabéculas ou massas de tecido ósseo, os focos de calcificação distrófica e as massas de cemento apresentavam-se corados em róseo, com delimitação regular. No interior das trabéculas observamos osteoplastos vazios (Figura 6). Na parte mais central de algumas trabéculas, observamos um aspecto granuloso. As áreas de osteóide na periferia das trabéculas apresentavam-se coradas em róseo, porém em tom mais claro do que o observado nas regiões mais centrais dessas trabéculas. Apresentamos adiante algumas microfotografias (Figuras 1 a 6) para ilustração de nossos resultados. Discussão O estudo histopatológico das lesões bucais, por meio de técnicas especiais de coloração, é muito importante pois pode awciliar na determinação dos diagnósticos histológicos. Neste estudo utilizamos três técnicas histoquímicas para coloração de tecido mineralizado, com o objetivo de mostrar diferenças entre dois tipos de lesão fibro-óssea benigna, ou seja, o fibroma cemento-ossificante e a displasia fibrosa. Outra finalidade de nosso estudo foi avaliar a eficiência e a viabilidade da introdução dessas técnicas histoquírnicas no Laboratório de Patologia de nossa faculdade. A Técnica de Gallego não apresentou os resultados descritos pelo autor para nenhuma das duas lesões estudadas. Não conseguimos detectar o problema ocorrido, já que todos os passos da técnica foram seguidos conetamente. A Técnica da Purpurina apresentou resultados positivos em aigms casos, porém esta coloração não mostrou diferenças entre as lesões estudadas. Notamos também que, em algumas lâminas referentes a casos de fibroma cemento-ossificante periférico e de displasia fibrosa, o tecido mineralizado não foi corado por esta técnica. Considerando-se que todas as lâminas foram submetidas aos mesmos passos da técnica, uma possibilidade para a não coloração de algumas delas pode ter sido o baixo teor de cálcio das mineralizações. Rev. Odontol. UNESP, São Paulo, 27(1): 87-98, 1998 95

FIGURA 1 - Displasia mrosa: observar as finas trabéculas de tecido ósseo metaplásico. Técnica H&E - aumento 160x. FIGURA 2 - Displasia fibrosa: observar as trabéculas de tecido mineralizado semelhante a tecido ósseo coradas em negro com delumtação irregular e aspecto granuloso, especialmente nas áreas penféncas das trabéculas. Técnica Von Kossa - aumento 160x. FIGURA 3 - Displasia fibrosa: observar as trabéculas de tecido rnineralizado semelhante a tecido Ósseo coradas em róseo. Técnica Purpurina - aumento 160x. FIGURA 4 - Fibroma cemento-ossificante periférico: observar as massas de tecido mineralizado semelhantes a tecido ósseo. Técnica H&E - aumento 160x. FIGURA 5 - Fibroma cemento-ossificante periférico: observar as massas de tecido mineralizado semelhantes a tecido ósseo coradas densamente em negro com delimitação regular. Técnica Von Kossa - aumento 160x. FIGURA 6 - Fibroma cemento-ossificante periférico: observar as massas de tecido mineralizado semelhantes a tecido ósseo coradas em róseo com delimitação regular. Técnica mirpurina - aumento 160x. 96 Rev. Odontol. UNESP, São Paulo, 27(1): 87-98, 1998

A Técnica de Von Kossa foi a que apresentou os melhores resultados, mostrando diferenças entre as lesões. Porém, também em alguns casos, não houve coloração por esta mesma técnica. O mesmo problema do teor de cálcio das mineralizações, citado antes, pode ter interferido nos resultados desta técnica. Devemos considerar também o tempo de vida dos blocos de parahna, uma vez que alguns deles estavam estocados há mais de vinte anos. Outro ponto a considerar seria o problema da fucação dos materiais. Conclusão Após a realização deste trabalho podemos concluir que das três técnicas histoquírnicas estudadas, a Técnica de Von Kossa foi a que apresentou os melhores resultados. A Técnica de Gallego não mostrou nenhum resultado positivo nos casos estudados. Podemos sugerir que a utilização da Técnica de Von Kossa aiualia na diferenciação histológica entre as duas lesões estudadas, pois o aspecto eneg-recido da coloração apresentou-se bastante diferente. Nos casos de displasia fibrosa observamos um aspecto granuloso, especialmente na periferia das rnineralizações. Nos casos de fibroma cemento-ossificante penférico notamos uma delimitação bem nítida das mineralizações e um aspecto bem compacto na parte escurecida. FERRAZ, T. M., NOGUEIRA T. de O. Histochemistry of the mineralized tissues on fibro-osseous lesions: fibrous dysplasia and peripheral cementoossifying fibroma. Rev. Odontol. UNESP (São Paulo), v.27, n. 1, p.87-98, 1998. i ABSTRACT: On this research work, two fibro-osseous lesions were histochemically studied. Considering the histological similarity of both lesions it was a purpose of this work to try three different histochemical techniques to help in the histological differentia tion of these lesions. The techniques utiiued were: Von Kossa, Galiego and Purpurin. The resuits were positive and remarkable and showed dzfferences obsenred could help ú1 the histological diagnosis of them. i KEYWORDS: FFibrous displasia, fibroma ossifyulg, cementifying. Rev. Odontol. UNESP, São Paulo, 27(1): 87-98, 1998

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