Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos



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Transcrição:

PETER PAN BRASILEIRO: NOMES PRÓPRIOS EM ADAPTAÇÕES EM LÍNGUA PORTUGUESA Felipe Teixeira Zobaran (UCS) ftzobaran@gmail.com RESUMO Este trabalho busca analisar os nomes próprios de personagens e lugares da obra Peter Pan, de James Barrie (1910), adotados na adaptação brasileira de Monteiro Lobato (1930) e no longa-metragem norte-americano de Walt Disney (1953) em sua versão dublada em português brasileiro, buscando identificar possíveis motivações socioculturais no que diz respeito às escolhas lexicais para a recepção pelo público brasileiro. O corpus de pesquisa foi selecionado devido à sua importância no que diz respeito à história da recepção da obra de Barrie no Brasil. A análise foi feita de maneira interdisciplinar, partindo-se de Candido (2010), seguido por Holmes (2006), Venuti (1995), Vieira (2008) e White (2011), propondo um aporte teórico que ajuda a concluir que, em adaptações e versões, as escolhas lexicais de tradução são claramente motivadas socioculturalmente, seja para estabelecer maior conexão com o contexto cultural do público pretendido, seja para vincular-se comercialmente com o consumidor cultural. Palavras-chave: Peter Pan. Tradução. Recepção. 1. Considerações iniciais Peter Pan é uma peça teatral e um romance escritos e publicados entre as décadas de 1900-1910, por J. M. Barrie. Trata-se de uma importante narrativa para o imaginário coletivo ocidental. Desde sua publicação, a história foi revisitada por diversos autores e de diversas maneiras, similarmente ao que ocorre com contos de fada da tradição oral. O primeiro contato do texto com o público brasileiro se deu graças a Monteiro Lobato, em 1930. Lobato, que tinha um projeto declarado de construção de uma literatura infantil brasileira (VIEIRA, 2008, p. 171), foi tradutor, adaptador e criador de obras logo canonizadas. Em seu Peter Pan, os elementos de autoria do escocês Barrie são trazidos para dentro do universo brasileiro do Sítio do Picapau Amarelo; a personagem Dona Benta recebe o texto original em inglês e o traduz e adapta para contar a seus netos oralmente. Concomitantemente à narração da história, personagens e fenômenos fantásticos do universo de Barrie passam a ser vistos no Sítio. Trata-se, portanto, não apenas de tradução ou adaptação, mas de incorporação crítica de um texto por outro (CAMARGO, 1970, p. Revista Philologus, Ano 20, N 60 Supl. 1: Anais da IX JNLFLP. Rio de Janeiro: CiFEFiL, set./dez.2014 2139

39). Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos Possivelmente, a obra mais responsável pela massificação da fábula de Peter Pan no Brasil tenha sido a adaptação em longa-metragem de animação de Walt Disney, lançada em 1953. Segundo White (2011, p. 65), no filme, há purificação dos elementos menos adequados à recepção do público infantil norte-americano dos anos 1950, como cenas de violência e de sexualidade. Desde então, Peter Pan passa a ser vinculado à Walt Disney Company como produto da indústria cultural, tendo seus elementos explorados em parques temáticos, filmes secundários e produtos de consumo diversos (WHITE, 2011, p. 58). Juntamente com seu lançamento no Brasil, no mesmo ano, o filme recebeu uma dublagem em português brasileiro que ainda hoje é adotada em relançamentos para home video. Devido à importância das obras supracitadas para a recepção de Peter Pan no Brasil, este estudo objetiva analisar os nomes próprios de personagens e lugares da obra Peter Pan, de James Barrie (1910), adotados na adaptação brasileira de Monteiro Lobato (1930) e no longametragem norte-americano de Walt Disney (1953) em sua versão dublada em português brasileiro. Com isso, busca-se identificar possíveis motivações socioculturais no que diz respeito às escolhas lexicais de nomes próprios para a recepção pelo público brasileiro. 2. Recepção, adaptação e tradução Candido (2010) demonstra que uma obra artística se completa na correlação entre contexto sócio-histórico, autor e público. Dessa maneira, há uma interdependência dialética entre esses três elementos, de forma que um influencia (ou molda) o outro no continuum da produção artística. O autor é fruto de seu espaço e de seu tempo, por isso posiciona-se necessariamente perante aquilo que já foi produzido, seja para corroborar ou para quebrar paradigmas; o mesmo contexto sócio-histórico determina quem é o público de uma obra quando de sua publicação e a posteriori, e quais leituras são possíveis do ponto de vista da recepção. Semelhantemente, autor e público se interinfluenciam, seja em consonância ou oposição, nunca desvinculados de seus contextos culturais. Ao realizar adaptação e tradução de uma obra, escolhas devem ser feitas. Isso se dá, justamente, pelo fato de que toda tradução e toda adaptação são novos textos (VENUTI, 1995, p. 4), vinculados a contextos 2140 Revista Philologus, Ano 20, N 60 Supl. 1: Anais da IX JNLFLP. Rio de Janeiro: CiFEFiL, set./dez.2014.

culturais diversos daqueles da produção da obra original. Segundo Holmes (2006, p. 185), ao se estudar tradução de maneira descritiva, é possível optar por um recorte function oriented, preocupando-se com o impacto ou função do texto traduzido no contexto de chegada. Assim, torna-se possível afirmar que escolhas lexicais em traduções e adaptações não raro objetivam determinados fins junto ao público. Venuti (1995) estabelece que esses fins podem ser estrangeirizadores, quando aproximam o leitor do contexto cultural original estrangeiro, ou domesticadores, que aproximam a obra original à realidade cultural do leitor. Neste estudo, busca-se esquematizar quão domesticadoras ou estrangeirizadoras foram as escolhas lexicais para os nomes próprios centrais da narrativa de Peter Pan no Brasil, e em que medida essas escolhas foram motivadas e canonizadas pelo público-alvo. 3. Peter Pan brasileiro Vieira (2008) sistematiza a apropriação de Monteiro Lobato do texto de Barrie, buscando analisar até que ponto o autor brasileiro propôs-se a alterar (de maneira a domesticar) os elementos literários da obra do escocês. White (2011) reconhece que a obra de Disney é a que mais teve alcance entre o público brasileiro, e faz uma análise profunda de como o filme americano altera elementos narrativos do livro britânico, o que se reflete, sem dúvida, na dublagem brasileira do filme. Ambas concordam ao afirmar que os autores das adaptações fizeram escolhas de tradução e versão muito claras, e que tais escolhas foram motivadas pela pretensão de atingir efeitos específicos para com seus públicos-alvo. Uma análise compilatória dos nomes dados aos personagens protagonistas e ao espaço central da narrativa nos três textos permite enxergar muito objetivamente as motivações estrangeirizadoras ou domesticadoras adotadas nas denominações. A análise se baseia na tabela construída durante o estudo, conforme consta abaixo: Nomes originais de Barrie (1910) Nomes adotados por Lobato (1930) Nomes adotados na versão brasileira da Walt Disney Pictures (1953) Peter Pan Peter Pan Peter Pan Wendy Wendy Wendy John João Napoleão João Michael Miguel Miguel Tinker Bell Sininho Tilin-tim (Dublagem original) Revista Philologus, Ano 20, N 60 Supl. 1: Anais da IX JNLFLP. Rio de Janeiro: CiFEFiL, set./dez.2014 2141

Sininho (Material posterior) Tinker Bell (Material posterior) Mr. and Ms. Darling Sr. e Sra. Darling Sr. e Sra. Darling Nana Nana Naná Captain Hook Capitão Gancho Capitão Hook (dublagem original) Capitão Gancho (material posterior) Neverland Terra do Nunca Ilha Encantada (dublagem original) Terra do Nunca (material posterior) TABELA 1 Comparação de nomes adotados no corpus É possível, a partir da comparação, traçar algumas tendências. Os dois personagens protagonistas do texto de Barrie (Peter Pan e Wendy) tiveram seus nomes mantidos nas adaptações, ainda que com intervenções domesticadoras: Lobato, na voz de Dona Benta, observa ao leitor a pronúncia correta do nome da menina, ao colocar, na voz de Dona Benta, a fala (...) pronuncia-se Uêndi (LOBATO, 1993, p. 166); a versão da Disney, por sua vez, utiliza a pronúncia de Peter Pan com fonemas do português brasileiro (/peter pan/ ao invés de /pitər pæn/). Outros nomes mantidos inalterados foram o da cachorra Nana (com adaptação fonética em Disney, Naná) e o sobrenome da família Darling. Dentre os nomes que foram alterados, alguns deles não apresentam surpresas: João e Miguel são equivalentes românicos para John e Michael; Gancho e Terra do Nunca são traduções literais de Hook e Neverland. Em três casos, todavia, há escolhas: 1 o nome Sininho (de Lobato, domesticador) e Tilin-tim (da Disney, também domesticador), 2 Gancho (de Lobato, domesticador) e Hook (da Disney, estrangeirizador) e 3 Terra do Nunca (de Lobato, domesticador) e Ilha Encantada (da Disney, domesticador). Provavelmente, o aspecto mais interessante desses casos em que houve escolhas lexicais é o fato de as feitas por Lobato (de 1930) terem, ao longo do tempo, sido absorvidas pelo público a ponto de neutralizarem aquelas feitas pela dublagem da Disney (1950). A própria Walt Disney Company passou, em algum momento, a utilizar as nomenclaturas canonizadas de Lobato: apesar da dublagem (ainda veiculada com o animado até os dias de hoje), eventualmente todos os nomes de Lobato foram absorvidos pela Walt Disney Company anos depois do lançamento do filme, e podem ser vistos em capas de relançamentos em VHS, DVD 2142 Revista Philologus, Ano 20, N 60 Supl. 1: Anais da IX JNLFLP. Rio de Janeiro: CiFEFiL, set./dez.2014.

e Blu-ray e em toda a linha editorial da empresa. Isso traz à tona a ideia de que as escolhas de Lobato aderiram-se ao imaginário do público anteriormente e de maneira perene, de tal forma a forçar a Walt Disney Company a adotá-los, a despeito do que é falado no longa-metragem. Em 2006, com a criação da franquia Fadas, a Disney passou a usar o nome Tinker Bell em todo seu material de divulgação da personagem, possivelmente por motivações mercadológicas extremamente estrangeirizadoras. Mesmo depois disso, o material gráfico vinculado à franquia Peter Pan ainda usa o nome de Lobato, Sininho, como se houvessem duas personagens diferentes: a Tinker Bell da franquia Fadas e a Sininho clássica (que nem se chama assim na versão dublada do filme). 4. Considerações finais As escolhas lexicais dos nomes próprios de Peter Pan no Brasil são claramente motivadas socioculturalmente, seja para estabelecer maior conexão com o contexto cultural do público pretendido (como em Lobato), seja para vincular-se comercialmente com o consumidor (Walt Disney Company). Além disso, os nomes adotados por Lobato foram absorvidos de tal forma pelo leitor brasileiro ao longo dos anos que o popular longametragem da Disney, com nomes diferentes, não apenas foi incapaz de substituí-los, mas forçou a companhia a adotá-los em materiais posteriores. Isso se opõe à ideia da predominância única de recepção da versão da Disney entre o público brasileiro, e coloca Lobato como criador dos nomes canonizados pelo público brasileiro da obra britânica, não apenas quando de seu contexto de recepção, como também nas décadas posteriores. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARRIE, J. M. Peter Pan. London: Penguin Books, 1995. CAMARGO, R. B. Peter Pan: o mito da eterna criança e sua permanência na literatura infantil de nossos dias. Itinerários Revista de Literatura UNESP, Araraquara, 1970. Disponível em: <http://seer.fclar.unesp.br/itinerarios/article/viewfile/2418/1970>. Acesso em: 23-05-2014. Revista Philologus, Ano 20, N 60 Supl. 1: Anais da IX JNLFLP. Rio de Janeiro: CiFEFiL, set./dez.2014 2143

CANDIDO, Antônio. Literatura e sociedade: estudos de teoria e história literária. 11. ed. Rio de Janeiro: Ouro Sobre Azul, 2010. DISNEY, W.; GERONIMI, C.; JACKSON, W.; LUSKE, H. Peter Pan. [Filme-DVD]. Produção de Walt Disney, direção de Clyde Geronimi, Wilfred Jackson, Hamilton Luske. Los Angeles: Walt Disney Pictures, 1953. 2 DVDs (2006), 77 min. Aprox. Color. Son. HOLMES, James S. The name and nature of Translation Studies. In: VENUTI, L. The translation Studies Reader. 2. ed. London: Routledge, 2006. LOBATO, M. Peter Pan. In:. Obras completas, vol. 3. São Paulo: Brasiliense, 1993. VENUTI, L. The Translator s Invisibility: A History of Translation. London: Routledge, 1995. VIEIRA, Adriana Silene. Peter Pan lido por Dona Benta. In: LAJOLO, Marisa; CECCANTINI, João Luís (Org.). Monteiro Lobato livro a livro: obra infantil. São Paulo: UNESP, 2008. WHITE, Vera Lúcia. A influência do filme de Walt Disney nas traduções e adaptações brasileiras de Peter Pan entre 1953 e 2011. 2011. Dissertação (Mestrado em Letras). USP, São Paulo. 2144 Revista Philologus, Ano 20, N 60 Supl. 1: Anais da IX JNLFLP. Rio de Janeiro: CiFEFiL, set./dez.2014.