Diretrizes metodológicas utilizadas em ações de inclusão digital

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Transcrição:

Diretrizes metodológicas utilizadas em ações de inclusão digital Maria Helena Silveira Bonilla Joseilda Sampaio de Souza SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros BONILLA, MHS., and SOUZA, JS. Diretrizes metodológicas utilizadas em ações de inclusão digital. In: BONILLA, MHS., and PRETTO, NDL., orgs. Inclusão digital: polêmica contemporânea [online]. Salvador: EDUFBA, 2011, pp. 91-107. ISBN 978-85-232-1206-3. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org>. All the contents of this chapter, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution-Non Commercial-ShareAlike 3.0 Unported. Todo o conteúdo deste capítulo, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não adaptada. Todo el contenido de este capítulo, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento-NoComercial-CompartirIgual 3.0 Unported.

Maria Helena Silveira Bonilla Joseilda Sampaio de Souza DIRETRIZES METODOLÓGICAS UTILIZADAS EM AÇÕES DE INCLUSÃO DIGITAL Vivemos um período de mudanças na sociedade, em todas as áreas, a partir das transformações provocadas pelas Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) nas dimensões espaço e tempo. Multiplicam-se as misturas culturais, acelera-se a sociodiversidade, emergem novos valores, intensifica-se o volume de informações, abrem-se possibilidades para variadas formas de comunicação e de diferentes linguagens, o que potencializa os processos de aprendizagem e produção de conhecimento. Nesse contexto, a apropriação e o uso das TIC constituem-se como necessidade, de tal forma que passamos a vivenciar, nos últimos anos, uma proliferação de cursos, projetos e programas que buscam oferecer acesso, treinamento e capacitação para o uso dessas tecnologias. Essas ações configuram-se como política pública ou como iniciativa das organizações não governamentais e da esfera privada. Genericamente, tais iniciativas são denominadas de projetos de inclusão digital, e tem sido recorrente a relação desse tema com as questões da inclusão social. No entanto, essa relação não é natural, e só poderá ser estabelecida à medida que o primeiro termo for (re)significado e assumir não mais a ideia de cursos básicos de informática e sim de formação do indivíduo para o exercício da cidadania, conforme já discutido por Maria Helena Bonilla e Paulo Cezar Oliveira no artigo Inclusão digital: ambiguidades em curso, que abre esta coletânea. O que buscamos aqui é analisar algumas das possibilidades de interação, produção de conhecimento e formação dos sujeitos sociais que podem estar presentes em programas e ações de inclusão digital, e em que medida essas estraté- s 91 s

gias podem ser potencializadoras de processos de reprodução ou transformação dos modelos hegemônicos. Tomamos como base para nossas reflexões, pesquisas que vêm sendo desenvolvidas no país, inclusive nossas próprias pesquisas e experiências junto a programas e projetos de inclusão digital e de formação de professores no estado da Bahia. OS NÓS EM TORNO DAS DIRETRIZES METODOLÓGICAS PARA AÇÕES DE INCLUSÃO DIGITAL Podemos verificar, em nossos estudos, que o modelo pedagógico legado das escolas e das universidades, que enfatiza a memorização, a linearidade, a transmissão de conhecimento, também passou a ser evidenciado em iniciativas de inclusão digital, à medida que estas propõem, em sua concepção de trabalho, oferecer cursos e oficinas de informática, e consideram que, assim, podem favorecer também a inclusão social. O que se percebe, nesses casos, é que o foco não está na formação dos sujeitos para o exercício da cidadania, e sim no manuseio de máquinas e softwares, numa perspectiva tecnicista, visando um possível acesso ao mercado de trabalho. Segundo Becker (1994), esse modelo pedagógico, denominado pelo autor de tradicional, fundamenta-se numa epistemologia que toma como centro do processo o formador, e apresenta como característica principal a transferência de informação do formador para o formando. Nessa concepção, o professor ensina e o aluno aprende. Esse age dessa forma por confiar no mito da transmissão do conhecimento, ou seja, por acreditar que o conhecimento pode ser transmitido ao aluno. Percebe-se que esse modelo ignora a participação dos sujeitos e não possibilita a produção do conhecimento de forma crítica e colaborativa. Nessa perspectiva, espera-se que os sujeitos comportem-se de forma absolutamente passiva, enquanto o professor é o centro, é o controlador de todo o processo. Tudo que o aluno tem a fazer é submeter-se à fala do professor: ficar em silêncio, prestar atenção, ficar quieto e repetir tantas vezes forem necessárias. (BECKER, 1994, p. 90) Ou seja, o modelo comunicacional adotado é o da transmissão, um-todos, tal como o dos meios de comunicação de massa. O que se legitima é a reprodução do autoritarismo, a linearidade, a transmissão do conhecimento, características próprias da educação bancária. (FREIRE, 2003) s 92 s

Para Becker (1994, p. 90), nesse modelo nada de novo acontece e o resultado é a formação de sujeitos que renunciaram ao direito de pensar, e que, portanto, desistiram de sua cidadania e do direito ao exercício da política no seu mais pleno significado. Para este mesmo autor, qualquer projeto que vise a uma transformação social escapa a seu horizonte, pois este sujeito deixou de acreditar que sua ação seja capaz de qualquer mudança. Alguns projetos de inclusão digital seguem esse modelo ao adotarem como metodologia de trabalho cursos e/ou oficinas de informática, submetendo os alunos a meros receptores de conteúdos, ou seja, meros consumidores de informação e operadores de máquinas. Oliveira (2007, p. 67), por exemplo, questiona o trabalho desenvolvido pelo Programa Identidade Digital (PID) do Governo do Estado da Bahia, apontando as limitações da proposta e do discurso que enfatiza a promoção das oportunidades de inclusão social das comunidades: Torna-se, portanto, necessário que se possa analisar se essas ações são suficientes para garantir a inclusão social das pessoas da comunidade que participam do programa. Se, por exemplo, após concluírem os cursos disponibilizados nos infocentros estariam resolvidas as questões de escolaridade, empregabilidade, e qualificação profissional nas comunidades participantes. Sabe- -se que a inclusão social é um conceito por si só insuficiente, assim como os fenômenos sociais que comumente se associam a este conceito são complexos e multifacetados. Considerar que tais cursos promovidos pelo PID tratam suficientemente destes fenômenos sociais seria no mínimo uma incoerência. Portanto, podemos considerar que a abordagem das iniciativas governamentais representada pelo PID na realização de cursos e oficinas se encontra ainda distante das reais demandas sociais nas comunidades onde o programa é desenvolvido. Buzato (2007, p. 191), em pesquisa realizada num telecentro da Grande São Paulo, também aponta os cursos e oficinas de informática como uma das principais metodologias de trabalho do projeto. Nos cursos de introdução, que S. [formadora] diz serem fundamentais para atender uma população composta em sua maioria de analfabetos tecnológicos, busca-se fomentar os estágios ini- s 93 s

ciais, de assimilação e compreensão das TIC naquela população. Nas oficinas, procura-se diversificar e aprofundar, de forma intensiva, o conhecimento sobre os usos que as TIC podem ter, e estimular a sua aplicação na consecução de projetos reais, no dizer de S., isto é, na produção de artefatos e competências que possam ser transformadas em formas de ganhar a vida, ou de melhorá-la. O autor ainda destaca a ideia que permeia o imaginário social de que com esses conhecimentos básicos é possível uma melhoria nas condições de vida das pessoas, especialmente com a abertura de possibilidades de emprego e renda. A maioria dos inscritos nesses cursos cultiva a esperança de que com o domínio (rudimentar) do uso do computador, alguma oportunidade profissional será aberta. (BUZATO, 2007, p. 192) Oliveira (2007) também reconhece o efeito positivo dessas estratégias e discursos, mas alerta para a insuficiência das mesmas para a efetivação dos direitos humanos e para o exercício da cidadania. Afirma que, em alguns casos, a qualificação profissional oferecida aos jovens das comunidades podem surtir um efeito positivo a curto prazo em face da deficitária escolaridade e da ausência de oportunidades profissionais, mas que não resolvem as origens do problema, enraizadas nas desigualdades sociais, nas crises no sistema econômico e na educação pública. O autor salienta, ainda, que sem educação de qualidade, esses jovens não terão possibilidades de ascensão profissional e dessa forma permanecem imobilizados em ocupações de baixa renda, o que retroalimenta a problemática social. Em suma, tais políticas na verdade não permitem a mobilidade social no contexto em que atuam, nivelando por baixo as possibilidades de acesso ao mundo do trabalho. (OLIVEIRA, 2007, p. 125) O que podemos perceber, a partir dessas pesquisas, é que fica comprometido, em sua perspectiva horizontalizada, o direito à comunicação generalizada, um processo social fundamental, uma necessidade humana básica e o fundamento de toda organização social. (WSIS, 2003) O direito à comunicação é considerado um dos direitos humanos fundamentais, de acordo com o artigo 19 1 da Declara- 1 Art. 19 da Declaração Universal dos Direitos do Homem: Todo o homem tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios, independentemente de fronteiras. s 94 s

ção Universal dos Direitos Humanos de 1948 (ONU, 2004), e seu comprometimento, nos programas de inclusão digital, se dá em função de que os sujeitos sociais, em geral, são transformados em meros consumidores de informações e procedimentos técnicos, sem a vivência das dinâmicas da cibercultura. Não viver essas dinâmicas significa não adentrar de forma plena ao mundo virtual, como autor/coautor de ideias, estratégias, movimentos e articulações sociais. Também, despossuir um indivíduo de sua capacidade de se comunicar com os outros de sua espécie é despossuí-lo de sua própria humanidade. (GINDRE, 2007, p. 142) Com isso ficam também comprometidas as perspectivas de formação integral desses sujeitos e de produção de conhecimentos, informações e culturas, pois essas perspectivas só se efetivam à medida que os mesmos interagem, se comunicam, se articulam e propõem o novo. Ou seja, com a adoção da metodologia de apenas ofertar cursos e oficinas, a formação dos sujeitos sociais está condicionada a uma perspectiva de assujeitamento à ordem dominante, e não de crítica e transformação dessa mesma ordem, o que só se viabiliza com a participação ativa de cada um no discurso político, social e cultural. (BENKLER, 2007, p. 20) Apesar de essa ser a diretriz metodológica predominante nas iniciativas de inclusão digital, ela não é a única. Também encontramos projetos que se apoiam em modelos mais liberais de formação, que tomam o formando como centro do processo. Nesse modelo, segundo Charnay (1996, p. 39), deve-se levar em consideração os interesses dos sujeitos, suas motivações e necessidades, o meio que o rodeia. Para Becker (1994), aqui o professor/formador/monitor é entendido como um auxiliar do aluno, um facilitador da aprendizagem, que procura despertar o conhecimento já existente nos sujeitos. Estes aprendem por si mesmos, ao seu ritmo, interpretando os fatos com base em sua experiência pessoal. Está posta aqui a perspectiva do sujeito encontrar seu caminho e aprender por si mesmo. Para Becker (1994), essa é uma proposta liberal, do laissez-faire, ou seja, esta é uma proposta da não interferência, do deixar fazer, ao estilo da lógica de mercado. A aplicação desta lógica de mercado aos processos sociais implica um afrouxamento dos laços sociais, de forma que os sujeitos são entregues à própria sorte, separados de seus pertencimentos coletivos e a maioria empurrada para as margens da sociedade. (CASTEL, 2003) No entanto, o mercado [...] necessita reintegrar ao sistema pelo menos uma parte dos excluídos para conseguir manter-se, pois se perder essa parcela de consumidores, o modelo econômico corre s 95 s

o risco de estagnar-se. (BONILLA, 2005a, p. 41) Um dos caminhos para essa reintegração é via projetos de inclusão digital baseados apenas no acesso às TIC, permitindo aos sujeitos envolvidos a liberdade de usufruir da rede, sem uma intervenção proposital e planejada de um monitor, ou professor, ou quem quer que seja. Entendemos ser o acesso condição necessária para as iniciativas de inclusão digital, particularmente porque uma grande parcela dos sujeitos que participam desses programas não dispõem de máquinas em casa, escola ou trabalho, e por isso dependem de locais públicos telecentros, infocentros. Porém, a grande problemática quanto ao acesso é que alguns programas de inclusão digital ficam limitados a isso, e apresentam o acesso como solução para todas as problemáticas da exclusão digital. Entendemos que oferecer condição ao usuário para apenas acessar computadores não consegue dar conta de atender as demais necessidades e desejos dos sujeitos e das comunidades. Em função de várias deficiências no processo educacional dos brasileiros, a grande maioria necessita que nos projetos de inclusão digital sejam propostas dinâmicas formativas que ajudem a superar algumas das diversas lacunas que foram se constituindo em sua formação ao longo da vida. Ao trabalhar com essa perspectiva da não interferência, está pressuposta a concepção de que os sujeitos aprendem espontaneamente a navegar na internet, a buscar as suas demandas no âmbito do interesse individualizado, a pesquisar e produzir informações necessárias aos seus desejos e realidades. Essas aprendizagens acontecem efetivamente, mas são mais comuns entre os jovens, desejosos de viver e experimentar a não-linearidade da cultura digital. Pudemos verificar essa dinâmica entre os jovens que frequentam o ambiente do projeto Tabuleiro Digital 2 da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (Faced/UFBA). Nesse ambiente, os jovens navegam, interagem, jogam, participam amplamente dos fluxos das redes digitais, sem a necessidade de um professor/monitor que os auxilie a adentrar o mundo virtual, descobrir sua lógica e resolver seus problemas. (SOUZA, 2008) No entanto, vale ressaltar que encontramos também, principalmente entre os adultos, e mais ainda entre os professores, uma falta de conhecimento e domínio do ambiente e da lógica digital que normalmente provoca estranhamento e medo pelo desconhecido, pois, ao entrar em contato com 2 http://www.tabuleiro.faced.ufba.br, abordado no último capítulo do livro. s 96 s

essa nova realidade, o sujeito fica diante de fatos que eram inexistentes em sua cultura de origem. Esse estranhamento, por sua vez, pode provocar aproximação e busca pelo novo, ou afastamento, caso o sujeito não encontre apoio, valorização e respeito ao seu ritmo e a sua própria cultura. Bonilla e Pretto (2007), ao analisarem a relação que os professores participantes do Programa de Formação Continuada de Professores para o município de Irecê - BA, desenvolvido pela Faced/UFBA, estabelecem com as TIC, reconhecem a importância do acesso público, visto que os professores fazem parte da parcela da população que não tem acesso às facilidades do mundo contemporâneo, não dispondo de computadores em suas casas ou escolas. Ao mesmo tempo, reconhecem que o acesso não é condição suficiente para a construção da cultura digital e a produção de conhecimentos requeridos pelas dinâmicas de um curso de formação. Para viabilizar tais dinâmicas, a busca foi pela abertura para a liberdade de experimentar diversas possibilidades, compartilhando coletivamente descobertas e aprendizados, de forma a quebrar a máxima cada um por si e instituir uma organização colaborativa que propiciasse a multiplicação de idéias e a constituição de sentidos pelo grupo. (BONILLA; PRETTO, 2007, p. 80) Com a instituição de comunidades de conhecimento articuladas a partir da abertura de canais de comunicação e de espaços para publicação da produção dos professores em formação, em rede, a posse do conhecimento deixou de ser privilégio do professor formador. Isto não quer dizer que o professor formador deixou de ter importância, ou passou a ter um papel secundário. Ao contrário, o papel que desempenha é de um forte articulador dos processos inovadores, pedagógicos e tecnológicos, pois é ele quem [ ] provoca os demais professores, chama-os para a ação, auxilia na elaboração de projetos, oferece sugestões, informa sobre as inovações, a maneira como podem ser utilizadas, procura e oferece formação, estimula, sensibiliza, dinamiza, valoriza o trabalho realizado, mesmo as pequeninas coisas, pois é na valorização do trabalho que os professores vão fortificando-se e sentindo-se mais livres para ousar e criar. Mais, s 97 s

o articulador atribui a autoria aos professores, responsabilizando-os pelo desenvolvimento do trabalho. Ou seja, oferece as condições e exige uma resposta. Para tanto, o trabalho em equipe é fundamental. A criação de espaços para a troca de experiências, para estudos e reflexões, para planejamento, vai instituindo outras relações e propostas no interior da escola [ou de qualquer outro espaço formativo]. (BONILLA, 2005a, p. 198) E qual a relação entre formação de professores e projetos de inclusão digital? Consideramos a escola como locus primeiro e natural dos processos de inclusão digital, haja vista que se constitui ela em espaço de inserção dos jovens na cultura de seu tempo (mas não de forma subordinada!); a escola deve ser espaço-tempo de crítica dos saberes, valores e práticas da sociedade em que está inserida. Portanto, é da competência da escola, hoje, oportunizar aos jovens a vivência plena e crítica das redes digitais. Logo, é responsabilidade do professor, profissional dessa instituição, a formação dos jovens para a vivência desses novos espaços de comunicação e produção. No entanto, um professor excluído digitalmente não terá a mínima condição de articulação e argumentação no mundo virtual, e, por conseguinte, suas práticas não contemplarão as dinâmicas do ciberespaço. Ou seja, um professor excluído não tem condições de incluir seus alunos. Os processos de formação de professores também reverberam em outros espaços de aprendizagem, uma vez que são os jovens, muitos ainda alunos das escolas brasileiras, ou delas egressos há pouco tempo, quem mais tem atuado em projetos de inclusão digital. Então esses jovens, tendo vivenciado fortemente a cultura digital em suas escolas, têm condições de, em sua atuação nas ações de inclusão digital, criar dinâmicas formativas abertas, não-lineares, de valorização da comunicação e da produção colaborativa e, assim, desencadear processos de transformação do instituído. Segundo Guerreiro (2006, p. 188), [...] a realidade virtual é um campo vasto de exploração das habilidades e potencialidades orientadas para inovar e criar um mundo que se conhece muito pouco, mas que já se sabe é repleto de oportunidades. Concordamos com o autor e entendemos que é em face dessa miríade de oportunidades que a presença do professor/monitor é indispensável, pois compete a ele, de acordo com Silva (1999, p. 159), construir um conjunto de s 98 s

territórios a serem explorados pelos alunos e disponibilizar coautoria e múltiplas conexões. Ou seja, Ele disponibiliza domínios de conhecimento de modo expressivamente complexo e, ao mesmo tempo, uma ambiência que garante a liberdade e a pluralidade das expressões individuais e coletivas. Os alunos [e os professores] têm aí configurado um espaço de diálogo, participação e aprendizagem. (SILVA, 2000, p. 193) Evidentemente, para tanto, torna-se indispensável que o professor perceba e compreenda os limites e os ritmos dos sujeitos que ainda não tiveram a oportunidade de familiarizar-se com os ambientes, as linguagens e os tempos do mundo digital. Isso significa dizer que, especialmente nos programas de inclusão digital, nos deparamos com uma diversidade de pessoas, cada uma com uma bagagem cultural, com ritmos e estilos próprios. Então, o deixar fazer, sem interferência, não é a metodologia mais adequada para ser empregada de forma generalizada, da mesma forma que cursos e oficinas instrumentalizantes também não o são. Entendemos que [ ] as tecnologias transformam as linguagens, os ritmos e modalidades da comunicação, da percepção e do pensamento, operam com proposições, exteriorizam, objetivam, virtualizam funções cognitivas e atividades mentais, [e por isso] devem ser vistas como possibilidades de criação, de pesquisa, de cultura, de re-invenção. (BONILLA, 2005b, p. 79) Para tal, consideramos necessária a proposição de dinâmicas em que os sujeitos envolvidos professor, aluno, comunidade sejam sujeitos ativos nos processos de produção do conhecimento, de forma que possam decidir, participar, construir, ou seja, ter uma formação participativa. Buscamos uma formação pautada em lógicas não-lineares, na aprendizagem colaborativa, na interatividade, na multivocalidade, nas dinâmicas das redes. É nessa perspectiva que valorizamos a implementação de ambientes de trabalho colaborativos, em que o conhecimento é construído com base na interação e participação de todos os sujeitos. Nesta concepção pedagógica, o formador s 99 s

acredita que os sujeitos só aprendem se agirem e problematizarem a sua ação. Esse formador tem a função de propiciar a troca de informação e de conhecimento entre os sujeitos, intervindo em debates e providenciando para que todos participem e interajam mutuamente. Logo, é de fundamental importância a organização de ambientes colaborativos, em que a aprendizagem é orientada na relação todos-todos, em vez de estar centrada no professor ou no aluno. A rede de interações todos-todos é possibilitada pelo uso intenso de ambientes assíncronos, ou seja, com defasagem temporal entre emissão e recepção, como, por exemplo, correio eletrônico, lista de discussão, comunidades virtuais, fóruns, blogs. Também é potencializada pelo uso de ambientes síncronos, ou seja, em tempo real, assim como chat, entrevistas com convidados. Vale ressaltar que a característica relevante desses ambientes é a sua potencialidade interativa, a possibilidade de interconexão entre os sujeitos das mais diversas partes do globo (ou da mesma comunidade, em tempos diversos), a troca de informações, a construção de trabalhos coletivos, o que supera a lógica da transmissão unilateral. A utilização desses ambientes também permite a convivência, a cooperação e colaboração, a interligação de saberes, de forma que a troca de experiências, discussões, interações e reflexões passam a ser os caminhos que direcionam os processos formativos dos participantes. No lugar de uma representação em escala lineares e paralelas, em pirâmides estruturadas em níveis, organizadas pela noção de pré-requisitos e convergindo para saberes superiores, a partir de agora devemos preferir a imagem de espaço de conhecimentos emergentes, abertos, contínuos, em fluxo, não lineares, se re-organizando de acordo com os objetivos ou os contextos, nos quais cada um ocupa uma posição singular e evolutiva. (LÉVY, 1999, p. 158) Isso significa dizer que não é mais possível planejar e precisar com antecedência o que necessita ser aprendido. Ao trabalhar com ambientes virtuais de aprendizagem, devemos considerar que os percursos, os desejos, os objetivos, as características e competências são todos singulares e, por isso, impossíveis de serem enquadrados em programas ou cursos válidos para todos. Para Lévy (1999, p. 158), o saber-fluxo, o trabalho-transação de conhecimento, as novas tecno- s 100 s

logias da inteligência individual e coletiva mudam profundamente os dados do problema da educação e da formação. O problema da educação e da formação está agora pautado na abertura para a liberdade de experimentar as diversas possibilidades propiciadas pelas TIC, compartilhando coletivamente as descobertas e aprendizados, de forma a romper a barreira da individualidade e instituir uma organização colaborativa que favoreça a multiplicação de ideias com significado para o grupo. O sujeito aprende e constrói conhecimento fundamentado em um processo social que se desenvolve na comunicação com os outros, pois, segundo Dias (2001, p. 28), [...] o processo de construção do conhecimento compreende a interação entre pares, a avaliação e a cooperação, o que é potencializado pelos ambientes virtuais. Nesses ambientes, ainda, há uma mudança de foco na relação pedagógica: passa da interação entre professor e aluno para as relações entre os membros do grupo. Assim, podemos dizer que a ausência de um controle centralizado e a influência mútua entre os sujeitos favorece um modelo de interação não-linear, sob a forma de uma rede de múltiplas representações, que substitui a lógica das representações singulares e seqüenciais no ambiente tradicional de educação (DIAS, 2001, p. 29), a lógica das fórmulas prontas, fechadas, pré-estabelecidas. Portanto, podemos destacar um processo de formação que permite que os sujeitos questionem as suas ideias e crenças, busquem o desenvolvimento de um processo interativo, participativo, provocativo na construção pessoal do conhecimento. O resultado deste processo de aprendizagem evidencia que a construção do conhecimento é suportada por uma variedade de fatores, desde a composição do grupo de interação colaborativa entre os membros da comunidade, e da interação entre o aluno e as mídias do conhecimento até à natureza dos processos de exploração multidimensional dos lugares de representação nos ambientes hipermídia da WEB. (DIAS, 2001, p. 29) O Grupo de Pesquisa Educação, Comunicação e Tecnologias (GEC), da Faculdade de Educação da UFBA vem procurando implementar essas diretrizes metodológicas em ações formativas, seja na formação de professores, seja em cursos de extensão e em projetos de inclusão digital, como o Ponto de Cultura s 101 s

Ciberparque Anísio Teixeira em Irecê, um projeto que integra professores da rede municipal de educação do município, e que foram formados no Programa de Formação Continuada de Professores para o município de Irecê - BA, desenvolvido pela Faced/UFBA. Procuramos fazer desses espaços, e do tempo que os sujeitos ali estão, imersos na cultura digital, ambientes de aprendizagem, de pesquisa e construção do conhecimento, em que o monitor, ou professor, deixa de ser aquele que ensina, e os alunos aqueles que aprendem, para constituírem-se todos em sujeitos de aprendizagens, construtores e coautores de conhecimento (BONILLA; ASSIS, 2005, p. 224). Assim, constituem-se as comunidades de aprendizagens, as quais se apresentam, de acordo com Dias (2001), como centros de experiências onde se articulam aprendizagem e ação, onde o processo de aprendizagem é orientado não só para o aluno, mas, sobretudo para a comunidade. As ações de inclusão digital propostas buscam efetivamente ser espaços públicos e pedagógicos para a mobilização das aprendizagens dos sujeitos sociais, de modo que estes se constituam como coautores dos processos, produtores de informações, culturas e conhecimentos, no seu contexto e na sua realidade, sujeitos instituintes de práticas, concepções, formas de ser e estar no mundo. Nesse processo, as tecnologias perdem seu caráter exclusivamente instrumental, e passam a ser vistas e trabalhadas como potencializadoras de criação, de pesquisa, de cultura, de reinvenção, não apenas como o fazer, mas, sobretudo, como o dizer, o entender, o intencionar o que se faz. A ARTICULAÇÃO DOS NÓS Nossas pesquisas mapearam a existência de três modelos metodológicos em uso em projetos de inclusão digital: o tradicional, o liberal e o colaborativo. Evidentemente, nem sempre eles configuram-se de modo puro, bem delimitado. Em muitos projetos começa a haver uma imbricação entre eles, uma vez que coordenadores, formadores e a própria comunidade percebem a insuficiência e os limites da adoção de um único modelo. Compreendemos que este é um caminho rico em possibilidades, uma vez que, em alguns momentos, uma oficina se constitui como elemento formador imprescindível para determinado grupo ou para a realização de determinada ação social; em outros momentos, o deixar livre pode ser fundamental, uma vez que ao filho do pobre é necessário oferecer as possibili- s 102 s

dades vivenciadas pelos filhos dos ricos em seus quartos fechados, ou seja, cópia e manipulação de imagem e som, como os mp3, ogg, mp4, bate-papo, sites de relacionamento, sob pena de alimentarmos o fosso entre pobres e ricos. (PRETTO, 2006) No entanto, essas estratégias necessitam compor um processo formativo mais alargado e bem articulado, para além de ações pontuais ou fortuitas. E essa articulação só é viável quando a lógica que embasa o projeto é a lógica da rede. Destacamos nessa lógica os processos horizontais, que procuram eliminar a hierarquia e a verticalidade herdada de uma cultura pedagógica do modelo tradicional; os processos coletivos que procuram envolver todos os sujeitos nos processos e tomadas de decisão; a participação efetiva dos sujeitos e da comunidade, em que todos os sujeitos são convocados a participar na/da rede, sendo inconcebível o mero assistir; a colaboração, pois entendemos que, para a construção do novo, é importante que os sujeitos interajam e produzam com base em objetivos comuns. Uma dinâmica de trabalho baseada nessa lógica implica que cada nó da rede pode trazer seus conhecimentos, não apenas como mera soma, mas como processos que conectam idéias, experiências, sujeitos, instituições, os quais, organizados a partir de relações horizontais, desencadeiam fluxos de interações, organizações, proposições, produções, conhecimentos, competências, aprendizagens. (BONILLA, 2005a, p. 208) Ou seja, que se fomente o que Lévy (1998, p. 28) chama de inteligência coletiva, uma inteligência distribuída por toda parte, incessantemente valorizada, coordenada em tempo real, que resulta em uma mobilização efetiva das competências. Nessa dinâmica, cada sujeito, ou cada nó, contribui para o crescimento, fortalecimento e enriquecimento de todo o grupo, permitindo assim as diversas possibilidades de troca, de acesso e produção de conteúdos em diversos formatos, além de prolongar o tempo das discussões, favorecer a riqueza de experiências e aprender coletivamente a conviver com a diversidade. Entendemos que os computadores, aos estarem conectados em rede, tornam-se potencialidades para a criação e a comunicação, o que só se torna possível à medida que os sujeitos interagem com a máquina, fazem descobertas, se comunicam com seus pares, compreendem o significado social dessas tecnologias, seus princípios, suas potencialidades, e a racionalidade que as perpassam, se familiarizam com a cultura digital de forma plena e livre. Isso significa dizer que imposições de limites e proibições do tipo bloqueio de sites e de chats configuram-se s 103 s

barreiras para a formação. Entendemos que a construção acontece na liberdade, no movimento, no devir, e não na clausura, trancafiados por limites impostos de fora (BONILLA; PRETTO, 2007, p. 83), que as dinâmicas de construção do conhecimento fluem de dentro para fora e não o inverso. Em virtude disso é que incorporamos às ações desencadeadas por nosso grupo os princípios dos movimentos emergentes e contra-hegemônicos do software livre e dos licenciamentos abertos, pois consideramos liberdade, autonomia, produção e partilha de cultura e conhecimento como elementos básicos para os processos formativos e para a construção da cidadania. Entendemos também que a escolha de determinada estratégia metodológica em qualquer processo formativo é carregada de intencionalidade, interesse, concepções. Portanto, não existe neutralidade nas ações, assim como as informações e os conhecimentos também não são neutros. Sua origem sempre se situa em algum contexto, e são produzidos a partir de algum objetivo. Portanto, as estratégias metodológicas adotadas nos projetos de inclusão digital influenciam não apenas a história de vida dos indivíduos, mas, sobretudo, das comunidades, uma vez que a cada uma delas está articulada uma concepção de cidadania, de educação, de sociedade. Por outro lado, tais estratégias, informações e conhecimentos são recebidos dentro de algum contexto de vida e de interesse; portanto, reconfiguradas à própria maneira pelos sujeitos participantes, de tal forma que o que chega é apenas vestígio, marca de algo, provocação para a produção de significados, compreensão de si, dos outros e de seus mundos. (MARQUES, 1999, p.175) Podem resultar daí processos organizativos horizontais, apropriações criativas das TIC, ações instituintes que irão fazer frente aos fluxos hegemônicos e se constituir em processos de emancipação social. Estamos, portanto, frente a fluxos multidirecionais e imprevisíveis de informação, cultura e conhecimento, constantemente ressignificados, de onde emerge um processo dinâmico, contínuo e conflituoso, marcado pela tensão entre homogeneização e proliferação da diferença, tradição e modernidade, necessidade e liberdade. (BUZATO, 2007, p. 74) Em virtude disso, priorizamos em nossas ações diretrizes metodológicas que levem em consideração a perspectiva da aprendizagem colaborativa, a interatividade, e que possibilitem aos sujeitos tornarem-se autores dos processos e projetos, membros ativos das comunidades a que pertencem, lançando mão das estratégias que en- s 104 s

tenderem mais adequadas e convenientes a cada espaço-tempo vivido. Isso significa trazer para as ações de inclusão digital dinâmicas formativas abertas, sem centro fixo. Referências BECKER, Fernando. Modelos pedagógicos e modelos epistemológicos. Educação e Realidade. Porto Alegre, v. 19, n. 1, p. 88-96, jan./jun., 1994. BENKLER, Yochai. A economia política dos commons. In: SILVEIRA, Sérgio Amadeu da. Comunicação digital e a construção dos commons: redes virais, espectro aberto e as novas possibilidades de regulação. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2007. p. 11-20. BONILLA, Maria Helena Silveira. Escola aprendente: para além da sociedade da informação. Rio de Janeiro: Quartet, 2005a.. A práxis pedagógica presente e futura e os conceitos de verdades e realidades frente às crises do conhecimento no século XX. In: PRETTO, Nelson De Luca. Tecnologia e novas educações. Salvador: EDUFBA, 2005b, p. 70-81. BONILLA, Maria Helena Silveira; ASSIS, Alessandra. Construindo novas educações. In: PRETTO, Nelson De Luca. Tecnologia e novas educações. Salvador: EDUFBA, 2005, p. 217-230. BONILLA, Maria Helena Silveira; PRETTO, Nelson De Luca. Formação de professores: as TIC estruturando dinâmicas curriculares horizontais. In: ARAÚJO, Bohumila; FREITAS, Katia Siqueira de. Educação a distância no contexto brasileiro: experiências em formação inicial e formação continuada. Salvador: ISP/UFBA, 2007. p. 73-92. BUZATO, Marcelo. Entre a fronteira e a periferia: linguagem e letramento na inclusão digital. 2007. 285 f. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) - Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2007. CASTEL, Robert. Classes sociais, desigualdades sociais, exclusão social. COLÓQUIO INTERNACIONAL POLÍTICAS PÚBLICAS, POBREZA E EXCLUSÃO SOCIAL. Ijuí: UNIJUÍ, AISLF, 2003. Conferência. s 105 s

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