ARRUACEIROS OU DEFENSORES DA DEMOCRARIA: AS MANIFESTAÇÕES CONTRA A PEC241 EM PORTO ALEGRE E AS REDES SOCIAIS COMO POTENCIAIS AMPLIADORAS DA ESFERA PÚBLICA 1 Ursula Schilling 2 ; Na noite de 24 de outubro, um grupo de pessoas, em manifestação contra a Pec 241 3, percorreu a região central da cidade de Porto Alegre/RS. Em um determinado ponto do percurso, segundo informações do jornal Zero Hora Online 4, houve confronto entre os manifestantes e o Batalhão de Choque e a Cavalaria da Brigada Militar, que disparou bombas de gás lacrimogêncio para disperar a multidão. Tal ação da polícia teria sido uma resposta a depredações que alguns integrantes do grupo faziam, quebrando vidraças de agências bancárias de uma determinada avenida. Quase que simultaneamente ao ocorrido, portais de notícias e veículos como o que acaba de ser referido publicaram notas e notícias sobre o assunto em seus sites de mídias sociais como Twitter e Facebook. Ao mesmo tempo, pessoas próximas ao local do confronto e os próprios manisfestantes, publicaram seus pontos de vista sobre a situação, atestanto ou questionando as versões trazidas pelos canais de mídia locais. Após a completa dispersão do movimento e ainda nos dias subsequentes, acirrou-se o debate acerca da legitimidade do ato dos manifestantes, bem como da ação da força policial. Diferentes leituras e versões disputaram espaço nas redes sociais, especialmente em plataformas como o Facebook, onde os usuários desse tipo de site têm, pretensamente, a partir de seus perfis individuais, a possibilidade de expressar suas opiniões. 1. Artigo apresentado ao Eixo Temático 02 Movimentos Sociais / Ciberativismo / Resistência do IX Simpósio Nacional da ABCiber. 2. Jornalista e especialista em redes sociais e cultura digital pela Universidade do Vale do Rio do Sinos (Unisinos). Associada ao Núcleo de Ecojornalistas do Rio Grande do Sul (NEJ/RS). E-mail: ursulaschilling@yahoo.com 3. PEC 241: Proposta de Emenda à Constituição n. 241/2016, pelo Poder Executivo, que "Altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal" disponível em http://www.camara.gov.br/proposicoesweb/fichadetramitacao?idproposicao=2088351; A PEC 241/2016, de iniciativa do Chefe do Poder Executivo, institui o denominado Novo Regime Fiscal (NRF). O objetivo nuclear do NRF é o controle do ritmo de aumento de despesas, disponível em http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/521801. 4. Disponível em http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2016/10/ato-contra-a-pec-241-acaba-em-confrontoem-porto-alegre-7973077.html
Com base nesse breve relato, emergem elementos que levam a alguns questionamentos sobre a importância das mídias sociais, aqui entendidas como espaços de alargamento da esfera pública (LUZ e MORIGI) e como questionadoras das versões divulgadas, acerca de acontecimentos públicos, pela chamada grande mídia. Levando isso em conta, o presente trabalho busca compreender até que ponto as redes sociais se configuram como ampliadoras da esfera pública, a partir da análise a repercussão das manifestações contra a PEC 241 em outubro de 2016 em Porto Alegre. Por abordar um movimento de resistência, no contexto da cibercultura, e a partir de uma temática de âmbito nacional a Proposta de Emenda à Constituição tendo como premissa a comunicação na esfera pública como processo eminentemente democrático, é que este trabalho dialoga com a temática geral e com o segundo eixo temático do evento 5. O arcabouço teórico deste artigo constroi-se com base em alguns eixos temáticos preliminares, quais sejam: 1) o acontecimento público (WEBER e QUERÉ); 2) visibilidade e credibilidade (WEBER); 3) comunicação de massa (McQUAIL); e 4) internet, redes sociais e esfera pública (GOMES, LUZ e MORIGI, e SCHERER-WARREN). Para Quéré (2011), nem todos os acontecimentos são públicos, que não basta ser levado a conhecimento ou tornado público pela informação para sê-lo: "o acontecimento público é fundamentalmente um acontecimento inscrito e tematizado num registro específico, o dos problemas públicos e o do seu tratamento pela ação pública". Weber (2011), por sua vez, explica que se um acontecimento, de acordo com a sua natureza, "é suficientemente poderoso para provocar impactos na vida dos indivíduos e da sociedade, ele se impõe nos meios de comunicação de massa e atrai as instituições políticas", isso porque o acontecimento público, atrelado ao interesse público que está, "é capaz de mobilizar indivíduos, sociedade, instituições políticas e organizações midiáticas". A propósito das organizações midiáticas, Weber (2006), esclarece que os media, que estão no centro da equação visibilidade-credibilidade, tornam-se espaço proviliegiado de trânsito da informação, interferindo, moldando e fabricando a imagem e a opinião públicas. "Nos media, temos o que é possível ver e o que nos é permitido ver (a edição) e a verdade (em algum lugar) sobre o acontecimento, já que a totalidade não será vista". 5. Eixo Temático 02 Movimentos Sociais / Ciberativismo / Resistência do IX Simpósio Nacional da ABCiber Cibercultura, democracia e liberdade no Brasil.
McQuail (2012) vem relacionar a mídia de massa e o interesse público, lembrando que público é aquilo que está aberto e livremente disponível, nunca fechado ou privado. Para ele, a partir da noção de democracia e de esfera pública, o papel da mídia de massa tem um certo grau de interesse público em suas operações, haja vista, "opiniões são formadas e expressas por cidadãos com base no conhecimento comum e em valores largamente promovidos". Nesse contexto, a internet e, mais especificamente, as mídias sociais, surgem como uma espécie de quebra do poder hegemônico dos media, pois permite aos indivíduos se expressarem sem passar pelo filtro do jornalismo ou pela censura do governo (LUZ e MORIGI). Bitencourt (2013) reforça essa ideia de alargamento da esfera pública, definindo a internet como "um novo locus de produção e distribuição de informações', que pontua ganhos e limites democráticos dos debates públicos ampliados. Na mesma linha, Scherer-Warren (2006), afirma que as "redes" desempenham um papel estratégico de empoderamento dos coletivos e dos movimentos sociais. Por fim, Gomes (2014) salienta que "não há hoje instrumentos tão rápidos e igualmente intensos de atualização social quanto as redes sociais". Esse status de novo locus de produção coaduna com a ideia trazida por Jekins (2009), de os antigos papeis instituídos entre produtores e consumidores de informação estão mudando. Há uma realidade, de fronteiras mais fluidas As pessoas assumem o controle, apropriando-se dos conteúdos e colocando-os novamente em circulação. Para o autor, no entanto, experimenta-se, ainda, um período de aprendizagem sobre como fazer uso dessas novas formas de comunicação. Ressalte-se ainda que o conceito de esfera pública utilizado neste trabalho é o trazido por Gomes e Maia (2008): Pensada em conformidade com seu padrão ideológico [ ] deve ser compreendida como aquele âmbito da vida social em que interesses, vontades e pretensões que comportam consequências concernentes à comunidade política se apresentam na forma de argumentação ou discussão. Essas discussões devem ser abertas à participação de todos os cidadãos e consuzidas por meio de uma troca pública de razões. (GOMES e MAIA, 2008)
Para os autores, a esfera pública moderna é desenhada para a assim chamada sociedade civil como dimensão da vida social que desafia e se contrapõe polemicamente ao Estado autocrático. Considerando esses conceitos, é possível entender as redes sociais como parte da esfera pública e, por seu potencial de comunicação de uma para um e de um para muitos, entendê-la como espaço de estímulo ao debate, a troca de razões e também como ampliadora dessa mesma esfera. No caso específico da repecrussão das manifestações em Porto Alegre, pode haver a troca de impressões e versões sobre o ocorrido, pricipalmente em canais como Facebook e Twitter. Como reforçam Gomes e Maia (2008), a esfera pública é o espaço não-institucionalizado, no qual há livre flutuação de questões, informações, pontos de vista e argumentos provenientes de vivências quotidianas dos sujeitos. Palavras-chave: PEC 241; redes sociais; esfera pública. Referências bibliográficas BITENCOURT, Sandra. O agendamento do aborto da campanha presidencial brasileira em 2010: reverberação e silenciamento estratégicos entre imprensa mídias sociais e candidatos. Porto Alegre: UFRGS, 2013. Tese de Doutorado. GOMES, Wilson. A política na timeline: crônicas de comunicação e política em redes sociais. Salvador: EDUFBA, 2014. Gomes, Wilson; MAIA, Rousiley C.M. Comunicação e democracia: Problemas & perspectivas. São Paulo: Paulus, 2008. JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Alepf, 2009. LUZ, Lia; MORIGI, Valdir Jose. O ciberespaço e a reconfiguração da esfera pública: os blogs cubanos como prática de cidadania. In: MORIGI,V;GIRARDI,I;ALMEIDA,C.. (Org.). Comunicação, Informação e Cidadania - refletindo práticas e contextos. 01ed.Porto Alegre: Editora Sulina, 2011, v. 01, p. 193-210. McQUAIL, D. Atuação da Mídia, comunicação de massa e interesse público. Porto Alegre: Penso, 2012. QUÉRÉ, Louis. A individualização dos acontecimentos no quadro da experiência pública. In: Caleidoscópio: revista de comunicação e cultura. Nº 10, 2011b. Lisboa: Edições Universitárias Lusófonas. p. 13 37 SCHERER-WARREN, Ilse. Redes sociais na soiceidade da informação. In: CASTRO, M. C.; MAIA, R. (org). Mídia, Esfera Pública e Identidades Coletivas. B. Horizonte: UFMG, 2006. p.117-136. WEBER, M. H Visibilidade e credibilidade: tensões da comunicação política. In: CASTRO, M. C.;
MAIA, R. (org). Mídia, Esfera Pública e Identidades Coletivas. B. Horizonte: UFMG, 2006. p.117-136. WEBER, Maria Helena. Do acontecimento público ao espetáculo político-mediático. Caleidoscópio (Lisboa), v. 10, p. 189-204, 2011.