As Categorias de Nobreza e Prestigio em uma Conquista Colonial (Comarca das Alagoas, XVII-XVIII) Dimas Bezerra Marques * Resumo



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Transcrição:

As Categorias de Nobreza e Prestigio em uma Conquista Colonial (Comarca das Alagoas, XVII-XVIII) Dimas Bezerra Marques * Resumo O processo de análise e compreensão da formação, distribuição e funcionamento dos cargos políticos e administrativos na capitania de Pernambuco, especificamente nas regiões de Penedo e Porto Calvo, requer boa base teórica e profunda pesquisa documental, afim de poder reconhecer suas particularidades frente o resto do território pernambucano daquela época. Mas, para que isso se faça possível, é preciso compreender um pouco a gênese desses cargos, tidos como de grande prestígio na colônia. É preciso entender o conceito da nobreza na América portuguesa, fazendo com isso um paralelo entre a Metrópole e sua conquista no Atlântico, traçando questões como a da nobreza hereditária e política, assim como a aparição de umas das classes de maior prestígio no ultramar, a dos senhores de engenho. Palavras-Chave: nobreza; elites; colônia Introdução Muito tem se discutido ao longo dos anos sobre a política administrativa portuguesa em relação a sua conquista no ultramar, ou seja, a América. Obras como O antigo regime nos trópicos de João Fragoso, Maria Fernanda Bicalho e Maria de Fátima Gouveia, entre outras, vieram à tona afim de por em conflito essas relações político-administrativas entre metrópole e colônia. Esse também é um dos objetivos do GEAC (Grupo de estudos Alagoas colonial), entender essas relações de poder e encaixá-las no contexto sócio-político da capitania de Pernambuco para assim tentar descobrir as particularidades surgidas entre a capitania e a parte de seu antigo território que hoje compreende o Estado de Alagoas, que desde pelo menos princípios do século XVIII já vinha demonstrando essas particularidades. Meu objetivo dentro do grupo é entender a formação e distribuição dos cargos políticos e, consequentemente, a formação das elites alagoanas com sua gênese no período colonial, só que para isso preciso primeiro buscar as origens e o conceito de nobreza, importantes para essa formação. Portanto, pretende-se neste artigo fazer uma breve conceituação da nobreza portuguesa, relacionando-a com o tipo de nobreza que se criou nas * Graduando em História Bacharelado pela Universidade Federal de Alagoas, bolsista PIBIC/FAPEAL.

2 terras ultramarinas, especificamente na Comarca de Alagoas, usando como exemplo documentação primária, proveniente do arquivo histórico ultramarino. O Conceito de Nobreza Segundo Jacques LeGoff, a origem da nobreza encontra-se na idade média, precisamente no ano 1000. Ele afirma que a mesma está ligada ao poder, à riqueza, mas essencialmente repousa no sangue. É uma classe de prestigio, preocupada em manifestar sua posição (LEGOFF, 2007:81). No caso português, José Mattoso avalia entre os séculos XI e XIV como sendo um período suficientemente vasto, coerente e significativo (MATTOSO, 1987:14) para o estudo de sua nobreza medieval, pois trata-se do principio da dinastia Navarra em Leão até a revolução que concede o trono português a uma nova família (IDEM, IBIDEM). Da idade média até os tempos modernos este conceito foi mudando, tanto é que LeGoff chegou a afirmar que a nobreza na Europa da era moderna e contemporânea é nada mais do que a sombra do que era na idade média, o que de fato não deixa de ter razão, porém deve-se levar em consideração que com o surgimento dos Estados modernos, cada reino constituirá seu próprio tipo de nobreza, o que pode ser visto em Perry Anderson, sobre os Estados absolutistas europeus 1. Mas não pretendo me alongar neste quesito. A categoria de nobre em Portugal apresenta algumas diferenças em relação a sua conquista no atlântico. Por exemplo, diferente do reino, não existia no Brasil a chamada nobreza hereditária ou de sangue, pois afirmava-se que o povoamento do território fora feito em sua maioria por degredados, ou seja, indivíduos considerados marginais na metrópole por ter cometido algum tipo de delito grave para a época, tendo por isso recebido tal punição. Se alguns desses indivíduos eram nobres, provavelmente perdiam seu status ao chegar ao território que ainda não possuía esta referência. Como citarei a seguir, um dos privilégios da nobreza em Portugal era poder estar à presença do rei, portanto, nenhum deles iria querer presenciar o processo de povoamento da América lusa. Porém Maria Beatriz N. Silva afirma o contrário quando diz que o Brasil não fora inicialmente apenas uma terra de degredo, uma vez que também atraia os nobres do reino (SILVA, 2005:39) e critica alguns historiadores por não dedicarem parcela maior de sua atenção a pesquisas documentais referentes à 1 Nessa obra, Perry Anderson faz uma análise, sob um ponto de vista Marxista, das diversas formas de absolutismo que surgiram na Europa, ocidental e oriental, como a Itália, Inglaterra, Prússia, entre outros.

3 nobiliarquia e dar devido valor ao trabalho de memorialistas, continuando a afirmar a exclusividade ao degredo com que o Brasil fora tratado. Não uma terra de degredo, e sim de promessas dadas a quem prestasse serviços na colônia. Rodrigo Ricupero afirma que os vassalos das partes do Brasil, nascidos no reino ou na colônia, ávidos pelas recompensas, procuravam de todas as formas fazerem jus a elas, assumindo os mais variados encargos do processo de colonização (RICUPERO, 2008:70). Os responsáveis pelo desenvolvimento das conquistas, ou seja, os capitães donatários e sesmeiros, esses tornavam-se nobres a partir da concessão do rei. Eram nobres políticos, os quais podiam a partir daí, independente da coroa, formar sua nobiliarquia familiar, podendo assim passar seus privilégios de geração em geração. Havia citado anteriormente a questão da linhagem do nobre, pois bem, em Portugal existiam dois tipos de nobre, um que assenta na linhagem, passada de pai para filho, e que se chamava nobreza natural; e outra, a nobreza civil ou política, concedida pelo monarca (OLIVEIRA apud SILVA, 2005:16) sendo esta última o que vemos acontecer nos territórios ultramarinos. E o modo como ela era concedida pode ser visto na explicação de Maria Beatriz: A vontade do rei em transformar alguém em nobre aparecia, segundo os tratadistas da nobreza, de duas maneiras: uma expressa, a outra tácita. A primeira ocorria quando o monarca, de palavra ou por escrito, declarava alguém fidalgo, cavaleiro ou simplesmente nobre. A segunda forma tinha lugar quando fosse conferida a um individuo alguma dignidade, posto ou emprego que de ordinário costume andar em gente nobre. (IDEM:18). Podemos ver então, de forma pertinente, essa diferença entre uma categoria e outra de nobre, nas palavras de Antonio Caetano: ( ) a nobreza de sangue era pautada pela hereditariedade da condição nobiliárquica, ou seja, os filhos herdavam do pai o estatuto de nobreza, não necessitando do monarca para poder revesti-la. Por outro lado, a nobreza civil ou política era aquela surgida seja através da compra do título, seja pela concessão desse mesmo estatuto pelo rei. ( ) No entanto, a nova condição atribuída pelo rei ( ) não igualava o nobre civil ao nobre de sangue, o que desqualificava o primeiro como um nobre verdadeiro ( ). (CAETANO, 2009: 203). Segundo o mesmo, o papel da nobreza na sociedade do antigo regime português ( ) era o de auxiliar o rei na defesa do reino, evitando as guerras e conflitos. (IDEM: 201). Mas, para cumprir esse papel, a nobreza exigia algo de seu soberano, que consistia nos privilégios e mercês, os quais dotavam-na de status e prestígio. Tais privilégios, como os títulos, por exemplo, eram distribuídos de acordo com a consideração que o rei tinha em relação a pessoa

4 ou aos seus serviços prestados, seja no âmbito militar, social, religioso e administrativo (IDEM:203). Laura de Mello e Souza também enxerga isso afirmando que sangue nobre, pertencimento a redes familiares, idade madura e experiência militar (MELLO e SOUZA, 2009:75) eram requisitos para se obter um cargo por exemplo. Tais títulos eram pouco distribuídos, e os poucos que o tinham gozavam de privilégios frente à corte, o que Maria Beatriz chama de prerrogativas da grandeza (SILVA, 2005:15). Assim, o nobre podia sentar-se à presença do rei, além de receberem os chamados assentamentos, quantias da fazenda real. Na metrópole, os principais títulos adquiridos eram os de duque, marquês e conde, já no Brasil, como afirma Maria Beatriz, não é este tipo de nobreza a relevante (IDEM:16). Uma das discussões que vemos tomar força no meio acadêmico é a da descentralização do poder português em relação as suas conquistas, na qual o poder soberano seria dado aos governadores gerais e das capitanias, sendo exercido quase que de forma autônoma, obtendo até autorização para tal. Sobre isso António Manuel Hespanha diz que a instituição da vice-realeza obedeceu ao propósito de dotar aos governadores ultramarinos com uma dignidade quase real, permitindo-lhes o exercício de atos de graça tal como concessão de mercês (HESPANHA, 2001:176). Como havia apontado antes, esses primeiros povoadores, os quais ficaram responsáveis pelo desenvolvimento da terra, seriam os primeiros nobres, pois além de receber seus lotes para o cultivo e distribuí-los, tornavam-se seus governadores, prestígio ganho pelos méritos que tinham com a coroa. Além do mais, esses primeiros povoadores podiam orgulharse de serem os primeiros desbravadores da terra, isso por si só já era grande prestigio, principalmente para os seus descendentes. E como foi citado anteriormente, estes podiam criar sua própria nobiliarquia, e consequentemente com seus herdeiros, uma categoria especifica da colônia de nobreza de sangue. É algo a ser estudado mais profundamente no futuro. Um dos fatos marcantes na constituição da nobreza na América portuguesa foi a formação das elites coloniais centrada na figura dos senhores de engenho, e porque não dizer nos senhores do couro e dos homens das minas. Mas o fato é que a figura que mais representou o poder da elite local e o maior prestígio de nobreza adquirido foi a do senhor de engenho, o título realmente espalhava aura de nobreza, riqueza e poder, fundada em seu controle sobre a terra e sobre as condições internas de produção (FERLINI, 2003:288). Isto porque além de representar em pessoa os responsáveis pelo desenvolvimento e cultivo da terra. Através desta, governou uma cultura a qual vingou durante séculos na economia

5 colonial e que existe até os dias de hoje, ou seja, a cultura do açúcar. E a explicação para esta economia ter sido a escolha certa entre os portugueses para os domínios pode ser vista nas palavras de Vera Ferlini: A coroa portuguesa (...) dominava desde o século XV a produção do açúcar com suas plantações nas ilhas do atlântico (...). Portugal já possuía experiência em sua produção; dispunha de contatos comerciais que permitiam a colocação do produto no mercado europeu; seu relacionamento com o mundo financeiro de então (...), abria-lhe linhas de crédito para os investimentos básicos; o Brasil possuía terras em abundancias e o açúcar poderia, aqui, ser produzido em larga escala (FERLINI, 1998:16-17). Ao redor dessa cultura açucareira formou-se uma estrutura social de origem patriarcal, na qual o senhor dominava, exercendo o poder e controle da região e das pessoas, principalmente dos escravos, fonte definidora de sua grandeza, e seguindo o raciocínio de Vera Ferlini, o grande definidor do status de um branco (IDEM: 79). Quanto mais escravos, mais poder e honra o senhor o possuía, ou seja, seu objetivo não era o lucro ou a racionalidade empresarial, mas a acumulação de escravos e terras, fatores de honraria e poder (IDEM, IBDEM). E continua: Senhores do mundo do açúcar, os grandes proprietários procuravam ostentar poder em roupas, cavalos, arreios, moveis, louças, cristais, mesa farta, serviçais. Arrogantes, senhores de si, donos de um modo de vida peculiar, caminhavam de chicote na mão, visitando seus domínios (IDEM:81). Como foi bem explicado pela autora, o senhor de engenho preocupava-se em acumular terras e escravos, para a manutenção de sua honra e status, e isso lhe custava caro, pois uma das características desse universo era o constante endividamento, já que eles só compravam seus acessórios fiado e gastavam mais em festas e jantares, mas mesmo assim, conseguiam manter-se poderosos. Ou seja, podemos dizer, concordando com Ferlini, que os senhores de engenho constituíram no Brasil, mais que simples categoria de empresários coloniais, cristalizando-se como potentados rurais, cujo domínio ultrapassou, e muito a esfera econômica (FERLINI, 2003:288). Alguns casos na Comarca Foi abordado anteriormente, o fato da conquista portuguesa ser um campo de promessas de mercês a quem prestasse serviços a coroa, pois bem, os indivíduos que assim

6 fizessem, cobrariam essas recompensas, e faziam emitindo cartas direcionadas a metrópole afim de conseguirem algum tipo de privilégio perante o rei. Rodrigo Ricupero explica como era feito: Os trabalhos realizados e, eventualmente, a serem realizados, justificavam os mais diversos tipos de pedidos (...) [os quais] eram feitos por meio de cartas, requerimentos, petições ou mesmo oralmente, nos quais eram apresentados os serviços realizados e requeridas as mercês esperadas (RICUPERO, 2008: 70). Na comarca de Alagoas, essas práticas eram correntes, sendo cargos administrativos as mercês mais desejadas pelos indivíduos em seus requerimentos, podendo-se notar na documentação algumas características de como essas pessoas justificavam seus méritos. No documento 1 do AHU (Arquivo histórico ultramarino) vemos na figura de Miguel da Cunha Leite um grande servidor da coroa: O capitão Miguel da Cunha Leite conta que tem servido a Vossa Alteza (...) havendo-se acabado em o ano de1 688 na estrada que se fez ao Palmar em que se matou setenta e tantos negros (...). Traz das minas de prata acompanhado o a embarcar ate barra e por estar a igreja matriz daquela vila por os por terra do tempo que os holandeses ocupavam a capitania de Pernambuco ser ele o primeiro motivo de se modificar dando para esse efeito de esmola sessenta mil réis (...)(AHU, Alagoas Avulsos, Documento 1, 1680). Este documento trata-se de uma informação do Conselho Ultramarino sobre os serviços de Miguel da Cunha Leite e o mesmo ocupou quatro cargos na câmara da vila das Alagoas, Juiz dos Órfãos, Escrivão da Câmara, Juiz Ordinário e Capitão de Infantaria da Ordenança. Uma primeira característica, que figurará em outros documentos, e a justificativa dos méritos para se conseguir mercê. Neste caso, dentre os bons serviços, consta-se o cerco a Palmares, assim como a luta contra os holandeses e serviços a igreja. No documento 17, o Alferes Bento Rebelo Pereira irá justificar seus serviço ao rei para conseguir a provisão do oficio de Escrivão da Correição da vila das Alagoas: Diz o Alferes Bento Rebelo Pereira, que ele serve a Vossa Majestade, no Estado do Brasil, no espaço de treze anos com bom procedimento, (...) em cuja ocasião assistiu o suplicante no porto dos franceses bastante tempo, fazendo um grande dispêndio de sua fazenda. E porque de presente se acha vago o oficio de Escrivão da Correição da dita Vila das Alagoas, e o suplicante se faz merecedor não só pela capacidade, mas também que tem servido a Vossa Majestade a tantos anos (...) (IDEM, Documento 17, 1670). No documento 92 Valerio Pereira Soares pede (...) a serventia do officio de Escrivão da Ouvidoria das Alagoas pello sumario de testemunhas incluzo Constar ter elle capacidade

7 inteligência e os mais Requezitos necessários para servir bem esta ocupação (IDEM, Documento 92, 1735). Há casos em que o suplicante recebe a mercê de um cargo doando donativos a fazenda real, como se vê no documento 166: Hey por bem fazer mercê ao Doutor João da Silva Oliveira a serventia do Oficio de Escrivão da Correição da Villa das Alagoas da Capitania de Pernambuco por tempo de três anos; (...) O Conselho Ultramarino o tenha assim entendido, e lhe mande passar os despachos necessários, constando-lhe primeiro haver feito entrega ao Tesoureiro da Casa da Moeda de duzentos cinquenta e cinco mil Reis, que oferece de donativo para a minha Real Fazenda (...). (IDEM, Documento 166, 1757). Outro exemplo bem constante no corpus documental são os pedidos de carta patente em cargos militares. Na maioria das vezes essas solicitações eram aceitas, vindo os documentos de solicitação em anexo às ditas cartas-patentes. Normalmente, as solicitações são justificadas por se achar vago aquele posto, seja por promoção, renúncia, ou por falecimento do antecessor. Diz João Gomes Calheiros que ele está provido pelo Governador da Capitania de Pernambuco, Manoel de Souza Tavares, em o posto de Capitão Mor da freguesia da Alagoa do Norte da mesma, Capitania que vagou por promoção de Bento da Rocha Mauricio Vandereley, ao de Capitão Mor da Vila das Alagoas, como consta da patente que oferece o posto (...) (IDEM, Documento 18, 1720). As cartas patentes geralmente vinham com os respeitos dados pelo governador da Capitania, assim como a dita nomeação junto de suas honras e graças. Vemos como exemplo, o caso de Manuel Rodrigues da Costa, o qual pede (e consegue) confirmação de patente no posto de Capitão de uma Companhia de ordenanças da vila de Alagoas, que se acha vago por renuncia de Bernardo Correia (...) (IDEM, Documento 19, 1720): Manoel de Souza Tavares, (...) Governador e Capitão General da Capitania de Pernambuco (...). Faço saber, aos que essa carta patente virem, que por quanto está vago o posto de Capitão da Infantaria da Ordenança do distrito da Vila das Alagoas, por deixação de Bernardo Correia Dantas (...) concorrem no dito Manoel Rodriguez da Costa (...) fez desta mesma companhia que anualmente esta exercendo com inteira satisfação (...), da mesma maneira e muito como deve a confiança que faço de sua pessoa. Ei por bem de o eleger e nomear como pela presente o elejo e nomeio no posto de Capitão da Infantaria da Ordenança do distrito da Vila das Alagoas (...), em virtude da faculdade que Sua Majestade me concedeu (...) para que como tal o seja e exerça e goze de todas as honras, graças, franquezas, privilégios, isenções, liberdades, que em razão do dito posto lhe tocarem (...) (IDEM, IBDEM). Nem sempre, na comarca das Alagoas, os cargos vagos eram requeridos por terceiros e nomeados aos mesmos. Havia casos particulares em que determinados cargos eram deixados

8 como herança pelos seus ocupantes aos seus filhos, como se os mesmos fossem sua propriedade. Isso acontecia frequentemente, Nuno Gonçalo Monteiro diz que na metrópole existiam cargos providos quer pela coroa, quer pela câmara ou pelos senhorios, que podiam ser de nomeação vitalícia ou até hereditária (...). Era o caso dos escrivães do Judicial (...) e ainda Juízes dos órfãos (...) (MONTEIRO, 1992:305). Na vila de Penedo, temos o caso de Francisco Álvares Camelo, falecido, que deixam de herança ao seu filho Francisco Álvares Camelo os cargos de Juiz e Escrivão dos Órfãos, Tabelião do Judicial e Escrivão do Conselho e Câmara da dita vila. No documento, quem faz o requerimento é sua esposa Dona Maria da Silveira: Dona Maria da Silveira fez petição a Vossa Majestade por este conselho, em que diz, (...) que foi legitimamente casada com Francisco Álvares Camelo, já falecido, e que ficou em posse (...), ficando-lhe deste matrimonio, só dois filhos, mais velho, Antonio Alvarez Bezerra, e Francisco Alvarez Camelo, e no qual nomeou seu pai os ofícios de juiz e escrivão dos órfãos, tabelião do judicial, e escrivão do conselho e câmara da vila de Penedo (...) (IDEM, Documento 2, 1689). Nota-se no documento, alguns pontos-chave que serviram para justificar o dito requerimento, o primeiro, foi exposto acima, que é o legitimo matrimônio de Dona Maria da Silveira, seguido pela condição de pobreza em que ficou depois da morte de seu marido. E o principal, o que legitima a dita herança, o alvará régio de nomeação, além de testemunhas confirmando o caso. Pelos traslados autênticos de (...) carta e alvará de Vossa Majestade, consta fazer mercê a Francisco Álvares Camelo dos ditos ofícios com faculdade, nem os nomear na pessoa que lhe parecer (...) qual os nomeou no dito seu filho (...), por conta de seu testamento. E porque por morte do dito seu marido, ficou muito desamparada e pobre, sem ter com que se sustentar, e o dito seu filho. (IDEM, IBDEM). Podemos ver no trecho a seguir, de uma forma mais direta e objetiva, a citação às testemunhas e o alvará régio, além da menção ao merecimento da suplicante a mercê: Sobre este requerimento, se pediu informação do Ouvidor Geral de Pernambuco, o qual deu por carta de 28 de julho deste presente ano e pelas testemunhas perguntadas, no papel que remetia (...) constava que o capitão Francisco Álvares Camelo proprietário dos referidos ofícios, por carta de Vossa Majestade, os nomeara no testamento com que faleceu, por alvará que tinha para poder fazer em seus filhos, Francisco Álvarez Camelo, (...) e que (...) sua mãe, e mulher do defunto, é merecidos de que Vossa majestade lhe faça mercê (...) (IDEM, IBDEM). As três testemunhas requisitadas confirmam o que foi posto acima, ou seja, a legitimidade do casamento, assim como o alvará de nomeação. É interessante notar que esse

9 caso dialoga com as palavras de Nuno Gonçalo já que tratamos do cargo de juiz dos órfãos. Esse caso se estende pelas décadas seguintes, no documento 151, veremos o neto de Francisco Álvares Camelo, José Camelo Bezerra de Andrade requerendo os ditos cargos à coroa, de que seu pai, Francisco Álvares Camelo, foi proprietário. Podemos notar então, que as elites alagoanas se dividiam entre os nobres que ocupavam cargos administrativos, os quais requeriam suas mercês à coroa através dos documentos. E os senhores de engenho, categoria de maior status e prestígio nas conquistas ultramarinas. Essas elites possuíam características da região, que eram usadas para solicitar títulos e mercês à metrópole, como por exemplo, as guerras de palmares e os conflitos contra os Holandeses. Outras duas características eram o acumulo de cargos e o fato de alguns desses serem tratados como a uma propriedade e serem passados como herança a outras gerações. Característica fundamental da influência européia na formação da sociedade colonial, a nobreza e as elites percorreram os séculos moldando a realidade dos trópicos, construindo os grandes sobrenomes familiares, os quais sobrevivem muitos no poder até hoje.

10 Referências bibliográficas. ANDERSON, Perry. Linhagens do Estado Absolutista. 3ª ed. São Paulo: Ed. Brasiliense, 2004. CAETANO, Antonio Filipe P. Entre a Sombra e o Sol. A revolta da cachaça e a crise política fluminense (Rio de Janeiro, 1640-1667). Maceió: Ed. Gráfica, 2009. FERLINI, Vera Lucia A. A civilização do açúcar. 11ª ed, 1ª reimpressão. São Paulo: Ed Brasiliense, 1998.. Terra, Trabalho e Poder. O mundo dos engenhos no Nordeste colonial. Bauru: EDUSC, 2003. HESPANHA, António Manuel. A constituição do Império português. Revisão de alguns enviesamentos correntes. In: FRAGOSO, João; GOUVEIA, Maria de Fátima; BICALHO, Maria Fernanda (Orgs.). O antigo regime nos trópicos. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2001. LEGOFF, Jacques. As raízes medievais da Europa. 2ª ed. Petrópolis: Ed. Vozes, 2007. MATTOSO, José. A Nobreza Medieval Portuguesa. A família e o poder. 2ª ed. Lisboa: Imprensa Universitária. Editorial Estampa, 1987. MONTEIRO, Nuno Gonçalo. Os concelhos e as comunidades. IN: HESPANHA, Antonio Manoel (Coord). O antigo Regime. Vol. 4. IN MATTOSO, José (Dir). História de Portugal. Lisboa: Ed Estampa, 1992. PIERONI, Geraldo. Passagem para o purgatório. In: Revista Nossa História, Ano I, Número 4, Fevereiro, 2004. SILVA, Maria Beatriz N. da. Ser nobre na colônia. São Paulo: Ed UNESP, 2005. SOUZA, Laura de M. Política e Administração colonial: Problemas e perspectivas. IN: SOUZA, Laura de M; FURTADO, Júnia F; BICALHO, Maria Fernanda (Orgs). O Governo dos Povos. São Paulo: Alameda, 2009. Fontes documentais. Arquivo Histórico Ultramarino. Alagoas Avulsos. Documentos: 1, 2, 17, 18, 19, 92, 151, 166.