O CONTO AFRICANO NA SALA DE AULA: PROPOSTA EDUCATIVA DOS SABERES AFRICANOS E LITERÁRIOS NA SALA DE AULA



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O CONTO AFRICANO NA SALA DE AULA: PROPOSTA EDUCATIVA DOS SABERES AFRICANOS E LITERÁRIOS NA SALA DE AULA INTRODUÇÃO Rafael Nóbrega Araújo, graduando em História (UEPB) 1 e-mail: rafaelnobreg@hotmail.com Patrícia Cristina de Aragão Araújo, Doutora em Educação (UEPB) 2 e-mail: cristina-aragao21@hotmail.com Neste trabalho, visamos discutir sobre a importância da inserção literatura africana, através de contos com origem na África, baseado em reflexões da obra intitulada O príncipe medroso e outros contos africanos, nossa proposta tem como perspectiva compreender de que modo o conto, visto neste estudo como pedagógico, possibilita uma utilização pedagógica em sala de aula, objetivando a partir do trabalho com os saberes africanos, construir uma proposta educativa onde seja possível o desenvolvimento dos saberes e conhecimentos que tenham relação com a cultura africana e afro-brasileira. Trabalhando nesta perspectiva, nossa proposta busca mostrar também as potencialidades e possibilidades de que o conto apresenta, entendendo-o como forma de diálogo entre a literatura e a educação. O conto quando aplicado em sala de aula, motivando a aprendizagem dos saberes africanos e afro-brasileiros, como método pedagógico, viabiliza uma abordagem da cultura e da história africana, atendendo as propostas da lei 10.639/2003. Deste modo, nossa pesquisa visa enfatizar sobre as maneiras como o conto é um espaço educativo, através de análise do livro de contos O príncipe medroso e outros contos africanos, que pode ser introduzido na sala de aula, objetivando produzir nos/as alunos/as efeitos que desconstruam as concepções preconceituosas e discriminatórias, sobre a cultura negra africana e despertem sua africanidade. METODOLOGIA A abordagem metodológica desta pesquisa centra-se num estudo bibliográfico e documental, onde utilizamos como fonte o livro de contos 1 Pesquisador da Iniciação Cientifica CNPq/Projeto de Extensão O lugar da Juventude no ensino superior: formação docente, políticas públicas, direitos humanos e diversidade. 2 Professora de História. 1

africano intitulado O príncipe medroso e outros contos africanos recontados por Anne Soler-Pont (2009), em que partimos de leituras teóricas acerca da relação da literatura e educação, bem como a discussão sobre o ensino de história e cultura africana, tomando como objeto de analise o livro de contos de modo a demonstrar sua aplicação pedagógica. 1. SABERES LITERÁRIOS AFRICANOS: USOS PEDAGÓGICOS O continente africano é riquíssimo quanto a histórias e narrativas, dentre outros aspectos, que na sua maioria os saberes são desenvolvidos na tradição oral, de geração à geração ao longo dos séculos, tais saberes como afirma Hampaté Bâ (1982) correspondem a conhecimentos de toda espécie, pacientemente transmitidos de boca a ouvido, de mestre a discípulo, ao longo dos séculos. (BÂ, 1982, p. 167). Devendo salientar que BOKAR apud BÂ (1982) A herança é tudo aquilo que nossos ancestrais vieram a conhecer e que se encontra latente em tudo que nos transmitiram, assim como o baobá já existe em potencial em sua semente. (BÂ, 1982, p. 167). Entendemos deste modo, que o conto africano nos revela histórias de povos, lugares e práticas culturais,e é uma forma de transmissão dos saberes ancestrais que se mantém vivos. São saberes e experiências que possibilitam a compreensão e o contato com a memória e a história do povo africano. Sendo os mesmos registrados de forma escrita apenas no inicio do século XX, pois, deveu-se aos griots o legado desta tradição oral que chega até nós. Como salienta Hampaté Bâ (1982), a herança oral do continente africano é uma tradição viva, haja vista que os contos africanos permanecem vivos e fazendo parte do cotidiano das populações africanas. Além disso, a transmissão oral dos contos se dava de modo que famílias e até vilarejos inteiros se reuniam para ouvir as narrativas de griots, como se dá ainda em nossos dias, compondo assim um importante saber social. Podemos perceber, portanto, que o conto africano tem um caráter social e seus saberes visam transmitir uma experiência de vida e é nessa perspectiva que trazemos para a análise o conto Os dois reis de Gondar (SOLER-PONT, 2009), um conto originário da Etiópia, que transmite ao final uma lição de moral e boa conduta de como viver em contexto social. O conto narra sobre o 2

encontro de um camponês e um caçador, este havia se perdido no caminho para a cidade de Gondar e já próximo do anoitecer encontra a casa do camponês, que o convida para dividir o jantar e cede sua cama ao forasteiro, para que ele descanse. No dia seguinte o caçador segue seu caminho e solicita a ajuda do camponês para que novamente não se perca, que aceita com uma condição: Está certo disse o camponês, mas com uma condição. Quando a gente chegar, gostaria de conhecer o rei, eu nunca o vi. (SOLER -PONT, 2009, p. 20). Os dois seguem a viagem de cavalo até a dita cidade de Gondar, ao chegar à cidade o caçador alerta ao camponês de como reconhecer o rei: Não se preocupe, é muito fácil: quando todo mundo faz a mesma coisa, o rei é aquele que faz outra, diferente. Observe bem as pessoas à sua volta e você o reconhecerá. (SOLER -PONT, 2009, p. 20). Já na cidade, por onde passavam todas as pessoas se ajoelhavam, adentraram o palácio e todos continuaram a fazer mesma coisa, todos os nobres tiraram os chapéus quando os dois passaram, ao se acomodarem num grande sofá, todos ficaram de pé a sua volta. O camponês olhou para o forasteiro e perguntou inquieto: Quem é o rei? Você ou eu?, o caçador responde: Eu sou o rei, mas você também é um rei, porque sabe acolher um estrangeiro! Ambos se tornaram amigos, camponês e caçador e foram os reis de Gondar. Podemos perceber através da leitura e análise deste conto, o modo pelo qual a literatura africana pode ser trabalhada em sala de aula, no sentido de despertar o interesse do aluno para essas e outras narrativas, de maneira que possam compreender que os povos africanos também são produtores de saberes, como podemos perceber ao término do conto uma lição de moral dada através do conto. Além disso, a sua leitura possibilita que o aluno desperte o interesse por conhecer mais sobre este conto, entrando em contato deste modo com a história da Etiópia, ele pode aprender que a cidade de Gondar, que fica na província de Beghemidir, fora a última capital do império Etíope e representa hoje um dos principais atrativos turísticos da Etiópia e possui um sítio arqueológico tombado como patrimônio mundial da UNESCO 3. A reflexão 3 Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. 3

sobre este tema leva o aluno a mudar sua concepção de mundo, revendo conceitos e pré-conceitos, tornando possível a compreensão de que SILVA apud FUCKNER (2013): todos os povos, apesar de suas diferenças nos modos de pensar, agir, viver, fazem uma única humanidade. Todo o homem, toda a humanidade se define como portadora e produtora de linguagem e cultura. (FUCKNER, 2013, pp. 3-4). 2. POLÍTICAS AFIRMATIVAS ACERCA DO CONTO AFRICANO Entendemos que: A escola como produto da sociedade, tem um papel importante na transformação social, visto que é neste espaço que se verifica a formação dos sujeitos sociais. Sendo um lugar de ambiência social, de construção de visão de mundo e formação de cidadãos (ARAÚJO, 2013, p. 81). Deste modo, se faz importante que se tenha uma educação que promova a diversidade, repensando as relações étnicas e desconstruindo as visões estereotipadas e preconceituosas. A utilização do conto africano como método pedagógico-educacional é uma possibilidade, pois é uma forma de aprendizagem significativa, que movimenta a imaginação e desperta os sensos cognoscitivos, já que a leitura dos contos pode se dar de diferentes modos. Como aponta Aires (2010) o papel da história e seu ensino é desnaturalizar certos discursos, estereótipos, conceitos e categorias (AIRES, 2010, p. 207). A leitura de um conto africano na escola deve se dar neste sentido, pois tende a desconstruir imagens cristalizadas, a leitura de um conto sobre reis como é o conto Os dois reis de Gondar, leva a repensarmos algumas imagens, como por exemplo, a imagem do rei ou príncipe que é construído pela mídia como um jovem belo de pele branca, sendo que existem e existiram muitos príncipes e reis negros, a utilização do conto torna possível um conhecimento mais próximo da cultura africana. Compreendemos a leitura de contos africanos e a sua abordagem em sala de aula, como sendo fundamentais para construção de uma consciência crítica e plural que respeite as diversidades. Refletir saberes referentes a africanidade é olhar no espelho, buscar nossas raízes, ter a compreensão necessária no sentido de desconstruir as significações e representações preconceituosas que tem se configurado nos conteúdos didáticos e no espaço da escola, em que muitas vezes uma forma silenciada de racismo é a negação destes saberes. (FUCKNER, 2013, p. 6-7). 4

CONDIDERAÇÕES FINAIS Entendemos que a proposta de uma educação para as relações étnicoraciais, viabilizada a partir do diálogo, conscientização, participação social do educando, pode se enveredar a partir de ações pedagógicas que motivem não apenas o aprendizado, mas, sobretudo, que mova o aluno/a para o conhecimento da cultura africana a partir do espaço da escola. Deste modo, a educação estabelece vias para que uma parcela da população que se encontra em estágio de aprendizagem possam despertar um conhecimento crítico e plural, com respeito as diversidades. Acreditamos que utilização de contos africanos neste processo viabiliza a constituição destes indivíduos, na luta contra o racismo bem como modo de afirmação da africanidade e da identidade dos jovens negros. REFERÊNCIAS: AIRES, José Luciano Queiroz. Sala de aula não é Igreja, birô de professor não é altar. In: ARAÚJO, Edna Maria Nóbrega et alii (orgs.). Historiografia e(m) diversidade: artes e artimanhas do fazer histórico. João Pessoa: EDUFCG/ ANPUH-PB, 2010. ARAÚJO, Patrícia Cristina de Aragão. AS CULTURAS JUVENIS E A AFROBRASILIDADE: o blog como espaço formativo e de diálogos e saberes. In: et alii (orgs.). Tecnologias em seus múltiplos cenários GPTEMA. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2013. BÂ, Amadou Hampaté. A tradição viva. In: História Geral da África I. Metodologia e Pré-história da África. Trad.: Beatriz Turquetti et alii. São Paulo: Ática, 1982, p.167-212. FUCKNER, Cleusa Maria. AFRICANIDADE NA ESCOLA: UMA EXPERIÊNCIA DE REFLEXÃO, AÇÃO E INTERAÇÃO. Ensaios Pedagógicos, v. 5, p. 1-7, 2013. SOLER-PONT, Anna. O príncipe medroso e outros contos africanos; ilustrações de Pilar Millán; tradução Luis Reyes Gil. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 9-21. 5