AS REPRESENTAÇÕES DA INVASÃO HOLANDESA AO BRASIL NOS LIVROS DIDÁTICOS: IMAGENS, REALIDADES E OMISSÕES.



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Transcrição:

Anpuh Rio de Janeiro Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro APERJ Praia de Botafogo, 480 2º andar - Rio de Janeiro RJ CEP 22250-040 Tel.: (21) 9317-5380 AS REPRESENTAÇÕES DA INVASÃO HOLANDESA AO BRASIL NOS LIVROS DIDÁTICOS: IMAGENS, REALIDADES E OMISSÕES. Frank dos Santos Ramos 1 Mestre em História Social pela UFF - Professor de História da SEE-RJ AGRADECIMENTOS: Desejo registrar meu profundo agradecimento pelo incentivo e apoio das direções das instituições de ensino estaduais, representadas pelos Colégios Estaduais Elisiário Matta, sob a batuta dos professores-diretores Adriana Luiza da Costa (geral), Tânia Mª de Andrade Miranda, Ricardo Darienzo e Rosângela Monteiro, Escola Estadual Caio Francisco de Figueiredo, sob a administração do professor-diretor José Pereira Neto e Escola Estadual Euclydes Paulo da Silva, sob a liderança de professora-diretora Patrícia dos Santos, além, naturalmente, de todos os meus colegas de profissão. Nesses locais, em que atuo junto a diversas turmas, foi possível fazer importante coleta de materiais didáticos e humanos, através da prática diária do ensino, dando formato e consistência científica à presente comunicação. Por conta disso, igualmente estendo meus agradecimentos a todo corpo discente, motivo principal de minhas preocupações. INTRODUÇÃO: A historiografia destinada ao ensino fundamental e médio tem demonstrado, mesmo atualmente, uma atitude bastante simplista e equivocada, principalmente, em relação aos eventos de cunho religioso vivenciados durante o período da História Brasileira denominado Invasões Holandesas, ocorridas, primeiramente, às costas da Bahia, em 1624, e, posteriormente, entre os anos de 1630 e de 1654, sobretudo nas cercanias da principal cidade da capitania pernambucana, Recife, palco de importantes acontecimentos, não apenas de ordem política ou econômica, mas de relevância social para a formação da sociedade brasileira. Concretizado o término da primeira parte da conquista holandesa sobre a cidade do Arrecife, como Recife era anteriormente conhecida, em 1630, configurou-se um clima de tolerância religiosa 1

Usos do Passado XII Encontro Regional de História ANPUH-RJ 2006: 2 para com todos aqueles dispostos a aceitar a dominação dos novos conquistadores, posto que a maioria dos colonos ali estabelecidos era de origem lusitana e seguiam os preceitos da Igreja Cristã Católica. Os holandeses possuíam experiência anterior de contato com comerciantes de outras religiões, facilitando sobremaneira sua compreensão em prol de melhor entendimento econômico com seus futuros parceiros em detrimento de possíveis desavenças dogmáticas. A partir desse contexto, favorável não só à proliferação como também ao desenvolvimento de diversos crédulos, houve a permissividade das autoridades administrativas locais para a edificação da primeira comunidade judaica legal das Américas, denominada Kahal Kadosh Zur Israel Sagrada Congregação do Rochedo de Israel, localizada na Recife Antiga. Esse evento, único na história do Brasil, marcaria definitivamente a atitude judaizante dos cristãos-novos remanescentes após a expulsão dos holandeses em 1654. Ressalte-se já existe em prática, há algumas décadas, diversos projetos no sentido de resgatar a memória dos antepassados dos atuais judeus nordestinos, sobretudo os de Recife. É Bom lembrar que houve, anteriormente aos acontecimentos considerados, conturbados anos vivenciados pela colônia brasílica com a ação do poder eclesiástico católico, em suas visitações episcopais, além das não menos importantes Visitações do Santo Ofício, organizadas pelo Tribunal Inquisitorial de Lisboa, fator determinante de profundas alterações sociais. A de maior destaque, sem sombra de dúvida, foi a primeira, ocorrida entre 1591-1595. Serão observados através de seus livros de Confissões e de Denunciações, além dos conseqüentes processos impetrados contra muitos daqueles denunciados, comportamentos de desvios da fé católica, oficial do Estado Lusitano. Ressalte-se que os crimes preferencialmente analisados pelos visitadores eram os referentes ao de judaizar. Boa parte dos condenados encontraria temíveis suplícios, além do degredo para terras distantes ou da morte em Autode-fé. Esses eventos causariam forte impressão nos cristãos-novos residentes na colônia, antes do período holandês, o que, a seu tempo, também se refletiria durante esse episódio, pois mesmo recebendo permissão para a prática de seu crédulo muitos desses descendentes de judeus temeriam o retorno da ação inquisitorial, provocando a manutenção de um judaísmo clandestino mesmo num tempo de tolerância religiosa. Posteriormente ficaria justificado tanto temor. Com a restauração lusitana haveria o retorno do domínio ideológico cristão católico na colônia brasílica. Sabe-se, entretanto, de vários processados, capturados durante os conflitos na guerra de Restauração Pernambucana, intensificada em 1645 e finalizada em 1654, com a expulsão dos holandeses, aumentando ainda mais seus temores.

Usos do Passado XII Encontro Regional de História ANPUH-RJ 2006: 3 Infelizmente, toda essa riqueza de detalhes encontra-se ausente ou muito pouco explorada nos livros didáticos, seja pelo principiar das atuais pesquisas dentro da temática luso-holandesa, seja pelo ainda forte domínio eclesiástico católico a tolher o reconhecimento da grandiosidade da diversidade cultural brasileira, seja pela atitude eurocêntrica de algumas editoras e autores, seja pelo tradicionalismo pouco dado ao revisionismo constante e necessário. De qualquer forma, muitos progressos já são apreciáveis e disponíveis nas bibliotecas universitárias, no formato de dissertações de mestrado ou teses de doutorado, sendo, portanto, perfeitamente possível detectar a demasiada lentidão do processo de transmissão do conhecimento mais diretamente ao corpo discente. OBJETIVOS, CLIENTELA E METODOLOGIA: O objetivo deste trabalho conseqüência de preocupações iniciadas juntamente com a graduação e levada mais adiante no mestrado, sob a orientação do prof. Dr. Ronaldo Vainfas pela UFF, é fazer um levantamento dos livros didáticos mais usados, sem entretanto identificá-los por uma questão de ética, com o intuito de avaliar os principais posicionamentos e profundidades de conteúdos encontrados nessas obras e tentar apontar a existência de argumentações frágeis pelo pequeno avanço ou falta de assimilação das pesquisas sobre o tema até o presente momento, principalmente em relação à questão religiosa no processo de construção social. Será utilizado o processo de coleta e avaliação por amostragem retirada de fragmentos ou textos completos sobre a temática Invasão Holandesa, entre os anos de 1630 e de 1654, portanto durante a segunda invasão, tendo-se em vista sobremaneira o viés religioso, como citado anteriormente, a fim de se identificar correntes, formas de pensamentos e tendências dogmáticas bastante específicas, como era o caso do judaísmo e do cristianismo praticado tanto pelos católicos quanto pelos calvinistas. A questão da identidade dos diversos grupos aqui ressaltados constitui condição primordial para o entendimento da circularidade cultural presenciada naquele momento, mas que, num certo sentido, é ignorada pelos livros didáticos. DISCUSSÃO HISTORIOGRÁFICA: Existem livros, principalmente os temáticos, preocupados em estudar os diversos grupos étnicoreligiosos como fruto de culturas ricas e independentes daquelas trazidas pelos principais conquistadores europeus. No nosso caso: os portugueses. Procuram valorizar suas contribuições junto aos colonos, pois trabalham com uma linha de pensamento mais progressista, onde é privilegiada uma visão mais crítica em relação à conjuntura vivenciada.

Usos do Passado XII Encontro Regional de História ANPUH-RJ 2006: 4 Ressalte-se que todas as partes constituintes da cultura de determinado grupo étnico expressão oral, culinária, pensamentos, vestuário sofreriam importante influência desde os primeiros contatos com o mundo exterior, provocando verdadeira miscigenação cultural, condição básica para o surgimento de traços bastante originais na sociedade colonial brasílica em formação. É impossível para qualquer cultura permanecer ilesa quanto posta em confrontação com outra diversa! Há autores, entretanto, preocupados com a manutenção de um conservadorismo elitista eurocêntrico, posicionando-se como reprodutores de teorias racistas do século XIX, sobremaneira no que concerne a ideologia da superioridade racial européia branca. Vale lembrar o preconceito sofrido, mesmo pelos europeus residentes em áreas coloniais, por conta do contado desses com o ambiente estrangeiro, segundo essas teorias, fator fundamental de alteração social, portanto, qualquer homem branco em contato prolongado com o clima americano sofreria todo tipo de alteração em sua constituição física e mental, desqualificando-o perante seus semelhantes europeus. No caso dos cristãos-novos, residentes no Brasil, o preconceito seria duplo: foram desqualificados pelos sefarditas, considerados judeus puros, por terem seu sangue contaminados pela influência ambiental, climática, e pelo contato prolongado com a ideologia cristã católica. Embora, ambos tenham origem comum, ou seja, luso-hispânica, os sefarditas, chegados com os holandeses, conservaram-se ligados às antigas tradições judaicas por terem saído de Portugal durante o processo de conversão forçada de todos os judeus, em 1496-7. Ocorre, por conta disso, a omissão de dados fundamentais na formação social, principalmente relacionados à miscigenação étnica, posto que não seria interessante ressaltar a falta de mulheres brancas e a conseqüente importância dos mamelucos no processo de estabelecimento nas terras do Novo Mundo, fato este pouco ou nada presente na bibliografia referente ao ensino fundamental e médio. A grande responsabilidade do relato verossímil, nesse caso, deposita-se sobre os ombros dos educadores. Os professores de história que, dialogando sobremaneira com a Antropologia e a Sociologia, têm grandes possibilidades de apresentarem uma imagem colonial com cores mais próximas daquelas vivenciadas. Esta atitude, certamente, contribuiria para a sensível redução dos violentos preconceitos que o adolescente carrega, inconscientemente, para a sala de aula, vítimas de uma sociedade pouco instruída e insensível aos diferentes componentes formadores da sociedade brasileira. Considerando a imensa gama de títulos publicados anualmente, não caberia aqui a análise detida de tais obras, e sim fazer sentir uma preocupação vivenciada diariamente em classe, reflexo de

Usos do Passado XII Encontro Regional de História ANPUH-RJ 2006: 5 uma dinâmica social pouco problematizada. Porque o parágrafo único que a maioria dos livros didáticos destinam a este riquíssimo tema que inspirou tantas e belíssimas pesquisas de pós-graduação certamente não faz jus e nem consegue apreciá-lo minimamente. Citamos o exemplo ilustrativo de um livro da sexta série: "O domínio holandês foi consolidado graças ao apoio de cristãos-novos, negros e mulatos, atraídos pelas promessas de liberdade." Notem que a questão religiosa, elemento fundamental dentro uma sociedade construída sob a égide católica, nem sequer é mencionada, apenas a presença cristã-nova. Sem maiores esclarecimentos por parte do professor o aluno ficaria totalmente alheio a profundidade da questão. O tema Invasão Holandesa é abordado nos livros de sexta série do ensino fundamental e posteriormente nos anos subseqüentes do ensino médio. Outros exemplos, tirados de livros de sexta série, vêem de encontro à observação acima: "Além disse, a cidade do Recife foi saneada e modernizada, transformando num centro urbano pontilhado de obras arquitetônicas o que fora um dia apenas um pequeno vilarejo. Pavimentaram-se ruas, drenaram-se pântanos, construíram-se canais e pontes sobre o delta dos rios Capibaribe e Beberibe, ergueu-se um observatório astronômico, criou-se um zoológico, fundaram-se teatros e palácios. Recife passou a chamar-se Mauritzstadt, ou Cidade Maurícia, em homenagem a seu governador holandês. Durante o governo de Nassau, a região do que seria, mais tarde, o Nordeste brasileiro experimentaria, também, um período de relacionamento pacífico entre católicos (principalmente portugueses) e protestantes (principalmente holandeses), reproduzindo uma convivência que já caracterizara a metrópole, na Holanda." "O Conde Maurício de Nassau sempre foi elogiado pela administração que realizou em Pernambuco. Mesmo vindo de um país protestante, não perseguiu os católicos. Emprestou dinheiro para fazendeiros e senhores de engenho. Diminuiu os impostos e deu maior liberdade na venda do açúcar. Diante desses incentivos, a produção se normalizou." Os questionamentos feitos aos alunos do ensino médio não diferem muito daqueles vivenciados na sexta série. Há de considerar que nesse estágio do aprendizado o nível de detalhamentos dos acontecimentos seja compreensivelmente bem mais sofisticado, mas na essência, a intencionalidade dos autores permanece, já que é relativamente comum, para muitos desses autores, escreverem para todas as séries. "Também instituiu um regime de liberdade relativa no comércio, ou seja, de livre comércio para os moradores das capitanias conquistadas que tivessem capital investido em engenhos. e procurou, com habilidade, conciliar os interesses da população muito heterogênea que convivia no Recife: colonos nascidos no território, portugueses, holandeses, franceses e ingleses, católicos, calvinistas e judeus, índios e escravos. Além disso, urbanizou um primitivo bairro de Recife, que denominou Cidade Maurícia, e incentivou o trabalho dos artistas estudiosos que trouxera para o nordeste quando veio da Europa. Os artistas do Brasil de Maurício de Nassau produziram um conjunto de importantes obras sobre a região nordestina, no período colonial." É válido ressaltar que neste livro, em anexo, faz menção a importante obra de Sergio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil, marco da historiografia nacional, da qual é escolhido um trecho que trata

Usos do Passado XII Encontro Regional de História ANPUH-RJ 2006: 6 da questão religiosa como fundamental na formação brasileira o que é muito relevante para a nossa avaliação, posto que trás a tona forte preocupação do autor no sentido de ampliar a discussão em classe. Situação aparecida com o exemplar abaixo no qual o autor faz uma síntese das principais decisões vivenciadas pelo administrador local e que refletiria em todos os setores sociais: "Para governar as terras conquistadas, a Companhia das Índias Ocidentais procurou um bom administrador. O escolhido foi Maurício de Nassau Siegen, que tratou de: Consolidar a situação militar dos holandeses; Restabelecer a confiança em Olinda e Recife, prometendo garantias de propriedade e liberdade de comércio; Garantir a liberdade religiosa; Incentivar o plantio e o Aproveitamento da cana-de-açúcar; Criar a cidade de Maurícia; Conseguir o apoio dos senhores de engenho;" Outros exemplos cabem destaque pelo revisionismo histórico vivenciado na atualidade: "Numa época em que as perseguições religiosas eram o dia-a-dia na Europa, a política do conde em relação às religiões revelou grande habilidade. A religião oficial da Holanda era o calvinismo, mas os católicos e os judeus tinham liberdade de culto." "A tolerância religiosa foi outra característica desse momento. As diversas religiões (catolicismo, judaísmo, protestantismo etc.) foram, de certo modo, toleradas pelo governo de Nassau. Embora os holandeses não tivessem como objetivo principal expandir sua fé religiosa, o calvinismo - religião oficial do Brasil holandês - foi incentivado." A esta altura podemos até perguntar: Que tipo de profissional, professor-pesquisador, professor ou pesquisador, ansiamos nos tornar? Posto que o comprometimento com a transmissão do conhecimento adquirido em pesquisa junto aos alunos de nível médio ou mesmo fundamental também constituiria elo vital para a desarticulação de uma tradição educacional tão fortemente arraigada no conservadorismo de já antiquadas estruturas de ensino. CONSIDERAÇÕES FINAIS: Não seria cabível ao professor de ensino médio e fundamental sobrecarregar seus alunos com tantas informações sobre o tema, pois este ato poderia causar mais danos do que benefícios, pois a riqueza do assunto excederia demasiadamente o já tão curto espaço de tempo normalmente destinado a disciplina história. Esse fato acabaria por comprometer o restante do conteúdo programático, tão importante quanto a questão judaica. Entretanto, a negligência ou mesmo um esquecimento salutar

Usos do Passado XII Encontro Regional de História ANPUH-RJ 2006: 7 nada contribui para a resolução da questão. Estes são alguns dos dilemas que os professores de história normalmente enfrentam diariamente. A Constituição Nacional, sobremaneira a LDB, tem demonstrado preocupação com o respeito e a conservação de expressões locais, incentivando a manutenção de instituições educacionais completas que agraciem os mais diversos aspectos da formação nacional. Nelas haveria um esforço de conservação cultural, inclusive apontando para a contratação de profissionais versados neste regionalismo. Muitos programas televisivos de cunho documental ou jornalístico têm dado especial atenção para estas iniciativas, provando interesse e o empenho de muitas dessas instituições. Portanto, caberia a contribuição de cada profissional da educação no sentido de viabilizar as idéias que ainda estão no papel a fim de que o estudo da religiosidade nacional não se limite pelos interesses de alguma linha mais destacada socialmente, relegando ao esquecimento contribuições tão relevantes como as dos judeus no período colonial. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:. BÖHM, Günter. Los Sefardíes en los dominios holandeses de América del Sur y del Caribe: 1630-1750. Frankfurtam Main: Vervuert, 1992. coleção Bibliotheca Ibero-Americana. COSTA, F. A. Pereira da. Anais Pernambucanos: 1635-1665. Pernambuco, Recife: Arquivo Público Estadual, 1952. vol. 3.. GONSALVES DE MELLO, José Antônio. Gente da Nação: Cristãos-novos e judeus em Pernambuco, 1542-1654. 2a ed. Recife: FUNDAJ, Editora Massangana, 1996... Tempo dos flamengos: influência da ocupação holandesa na vida e na cultura do Norte do Brasil. 3a ed. aum. Recife: FUNDAJ, Editora Massangana; Instituto Nacional do Livro, 1987.. NEME, Mário. Fórmulas Políticas no Brasil Holandês. São Paulo, USP, 1971.. WIZNITZER, Arnold. Livro de atas das congregações judaicas Zur Israel em Recife e Magen Abraham em Maurícia, Brasil, 1648-1653. Separata do volume 74 dos Anais da Biblioteca Nacional.. VAINFAS, Ronaldo (direção). Dicionário do Brasil Colonial (1500-1808). Rio de Janeiro: Editora Objetiva Ltda., 2000.