210 RTIGO ORIGINL / ORIGINL RTICLE Descompressão e estabilização posterior na doença metastática da coluna toracolombar Decompression and posterior stabilization in metastatic disease of the spine lejandro Enzo Cassone 1 José Carlos -Gonçalves 1 Cristian Rogers Cordeiro 2 RESUMO Objetivos: avaliar os resultados obtidos em pacientes portadores de doença metastática da coluna toracolombar, submetidos à descompressão e estabilização posterior. Métodos: foram avaliados 34 pacientes portadores de doença metastática da coluna toracolombar, submetidos à descompressão e estabilização posterior com retângulo de Hartshill, no período de fevereiro de 1998 à maio de 2004, sendo 16 (47,1%) do sexo masculino e 18 (52,9%) do sexo feminino. idade média era de 51,5 anos (variando de 27 a 70). Resultados: quanto ao diagnóstico histológico, a maior freqüência do sítio primário foi carcinoma de mama com dez casos (29,4%). dor estava presente em todos os pacientes, déficit neurológico em 23 (67,6%) e instabilidade vertebral em 26 (76,4%). Foi utilizada análise estatística para avaliar a taxa de sobrevida e comparar os resultados no pré e pós-operatório. Do total de pacientes, 32 (94,1%) evoluíram com melhora da dor e 20 (86,9%) com melhora do quadro neurológico (p=0,001*). Conclusão: a descompressão e estabilização posterior na doença metastática da coluna toracolombar melhora a dor e o déficit neurológico quando realizado precocemente, permitindo uma razoável qualidade de vida dos pacientes. DESCRITORES: Metástase neoplásica; Coluna vertebral/ cirurgia; Coluna vertebral/patologia STRCT Objective: to evaluate the results of patients with metastatic thoracolumbar disease submitted to posterior decompression stabilization. Methods: thirty four patients with metastatic disease of the spine submitted to decompression and posterior stabilization with Hartshill device, between February 1998 and may 2004 were evaluated. There were 16 (41.7%) male and 18 (52.9%) female; the average age was 51,5 years (ranging 27 to 70). Statistical analysis was performed to evaluate survival rate and to compare pre and post-operative results. Results: the most frequent primary tumor was breast cancer in 10 cases (29.4%). Pain was present in all patients, neurologic deficit in 23 (67.6%) and vertebral instability in 26 (76.4%). Thirty-three patients (94.1%) were painless after surgery and 20 (86.9%) presented improvement in the neurologic deficit (p=0.001*). Conclusion: decompression and posterior stabilization in metastatic disease of the spine improve pain and neurologic deficit, and restore patient s quality of life. KEYWORDS: Neoplasm metastasis; Spine/surgery; Spine/pathology Trabalho realizado no Setor de Oncologia Ortopédica do Centro de Oncologia Infantil Domingos oldrini e Centro Médico de Campinas - Campinas (SP), rasil. 1 Doutor em Ortopedia e Traumatologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo USP São Paulo (SP), rasil ; Médico do Grupo de Oncologia Ortopédica do Centro de Oncologia Infantil Domingos oldrini e Centro Médico de Campinas (SP), rasil. 2 Médico Residente em Ortopedia e Traumatologia do Centro Médico de Campinas (SP), rasil. Recebido: 12/04/2006 - provado: 16/08/2006 COLUN/COLUMN. 2006;5(1):13-18
Descompressão e estabilização posterior na doença metastática da coluna toracolombar 211 INTRODUÇÃO coluna vertebral é o terceiro sítio mais freqüente de acometimento de doença metastática dos carcinomas, cuja maior incidência é pulmonar, hepática e óssea 1-2. O esqueleto axial é responsável por mais de 60% do acometimento ósseo nestes pacientes 2-3. Segundo a literatura, o segmento vertebral torácico é o mais acometido e 85% dos casos acometem o corpo vertebral 2-3. Em relação à fisiopatologia, acredita-se que a maior disseminação na coluna vertebral ocorre devido à medula óssea ativa e sua rica rede de capilares, além do plexo venoso descrito por atson em 1940 que permite a disseminação neoplásica vinda da região pélvica 1,3. Os sítios primários de maior freqüência em ordem decrescente são os carcinomas de mama, próstata, pulmão, rim e tireóide 2. abordagem cirúrgica está indicada nos casos de dor intratável, instabilidade vertebral e déficit neurológico. O objetivo principal é manter uma razoável qualidade de vida nos pacientes com expectativa de vida limitada. O objetivo do estudo é avaliar os resultados obtidos em pacientes portadores de doença metastática da coluna toracolombar, submetidos á descompressão e estabilização posterior. MÉTODOS casuística deste estudo retrospectivo é constituída de 34 pacientes, sendo 16 deles ou 47,1% do sexo masculino e 18 ou 52,9% do sexo feminino, com idade média de 51,5 anos variando de 27 à 70, portadores de doença metastática da coluna toracolombar submetidos à descompressão e estabilização posterior no período de fevereiro de 1998 a maio de 2004. Quanto ao diagnóstico histológico, a freqüência do sítio primário está ilustrada no Gráfico 1. Com relação ao tratamento sistêmico e local realizado previamente está descrito no Gráfico 2. Do total de pacientes, 19 (55,8%) apresentavam comprometimento predominante em coluna torácica e 15 ( 44,2%) na lombar; 18 pacientes (52,9%) apresentavam doença metastática em outros órgãos e sistemas, excluindo sistema músculoesquelético; todos os pacientes apresentavam doença metastática multifocal. Em relação à sintomatologia prévia ao procedimento, a dor estava presente em todos os casos e o déficit neurológico em 23 (67,6%); em média, a duração dos sinais e sintomas foi de quatro meses. Instabilidade vertebral foi determinada em 26 pacientes (76,4%). Os critérios de inclusão foram pacientes portadores de doença metastática em coluna toracolombar decorrentes de carcinomas, submetidos à descompressão e estabilização posterior com retângulo de Hartshill (Figuras 1-4). indicação para o procedimento cirúrgico baseou-se em dor intratável, déficit neurológico e instabilidade do segmento vertebral acometido. Todos os pacientes foram avaliados por meio do exame clínico, cintilografia óssea, radiografia simples e ressonância magnética da coluna vertebral. dor foi avaliada pela escala Numérica de Dor 4, o quadro neurológico pela escala de Frankel et al. (1969) 5, e a presença de instabilidade vertebral pelo método das três colunas de Denis (1984) 6. análise estatística foi realizada para avaliar a sobrevida global contruindo a curva de Kaplan-Meier, e o resultado do quadro neurológico comparando o pré e pós-operatório pelo Teste de Wilcoxon. Foi adotado índice de significância de 5% (0,05*). GRÁFICO 1 Diagnóstico histológico GRÁFICO 2 Tratamento prévio COLUN/COLUMN. 2006;5(1):13-18
212 Cassone E, -Gonçalves JC, Cordeiro CR Figura 1 (/) Radiografia simples da coluna toracolombar em P e P mostrando colapso vertebral em T12 Figura 2 Cintilografia óssea mostrando hipercaptação em região Figura 3 (/) Ressonância magnética mostrando colapso de T12, cifose e compressão medular Figura 4 (/) Radiografia simples da coluna toracolombar em P e P pós-operatória de descompressão e estabilização posterior com retângulo de Hartshill RESULTDOS O tempo de seguimento médio do estudo foi de 18,3 meses (variando de 1 à 70); a sobrevida global dos pacientes em 24, 36 e 60 meses foi de 36%, 28% e 16%, respectivamente (Gráfico 3). Com relação ao quadro neurológico segundo o método de avaliação adotado, a comparação no pré e pós-operatório esta descrito no Gráfico 4, cuja melhora do resultado obtido foi estatisticamente significativo (p=0,001*). Daqueles onze pacientes que não apresentavam déficit neurológico, dois evoluiram com piora do quadro no pós-operatório imediato; um deles melhorou após intervenção cirúrgica dez meses depois e o outro foi a óbito por progressão da doença após 16 meses. Com relação à complicação do procedimento cirúrgico, ocorreu apenas um caso infecção, com boa resolução após desbridamento amplo e antibioticoterapia endovenosa sem perda da estabilização da coluna vertebral. DISCUSSÃO doença metastática vertebral deve ser identificada o mais precocemente possível em pacientes com diagnóstico de câncer, uma vez que o comprometimento ósseo é o terceiro sítio de maior freqüência de doença metastática de carcinomas, principalmente o esqueleto axial 1-2,7. Nestes pacientes, a cintilografia óssea é mandatória no estadiamento ao diagnóstico e durante o seguimento. O corpo vertebral é a re- COLUN/COLUMN. 2006;5(1):13-18
Descompressão e estabilização posterior na doença metastática da coluna toracolombar 213 GRÁFICO 3 Curva de sobrevida global dos pacientes GRÁFICO 4 Comparação do quadro neurológico no pré e pós-operatório segundo a escala de Frankel et al. (1969) (p=0,001*) gião mais acometida da vértebra, resultado de suas particularidades anatômicas. Considerando toda a extensão da coluna vertebral, não existe consenso quanto ao segmento mais vulnerável 2-3 ; em nosso estudo, houve discreta prevalência pela coluna torácica em comparação à lombar (55,8% x 44,2%). O câncer de mama é o principal sítio de origem primária seguido da próstata, pulmão, rim e tireóide 1-3 ; conceito compatível com os achados da nossa série: um terço dos casos foram provenientes da mama (29,4%). Oportuno citar que apesar do mieloma múltiplo ser uma neoplasia óssea primária, seu comprometimento sistêmico requer uma abordagem similar aqueles metastáticos obedecendo aos mesmos critérios. idade dos pacientes do estudo (média de 51,5 anos, variando de 27 à 70) segue as décadas de maior freqüência epidemiológica dos tumores primários 8. doença metastática vertebral geralmente está associada à dor e déficit neurológico, prejudicando a qualidade de vida. lém disso, dependendo da extensão do tumor, pode ocorrer fratura patológica, levando ao colapso da vértebra e instabilidade, e piorando o quadro álgico e neurológico. Portanto, uma vez diagnosticada a metástase vertebral, a tomografia computadorizada e de preferência, a ressonância magnética, são obrigatórias e devem ser realizadas obrigatoriamente, pois têm como objetivo determinar com exatidão a real extensão do tumor, avaliar a presença de instabilidade e compressão neurológica. compressão neurológica é resultado da presença de fragmentos ósseos da fratura patológica e de massa neoplásica infiltrando o canal vertebral. Toda a extensão da coluna vertebral deve ser avaliada a procura de comprometimento multifocal, para evitar a necessidade de procedimentos futuros em outros níveis mesmo em pacientes com expectativa de vida limitada. abordagem nestes casos deve ser individual, levando-se em consideração alguns fatores importantes: extensão do comprometimento vertebral, presença de dor, déficit neurológico, instabilidade, origem do tumor primário, presença de doença metastática óssea e em outros órgãos, condições clínicas do paciente e expectativa de vida estimada. radioterapia é o tratamento de escolha nas lesões metastáticas da coluna vertebral, principalmente em lesões pequenas e com sintomatologia dolorosa 2,9. Porém, apesar de muito eficiente no controle da dor, tem eficácia limitada em pacientes com comprometimento neurológico decorrente de compressão e na presença de fratura patológica e instabilidade vertebral. Por outro lado, a cirurgia esta indicada em pacientes com dor incontrolável, lesão metastática única, na presença de lesões radioresistentes, fratura patológica e instabilidade, e déficit neurológico 10. Considerando-se que o acometimento geralmente é no corpo vertebral, sugere-se uma abordagem cirúrgica anterior 1,3,8. Porém, a abordagem anterior apresenta grande morbidade e uma ressecção em bloco através de espondilectomia só têm sentido em pacientes com neoplasia óssea maligna primária ou em doença metastática vertebral única em paciente com expectativa de vida longa 11-,12. Nesta série, todos os pacientes presentavam doença metastática multifocal óssea e visceral, contra-indicando uma abordagem anterior. Este conceito esta reforçado pelo sistema de pontuação descrito por Tokuhashi et al. (1990) 13 que consideram vários fatores. Para determinar uma abordagem curativa via anterior (pontuação maior que nove), espondilectomia com substituição e estabilização, ou paliativa via posterior (pontu- COLUN/COLUMN. 2006;5(1):13-18
214 ação menor que cinco), descompressão e estabilização. pontuação intermediária de cinco a nove requer uma conduta individualizada. pesar de a abordagem anterior permitir melhores resultados 2-3,12, a abordagem posterior é ideal em pacientes com indicação para procedimento paliativo e nos casos intermediários segundo o protocolo, como nos casos desta série. Isto se confirma visto a taxa de sobrevida global em 24 (36%), 36 (28%) e 60 (16%) meses dos pacientes deste estudo com seguimento médio de 18 meses, expectativa de vida limitada e candidatos para procedimento paliativo. Portanto, consideramos adequado o sistema de pontuação citado, o qual deve ser utilizado para indicar a abordagem destes pacientes 13. abordagem posterior por meio de laminectomia ampla, associada a costotransversectomia na coluna torácica permite uma descompressão adequada inclusive anterior por um acesso póstero-lateral. ssim se obtém uma descompressão circunferencial da medula ou saco dural. Isto se comprova quando observamos a melhora do déficit neurológico dos casos neste estudo: 86,9% obtiveram melhora na escala de Frankel, cujo resultado em comparação com o pré-operatório foi estatisticamente significativo (p=0,001*). estabilização através do retângulo de Hartshill com amarria sublaminar é adequada, devendo se estender dois níveis proximal e distal à compressão, e deve incluir outros níveis com lesões na cintilografia óssea e confirmada na ressonância magnética. ssim, evita-se o risco de fenômenos compressivos futuros em outros níveis, fato descrito na Cassone E, -Gonçalves JC, Cordeiro CR literatura 8. dor também melhorou consideravelmente no pósoperatório imediato (94,1% dos casos), devido à descompressão neurológica, à estabilização do segmento vertebral, e à radioterapia adjuvante no pós-operatório. Radioterapia pós-operatória foi realizada em todos os casos na dose média de 3000CGy após três semanas da cirurgia, exceto naqueles irradiados previamente. Em conclusão, consideramos a abordagem nestes pacientes adequada. descompressão e estabilização posterior com retângulo de Hartshill na doença metastática da coluna toracolombar permite melhora da dor e do déficit neurológico, restaurando a qualidade de vida destes pacientes. Deve-se determinar com exatidão o estadiamento atual do paciente na indicação do tratamento, em conjunto com a equipe da oncologia clínica e radioterapia. È conceito atual intervir em pacientes com expectativa de vida de pelo menos seis a 12 semanas, justificado pelos resultados obtidos mesmo em casos de doença avançada, com objetivo de proporcionar melhor qualidade de vida. CONCLUSÃO Os autores concluem que a descompressão e a estabilização posterior na doença metastática da coluna toracolombar melhora a dor e o déficit neurológico quando realizados precocemente. Esta abordagem permite uma razoável qualidade de vida nestes pacientes com expectativa de vida limitada. REFERÊNCIS 1. 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Correspondência lejandro Enzo Cassone Rua José Morano, 503 13095-450 - CMPINS (SP) (55) 19 3252-4052 / 3242-1322 (55) 19 9791-4550 E-mail: acassone@boldrini.org.br COLUN/COLUMN. 2006;5(1):13-18