DETECÇÃO E INTERVENÇÃO PRECOCE DE PSICOPATOLOGIAS GRAVES Laura de Vilhena Abrão Paola Visani Esse estudo faz parte de um projeto de pesquisa maior que surgiu a partir de questões que os profissionais e aprimorandos do Projeto Espaço Palavra da Clínica Psicológica PUCSP 1 confrontaram na prática clínica junto ao autismo e psicoses em crianças e adultos. Inspirados pelo trabalho de Marie- Christine Laznik, estes profissionais começaram a pensar a possibilidade de amenizar os efeitos das psicopatologias graves no desenvolvimento global da criança através de intervenções precoces, anteriores à sua cronificação. No percurso deste grupo, ao lado do trabalho em campo com as duplas mãe-bebe realizado, a equipe sentiu necessidade de encontrar informações consistentes acerca dos descaminhos que atrasavam a identificação de crianças com autismo e psicoses, e consequentemente, o início das intervenções necessárias. Para tanto, pesquisadoras em Iniciação Científica deram início ao estudo do material registrado a este respeito, em prontuários de crianças diagnosticadas como autistas e psicóticas em quatro tradicionais Centros de Atenção Psicossociais infantis, localizados no município de São Paulo. Antes do inicio deste trabalho em campo, foi realizado um estudo bibliográfico, através do qual, identificou-se que existem poucas pesquisas epidemiológicas no que diz respeito a saúde mental infantil. Este dado evidencia que esta área é pouco conhecida e investigada, porém Paula (2005) aponta mudança nesse panorama, através da constatação do crescente número de estudos realizados sobre este tema ao longo dos últimos anos. A pesquisa realizada por Delfini et al. (2009) fez um levantamento dos estudos epidemiológicos realizados no Brasil sobre saúde mental infantil, e aponta prevalência estimada de 21% crianças e adolescentes apresentando problemas de saúde mental. Estima-se que destes, 8,5%, necessitam de tratamento imediato devido à gravidade de sua condição. Outro estudo realizado por Paula (2005) considera prevalência de 24,6%, sendo que destes, 7,3% necessitam de atendimento por serem considerados casos mais graves. Assim, os dados revelam um número significativo de crianças e adolescentes que precisam de atendimento imediato em serviços de saúde mental, evidenciando que políticas públicas acerca da prevenção, assim como da detecção e tratamento precoce devem ser pensadas a fim de atender ao que denunciam estes números. Através dos estudos bibliográficos apresentados acima, e da aproximação das pesquisadoras com a realidade dos Centros de Atenção Psicossociais infantis, foi possível perceber que os profissionais da atenção básica, principalmente os pediatras, são responsáveis pelo acompanhamento destas crianças e adolescentes desde que chegam aos serviços de saúde. As Unidades Básicas de Saúde são porta de entrada, devendo trabalhar preventivamente e encaminhar. Porém, Paula (2005), Pacheco (2009), Lauridsen-Ribeiro e Tanaka (2005) apontam que este processo não ocorre de forma adequada, especialmente em relação à detecção precoce. Especificamente, a pesquisa
realizada por Lauridsen-Ribeiro e Tanaka (2005), através de uma análise quantitativa, identificou que há uma tendência, dos pediatras de uma Unidade Básica de Saúde em desvalorizar queixas referentes à problemas de saúde mental de pais/cuidadores, não reconhecendo nelas possibilidades diagnósticas. Parte desta mesma pesquisa dedicou-se a compreender, através de entrevistas, as dificuldades dos pediatras em lidar com saúde mental de crianças. Apontou-se a falta de informação na graduação; o tempo curto de consulta como limitador da construção do vínculo médico-paciente; a variabilidade das teorias e práticas que procuram definir e limitar o campo da saúde mental como elemento que acaba por confundir os profissionais; e a linguagem psi como de difícil entendimento. Frente a estes achados, a qualidade da comunicação entre os profissionais pareceu um caminho importante a ser construído na medida em que pode favorecer o avanço do campo da saúde mental da criança. A pesquisa realizada por Pacheco (2009) revela informações que apontam na mesma direção da pesquisa de Lauridsen-Ribeiro e Tanaka (2005) e acrescenta que, muitos profissionais da saúde desconhecem acerca dos serviços disponíveis em saúde mental da criança. Também a falta de vaga nesses serviços é uma questão importante, já que se destaca o número significativo de crianças que precisam de atendimento, como mostram os estudos epidemiológicos. Esses dados vão de encontro com os achados dos estudos realizados por estas pesquisadoras em Iniciação Científica. Questões em saúde mental que se referem à criança são de natureza complexa e identificar sinais de risco para problemas de saúde mental, no caso autismo e psicoses infantis, não é tarefa fácil. Especialmente quando se fala de crianças e adolescentes, já que, como nos ensina Ajuriaguerra (1980), a infância se caracteriza como um estado de inacabamento, mobilidade e constante desenvolvimento, no qual ainda não há uma estrutura psíquica definida, de modo que as mesmas causas geram consequências diferentes, dependendo do nível de desenvolvimento de cada criança e podem acabar por produzir situações não definitivas e/ou com significados distintos daqueles que anteriormente se podia imaginar. Berlinck (2003) também reconhece a dificuldade que se coloca no reconhecimento de sinais de risco para a constituição subjetiva, e nos chama a atenção para o fato dos sintomas, ou manifestações corporais infantis apresentarem-se de maneiras muito diversas, o que impede a utilização, na infância, da fenomenologia habitualmente observável pelos médicos. Acrescese a isto, uma dificuldade que é própria do trabalho com crianças bem pequenas, as quais não podem contribuir com informações verbais. Frente à árdua tarefa que é a detecção precoce, fazem-se necessários esforços que contribuam para retirar esta prática da obscuridade. Isto porque sabemos do papel decisivo do início precoce de um tratamento na ampliação das possibilidades de desenvolvimento de uma criança. Tendo esta perspectiva como referência, podemos refletir sobre a questão do autismo. Como nos ensina Jerusalinsky (1993) o autismo caracteriza-se como uma estrutura cujo mecanismo básico é a exclusão. Laznik (2004), por sua vez, esclarece que esta psicopatologia advém da não instauração sucessiva de estruturas psíquicas fundamentais, o que pode resultar em deficiências irreversíveis para a constituição subjetiva da criança. 2
O trabalho de detecção e intervenção precoce permite melhores prognósticos, uma vez que são atingidos resultados mais satisfatórios quando intervimos frente a sinais de sofrimento psíquico, do que frente a estruturas já estabelecidas. Citando Laznik (2000), Sabemos que provavelmente há uma psicossomática" do autismo, isto é, que o não uso psíquico do aparelho neuronal vai conseguir lesálo. A hipótese, mais ou menos implícita, que sustenta esta investida em relação ao precocíssimo, é que haveriam meios de recolocar em funcionamento estruturas em vias de constituição [...] Diante desta patologia, luta-se contra o relógio. (p. 76) Dessa forma, é pressuposto básico para a efetivação de intervenções precoces, que os obstáculos até um atendimento adequado sejam minimizados. Foram realizadas pesquisas 2 com o intuito de identificar as trajetórias das famílias de crianças diagnosticadas como autistas e psicóticas em quatro Centros de Atenção Psicossociais infantis. Para tanto, foram selecionados, por funcionários das instituições parceiras, um total de 78 prontuários de crianças e adolescentes em atendimento no período de vigência destas pesquisas, de acordo com a necessidade das pesquisadoras em estudar pacientes diagnosticados com autismo e psicoses infantis. Nessas instituições, utiliza-se o critério diagnóstico Da décima revisão da Classificação Internacional das Doenças Mentais (CID- 10), de forma que os prontuários selecionados foram aqueles com diagnóstico F.84, Transtorno Global do Desenvolvimento. Essa padronização viabilizou a comparação entre os dados, uma vez que cada dispositivo realiza o diagnóstico com base em sua compreensão da CID-10. A análise dos prontuários teve como foco a trajetória realizada por estas famílias até a chegada à instituição, sendo que as informações significativas para as pesquisas foram organizadas em 13 descritores. Por fim, foi elaborada uma tabela contrastiva entre os dados obtidos dos prontuários de pacientes com Transtorno Global do Desenvolvimento. Os dados encontrados apontam que, em média, 24% do total de crianças e adolescentes atendidos em cada unidade dos CAPSis chegaram com dez anos ou mais ao serviço. Ao mesmo tempo, é possível notar que há uma concentração de pacientes encaminhados entre dois e quatro anos, evidenciando melhora neste panorama, talvez como conseqüência da difusão de conhecimentos sobre a necessidade de intervenção precoce quando se tratando de psicopatologias infantis. Identificou-se que nos casos em que há demora na chegada ao CAPSi, esta ocorre por três motivos principais: não realização da detecção precoce; demora em efetuar o devido encaminhamento; insegurança na realização de um tratamento adequado à patologia por grande parte dos profissionais e instituições de saúde. Os dados apontam que a maioria dos pais percebe sinais que os preocupam em relação ao desenvolvimento de seus filhos, entre as idades de um e dois anos, sendo que em alguns casos, estes chegam a identificar sinais precoces em crianças menores de um ano. As informações obtidas vão de 3
encontro com a pesquisa realizada por Lauridsen-Ribeiro e Tanaka (2005), a qual evidencia que quando há queixas dos pais, sobre comportamentos dos filhos, existe maior probabilidade para problemas de saúde mental. A passagem por diversos profissionais e instituições de saúde revela-se como uma constante dentre os prontuários estudados, existindo registros de pacientes que consultaram cinco profissionais/instituições até ser realizado um diagnóstico formal. Acresce-se a isso, o fato de que na maioria dos casos o tempo entre a percepção dos pais e o diagnóstico formal variou entre um e dois anos, sendo que em alguns casos esse intervalo chegou a seis anos ou mais. Estes dados elucidam uma demora dos profissionais em diagnosticar essas crianças e, consequentemente, em iniciar um tratamento adequado. Diante do panorama apresentado, a falta de vagas em serviços de saúde mental da criança nos faz refletir sobre o investimento em programas de capacitação para detecção precoce de psicopatologias graves na infância: qual seria o interesse em investir na detecção precoce se não há vagas nem para aqueles que precisam de atendimento porque apresentam o quadro psicopatológico cronificado? Por fim, consideramos que a maior contribuição das pesquisas realizadas consiste no apontamento de ações futuras com o objetivo de viabilizar a detecção precoce. Identificamos de fundamental importância investir na produção de estudos sobre a saúde mental infantil; informar sobre a necessidade de valorizar as suspeitas dos pais/cuidadores nas consultas, de modo que estas possam auxiliar os profissionais da saúde em seu diagnóstico; trabalhar junto as instituições e profissionais de saúde mais procurados, principalmente os pediatras, no intuito de garantir que as intervenções necessárias frente as psicopatologias graves sejam realizadas o mais rápido possível; criar um espaço de diálogo entre instituições/profissionais da saúde e serviços especializados, como os Centros de Atenção Psicossociais infantis, concedendo-lhes a autonomia necessária para lidar com a demanda de encaminhamento em saúde mental da criança; e por fim difundir conhecimentos a respeito dos sinais de detecção precoce. Notas 1 Este oferece serviço psicológico para crianças e adolescentes com organizações subjetivas peculiares como o autismo e a psicose. 2 Abrao, Laura de Vilhena. Detecção e Intervenção Precoce em Psicopatologias Graves. São Paulo, 2009. 74 p. Iniciação Científica modalidade PIBIC- CNPq. Faculdade de Psicologia, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Abrao, Laura de Vilhena. Detecção e Intervenção Precoce em Psicopatologias Graves II. São Paulo, 2010. 67p. Iniciação Científica modalidade PIBIC- CNPq. Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde Curso de Psicologia, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. VisaniI, Paola. Captação de bebês de risco Detecção Precoce de Psicopatologias Graves. São Paulo, 2009. Iniciação Científica modalidade CEPE-PIBIC. Faculdade de Psicologia, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Referências bibliográficas Abrao, Laura de Vilhena. Detecção e Intervenção Precoce em Psicopatologias Graves. São Paulo, 2009. 74 p. Iniciação Científica modalidade PIBIC- CNPq. Faculdade de Psicologia, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 4
Abrao, Laura de Vilhena. Detecção e Intervenção Precoce em Psicopatologias Graves II. São Paulo, 2010. 67p. Iniciação Científica modalidade PIBIC- CNPq. Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde Curso de Psicologia, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Ajuriaguerra, Julian de. Problemas gerais de desorganização psicobiológica na criança. In:. Trad Paulo Cesar Geraldes, Sonia Regina Pacheco Alves. Manual de psiquiatria infantil. Rio de Janeiro : Masson do Brasil, 1980. p. 133-152. Berlinck, Manoel Tosta, Editorial. Pesquisa multicêntrica de indicadores clínicos para a detecção precoce de riscos no desenvolvimento infantil. São Paulo. Rev. latinoam. psicopatol. fundam. v.2, p. 7-25. CID-10/ Organização Mundial da Saúde; tradução Centro Colaborador da OMS para a Classificação de Doenças em Português. 9. ed. rev. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2003. Delfini PSS et al. Perfil dos usuários de um centro de atenção psicossocial infantojuvenil da grande São Paulo, Brasil. Rev. Bras Crescimento Desenvolv Hum. 2009;19(2): 226-236. Jerusalinsky, Alfredo. Psicose e autismo na infância: uma questão de linguagem. In: Boletim Psicose Número 9 ano IV. Porto Alegre. Associação Psicanalítica de Porto Alegre. Nov 1993. p. 62 73. Lauridsen-Ribeiro, Edith; Tanaka, Oswaldo Yoshimi. Problemas de saúde mental das crianças abordagem na atenção básica. São Paulo: Annablume, 2005. Laznik, Marie-Chisrtine. A voz da sereia: o autismo e os impasses da constituição do sujeito. Salvador: Ágalma, 2004. Laznik, Marie-Chisrtine. Poderia a teoria lacaniana da pulsão fazer avançar a pesquisa sobre o autismo?. Psicanálise e clínica de bebês, n. 4, p. 76-90, 2000. Pacheco, Rodrigo P. Os itinerários terapêuticos de usuários de Centros de Atenção Psicossocial para crianças e adolescentes (CAPS-i) do município de São Paulo. São Paulo, 2009. 173p. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) - Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Paula, Cristiane Silvestre de. Prevalência de problemas de Saúde Mental em crianças e adolescentes da periferia de São Paulo e implicações para a saúde pública local. Tese apresentada à Universidade Federal de São Paulo Escola Paulista de Medicina para a obtenção do título de Doutor em Ciências. São Paulo, 2005. 5
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