Identidades Culturais na Pós-modernidade: Educação e Tecnologias



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Transcrição:

Identidades Culturais na Pós-modernidade: Educação e Tecnologias Aline de Moura Mattos Bruno Kerber de Oliveira Resumo A idéia de que uma nova geração de sujeitos está emergindo nos acompanha durante todo o desenvolvimento do artigo. Isto ocorre, entre outros fatores, devido às relações entre humanos, mídia e tecnologias que se tornam cada vez íntimas e perceptíveis. Estas relações, por sua vez, nos remetem à noção de organismos híbridos, homem-máquina, ciborgues. Independente do nome que se dê a esse período de alterações nos modos de vida hiper modernidade, modernidade, pós-modernidade consideramos que discussões sobre a escolarização neste cenário tecnológico são importantes e dignas de atenção. Adotaremos o termo pós-modernismo para representar uma condição da atual configuração social e, assim, problematizarmos a questão da produção de identidades, particularmente, da juventude escolar. Palavras-chave: identidades culturais, educação pós-moderna, mídias e tecnologias. Abstract Cultural Identities in Postmodernity: Education and Technology The idea that a new generation of individuals is emerging with us throughout the development of the article. This occurs, among other things due to relations between humans, media and technologies that are becoming intimate and striking. These relationships, in turn, refer us to the notion of hybrid organizations, man-machine cyborgs. Regardless of the name we give to this period of changes in lifestyles - hyper-modernity, modernity, postmodernity - we believe that discussions on education in this technological landscape are

important and worthy of attention. We will adopt the term postmodernism to represent a condition of the current social configuration, and thus also questioning the production of identities, especially youth, to school. Keywords: cultural identities, post-modern-education, media and technologies.

Introdução As contradições são inevitáveis, assim como é inevitável a complexidade de se viver em novos tempos. (GREEN e BIGUN, 2005, p. 239) Parte-se da idéia de que uma nova geração de indivíduos, com uma constituição radicalmente diferente, está emergindo. Uma nova ordem mundial, globalizada, tem caracterizado o momento atual, causando modificações na vida das pessoas, ressignificando suas formas de compreensão de tempo e espaço, a partir da crescente utilização de tecnologias de comunicação e informação. Independente do nome que se dê para este período - modernidade, hiper-modernidade ou pós-modernidade -, acreditamos que alterações no modo de existência dos sujeitos estão cada vez mais perceptíveis. Para Fischer (2007), algumas dessas alterações apontariam para o excesso e acúmulo de informações, a velocidade de acesso aos fatos, os novos modos de viver a intimidade e a vida privada, os variados modos de compreender o que seriam as diferenças, a centralidade do corpo e da sexualidade na cultura e a crescente miscigenação de linguagens de diferentes meios (cinema, rádio, TV, internet). Silva (2000) argumenta que a idéia/realidade de organismos cibernéticos - híbridos de máquina e humano - indica outra alteração nos modos de vida: onde termina o humano e começa a máquina? A íntima relação dos humanos com as máquinas nos impede de fazer uma separação de humano e máquina, de objeto e sujeito. Estabelecer estas fronteiras torna-se mais problemático à medida que as tecnologias vão tomando conta de tudo que utilizamos rotineiramente e ficando ainda mais incrustadas em nós. Fala-se em crise de identidade como conseqüência de um processo amplo de mudanças, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno (HALL, 2004, p.7), até então visto como um sujeito unificado, com uma identidade bem definida e localizada no mundo social e cultural. Essa fragmentação do sujeito tem levado a composição de várias identidades, algumas vezes contraditórias e não-resolvidas. Hall comenta que: O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um eu coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas. (Hall, 2004, p. 13)

No livro Alienígenas na sala de aula, Green e Bigun (2005) chamam atenção para o que denominaram de sujeito estudante pós-moderno, considerando a população escolar e compreendendo a juventude como sujeito exemplar do pós-modernismo. Estes autores apresentam uma perspectiva em que a mídia está centralmente implicada na (re)produção de identidades e formas culturais estudantis. A construção social e discursiva da juventude envolve muitos fatores e forças, que inclui a escolarização, mas que não está limitada a ela. Os meios de comunicação de massa e a cultura da mídia estão entre estas forças. Dessa forma, uma nova relação entre mídia e educação escolar está sendo construída e, sem dúvida, é digna de atenção. Defendemos a necessidade de reflexões e estudos sobre as complexas relações entre cultura da mídia e educação, tecnologias e pedagogias. Cada vez mais é necessário pensarmos de outra forma, de uma forma diferente. Afinal, o que parece não nos faltar são mudanças... Novos tempos! Escola e Mídia: Produção de Identidade As noções de educação, pedagogia e currículo parecem estar fortemente baseadas na modernidade e nas idéias modernas, sendo a Escola, tal como a conhecemos, uma instituição moderna por excelência, com currículos que separam alta cultura da baixa cultura, conhecimento científico do conhecimento cotidiano. O objetivo da escola consiste em transmitir conhecimento científico para formar um ser humano racional, centrado, autônomo o sujeito moderno. Para o pós-modernismo, o sujeito moderno é uma ficção. No pós-modernismo, o sujeito não é o centro da ação social, ele não pensa, fala e produz: ele é pensado, falado e produzido (SILVA, 2001, p. 113). A cultura da mídia fornece os recursos, forças, elementos, que ajudam a construir a identidade e, de certa forma, a produzir o sujeito. Pelos modelos e símbolos daquilo que significa ser homem ou mulher, bem sucedido ou fracassado, bom ou mau, a mídia vai fornecendo o material que cria as identidades. Assim como o processo de escolarização, a mídia contribui para a construção social da juventude. Pensar as relações entre mídia e educação sem pensar em estratégias de controle globalizadas, em relações de poder, é praticamente impossível.

É importante destacar que as mídias, do rádio à internet, apresentam-se em quase todas as situações da nossa sociedade, tornando-se cada vez mais essenciais em nossas experiências contemporâneas. Justamente por este caráter, a escola vê a mídia penetrando em seu território formador de sujeitos modernos, cidadãos conscientes, emancipados. Entretanto, não se trata apenas da crescente penetração da mídia, mas o reconhecimento da importância da mídia para a escolarização e para as formas cambiantes de currículo, com todas as possibilidades e problemas daí decorrentes (GREEN e BIGUN, 2005). Novas Tecnologias e as Gerações Ciborgues As novas tecnologias proporcionam a interligação mundial entre as culturas e identidades, porém esse processo não nos remete a idéia de unidade, homogeneidade e sentido único. Ao mesmo tempo em que há globalização, há fracionamento (SILVA, 2004). Reflexões e debates têm sido gerados acerca da explosão das novas tecnologias (de informação, comunicação, entretenimento) e sobre o efeito de seus avanços para o homem pósmoderno. O campo das novas tecnologias é um campo aberto, conflituoso e parcialmente indeterminado (LÉVY, 1993). Há uma busca constante de mais realidade através do virtual, através de máquinas que funcionam não mais como próteses de nossos olhos e ouvidos (como equipamentos de vídeo e som), mas como próteses de nossas mãos: controle remoto, a magia do mouse, telas táteis (FISCHER, 2007). Dubois (apud FICHER, 2007) chama todos estes aparatos de dispositivos de frustração, uma vez que nos proporcionaram uma hipertrofia do ver e do tocar, apagando o mundo e tornando-nos insensíveis. Contraditoriamente, são essas mesmas máquinas que nos fascinam. Esses modos de existência tecnológica são vividos com encantamento, mas, ao mesmo tempo, com frustração e sensação de impotência. Entender a complexidade dessas relações nos permite pensar o que nos tornamos hoje, pensar em nossas identidades múltiplas, mas não para tentar defini-las ou delimitá-las. Como colocamos anteriormente, os vínculos perceptuais som e imagem têm cada vez menos aparência de máquina e isso levanta outro ponto de reflexão: a naturalização das uniões entre máquinas e humanos (cyborgs). Green e Bigun argumentam sobre as gerações de ciborgues:

Sua escolha de união com a máquina é feita a partir da disponibilidade do conjunto contemporâneo de dispositivos que ajudam a constituir seu ecossistema digital. Dessa forma, cada geração de jovens vivencia uma tecnonatureza única que se torna a base para nomear o ecossistema digital em que vivem. [...] Uma categoria-chave é a de velocidade: cada geração cyborg está associada com as características de velocidade do ecossistema digital em que ela nasceu. (GREEN e BIGUN, 2005, p. 236-237) A escola é considerada um importante espaço neste cenário tecnológico e tem sido confrontada com a necessidade de aprender a conviver com as tecnologias. Para os jovens ciborgues, as escolas também podem ser um espaço virtual, em que experiências de outros espaços são reproduzidas. No entanto, talvez o que observamos hoje são escolas como lugares em que as crianças são forçadas a se retirar, por um certo tempo, de um fluxo constante de sons e imagens eletronicamente produzidos. (SANCHS et al, 1989 apud GREEN e BIGUN, 2005). Será que é isto que os jovens ciborgues desejam? Assim como Martin-Barbero (apud SCHNELL e QUARTIERO, 2009), consideramos a importância de uma escola que trabalhe com princípios voltados para a utilização de meios audiovisuais e de tecnologias informáticas, possibilitando socialização das tecnologias de informação e comunicação (TICs). Com isso, as escolas poderiam minimizar os processos de exclusão digital observados em países em desenvolvimento, outro ponto importante que poderia ser discutido em trabalhos posteriores. Considerações Finais Que implicações estas discussões sobre cultura da mídia e tecnologia têm para a educação pós-moderna? Acreditando em um emaranhado de práticas e ações, incrustadas na tecnologia de produção e recepção de informações pelos mais diferentes meios, é que consideramos a mídia como elemento fundamental da cultura contemporânea. Influenciando os modos de existência, mas sendo influenciada a todo instante, num incessante percurso de contingência.

No que se refere às novas tecnologias, não as vemos como totalmente boas ou totalmente más. Na verdade, nem nos preocupamos em julgá-las. Apenas reconhecemos que cada vez mais estas tecnologias se fazem presentes em atividades rotineiras e estabelecem plena conexão com nossos modos de vida. Algumas vezes, tais conexões se dão de forma até mais intensa do que poderíamos imaginar e a idéia do ciborgue, para nós, torna-se mais real. Realidade esta que pode aterrorizar a principio, mas que nos faz refletir acerca de fluxos e intensidades, relativamente aos quais os indivíduos e sujeitos são secundários, subsidiários (SILVA, 2000). É neste contexto, sem nenhum contexto, com contradições, crises e deslocamentos, que estamos vivendo. E nesse cenário, a escola, tal como a conhecemos, se vê em apuros, produzindo necessidades e sujeitos necessitados para justificar sua própria necessidade, como Deacon e Parker (1994) observam. À medida que os próprios indivíduos são tratados como consumidores de produtos high tech, as escolas tenderão a participar cada vez menos da ecologia digital, a menos que sejam significativamente reconstruídas. Mas como? Essa é uma das questões que nos aflige... E que este trabalho não tem a pretensão de responder. Concordamos com Schnell e Quartiero (2009) quando observam que os professores estão sendo desafiados a repensar seu compromisso frente às novas condições que estão sendo produzidas socialmente nesse contexto. A imutabilidade e a rigidez de pontos de vista e pensamentos parecem não contribuir para vencer esses desafios. É preciso abrir-se a possíveis metamorfoses, como Lévy (1993) muito bem expôs se referindo às técnicas e às tecnologias intelectuais. Nada é fixo e congelado na chamada pós-modernidade. Identidades fixas desaparecem para dar lugar a identidades flexíveis. Tomamos emprestado o termo alienígenas, criaturas da ficção científica pertencentes a outros mundos, para nos referir a estas novas formas de vida, que vivem em diferentes mundos. E é nesses mundos que os jovens cyborgs, neste exato momento, parecem estar preocupados em moldar e fabricar suas identidades. O papel da escola nisso tudo? As escolas podem se tornar locais singulares, desde que permitamos reimaginá-la e reconstruí-la de forma inteiramente nova, a fim de promover novas formas de subjetividade. Entender a complexidade de se viver em novos tempos, confrontando um futuro que muitas vezes parece já estar esgotado antes mesmo de ter chegado, talvez possa ser o primeiro passo para essa reconstrução escolar de que tanto falamos. Reconstrução que deve ser negociada com aqueles que um dia tomarão nosso lugar, os jovens alienígenas.

Referências Deacon, R.; Parker, B. Educação como sujeição e recusa. In: Silva, T. T. da (Org.). O sujeito da educação estudos foucaultianos. São Paulo: Vozes, 1994. Fischer, R.M.B. Mídia, máquinas de imagens e práticas pedagógicas. Revista Brasileira de Educação, v. 12, n. 35, 2007. Green, B.; Bigun, C. Alienígenas na sala de aula. In: Silva, T. T. da. (org.) Alienígenas na sala de aula: uma introdução aos estudos culturais em educação, p. 208-241, Rio de Janeiro: Vozes, 2005. Hall, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução: Tomaz Tadeu da Silva, Guaracira Lopes Louro. 9ª ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2004. Lévy, P. As tecnologias da inteligência. O futuro do pensamento na era da informática. Tradução: Carlos Irineu da Costa. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993. Schnell, R. F.; Quartiero, E.M. A sociedade da informação e novos desafios para a educação. Revista Linhas, Florianópolis, v. 10, n. 02, 2009. Silva, S.S. da. Identidades culturais na pós-modernidade: um estudo da cultura de massa através do grupo Casaca. Faculdades Integradas São Pedro Faesa 2004. < http://www.bocc.ubi.pt/pag/silva-sergio-salustiano-identidades-culturais.html> Acesso em 28/06/2010 Silva, T.T. da. Antropologia do Ciborgue as vertigens do pós-humano. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.. Documentos de Identidade: Uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. Aline de Moura Mattos: mestranda do programa de pós-graduação em Ensino de Ciências e Educação Matemática da Universidade Estadual de Londrina (UEL). line_mattos@yahoo.com.br Bruno Kerber de Oliveira: mestrando do programa de pós-graduação em Ensino de Ciências e Educação Matemática da Universidade Estadual de Londrina (UEL). brkerber@gmail.com