DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA E RESPONSABILIDADE DIRETA NO ÂMBITO DO DIREITO DO TRABALHO



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DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA E RESPONSABILIDADE DIRETA NO ÂMBITO DO DIREITO DO TRABALHO Thereza Christina Nahas 1 Tema que ainda não está amadurecido o suficiente no direito do trabalho é aquele que concerne a responsabilidade de sócios e procuradores por obrigações que a pessoa jurídica firma em seu próprio nome, isto é, ainda há muito equívoco naquilo que efetivamente se deve entender por desconsideração da personalidade jurídica e responsabilidade direta dos sócios. A confusão cresce, ainda mais, quando a pessoa envolvida na relação é uma sociedade nacional com participação de capital estrangeiro. Diversos pontos podem ser tratados com relação a esta matéria, mas aqui debruçaremos nossa atenção em duas questões, quais sejam, a de que nem toda situação jurídica é desconsideração da personalidade da pessoa jurídica; e a relativa a responsabilidade direta do sócio ou procurador em razão da constituição irregular da sociedade estrangeira. Uma das grandes vantagens da aquisição da personalidade jurídica é a possibilidade de se proceder a separação patrimonial, isto é, a atribuição de personalidade e um ente jurídico, diverso daquele que o institui, 1 THEREZA CHRISTINA NAHAS, Juíza do Trabalho, Professora nas Universidades Fundação Armando Álvares Penteado FAAP e UNIVEM Marília (SP), autora do livro Desconsideração da Pessoa Jurídica reflexos civis e empresariais no direito do trabalho, publicado pela Editora Campus-Elsevier. 1

tem entre outras, a finalidade de permitir a separação patrimonial do ente criado e da pessoa que o criou, fator este que adquiriu novas característica a partir do século XIX quando se rompeu com conceitos antigos e se adotou um novo conceito de Estado. O fato associativo pressionou o Estado para que reconhecesse a necessidade de personalizar o grupo afim de que ele pudesse participar do comércio jurídico. Fazia-se necessário conceder ao grupo a mesma capacidade que tinham seus componentes, o que era viabilizado desde que se verificasse o preenchimento de determinados pressupostos para que a adjetivação fosse feita. A partir daí, houve o nascimento da pessoa jurídica. Sabe-se assim que, no nosso sistema jurídico, a pessoa jurídica adquire a personificação com a inscrição de seus atos no registro próprio, isto é, no registro civil ou comercial, dependendo se é ou não empresária, o que deve ser feito nos termos dispostos na legislação (art. 45 e 967 do CC). Como nos ensina Marcel Justen Filho, a personificação societária envolve uma sanção positiva prevista pelo ordenamento jurídico. Trata-se de uma forma de incentivação, pela qual o direito busca conduzir e influenciar a conduta dos integrantes da comunidade jurídica. A concentração de riqueza e a conjugação de esforços inter-humanos afigura-se um resultado desejável não em si mesmo, mas como meio de atingir outros valores e ideais comunitários. O progresso cultural e econômico propiciado pela união e pela soma de esforços humanos interessa não apenas aos particulares mas ao próprio Estado (...). Para estimular a realização dessas associações e incentivar os seres humanos à concentração de recursos e esforços, o Estado vale-se da personificação societária. A atribuição de personalidade jurídica corresponde, assim, a uma sanção positiva ou premial, no sentido de um benefício assegurado pelo direito a quem adotar a conduta desejada 2. 2 Desconsideração da personalidade societária no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987. p. 48. 2

Sabendo-se que o Direito atribui a personificação para que se realize um bem maior, qual seja, o progresso econômico e social da própria sociedade, justamente por isso é que, quando esta finalidade não é cumprida, é que se volta a repressão da conduta realizada com objetivo de fraudar a lei. É nesse contexto que surge a teoria da desconsideração da personalidade jurídica uma vez que, observou-se o uso indevido da pessoa jurídica para a realização de um objetivo diverso. Quer isso dizer, observou-se que, a facilitação de se atribuir a personalidade jurídica a um ente, contribuiu para que manobras comerciais fossem realizadas a fim de violar de forma maliciosa direitos de terceiros. Isso é possível em razão do sistema legal que admite a personificação e principalmente porque este fenômeno permite a separação patrimonial. Portanto, a teoria da desconsideração nasce sob dois fundamentos quais sejam, a fraude e o abuso da personalidade. Nosso sistema jurídico não havia positivado a matéria, até que, em 1990 o Código de Defesa do Consumidor trouxe disposição acerca das hipóteses em que o juiz poderia desconsiderar a personalidade jurídica, regra esta inserida no art. 28 daquele ordenamento. Antes disso, as decisões eram proferidas com fundamento na teoria da desconsideração, ou seja, na fraude ou abuso da personalidade, fatos estes que estão dispostos na parte geral do Código Civil e que serve de fundamento para a anulação (ou nulidade) de negócios jurídicos firmados com vício social ou de consentimento. A CLT e leis de natureza trabalhista extravagantes, não possuem regulamentação a respeito da matéria. Equivocado o entendimento de que o art. 2º da CLT teria admitido a desconsideração da personalidade quando previu que empresas do mesmo grupo seriam responsáveis solidárias por obrigações que contraíssem com os trabalhadores. Este dispositivo simplesmente estabelece uma forma de responsabilidade e não cria um instituto. Não se olvide que a responsabilidade solidária decorre da lei ou do contrato. 3

A desconsideração da personalidade, quando declarada pelo juiz, não importa no desaparecimento da pessoa jurídico do mundo. Simplesmente, faz com que o princípio da autonomia patrimonial seja quebrado, de modo que os sócios administradores respondem de forma solidária com a pessoa jurídica, tendo a seu favor, inclusive o benefício da excussão (art. 592, II do CPC). Paralelo a este instituto, há o da responsabilidade direta do sócio administrador, qual seja, desde que não respeitada às disposições legais acerca da administração da sociedade, respondem diretamente pelos prejuízos que esta,m ou terceiro, vier a sofrer com seu ato ou omissão. Isso quer dizer que, verificada a situação fática, dispensa-se o raciocínio e utilização da teoria da desconsideração, simplesmente porque, aplica-se diretamente aquele que imputa ao sócio administrador a responsabilidade por aquilo que realiza (ou deixa de realizar) para a sociedade ou terceiro (art.1010 e seguintes do CC e art. 592, II do CPC) 3. A todo tempo nos referimos à responsabilidade, seja direta ou decorrente da desconsideração, ao sócio administrador. Isso demonstra nosso entendimento que, quem deve responder pelas ações ou omissões fraudulentas ou simplesmente contrárias ao estatuto social deve ser aquele que administra a sociedade e não os demais sócios que não tem qualquer relação com tal administração (art. 1016, CC). Pode-se sustentar que mesmo aqueles que não participam da administração deveriam responder, pois auferem os frutos que a pessoa jurídica lhes traz. Todavia, tal interpretação não parece adequada, pois, o sistema jurídico baseia-se exatamente no abuso, na má administração, no agir contrário as finalidades legais, enfim, na má fé empregada por quem causa prejuízo a outrem. Não se pode olvidar que, não há no nosso sistema a previsão 3 Os diferentes tipos societários tratam, igualmente da responsabilidade direta, nas ocasiões, em geral, em que o sócio age contra o estabelecido no estatuto ou os fins sociais, causando prejuízo a pessoa jurídica e terceiros. Há que se consultar cada tipo social. 4

da sociedade unipessoal e que é muito comum a formação de sociedades com sócios que detém tão somente 1% do capital social e que na maioria das vezes vem representada por algum membro da família ou amigo próximo, situação esta baseada na nossa cultura de pouco profissionalismo na formação societária. Portanto, considerando as bases do nosso sistema jurídico não é legal que se condene aquele que não tem qualquer responsabilidade pela administração da pessoa jurídica. É certo que a quebra da autonomia patrimonial decorrente da desconsideração da personalidade jurídica, importa na ruptura do princípio a todos os sócios. Mas, cumpre ao intérprete perscrutar a quem cabe a imputação da responsabilidade pelo uso indevido da sociedade. Isso quer dizer, a final, que deverá responder solidariamente com a pessoa jurídica que teve a personalidade desconsiderada, (a) o sócio administrador, ou administrador (para aqueles tipos sociais que admitem a administração realizada por terceira pessoa); (b) os sócios que, mesmo não administrando a sociedade, contribuam para a constituição da fraude ou prejuízo a terceiro ou para a própria sociedade. Não se olvide do fundamento legal que enseja tal possibilidade. O intérprete terá que investigar, atentando sempre para o tipo societário e, em se tratando de pessoas jurídicas que desempenhem funções civis, principalmente aquelas voltadas a algum objetivo altruístico como, por exemplo, ONG s, deverá ter o cuidado de respeitar as disposições das leis 9637/1998 e 9790/1998 que determinam, que os bens dos responsáveis sejam decretados indisponíveis e seqüestrados e, caso se tornem inviáveis, seu patrimônio seja afetado a outra pessoa que desempenhe atividade idêntica ou similar, justamente para impedir que a função social que as motive possa restar frustrada. Se a situação verificada for de responsabilidade direta, o raciocínio jurídico torna-se bem mais simples. Verificado, por exemplo, que um 5

administrador não apresente as contas aos demais sócios, o que significa que esta infringindo um dever jurídico (art. 1020, CC), a solução é de se lhe aplique, diretamente, a responsabilidade pela omissão. Observe que, se isso gerar prejuízos a terceiros, a responsabilidade em reparar eventual dano, emergirá, tanto com relação a sociedade e demais sócios, como em relação ao terceiro. Não é necessário que se derrube o véu da pessoa jurídica, mas simplesmente que se chame aquele que deve responder juntamente com ela pelo ilícito gerado. Deve o leitor estar se perguntando, então, qual a fonte legal geradora de eventual condenação em processo do trabalho, pois, constantemente vemos diversos julgados condenando sócios e ex-sócios por dívidas sociais em situações que, de fato, não se vislumbra qualquer responsabilidade por parte da pessoa afetada pela decisão. Particularmente, entendemos que a matéria dispensa positivação, pois decorre do sistema legal inibidor da fraude e do abuso, matéria está já inserida na nossa legislação e que se aplica a toda e qualquer situação onde se verifique uma conduta ou omissão que ofenda o direito. Mas, considerando que nosso sistema jurídico vive da necessidade de se publicar leis e positivar toda e qualquer situação de forma pormenorizada, pensamos que a fonte mais próxima é o Código de Defesa do Consumidor, posição esta que sustentamos antes mesmo da entrada em vigor do Código Civil de 2002. Isso porque, CDC e CLT fazem parte de subsistemas que possuem os mesmos princípios e provêm da mesma fonte, qual seja, Código Civil. Após a entrada em vigor do Código Civil de 2202 ficou mais fácil sustentar o cabimento da aplicação subsidiária daquele Código, pois o art. 8º da CLT admite o recurso a tal fonte nos casos de omissão. Sendo assim, por qualquer ângulo que se estude a matéria a conclusão é de que, gostem ou não do resultado, aplica-se a teoria da desconsideração da personalidade jurídica ao direito do trabalho. 6

O que se deve atentar é que a decisão que desconsidera a personalidade jurídica, ou que declara a responsabilidade direta deve estar fundamentada, isto é, (a) deve o juiz estudar o ato que institui cada pessoa jurídica e decidir por aquele que irá responder pela obrigação descumprida de forma criteriosa; (b) a decisão deve ser fundamentada, repudiando-se qualquer decisão que simplesmente se refere prossiga a execução da pessoa dos sócios ; (c) reconhecer que a decisão proferida em processo do trabalho não faz coisa julgada simplesmente por não ser a questão relativa ao contrato de trabalho ou a ele relacionada. A matéria é de natureza empresarial e não tem a Justiça do Trabalho competência para dize-lo de forma definitiva. Se houver decisão proferida pelo Juízo civil deve o juiz do trabalho respeitar o que la se decidiu por princípio de segurança jurídica; (d) observar que há um limite temporal para a declaração da responsabilidade que, segundo reza o Código Civil vigora enquanto o sócio-administrador esta nos quadros societários e que perdura até dois anos após a sua retirada desde que publicada (art. 1103, CC). Outra questão que nos chama a atenção é aquela atinente as sociedades estrangeiras. Reza o art. 1134 do CC que a sociedade estrangeira, qualquer que seja o seu objeto, não pode, sem autorização do Poder Executivo, funcionar no País, ainda que por estabelecimentos subordinados, ressalvando-se apenas os casos expressos em lei, poderá ser acionista de sociedade anônima brasileira. Sabe-se, no entanto, que a maioria das sociedades que operam no País buscam, no entanto, o tipo societário das limitadas, quer pela agilidade operacional, quer pela melhor viabilidade que este tipo societário oferece. Há, assim, uma polêmica na área empresarial a respeito a possibilidade de se permitir que as sociedades estrangeiras se instalem no País na forma de limitada, pois, conforme lembra Armando Rovai não obstante a íntegra da redação do artigo 1.134, em comento, seria utópico aguardar a autorização do 7

Poder Executivo para o início das atividades de todas as sociedades estrangeiras que pretendem se instalar como sócias no Brasil, em especial das Sociedades Limitadas. Essa medida, no mínimo, inviabilizaria o País e tornaria mais alto o famoso custo Brasil 4. Mas, o fato de o executivo ser moroso nas concessões de autorizações, ou de toda a burocracia que se possa encontrar para que as sociedades estrangeiras se instalem no País, o que não se pode deixar de reconhecer é que as instalações de sociedades estrangeiras nos tipos societários limitada ferem a regra do art. 1134 do CC. Isso quer dizer que, se uma sociedade limitada contar em seu quadro societário com uma sociedade estrangeira, está irregularmente constituída o que quer dizer que não importa se seu capital esta ou não integralizado, a responsabilidade de seus sócios, todos eles sem exceção, é solidária, pois mesmo aqueles que não participam da administração não podem alegar ignorância na constituição da pessoa jurídica que estão criando. Portanto, inobstante as clausulas contratuais que estabeleçam, é certo que todos os sócios respondem ilimitadamente pela sociedade. Forçoso, assim,concluir que, no caso de ser constituída uma sociedade limitada que tenha na sua constituição de sócio estrangeiro, estará irregularmente constituída, de modo que seus sócios são diretamente responsáveis, isto é, serão pessoalmente responsáveis pelos atos que eles e/ou a sociedade praticar. Resta claro, assim, que estamos diante de uma situação de responsabilidade direta, não sendo necessário que o intérprete busque uma situação jurídica que permita a desconsideração da personalidade jurídica, pois o art. 1.080 do Código Civil dispõe que as deliberações infringentes do contrato 4 As Sociedades Estrangeiras e as Limitadas, Jornal Valor Econômico Legislação & Tributos, 22.09.2008 8

ou da lei tornam ilimitada a responsabilidade dos que expressamente as aprovaram Isso decorre do fato de que os sócios não podem dispor de forma irresponsável ou ilimitada da pessoa jurídica. Devem respeitar as disposições legais e normativas para sua constituição e funcionamento. Se decidem algo em confronto com a legislação específica, estão a violar o ordenamento jurídico, isto é, agem contrário a norma preexistente dando nascimento assim a obrigação de indenizar ou reparar o dano daquele que venha a ter prejuízos com a ação contrária, ainda que este sujeito seja a própria sociedade. Se a sociedade contratou trabalhadores para o desempenho de seu objetivo social, evidentemente responde pessoalmente, as pessoas físicas, em solidariedade com a pessoa jurídica, por eventuais prejuízos causados. Tudo isso porque, o nascimento maculado da sociedade compromete o princípio da separação patrimonial. O que se vê hodiernamente, é que há um crescimento significativo de joint ventures e que, na grande maioria dos processos que as envolvem e que chegam ao Judiciário trabalhista, o que se vê é uma verdadeira fraude aos direitos dos trabalhadores que, na verdade, não surpreende, posto que são mal formadas desde a sua constituição, sendo presumível que se assim o é, certamente, continuaram por assim agir no curso de outras relações, entre elas a trabalhista. O que motiva este tipo societário é ampliar seu mercado a auferir lucros ainda que isso custe o sacrifício do direito alheio ou o desrespeito a lei nacional. Por fim, importa referirmos a Instrução Normativa n. 76 do DNRC, de 28 de dezembro de 1998, que foi expedida com o escopo de atualizar, uniformizar e, em especial, simplificar o acesso às normas de atos de empresas nas quais participam estrangeiros, enumera alguns itens que devem, 9

obrigatoriamente, integrar a relação de requisitos para que se efetue regularmente o contrato de joint venture societária, no qual seus sócios sejam de sociedades estrangeiras, para isso devem-se juntar cópias autenticadas dos documentos que comprovam a existência da empresa no seu país de origem 5. Reza o art. 2º daquela normativa: A pessoa física, brasileira ou estrangeira, residente e domiciliada no exterior e a pessoa jurídica com sede no exterior, que participe de sociedade mercantil ou de cooperativa, deverão arquivar na Junta Comercial procuração específica, outorgada ao seu representante no Brasil, com poderes para receber citação judicial em ações contra elas propostas, fundamentadas na legislação que rege o respectivo tipo societário. O que nos resta saber é se este representante da sociedade estrangeira, deve responder pelos atos que pratica caso a constituição de empresa que pertença seja irregular. Entendemos que sim. Isso porque, a fraude é presumida e as conseqüências do ato devem recair em todos aqueles que, de qualquer forma, contribuem para a administração da sociedade no País. Importa frisar que nos casos processuais em que se verifica este tipo de situação na esmagadora maioria de casos, sequer se logra localizar a sociedade constituída para que responda aos termos do processo de conhecimento. Na fase executiva as dificuldades são ainda maiores, posto que, na realidade o que se vê é a formação de pessoas jurídica que expandem negócios, auferem lucros, sacrificando direitos trabalhistas e fiscais e, quando são chamadas a responder pelas obrigações, não são encontradas, salvo seu procurador, representante e aquele que fala em seu nome, no Brasil, pela sociedade estrangeira. O que se 5 Rovai, Armando. Opus cit. 10

quer dizer é que a presunção de fraude salta aos olhos e agride qualquer boa fé que possa restar na análise destas situações. É justo é jurídico que seu procurador, nesta qualidade responda por seus atos, pois é ele, certamente, um dos centros de administração da pessoa jurídica assim constituída. Caso típico de responsabilidade direta de todos aqueles que participam da gestão da pessoa jurídica e que devem com ela responder solidariamente. Prescindível qualquer declaração de desconsideração da personalidade. Todos permanecem e com suas respectivas constituições e personalidades, mas devem responder solidariamente por todas as obrigações assumidas, pelo simples fato de que, a constituição irregular, gera a responsabilidade solidária de todos aqueles que participem da gestão da pessoa, incluído aqui, seu procurador. É certo que a matéria deve amadurecer e devem surgir algumas decisões, posto que casos desta estirpe são, ainda, novidades no terreno jurídico. O que nos resta é, ficar atentos a posição dos Tribunais e zelar para que as relações caminhem de forma regular e conforme o direito. 11