ORIGEM E PROGRESSÃO DA INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA EM CÃES E



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Transcrição:

UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO COORDENAÇÃO DE PÓS-GRADUAÇAO CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO "LATO SENSU" EM CLÍNICA E CIRURGIA EM PEQUENOS ANIMAIS ORIGEM E PROGRESSÃO DA INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA EM CÃES E PRINCIPAIS DISTÚRBIOS RENAIS E SISTÊMICOS ENVOLVIDOS Alinne Cardoso Borges Goiânia, fev. 2007

ALINNE CARDOSO BORGES Aluna do Curso de Especialização Lato sensu em Clínica e Cirurgia em Pequenos Animais ORIGEM E PROGRESSÃO DA INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA EM CÃES E PRINCIPAIS DISTÚRBIOS RENAIS E SISTÊMICOS ENVOLVIDOS Trabalho monográfico do curso de pósgraduação Lato Sensu em Clínica e Cirurgia de Pequenos Animais apresentado à UCB como requisito parcial para a obtenção de título de Especialista em Clínica e Cirurgia de Pequenos Animais, sob a orientação do Profa. Msc. Liliana Borges de Menezes

Goiânia, fev. 2007 ORIGEM E PROGRESSÃO DA INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA EM CÃES E PRINCIPAIS DISTÚRBIOS RENAIS E SISTÊMICOS ENVOLVIDOS Elaborado por Alinne Cardoso Borges Aluna do Curso de Especialização em Clínica Médica e Cirúrgica de Pequenos Animais do Instituto Qualittas da UCB Foi analisado e aprovado com grau:... Goiânia, de de. Membro Membro Professor Orientador

Presidente Goiânia, fev. 2007

Dedico este trabalho à Deus, aos meus pais que tanto me apóiam em todos os meus projetos e principalmente ao meu esposo, pela paciência e por estar sempre ao meu lado. RESUMO A doença renal é uma alteração comum na clínica de pequenos animais, pois metade dos animais acima de oito anos apresentam lesões renais e destes, grande parte evolui para a insuficiência renal crônica (IRC), de caráter progressivo e irreversível e que determina perdas intensas de proteína pela urina nos estágios mais avançados de lesão glomerular. A IRC tem grande participação na mortalidade de cães, sendo acompanhada por comprometimento da função renal, marcada por um progressivo decréscimo na taxa de filtração glomerular (TFG). Muitos fatores vêm sendo responsabilizados pela natureza progressiva em animais, incluindo-se aqueles relacionados direta ou indiretamente com a nutrição, além de diversos outros mecanismos envolvidos nessa síndrome. Dentre as principais adaptações renais verificadas nesse processo estão a hipertensão, a hiperfiltração e a hipertrofia glomerulares. Dessa maneira, por sua natureza instável, são exigidas reavaliações e ajustes freqüentes na terapia de manutenção, que normalmente é bastante delicada e apresenta elevado custo, entretanto, são importantes para a redução da taxa de progressão da IRC e para a melhoria da qualidade de vida e uma maior longevidade dos animais. Esse texto se propõe a discorrer sobre os mecanismos envolvidos na IRC de cães, com enfoque nos fatores desencadeantes e na sua progressão. Esses fatores serão relacionados aos distúrbios funcionais e estruturais do rim e a algumas das manifestações sistêmicas mais freqüentes, como alterações hidro-eletrolíticas e ósseas, hiperparatiroidismo secundário renal, acidose metabólica, dislipidemia, distúrbios ósseos, cardiovasculares, coagulativos e anemia.

Chegará um dia em que o homem conhecerá o íntimo de um animal; neste dia, todo crime contra um animal será um crime contra a própria natureza. Leonardo D Vinci SUMÁRIO Página Resumo...iv Lista de Figuras...vii Lista de Abreviaturas...viii Partes 1. Introdução...1 2. Revisão de Literatura...4 2.1. Insuficiência renal crônica (IRC)...4 2.1.1. Definição e caracterização...4 2.1.2. Estágios da IRC...9 2.1.3. Origem e progressão da IRC...11 2.1.3.1.Nutrição e níveis protéicos...15 2.1.3.2. Alterações histopatológicas...18

2.1.4. Respostas renais na IRC...23 2.1.5. Respostas sistêmicas na IRC...25 2.1.5.1. Acidose metabólica...26 2.1.5.2. Alterações hidro-eletrolíticas...28 2.1.5.3. Hiperparatiroidismo secundário renal...35 2.1.5.4. Alterações ósseas...36 2.1.5.5. Problemas cardiovasculares...37 2.1.5.6. Dislipidemia...44 2.1.5.7. Alterações na coagulação e anemia...46 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS...48 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...50 LISTA DE FIGURAS Estrutura túbulo-glomerular normal, corada pela Eosina-Hematoxilina. (B) Lesão membranoproliferativa no néfron, corada pelo Tricrômio. Observa-se a perda da conformação histológica e o início da deposição de matriz (setas). (C) Presença de esclerose no néfron (setas), coradapelo Tricrômio... 23 Inter-relação entre a taxa de filtração glomerular (TFG) e a reabsorção tubular renal (RTR) na IRC... 15 Interações entre o PTH, a vitamina D e o fósforo, em resposta á diminuição da função renal... 21 Mecanismos de hipertensão arterial na falência

renal... 26 LISTA DE ABREVIATURAS AMPc BUN D 3 25 (OH) ECA IDL IRA IRC HDL Monofosfato de adenosina cíclica Nitrogênio sangüíneo derivado da uréia Metabólito ativo de vitamina D Enzima conversora de angiotensina Intermediate-density lipoprotein Insuficiência renal aguda Insuficiência renal crônica High-density lipoprotein

LDL MCP-1 PTH RTR TFG TGF-β VLDL Low-density lipoprotein Proteína ligadora de monócito-1 Paratormônio Reabsorção tubular renal Taxa de filtração glomerular Fator de crescimento tumoral Very-low density lipoprotein

1. INTRODUÇÃO O número de pessoas que criam animais de estimação tem aumentado gradativamente com o passar dos anos, fato que pode ser atribuído à necessidade imposta pela rotina que a vida moderna nas grandes cidades tem proporcionado, considerando que as relações humanas têm se tornado cada vez mais hostis. Dentro deste contexto, os proprietários têm se preocupado e mostrado disposição em realizar investimentos na saúde e no bem-estar dos animais. Segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Alimentos ANFAL (2003), atualmente existem 38 milhões de animais de estimação no país, sendo 27 milhões de cães e 11 milhões de gatos. Um dos fatores que tem contribuído para esse grande contingente é a longevidade cada vez maior dos animais, o que pode ser atribuído à maior conscientização dos proprietários para com a saúde dos animais, aos avanços no conhecimento e à maior utilização de recursos tecnológicos na área de clínica veterinária de pequenos animais. Assim, profissionais e pesquisadores devem lançar mão de conhecimentos recentes e adequados para assumirem a responsabilidade de monitorar os pacientes, conjuntamente

com a adoção de novas tecnologias. Tais procedimentos podem também proporcionar valorização e realização ao profissional. Além disso, os Médicos Veterinários devem estar preparados para orientar os proprietários sobre noções básicas de manejo e prevenção de patologias, considerando-se que a adoção de medidas preventivas consiste no aspecto mais importante da maioria das patologias. A insuficiência renal crônica (IRC) canina é um problema clínico comum, que afeta a população de cães de uma maneira geral, particularmente de animais idosos, considerando-se que, 50% dos animais acima de oito anos apresentam lesões renais e destes, 40% evoluem para a insuficiência renal crônica (BORGES & NUNES, 1998). As causas da progressão da injúria renal em cães são bastante controversas, sendo estudados vários fatores associados à doença renal que corroboram com a perpetuação da injúria nesse órgão (BROWN & FINCO, 1996). O objetivo principal do tratamento da IRC é identificar e remover as causas subjacentes à enfermidade renal, entretanto, caso isso não seja possível, um outro objetivo consiste no controle das complicações decorrentes desta insuficiência, minimizando suas conseqüências, para que os animais possam desfrutar de uma melhor qualidade de vida. Muitos estudos têm mostrado que o tratamento de

algumas destas complicações e a adoção de determinados tipos de manejo pode retardar a progressão da insuficiência renal antes que seu estágio final seja atingido. Portanto, ressalta-se a importância do conhecimento dos mecanismos envolvidos na IRC, pois a compreensão da fisiopatogenia fornece a base para a estruturação terapêutica e para a realização de possíveis projeções preventivas, além disso, as manifestações clínico-laboratoriais podem ser analisadas e entendidas de uma maneira mais abrangente. Embora muitos estudos já tenham discutido acerca deste tema, muito ainda precisa ser pesquisado e elucidado, visando à busca de princípios mais eficazes que, de fato, atuem na prevenção da patologia ou na elaboração de protocolos que realmente minimizem os efeitos indesejáveis decorrentes dos mecanismos envolvidos na IRC. Esse texto se propõe a dissertar sobre os mecanismos envolvidos na IRC de cães, com enfoque nos fatores desencadeantes e na sua progressão, relacionando-os aos distúrbios funcionais e estruturais do rim e a algumas das manifestações sistêmicas mais freqüentes, visando ao entendimento das alterações da maneira mais abrangente possível. Serão abordados alguns mecanismos já conhecidos, bem como outros que ainda não foram completamente elucidados, ou seja, processos que ainda permanecem obscuros na fisiopatogenia da IRC de cães.

2. REVISÃO DE LITERATURA 2.1. Insuficiência renal crônica (IRC) 2.1.1. Definição e caracterização Inicialmente é importante a diferenciação de alguns termos. A doença renal crônica é definida como a presença de lesões morfológicas ou funcionais em um ou ambos os rins, independentemente da extensão, não sendo necessário o conhecimento de sua etiologia, com diminuição da função renal. A insuficiência renal, que pode ser aguda ou crônica, é a situação na qual a função renal torna-se bastante debilitada, havendo retenção de restos de produtos nitrogenados não-protéicos no corpo, independentemente da causa, podendo ser constatado por meio de avaliações quantitativas, sendo a taxa de filtração glomerular (TFG) o melhor parâmetro. Pode ser acompanhada, em muitos casos, por sinais e sintomas de uremia e, dependendo da condição, requer terapia substitutiva renal, como a diálise peritoneal ou transplante (CHEW & DIBARTOLA, 1992; Kidney Disease Outcomes Qualite Initiative - K/DOQI, 2002).

A insuficiência renal aguda (IRA) é definida como o surgimento de azotemia, ao longo de horas ou até duas semanas, podendo coexistir com oligúria patológica, que não deve estar presente por mais que alguns dias. Pode resultar de causas pré-renais, pós-renais e/ou causas renais primárias (POLZIN et al., 1992). Azotemia é uma anormalidade bioquímica que retrata a elevação na concentração de metabólitos de produtos nitrogenados não-protéicos no sangue, como os níveis de uréia ou do nitrogênio sangüíneo derivado da uréia (BUN) e de creatinina, os quais relacionam-se à diminuição na TFG. Quando a azotemia torna-se associada a sinais e a sintomas clínicos, concomitante a anormalidades bioquímicas, passa a ser designada por uremia, que por sua vez caracteriza-se não apenas pela falência na função excretora do rim, mas também por manifestações sistêmicas que culminam com alterações endócrinas e metabólicas. Na uremia pode ocorrer disfunção gastrointestinal secundária, culminando com a gastroenterite urêmica; distúrbios neuromusculares, com neuropatia periférica e alterações cardiovasculares, como a pericardite fibrinosa urêmica (CHEW & DIBARTOLA, 1992 e COTRAN et al., 1994). A IRC é uma das síndromes que mais comumente afetam os rins exclusivamente, sendo o resultado final de uma grande variedade de doenças renais, portanto, definida como uma insuficiência renal primária que perdura por um extenso período, variando de meses a anos.

A IRC é um distúrbio que determina perdas intensas de proteína pela urina nos estágios mais avançados de lesão glomerular, além disso, cursa com lesões estruturais irreversíveis e progressivas (FINCO, 1989; POLZIN et al., 1992; COTRAN et al., 1994 e TOLEDO, 2001). Nas fases iniciais da IRC são verificadas alterações adaptativas e compensatórias da função renal bastante exacerbadas, visando à estabilidade do funcionamento renal. No entanto, observa-se um agravamento progressivo, que ocorre independentemente da permanência do processo desencadeante da lesão renal inicial, ou seja, independente das causas relacionadas a essa patologia (POLZIN et al., 1992). A IRC avançada é caracterizada pela diminuição da depuração da creatinina pelos rins, alterações no metabolismo de cálcio e de fósforo, anemia, insuficiência cardíaca e uma série de outros comprometimentos orgânicos. A fase terminal da IRC manifesta-se quando os valores de creatinina urinária tornam-se muito baixos, em contrapartida aos elevados valores de creatinina sérica, momento no qual o paciente requer diálise peritoneal ou mesmo transplante renal (ASSOCIACIÓN LATINO AMERICANA DE DIABETES, 2000). Animais com doença renal apresentam aumento nos níveis de creatinina, paralelamente à elevação nos íons sulfato, que são o produto final do metabolismo de aminoácidos sulfurados (NAKANISHI et al., 2002).

A azotemia está presente na IRC, entretanto, alguns pacientes em fase inicial podem estar não-azotêmicos, devendo ser realizadas avaliações de função renal mais específicas. Por isso, muitas vezes, o diagnóstico é feito em estágio bastante avançado, quando a uremia está presente e a disfunção renal tornou-se moderada ou grave e irreversível (POLZIN et al., 1992; COTRAN et al., 1994 e WALLACE, 2001). COTRAN et al. (1994) enumeraram algumas das principais manifestações sistêmicas envolvidas na IRC, tais como alterações hidro-eletrolíticas, no equilíbrio do cálcio e do fósforo, na hematologia, no sistema cardiopulmonar, gastrintestinal, neuromuscular e alterações dermatológicas. A IRC manifesta-se por meio de histórico compatível com a poliúria, polidipsia, perda de peso, diminuição de pêlos na região da cabeça, anemia, tamanho renal reduzido e/ou desarranjo na arquitetura renal (WALLACE, 2001). O diagnóstico de insuficiência renal primária em pacientes azotêmicos baseia-se de modo geral na demonstração de azotemia e numa inadequada capacidade de concentração de urina. A cronicidade pode ser confirmada pela presença de osteodistrofia renal, pelas reduzidas dimensões renais e pela confirmação laboratorial seriada de insuficiência renal primária persistente ao longo de diversos meses (POLZIN et al., 1992). Os indicadores bioquímicos comumente utilizados no diagnóstico da insuficiência renal em cães incluem os níveis sangüíneos de uréia ou BUN, de

creatinina, de fósforo, de colesterol, assim como a avaliação do equilíbrio ácidobásico, o acompanhamento da pressão sangüínea, dos índices eritrocitários e dos sinais clínicos de insuficiência renal (KRONFELD,1993). Embora seja considerada uma moléstia de animais idosos, a IRC ocorre com freqüência variável em cães de todas as idades, podendo acometer também animais imaturos e jovens, principalmente quando associada a doenças familiares adquiridas ou congênitas (POLZIN et al., 1992). Normalmente está associada a raças, tais como Cocker Spaniel, Shih Tzu, Weimaraner, Beagle, Lhasa apso, Samoieda, Doberman, Basenji, Dálmata, Schnauzer Miniatura e Pastor Alemão, sendo menos freqüente em Bull Terrier, Poodle Standard, Chow Chow, Rottweiler e Golden Retriever (COELHO et al., 2001). Portanto, as causas congênitas e familiares de IRC podem ser diagnosticadas observando-se a idade de surgimento da enfermidade, a raça, a história familiar e os achados radiográficos ou ultra-sonográficos (POLZIN et al., 1997). HANSEN et al. (1992) ao avaliarem cães apresentando IRC leve e severa, submetidos a duas dietas, a primeira contendo 31% de proteína bruta e 1,1% de fósforo e a segunda 16% e 0,34%, respectivamente, de proteína bruta e fósforo, verificaram alterações clínicas e metabólicas, tais como a presença de anemia normocítica normocrômica, elevação na concentração sérica de colesterol, notadamente após a ingestão da dieta com 16% de proteína bruta, elevação nos níveis de paratormônio (PTH), de creatinina sérica, de

nitrogênio uréico sérico, de potássio sérico, de fósforo sérico, da excreção absoluta e fracional de sódio, de potássio, de cloreto e de fósforo, redução no clearance da creatinina exógena e do cloreto sérico. A pressão arterial mostrou-se elevada, especialmente, após o consumo da segunda dieta. 2.1.2. Estágios da IRC BEVILACQUA et al. (1989) dividiram a IRC em três estágios distintos, o primeiro representado por uma diminuição da reserva renal, no qual a função como um todo acha-se levemente comprometida, preservando-se, entretanto, o equilíbrio do meio interno, o indivíduo é assintomático e somente as provas funcionais renais mais acuradas são capazes de detectar alguma alteração. A insuficiência renal compensada reflete o estágio intermediário, no qual a destruição da massa renal atinge entre 75% e 90%, havendo indícios de desequilíbrios homeostáticos, tais como azotemia leve, anemia e poliúria. A falência renal ou insuficiência renal descompensada é o estágio mais avançado da patologia, caracterizada por uma destruição da massa renal acima de 90%, com presença de alterações persistentes e progressivas do meio interno que culminam com a síndrome urêmica (BEVILACQUA et al., 1989).

BEVILACQUA et al. (1989) determinaram uma outra classificação para a IRC, incluindo como critério a avaliação da TFG, podendo ser considerada leve (TFG entre 50 e 80 ml/min), moderada (TFG entre 10 e 50 ml/min) ou severa (TFG inferior a 10 ml/min). COTRAN et al. (1994) descreveram a progressão da IRC em quatro estágios, sendo o primeiro correspondente à diminuição de reserva renal (50% da TFG); insuficiência renal (TFG entre 20% e 50%); falência renal (TFG inferior a 25%); e estágio final da doença renal (TFG inferior a 5%). A K/DOQI (2002) também utilizou a TFG como critério de avaliação da função renal e de classificação, dividindo a doença renal crônica em cinco estágios, conforme pode ser observado no Quadro 1. Os estágios entre um e quatro representam a categoria de doença renal nos quais o manejo alimentar e clínico são altamente relevantes, por retardarem a chegada ao estágio cinco, o mais grave, no qual já foi estabelecida a IRC. Salienta-se, assim, a relevância dos cuidados nutricionais frente a essa patologia, conjuntamente à adoção de práticas clínicas rotineiras. QUADRO 1 - Descrição dos estágios da doença renal crônica. Estágio s Descrição TFG (ml/min/1,73m 2 )

1 Dano renal com TFG normal ou aumentada > 90 2 Dano renal com redução leve na TFG 60-89 3 Redução moderada na TFG 30-59 4 Redução severa na TFG 15-29 5 Falência renal < 15 (ou diálise) Fonte: K/DOQI (2002). 2.1.3. Origem e progressão da IRC A IRC surge de processo patológico, que acarreta a destruição do parênquima renal de maneira bastante lenta, podendo envolver os glomérulos, os túbulos, o interstício e/ou a vasculatura renal, havendo considerável perda irreversível de néfrons funcionais, que resulta em insuficiência renal primária, a qual pode permanecer indeterminada na maioria dos casos (POLZIN et al., 1997). A IRC manifesta-se quando aproximadamente 75% do parênquima renal encontra-se comprometido, resultando na incapacidade dos rins em desenvolverem suas funções normalmente, como conseqüência de uma série de patologias, tais como neoplasias;

doenças imunomediadas; infecções; processos iatrogênicos, metabólicos, congênitos, tóxicos, traumáticos ou obstrutivos (MARKWELL & HARTE, 1994). WALLACE (2001) afirmou que qualquer insulto que cause significativo dano no parênquima renal pode causar IRC e, uma vez estabelecida, desenvolve-se progressivamente, mesmo que a causa inicial tenha sido removida. Por outro lado, a idade é um outro fator associado ao declínio progressivo da função de vários órgãos e sistemas, incluindo-se os rins (BOZZETTI, 2003). Além da propensão individual do animal em desenvolver doenças renais e de os rins poderem estar sujeitos às próprias agressões, as anormalidades clínicas observadas em distúrbios da função renal podem ser influenciadas pelo consumo de baixas ou altas quantidades de calorias, de fósforo, de sódio, de potássio, de proteína e de ácidos (FINCO et al., 1992 e BROWN et al., 1998). A velocidade na qual as moléstias renais progridem para a insuficiência renal e uremia depende da raça envolvida, da doença, do tipo e da gravidade das lesões renais, das características clínicas, tais como a presença de hipertensão, da terapêutica e ainda de uma série de fatores ambientais e genéticos, que incluem o fator de crescimento tumoral (TGF-β), o genótipo, a resposta da proteína ligadora de monócito-1 (MCP-1) e o perfil lipídico sérico (POLZIN et al., 1992 e DAVIS et al., 2002). Doenças estruturais, glomerulares e intersticiais freqüentemente progridem

para o estágio final de doença renal, porém em taxas bastante variáveis (DAVIS et al., 2002). HOSTETTER et al. (1981) realizaram estudo com ratos parcialmente nefrectomizados, constatando que a hiperfiltração e a hipertensão glomerular são mecanismos que participam da progressão da insuficiência renal. A partir desse trabalho, uma série de outros estudos foram desenvolvidos com o objetivo de elucidar os aspectos relacionados ao papel de diversos nutrientes e dos mecanismos envolvidos na progressão da insuficiência renal. Sabe-se assim, que os mecanismos envolvidos no processo inicial e na progressão da IRC estão relacionados a mudanças no padrão da perfusão dos néfrons funcionais remanescentes, os quais passam por uma adaptação funcional ordenada, por meio da qual o equilíbrio homeostático é mantido inicialmente, embora haja diminuição progressiva da massa de néfrons. Assim, ocorre a hipertrofia dos néfrons funcionais, à medida que são submetidos a uma sobrecarga funcional, havendo um aumento contínuo na TFG, que culmina com hipertensão e com hiperfiltração intra-glomerular, as quais são desencadeadas pelo processo de lesão glomerular progressivo. Porém, considerando-se a massa total de néfrons, há diminuição na TFG, além disso, há o aumento da carga de solutos e da reabsorção tubular (BEVILACQUA et al., 1989 e GUIJARRO & KEANE, 1994).

Essa teoria considera o dano renal como uma condição auto-perpetuante, independente do fator inicial, sendo a hipertensão intra-glomerular apontada como uma possível causa de injúria renal (FINCO et al., 1992). Essas alterações causam dano glomerular devido às lesões endoteliais, à ativação de plaquetas, ao aumento do fluxo de proteínas no glomérulo e à diminuição da permeabilidade seletiva nos túbulos. Todos esses processos irão acarretar esclerose glomerular e eventual morte dessa estrutura, seguido de atrofia dos túbulos e fibrose intersticial, ressaltando-se que as alterações histopatológicas no estágio final da IRC são similares, independentemente dos fatores causais (REMUZZI et al., 1997). POLZIN et al. (1997) enumeraram alguns fenômenos, os quais estão relacionados à evolução das doenças renais progressivas e que dificultam a identificação da causa desencadeante da insuficiência renal. Inicialmente pode-se apontar os diversos componentes do néfrons, tais como glomérulos, túbulos, capilares peritubulares, tecido intersticial, os quais são independentes funcionalmente; além disso, as anormalidades funcionais e morfológicas podem ter manifestações clínicas limitadas, independentemente da causa subjacente; e, finalmente, em seguida à maturação dos indivíduos, novos néfrons não podem ser formados, para a substituição de outros irreversivelmente destruídos pela moléstia.

O hiperparatiroidismo secundário renal, a hipertensão sistêmica, a amoniogênese renal, a hipercoagulabilidade, a coagulação intraglomerular, as nefrites intersticiais, a hipocalemia crônica, as desordens lipídicas, tais como a deposição mesangial lipídica, a ativação de mediadores inflamatórios no rim e outros fatores têm sido relacionados à progressão da doença renal (JACOBSON, 1991; COHEN et al., 1997 e WALLACE, 2001). JACOBSON (1991) relatou que a restrição de proteína na dieta e a terapia anti-hipertensiva podem reduzir a progressão da IRC, tanto no aspecto morfológico, quanto em relação aos parâmetros clínicos para a avaliação da função renal. 2.1.3.1. Nutrição e níveis protéicos Atualmente existem muitos questionamentos acerca da influência de níveis elevados de proteína na alimentação levando a quadros de IRC em cães, por outro lado, há também um impasse relacionado à eficácia de protocolos alimentares que restringem a proteína na dieta de animais portadores de insuficiência renal. O excesso no consumo de proteína, de gordura, de energia e de fósforo podem estar relacionados à progressão da insuficiência renal, enquanto que a restrição de alguns ou todos esses nutrientes poderia limitar a progressão da injúria renal (POLZIN et al., 1991).

FINCO et al. (1994) realizaram um estudo no qual observaram as modificações na TFG em decorrência da idade e da resposta ao consumo de dietas com diferentes níveis protéicos, durante um período de quatro anos em cães idosos, no entanto, não encontraram diferenças entre esses níveis (KOPPLE, 1991). Entretanto, o efeito da restrição protéica em relação à progressão da doença renal em cães é um fato ainda bastante controverso (MARKWELL & HARTE, 1994). As recomendações de manejo conservativo para cães com IRC incluem a redução no consumo de proteína total e de fósforo, além da elevação na qualidade da proteína ingerida, sendo apontados como responsáveis pela melhoria dos parâmetros bioquímicos, o que proporciona uma melhor qualidade de vida e reduz a progressão da insuficiência renal, tanto em pacientes humanos, como em cães e gatos (LEIBETSEDER & NEUFELD, 1991; FINCO et al., 1992; HANSEN et al., 1992; KRONFELD, 1993; HARTE et al., 1994 e KRONFELD, 1994). Por outro lado, dietas contendo níveis protéicos muito baixos podem acarretar alterações metabólicas em cães sadios, principalmente sobre a função hepática, além disso, associam-se à redução da função renal, diminuição da reserva renal, hiperfiltração severa, acidose metabólica, hipercolesterolemia e hipertensão, no entanto, ressalta-se a possibilidade do envolvimento de outros fatores (KRONFELD, 1993 e DAVENPORT et al., 1994).

BRENNER et al. (1982), fortalecendo a hipótese da sobrecarga renal a partir do fornecimento de dietas hiperprotéicas, observaram elevações na perfusão sangüínea, na taxa de filtração e na pressão glomerular em ratos parcialmente nefrectomizados. A hiperfiltração foi apontada como causadora de hipertrofia dos néfrons, sendo reduzida com a introdução de dietas cujos níveis protéicos variaram de 6% a 24%, enquanto que, a hipertensão glomerular e a hiperperfusão, foram responsáveis pela ação sobre os capilares glomerulares e sobre a intensificação da esclerose glomerular, contribuindo com a progressão da insuficiência renal. Entretanto, a atividade renal excessiva decorrente do excesso protéico passou a ser questionada após trabalhos subseqüentes que mostraram o efeito benéfico da restrição energética e de outros nutrientes, e não mais apenas da proteína, sobre a função renal de animais doentes (KRONFELD,1993). Os fatores associados aos distúrbios renais que mais facilmente podem sofrer alguma intervenção são aqueles relacionados à nutrição. Animais que estão se tornando idosos ou aqueles com insuficiência renal estabelecida necessitam de um manejo alimentar adequado para cada situação, atentando-se para os requerimentos específicos conforme a idade do animal, principalmente em relação aos níveis de energia, de proteína e de fósforo, salientando-se que a resposta do organismo diante

da insuficiência renal e da intervenção terapêutica que se adota varia sensivelmente entre indivíduos (KRONFELD, 1994; BROWN et al., 1998). O princípio fundamental do tratamento dietético da IRC consiste em tornar mínima a formação de catabólitos protéicos, limitando a ingestão de proteína a uma quantidade suficiente para o aporte de aminoácidos essenciais. Para isso, a dieta deve conter proteínas de alto valor biológico, minimizando a excreção de resíduos nitrogenados, abrandando as manifestações clínicas e bioquímicas da uremia. Na IRC o principal objetivo da terapia é garantir uma dieta com baixa proteína, a reposição das vitaminas hidrossolúveis e lipossolúveis que estão sendo perdidas e prevenção do acúmulo de fósforo e do sódio (FIORAVANTI, 2002). 2.1.3.2. Alterações histopatológicas O estudo histológico de rins com doença renal fornece indícios acerca da origem da patologia, mostrando que, desde a injúria inicial até as fases mais avançadas da doença renal, estão envolvidos mecanismos comuns e uma variedade limitada de respostas morfológicas. Após uma extensa destruição do parênquima renal normal, uma série de alterações leva à progressão da destruição dos néfrons funcionais, primariamente por meio de danos glomerulares. A teoria hemodinâmica

relaciona alguns mecanismos, tais como a hiperperfusão, a hiperfiltração e a hipertensão glomerular, ao aumento da proteinúria e à progressão da esclerose glomerular que, conseqüentemente, agravam a doença renal (JACOBSON, 1991). Vários fatores responsáveis pela progressão da doença glomerular afetam as células mesangiais, assim como a produção e a deposição de matriz extracelular, sendo alguns desses fatores produzidos pelas células mesangiais e outros derivados de macrófagos. Um segundo componente morfológico envolvido na progressão das agressões renais está relacionado ao interstício extra-glomerular. A região túbulointersticial é enormemente acometida em diversos processos, tais como uropatias obstrutivas, excesso de analgésicos e pielonefrites, as quais desempenham papel fundamental na diminuição da função renal, a partir do interstício. Nessas situações observam-se alterações intersticiais similares, com proliferação de fibroblastos intersticiais, aumento da deposição da matriz e infiltração de macrófagos e de linfócitos (JACOBSON, 1991). ABRAHAMSON (1987) citou que, inicialmente, ocorre a obliteração dos capilares glomerulares devido à expansão da região mesangial, havendo o acúmulo de matriz mesangial, composta por um complexo material extracelular, incluindo colágeno tipo IV e tipo V, fibronectina, laminina, sulfato de heparina e sulfato de condroitina proteoglicano. No entanto, conforme constatado em estudos

experimentais, essa expansão mesangial não se restringe à matriz, mas também envolve a proliferação de células mesangiais e o acúmulo de macrófagos derivados da medula óssea (STRIKER et al., 1991). O glomérulo torna-se esclerótico, devido ao acúmulo de grande quantidade de matriz extracelular; a região periglomerular e o interstício apresentamse fibrosados; este último mostra evidências de inflamação crônica com infiltração de macrófagos e linfócitos; os túbulos renais tornam-se atrofiados, embora ocorra uma hipertrofia tubular ocasional, relacionada ao glomérulo funcional remanescente (JACOBSON, 1991). As alterações túbulo-intersticiais são também caracterizadas por isquemia regional, proliferação fibroblástica, aumento de matriz extracelular e cicatrização. Algumas dessas alterações estão demonstradas na Figura 1 (REMUZZI et al., 1997). A B C

FIGURA 1 - (A) Estrutura túbulo-glomerular normal, corada pela Eosina-Hematoxilina. (B) Lesão membranoproliferativa no néfron, corada pelo Tricrômio. Observa-se a perda da conformação histológica e o início da deposição de matriz (setas). (C) Presença de esclerose no néfron (setas), corada pelo Tricrômio. Fonte: http://www.vetmed.ufl.edu/path/teach/vem5162/urinary/lecture1/lecture1.htm COHEN et al. (1997) verificaram que a estenose glomerular observada em rins lesionados pode envolver uma completa oclusão e a formação de glomérulo atubular e não filtrante, podendo haver intensificação dessa estenose caso haja estreitamento tubular distal no néfron. Assim a estenose e o glomérulo atubular mostram uma relação com as lesões túbulo-intersticiais no processo de progressão da insuficiência renal, da mesma maneira que a fibrose pode influenciar a função renal (COHEN et al., 1997). Segundo NEWMAN et al. (2000), existem evidências de que o excesso de proteínas no filtrado, decorrente de lesão glomerular possa ter um importante papel no estímulo inicial para a inflamação intersticial e suas conseqüências, dependendo, principalmente, do tipo de proteína presente, não tanto do excesso no filtrado.

Esta proteinúria pode ser composta por substâncias, desde a albumina até outras proteínas, as quais expõem as células epiteliais tubulares a componentes prófibróticos e inflamatórios. Assim a proteína fornece o suporte para o desenvolvimento e progressão da fibrose intersticial diretamente pela estimulação de produção de matriz protéica pela célula tubular e, secundariamente, pela estimulação da produção tubular de mediadores profibróticos e pró-inflamatórios. Os mediadores da fibrose renal podem ser macrófagos e miofibroblastos, estimulados e recrutados por diversas fontes de injúria glomerular. O epitélio tubular lesionado é estimulado a produzir citocinas inflamatórias que facilitam a migração de monócitos através do capilar peritubular até o interstício (DAVIS et al., 2002). CAMARGO (2002) encontrou o predomínio de lesões características de glomerulonefrite esclerosante difusa em estudo de alterações morfológicas dos rins de cães com IRC, entretanto, essa alteração não caracteriza uma lesão específica, na verdade representa o estágio final de diversas glomerulopatias. As lesões relacionadas ao demais órgãos são variáveis, dependendo do período em que o animal manteve-se em uremia. Muitas lesões podem ser atribuídas à degeneração e necrose arteriolar, resultando em trombose e infarto, ou na excreção de elevadas concentrações de amônia. Freqüentemente pode ser observada estomatite ulcerativa e necrosante, caracterizada por um material

mucóide castanho de odor fétido, aderente à língua e à cavidade oral, lesões ulcerativas e hemorrágicas podem envolver o estômago de cães, havendo grandes áreas de mucosa edemaciadas e vermelho escuro. O conteúdo gastrointestinal apresenta-se sangrento, com odor forte de amônia (THOMSON, 1990). 2.1.4. Respostas renais na IRC Os rins participam da filtração dos metabólitos orgânicos, principalmente a uréia, assim como a regulação dos fluidos corporais e do balanço eletrolítico, além disso, também participam da regulação endócrina de outros sistemas, tais como a produção de hemácias e o metabolismo ósseo. Assim, a redução do número de néfrons funcionais e a sobrecarga dos mesmos com a progressão da IRC, pode levar ao colapso renal e sistêmico (BETO & BANSAL, 2004). As funções renais mantêm o equilíbrio hidro-eletrolítico, porém com os níveis funcionais muito baixos e com a destruição da massa renal superior a 75%, a TFG e a carga de solutos por néfron se eleva de tal forma que afeta o balanço glomérulo-tubular, ou seja, entre o aumento da filtração e da reabsorção tubular. Uma das conseqüências dessa disfunção é a diminuição da flexibilidade renal em

concentrar e em excretar a água e as várias categorias de solutos, conforme pode ser observado na Figura 2 (BEVILACQUA et al., 1989). FIGURA 2 Inter-relação entre a taxa de filtração glomerular (TFG) e a reabsorção tubular renal (RTR) na IRC (SLATOPOLSKY et al., 1968). A TFG, um importante parâmetro de avaliação da função renal, declina consideravelmente com o passar do tempo em muitas doenças renais. Normalmente, a ênfase dessa diminuição é atribuída aos eventos glomerulares, entretanto, lesões tubulares e intersticiais têm uma influência mais direta sobre a redução da filtração glomerular (COHEN et al., 1997). Observa-se que a relação entre a TFG total e a perda de néfrons não é linear, tendo em vista o aumento na TFG dos néfrons funcionais, assim o animal

pode apresentar uma evolução variável na progressão da doença renal (WALLACE, 2001). Com o declínio da função renal, a atividade excretora de cada néfron deve aumentar em proporção inversa ao número de células sobreviventes, processo esse designado como hipótese dos néfrons intactos (POLZIN & OSBORNE, 1995). 2.1.5. Respostas sistêmicas na IRC A síndrome urêmica, decorrente do avanço da IRC, refere-se às alterações manifestadas no organismo de maneira geral, que prejudica as funções endócrinas e metabólicas do rim. Está associada à azotemia intensa, à nictúria, à acidose metabólica, à hipocalcemia, à hiperfosfatemia e outros sintomas envolvendo o sistema cardiovascular, o nervoso e o digestivo (BEVILACQUA et al., 1989). O aumento da permeabilidade vascular é apontado como a causa de pericardite fibrinosa e de edema pulmonar difuso, enquanto que a lesão endotelial e subendotelial participam do desenvolvimento da trombose atrial e aórtica. A secreção de amônia e a necrose vascular são os fatores responsáveis pela gastrite e estomatite, ambas ulcerativas e hemorrágicas. A mineralização dos tecidos moles ocorre devido às alterações no metabolismo de cálcio e de fósforo. Já a anemia

hipoplásica manifesta-se em virtude do aumento da fragilidade das hemácias e da menor produção de eritropoetina (THOMSON, 1990). A regulação dos líquidos corporais mostra-se prejudicada nos pacientes com uremia, devido à incapacidade de excreção do excesso de líquido ingerido ou mesmo de resposta adequada diante de perdas decorrentes de vômito ou diarréia. A regulação da excreção ou da retenção de sódio fica comprometida, da mesma forma que a excreção de ácidos e metabólitos nitrogenados. A evolução da síndrome urêmica pode desencadear coma e morte, caso não seja fornecido apoio por diálise peritoneal, hemodiálise ou transplante renal (WHELTON et al., 1998). 2.1.5.1. Acidose metabólica O balanço ácido-básico normal do organismo é, em parte, mantido por mecanismos renais a partir da reabsorção tubular do bicarbonato e da excreção de íons hidrogênio e amônia, juntamente com a atuação de tampões urinários, principalmente o fosfato (GUYTON, 1997). A IRC tem como manifestação bastante freqüente a acidose metabólica, que ocorre como resultado da limitação da capacidade renal em excretar íons hidrogênio e em reabsorver íons bicarbonato. A excreção de hidrogênio é mantida

elevada por meio da eliminação do íon amônio nos estágios iniciais da IRC, em decorrência do aumento da atividade dos néfrons funcionais, no entanto, com a progressão da disfunção renal, a amoniogênese renal é perdida, instalando-se então, a acidose metabólica (POLZIN et al., 1999). A acidose metabólica promove sinais clínicos que incluem anorexia, náusea, vômito, letargia, perda de peso, depleção de massa muscular e fraqueza (POLZIN et al., 1999). Em condições de acidemia severa pode haver diminuição do trabalho cardíaco, redução do fluxo sangüíneo hepático e renal e da pressão arterial, observando-se também a centralização do volume sangüíneo (FETTMAN, et al., 1992). Essa centralização é resultante da vasodilatação arterial periférica e venoconstrição central, culminando com a diminuição da complacência vascular central e pulmonar, o que pode predispor à ocorrência de edema pulmonar durante a administração de fluidos (ADROGUÉ & MADIAS, 1998). Além disso, a acidemia pode promover arritmias e redução do limiar para a ocorrência de fibrilação ventricular e ainda influenciar o metabolismo de carboidratos e proteína e alterar as concentrações de potássio sérico, que é translocado do interior das células, causando hipercalemia. O metabolismo cerebral é afetado, o que pode evoluir para o coma caso haja progressão da acidemia (POLZIN et al., 1999).

2.1.5.2. Alterações hidro-eletrolíticas 2.1.5.2.1.Sódio, água e potássio O sódio é um eletrólito extracelular importante na regulação do balanço hídrico, sendo filtrado em menor proporção, à medida que o volume urinário torna-se menor diante de uma IRC (BETO & BANSAL, 2004). O balanço de ânions e cátions na dieta depende amplamente do sódio, do potássio e do cloro e, ocasionalmente do cálcio, do magnésio, do fosfato e do sulfato. A perda da capacidade renal em excretar sódio, corrobora sobremaneira no mecanismo da hipertensão em animais com IRC, sendo indicada a sua restrição na dieta (KRONFELD, 1994). Com a queda da filtração glomerular, os néfrons remanescentes aumentam a excreção fracional de sódio, no entanto, essas respostas adaptativas tornam-se insuficientes para a manutenção do balanço desse mineral, à medida que a doença progride. Expansão do volume do fluido extracelular, hipertensão e edema podem estar presentes em cães urêmicos que ingerem quantidades normais ou

elevadas de sódio, em contrapartida, a restrição severa de sódio, pode promover a depleção de volume sangüíneo em alguns animais com IRC e diminuir a capacidade de reabsorção de bicarbonato (MARKWELL & HARTE, 1994). Os mecanismos considerados mais importantes na regulação renal das concentrações de sódio e água relacionam-se à TFG e à reabsorção de sódio sob influência da aldosterona no rim, que pode agir em animais doentes e saudáveis. O fator natriurético atrial, pertencente a uma família de peptídeos, também participa da homeostasia do sal e da água, atuando principalmente no aumento da TFG, que pode ser acompanhado por uma constrição da arteríola eferente, por uma dilatação arteriolar aferente e por um aumento da permeabilidade glomerular, via relaxamento das células mesangiais. Portanto, distúrbios relacionados aos fatores natriuréticos podem ocasionar a inibição do transporte deste íon, promovendo graves conseqüências (RIES & JERGENS, 1995). Os sinais de poliúria, de nictúria e de isostenúria são conseqüências dos distúrbios nos mecanismos regulatórios, também relacionados com os solutos. Inicialmente a adaptação biológica atua mantendo a homeostasia, no entanto, a progressão da insuficiência acarreta o desequilíbrio orgânico (BEVILACQUA et al., 1989).

Na IRC os néfrons residuais em funcionamento mantêm o balanço do potássio por meio do aumento da secreção tubular distal, com elevação da sua excreção fracional proporcional ao declínio da TFG, além disso, a secreção gastrointestinal do potássio torna-se aumentada, desempenhando um importante papel na modulação do balanço do potássio nesse contexto (POLZIN & OSBORNE, 1995). Os cães são capazes de manter o balanço de potássio até os estágios mais avançados de IRC, ao contrário dos gatos, os quais desenvolvem hipocalemia com uma maior freqüência, sendo comumente associada às injúrias de origem túbulo-intersticial. Entretanto, em raras situações, podem haver episódios de hipercalemia transitória, logo em seguida à ingestão de dietas com altos níveis desse elemento ou diante de reduções severas na função renal, acompanhada de oligúria. A vasoconstrição renal, associada ao aumento dos níveis de tromboxanos e de prostaglandinas têm sido apontados como agravantes da hipocalemia na nefropatia. Deve-se salientar que o potássio é um ânion intracelular e, por isso, a concentração extracelular não reflete necessariamente o seu conteúdo total no organismo (POLZIN & OSBORNE, 1995). Tendo em vista que o potássio apresenta grande participação nos mecanismos de condução nervosa e no metabolismo celular, verifica-se a

associação entre hipocalemia e alguns sinais clínicos, tais como redução na sensibilidade aos estímulos nervosos, fraqueza muscular, perda de peso e de pêlos. A depleção de potássio interfere na produção e na ativação da monofosfato de adenosina cíclica (AMPc) e prejudica os mecanismos de contracorrente, resultando na diminuição da resposta renal frente ao hormônio anti-diurético, estando associado à poliúria (POLZIN & OSBORNE, 1995). 2.1.5.2.2.Cálcio e fósforo A manutenção da homeostasia do fósforo em face às variações do fósforo dietético armazenado é alcançada primariamente pelos rins e em menor grau pelo intestino. Tanto a absorção intestinal quanto a reabsorção tubular de fósforo são alterados em resposta às mudanças agudas e crônicas no consumo desse elemento. A disponibilidade de fósforo pode também ser marcadamente diminuída por meio da administração de dietas de prescrição fornecidas a pacientes com IRC (ADHAM, 1997). A hiperfosfatemia é uma manifestação comumente observada nos estágios iniciais de perda da função renal, que se desenvolve quando a diminuição na TFG supera o aumento da reabsorção tubular de fósforo. Assim, as

concentrações desse mineral irão refletir o balanço entre a eliminação renal e a ingestão, tendendo a um aumento quando a taxa de filtração glomerular é inferior a 25% do normal. Antes que haja hiperfosfatemia, quando a TFG está em torno de 50%, pode haver elevação nos níveis de PTH, sendo um eficiente indicador do aumento da excreção de fósforo pelo néfron, elevando-se à medida que há redução moderada na TFG e progressivo agravamento da função renal (KRONFELD, 1994 e ADHAM, 1997). HANSEN et al. (1992) afirmaram que concentrações elevadas de PTH na presença de níveis séricos normais de fósforo enfatiza a desregulação no metabolismo do fósforo, que culmina com o hiperparatiroidismo secundário renal em cães com IRC. Na IRC observa-se aumento da excreção fracional de fósforo, a partir dos néfrons remanescentes. A adaptação que ocorre no metabolismo do fósforo frente à diminuição da massa renal funcional é mediada pelo aumento da produção do PTH e por mecanismos independentes do PTH, incluindo o aumento da produção de dopamina intrarenal. O aumento na produção de PTH em pacientes com IRC leva à redução da reabsorção de fósforo nos túbulos proximais e do transporte através da membrana (ADHAM, 1997).

Assim, a hiperfosfatemia contribui para a ocorrência de uma hipocalcemia relativa inicialmente e para a inibição da atividade da enzima 1-α hidroxilase renal, reduzindo a conversão do metabólito ativo de vitamina D, que é a vitamina D 3 25(OH), em calcitriol. O cálcio passa a ser menos absorvido pelo trato gastrointestinal e inadequadamente reabsorvido pelos túbulos, o que leva à hipocalcemia absoluta. O PTH atua sobre o rim estimulando a 1-α hidroxilase, aumentando a excreção de fósforo pelos túbulos proximais, promovendo a reabsorção do cálcio nos túbulos distais. Além disso, esse hormônio estimula a excreção de aminoácidos e de bicarbonato; e no tecido ósseo o PTH promove a reabsorção de cálcio e fósforo, por estímulo dos osteoclastos, conforme mostra a Figura 3 (ALLGROVE, 2003).

FIGURA 3 - Interações entre o PTH, a vitamina D e o fósforo, em resposta à diminuição da função renal (MOE, 2001). A enzima 1-α hidroxilase renal é produzida quase exclusivamente pelo rim, tendo a elevação de PTH e a hipofosfatemia como principais estímulos. Entretanto, na IRC avançada há menor atividade da 1-α- hidroxilase nas células epiteliais tubulares renais e a ativação da vitamina D 3 25(OH) em calcitriol está prejudicada. As baixas concentrações de calcitriol no sangue estimula a secreção de PTH pela glândula paratiróide. A utilização de alfacalcidol, um similar sintético da vitamina D 3 25(OH), tem sido difundida, pois apresenta meia-vida mais longa do que o calcitriol, normalmente administrado em pacientes com hipocalcemia desencadeada por IRC (ALLGROVE, 2003 e PURAS & SOLOZÁBAL, 2003). Além de contribuir para o desenvolvimento da hipocalcemia, a excreção inadequada de fósforo na IRC pode levar ao hiperparatiroidismo secundário renal, à

osteodistrofia renal e à mineralização de vários tecidos, inclusive o renal, culminando com a progressão da doença. Sabe-se também que o PTH é uma toxina urêmica, que contribui para o aparecimento de osteodistrofia e outras alterações, tais como a anemia (HANSEN et al.,1992; MARKWELL & HARTE, 1994 e ADHAM, 1997). 2.1.5.3. Hiperparatiroidismo secundário renal A característica do hiperparatiroidismo secundário renal consiste na presença de osteíte fibrosa cística, com extensiva fibrose na medula óssea e aumento da reabsorção óssea pelos osteoclastos, afetando a superfície óssea ou a região subperióstea, intracortical, endóstea, trabecular, subcondral, subligamentosa e subtendinosa (JEVTIC, 2003). Na IRC o hiperparatiroidismo é decorrente da hipersecreção de PTH, originada do desequilíbrio entre as concentrações de cálcio e de fósforo (JEVTIC, 2003). A vitamina D circulante mostra uma aparente diminuição, assim como seus receptores na glândula paratireóide, com um notável aumento da resistência orgânica frente ao cálcio e à vitamina D, à medida que a doença evolui. Conseqüentemente, as glândulas paratireóides desenvolvem uma hiperplasia difusa ou, mais esporadicamente, uma atrofia (PURAS & SOLOZÁBAL, 2003).

Alguns estudos têm mostrado o efeito benéfico da restrição de fósforo dietético para cães com IRC na prevenção e na reversão do hiperparatiroidismo secundário renal (FINCO et al., 1992). 2.1.5.4. Alterações ósseas BEVILACQUA et al. (1989) relacionaram dois distúrbios ósseos principais envolvidos na IRC, a osteodistrofia renal e as calcificações metastáticas. A osteodistrofia renal abrange três problemas principais, a osteomalácia, a osteíte fibrosa e a osteoclerose. A osteodistrofia renal é um termo geral para todas as desordens relacionadas ao metabolismo do cálcio e do fósforo, as quais estão associadas aos danos renais e que acarretam anormalidades músculo-esqueléticas variáveis. Por razões ainda não conhecidas, os ossos da cabeça são aqueles mais acometidos. Podem ocorrer fraturas, principalmente na mandíbula. Outras manifestações clínicas da osteodistrofia renal envolvem a descalcificação óssea, lesões císticas no osso, dor nas estruturas ósseas e retardo no crescimento. Os sinais clínicos decorrentes de osteodistrofia renal em virtude de IRC acomete uma maior proporção de cães

jovens, devido à atividade metabólica do tecido ósseo mais intensa nesses animais (POLZIN & OSBORNE, 1995 e JEVTIC, 2003). As calcificações metastáticas são resultantes do desequilíbrio entre os níveis de cálcio e de fósforo plasmáticos, devido à retenção de fósforo no organismo, culminando com a deposição de componentes contendo esses minerais nos tecidos moles do organismo. A calcificação dos tecidos moles é comum em cães com IRC e afeta primariamente os rins, como também os pulmões, as artérias, o estômago e o miocárdio (POLZIN & OSBORNE, 1995 e JEVTIC, 2003). 2.1.5.5. Problemas cardiovasculares A doença cardiovascular é a maior causa de morte em pacientes humanos com IRC, que manifestam problemas cardiovasculares pela presença de fatores de risco clássicos, que incluem a idade, a história familiar, a hipertensão, diabetes, a hiperlipemia e o sedentarismo. Tais fatores coexistem com outros que estão envolvidos com a patologia renal propriamente dita, como a hipervolemia; a hipertensão; a anemia; o estado hiperdinâmico vascular, que aumenta a atividade cardíaca e favorece o desenvolvimento de hipertrofia ventricular esquerda; as alterações do metabolismo do cálcio e do fósforo; o hiperparatiroidismo; o acúmulo