LEITURA NA EJA: CONDIÇÃO ESSENCIAL PARA A PARTICIPAÇÃO SOCIAL 1



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Transcrição:

LEITURA NA EJA: CONDIÇÃO ESSENCIAL PARA A PARTICIPAÇÃO SOCIAL 1 Magda Marin Felipetto 2 Ana Lúcia Buogo 3 Resumo Este artigo tem como objetivo analisar as práticas de leitura em EJA propostas nos livros didáticos distribuídos gratuitamente pelo MEC. A leitura ainda é a melhor maneira de formar cidadãos críticos e ativos na sociedade. É apropriando-se da leitura que os educandos jovens e adultos poderão entender e interagir com a sociedade e o mundo que os cerca. Para que essa interação ocorra, a intervenção, o conhecimento e a participação do educador são fundamentais, desde a escolha dos textos e dos livros a serem trabalhados até a maneira de trabalhar em sala em aula. Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos. Atividades de leitura. Análise didática. INTRODUÇÃO Um dos grandes desafios do processo de ensino-aprendizagem é ler criticamente o mundo em que vivemos. Sabemos que formar um cidadão crítico é o objetivo de toda escola que se preocupa com a sociedade na qual está inserida. Para que isso aconteça é preciso, entre outros fatores, uma prática pedagógica voltada à leitura que contemple os mais variados tipos de gêneros textuais, sendo trabalhado pelas diversas áreas do conhecimento. Em relação ao problema deste artigo com relação às práticas pedagógicas em EJA, percebe-se a ausência de uma política interna de formação de leitores. Acredita-se que, independente da modalidade de ensino, a leitura deve ter um papel importante na prática de sala de aula e em todas as áreas do conhecimento. Além disso, o acesso aos diversos gêneros textuais deve ser garantido e incentivado 1 Artigo criado a partir de um projeto de pesquisa realizado como trabalho de conclusão do Curso de Especialização em Jovens e Adultos Projeto Ler e Escrever o Mundo: A EJA no contexto da educação contemporânea na Universidade de Caxias do Sul sob a orientação da professora Ms. Ana Lúcia Buogo. 2 Pós-graduanda do curso de Especialização em EJA da Universidade de Caxias do Sul, Educação de Jovens e Adultos - "Ler e escrever o mundo: a EJA no contexto da educação contemporânea", graduada em Licenciatura Plena em Letras Português e Literaturas da Língua Portuguesa pela Universidade Federal de Santa Maria UFSM. Atualmente é professora de Língua Portuguesa em uma escola da Rede Municipal de Caxias do Sul. 3Graduada em Licenciatura Plena Em Letras Português e Inglês pela Universidade de Caxias do Sul (1983). Possui Especialização em Ensino e Pesquisa pela Universidade de Caxias do Sul, Aperfeiçoamento em Formação para Educação a Distância pela Universidade de Caxias do Sul e Mestrado em Educação pela Universidade de Caxias do Sul (2012). Atualmente é professora da Universidade de Caxias do Sul, atuando principalmente nos seguintes temas: educação a distância, produção de textos, ensino superior, orientação acadêmica e leitura, ensino de língua portuguesa.

constantemente. Porém, deve-se cuidar para que não haja uma homogeneidade entre os sujeitos. A literatura se dirige, de maneira geral, a crianças, adolescentes e jovens, porém na prática escolar essas marcas se apagam, restando apenas o aluno. Ou seja, não há o respeito à riqueza das experiências que cada um vivencia e ressignifica, mediadas pelos textos literários. Quando falamos em Educação de Jovens e Adultos, estamos falando de uma educação voltada a sujeitos que chegam à sala de aula trazendo consigo vivências e experiências que não podem ser ignoradas, apesar dos insucessos escolares. De forma que não se pode trabalhar com esse público da mesma forma que se trabalha com educandos do ensino regular que estão em idade escolar adequada, inclusive tomando cuidado para que não haja uma infantilização dos textos oferecidos ao público da EJA. Podemos elencar algumas hipóteses acerca da prática da leitura em EJA que, em suas múltiplas manifestações, é determinante para o valor social e a autoestima do indivíduo. Somente com ações que contribuam para o hábito de leitura será possível formar um sujeito crítico em seus questionamentos e responsabilidades sociais. Para isso, são necessárias estratégias diferenciadas do ensino regular, considerando a bagagem e a realidade do aluno de EJA. Além disso, sob certas condições, a leitura pode se tornar uma relação politizada. Leitura e cidadania podem ser pensadas de forma conjunta e inseparável, já que ambas são processos culturais e práticas sociais que criam um sentimento de pertencimento e identidade. Dessa forma, este artigo propõe-se a analisar os livros didáticos de EJA da Coleção Viver, aprender, distribuídos gratuitamente pelo Ministério da Educação às escolas municipais de Caxias do Sul que possuem a modalidade EJA. Levar-se-ão em consideração as estratégias/alternativas de práticas pedagógicas de Educação de Jovens e Adultos que contribuam para o desenvolvimento do hábito da leitura dos alunos, já que essa é condicionante da qualificação de participação social. Formar leitores é uma das condições básicas para a participação social e para a capacitação crítica do sujeito. Dessa forma, estratégias e práticas de leituras devem ter um papel importante na práxis pedagógica de todas as áreas do conhecimento. 2

1 Caracterização da EJA Ao realizar um resgate histórico da Educação de Jovens e Adultos (EJA) em Caxias do Sul, não sendo diferente da realidade de diversas experiências nesta modalidade de ensino, percebe-se que o público que buscava e frequentava as aulas de EJA era, em sua maioria, adulto. Classificados como alunos-trabalhadores que, em detrimento da necessidade de inserção e permanência no mercado de trabalho, estavam sendo cobrados, por este mesmo mercado, para que completassem o ensino fundamental, a fim de terem a possibilidade de permanência em seu emprego, já que as empresas buscavam alcançar patamares de excelência (ISO) e, para isso, seus funcionários teriam que, necessariamente, concluir seus estudos. Eram reconhecidas e valorizadas suas atitudes e esforços diários para permanecer no curso. Os professores tinham consciência que este público merecia uma atenção e dedicação especial diante de seus esforços, de seu cansaço após uma jornada de trabalho exaustiva nas empresas. Em contraposição, havia uma pequena parcela de jovens nas turmas que eram estrategicamente espalhados numericamente nas turmas a fim de dinamizar, incentivar e ajudar o público adulto mais velho já que estava há muito tempo fora da escola. Os alunos adolescentes que frequentavam a EJA eram provenientes do ensino regular diurno. Seu ingresso na EJA era justificado por diversas situações, como fracasso/repetência, evasão dos bancos escolares, transferências decorrentes de situações de indisciplina, resultando numa defasagem idade-série. Essa mudança para a modalidade de ensino EJA era encarada por alguns educadores do ensino regular como se fosse a solução para a mudança comportamental desses alunos. Entretanto, havia, por parte da maioria destes jovens, certa desmotivação, desencantamento com a escola regular, como também casos específicos de alunos que buscavam, através de sua transferência para o noturno, uma reinserção escolar, uma possibilidade de ingresso no mercado de trabalho. 3

Desde o início dos anos 2000, o perfil dos alunos que frequenta a modalidade de ensino da EJA vem se modificando. Marcado, principalmente na última década, por um forte processo de rejuvenilização, o público da EJA traz novos desafios para que se efetive plenamente o atendimento das suas expectativas e necessidades, e consequentemente uma modificação do cotidiano escolar e as relações que se estabelecem entre os sujeitos que ocupam este espaço. Percebe-se que muitos jovens encontram-se no mercado informal no auxílio econômico familiar, outros nem fazem parte deste universo, sequer participando de programas de menoresaprendizes. Desafios estes que vem progressivamente ocupando a atenção de educadores e pesquisadores nessa área de educação, buscando novos olhares e possibilidades de preparo dos professores para trabalhar com essa nova condição juvenil, esse novo sujeito da educação de jovens e adultos. 2 Leitura e EJA Considerando que nosso público leitor é o sujeito de EJA, deve-se levar em conta a experiência que esse sujeito traz consigo e a realidade a qual ele está inserido. Sobre isso, Ezequiel Theodoro da Silva (2008, pág. 25) diz: Afinal, cabe-nos perguntar sobre as razões primeiras que devem orientar a produção de leitores por meio da escola para a sociedade brasileira de hoje. Sem uma leitura crítica das contradições geradoras da pobreza, miséria, injustiça, violência social etc., acreditamos que o planejamento de qualquer programa ou unidade de leitura, pelo professor ou pelo coletivo da escola, estará fadado ao fracasso, mesmo porque, no processo, serão deixadas de fora importantes dimensões que fazem a ponte entre ensino e vida, escola e cidadania. A escola ainda é um forte elo entre sujeito e sociedade. Um dos motivos que leva o sujeito de EJA a buscar ou continuar seus estudos é a promessa de uma vida melhor, de um emprego digno e de ser reconhecido como cidadão. Importante ressaltar que não cabe nessa modalidade de ensino a mera reposição de conteúdos não vistos no ensino regular. É necessário planejar e executar ações pedagógicas pensando em um ensino voltado à formação de um sujeito ativo na sociedade. Trabalhar a leitura numa turma de EJA requer dedicação e certo entusiasmo. Só é possível despertar o desejo de ler se esse desejo vier de forma visível por parte do educador. Um leitor crítico só consegue ser formado por outro leitor crítico. Uma 4

leitura feita pelo professor com prazer, entonação de voz, ritmo, respeitando as pausas exigidas pela pontuação, juntadas a isso uma linguagem gestual e facial, prende a atenção de qualquer pessoa desde a educação infantil até a classe de EJA. Ler não é somente decifrar o código linguístico. Ler é apropriar-se do significado daquilo que lemos e transferir esse conhecimento ao mundo que nos cerca. Só se aprende a ler, lendo; só se aprende a gostar de ler com textos de qualidades, indicados e incentivados por quem também gosta de ler, ampliando cada vez esse universo de leitura. À medida que a distância entre educando e educador vai diminuindo, vai diminuindo também a distância entre o educando e o leitor-educando. É sempre mais fácil aprender e interessar-se pelo aprendizado quando percebemos que quem ensina é um apaixonado pelo que faz, no caso aqui, pela leitura. Além disso, há a necessidade de um ensinar significativo para o nosso educando. Ele precisa enxergar a importância daquilo que é ensinado e fazer relação com o seu saber, com o seu mundo, mas também precisa ver um mundo além daquele que ele vive, um mundo de possibilidades possíveis e desejáveis. Para Ezequiel (2000), a leitura, possibilitando a aquisição de diferentes pontos de vista e alargamento de experiências, parece ser o único meio de desenvolver a originalidade e autenticidade dos seres que aprendem. Assim, não podemos nem devemos ignorar o conhecimento de mundo e a realidade desses sujeitos, mas devemos sim motivá-los a querer saber sempre mais e mostrar que eles podem transformar a si e ao meio onde vivem. Isso mudará substancialmente ao repensarmos os atuais padrões de leitura e a responsabilidade pós-ato de ler, sua interferência no meio social, numa nova consciência leitora geradora de mudança de comportamentos e ações participativas. 3 Análise didática Os livros didáticos de EJA da Coleção Viver, aprender, distribuídos gratuitamente pelo Ministério da Educação às escolas municipais de Caxias do Sul, que serão analisados aqui neste artigo são os que fazem parte do segundo segmento do Ensino Fundamental, editado em 2009 e com vigência de 2011 a 2013. A coleção conta com 4 volumes multidisciplinares que trabalham Língua Portuguesa, 5

Língua Inglesa, Arte e Literatura, Matemática, Ciências Humanas: História e Geografia, e Ciências Naturais. O volume 1 traz como tema os Contextos de vida e trabalho ; o volume 2, Por uma vida melhor ; o volume 3, Mundo em construção ; e o volume 4, Identidades. Todos os capítulos, de todas as áreas do conhecimento, iniciam com um texto que conversa com o educando, situando-o e apresentando o assunto que será tratado naquele capítulo. Ao final de alguns capítulos, há indicações de leituras, vídeos e/ou músicas. Assim, o educando que desejar saber mais sobre algum autor ou assunto terá onde buscar informações. A Língua Portuguesa, que compõe a Unidade 1, trabalha ao longo de cada capítulo com os mais diversos tipos de gêneros textuais, integrais ou fragmentados. São poemas, contos, crônicas, reportagens, notícias, trechos de romances, até leitura de imagens, como obras consagradas e fotografias. Sempre que um autor é trabalhado, há uma pequena biografia dele acompanhando o texto. Isso acontece também com uma obra, quando é trabalhado um fragmento, sempre há a referência bibliográfica e um pequeno resumo. Trabalhar um trecho de um livro, sem entregar o final da história, é uma estratégia que instiga a curiosidade de alguns educandos a buscar a obra para descobrir seu desfecho. A Unidade 2, de Língua Inglesa, também trabalha com diversos gêneros textuais. Vale ressaltar aqui que a maioria dos textos trabalhados em Língua Inglesa é de assuntos relacionados ao Brasil. Dessa forma, fica mais fácil de os educandos sentirem afinidade e interesse nos assuntos visto que esses não fogem muito de sua realidade. São textos ora originais, de sites e jornais de língua inglesa, ora adaptados e traduzidos didaticamente para trabalhar em sala de aula. Os assuntos são diversos que vão do futebol à política, passando por assuntos relacionados a lazer e curiosidades. Arte e Literatura compõem a Unidade 3. Aqui os educandos entram em contato com manifestações artísticas e culturais trabalhadas através da leitura de obras-primas da arte e da literatura. Cotidiano, valores e sentimentos também ganham destaque nesta unidade, já que é deles que sai boa parte das obras a serem estudadas. Da apresentação das obras à comparação e relação com o mundo em que vivemos: assim é abordada a leitura de mundo nesta unidade, 6

porque ler também é estabelecer relações entre o ontem e o hoje, para entendermos o contexto em que estamos inseridos. A Matemática, Unidade 4, também é densa em leitura. Para trabalhar seus conceitos, parte de situações-problemas do dia-a-dia dos educandos, de forma a levá-los a compreender a importância da matemática nas suas práticas diárias. Traz atividades com aplicações práticas, trabalha com situações adversas advindas de profissões e ocupações coerentes com a realidade de seus educandos, como motoboy e pedreiro. Há também muita leitura de gráficos, planilhas e orçamentos domésticos. As Ciências Humanas fazem parte da Unidade 5. Aqui a história do Brasil é abordada de forma concomitante, o passado e o presente, as ações e suas consequências. Não há somente uma preocupação com conteúdos, mas sim de fazer com que os alunos compreendam a história e pensem a respeito do reflexo das ações ocorridas no passado e suas implicações no presente. Há também muita leitura de gráficos e do mapa brasileiro, com abordagens sobre clima, vegetação, população, movimentos sociais e culturais, entre outras. Por fim, temos a Unidade 6, das Ciências Naturais. Essa unidade está muito voltada às situações práticas do dia-a-dia, como alimentação, higiene, sexualidade, doenças, drogas, saneamento, cuidados com meio ambiente. Porém cada vez que um tema desses é abordado é feita alguma relação com conceitos das ciências naturais, como cadeia alimentar, funcionamento do organismo humano, ciclo da água e outros conceitos afins. Há muita leitura de imagens e tabelas, bem como algumas sugestões de experimentos para melhor entender alguns conceitos e seus funcionamentos. CONSIDERAÇÕES FINAIS De uma maneira geral, os quatro volumes trazem uma variedade muito grande de textos que vão desde os mais teóricos e explicativos, até textos mais literários, incluindo tanto clássicos como contemporâneos. Trabalham também com uma variedade considerável de gêneros textuais como poemas, reportagens, notícias, crônicas, contos, narrativas. Percebe-se neles uma preocupação em abordar conhecimentos e assuntos relacionados à vida social, ao respeito à 7

diversidade e à dignidade humana, entre outros que fazem parte do dia-a-dia do público de EJA. Do ponto de vista da leitura, o material é muito bom. A leitura, em todas as suas formas, é uma preocupação de todas as áreas do conhecimento. Além dos textos escritos em diversos gêneros, os quatro volumes trazem muitos mapas, tabelas, imagens e gráficos que fazem com que a leitura perpasse a palavra. Acredito que este material juntamente com a mediação dos educadores de todas as áreas tem muito a oferecer para os educandos jovens e adultos. Somente com diversas atividades de leitura que formaremos cidadãos críticos e cientes de seu papel na sociedade em que estão inseridos. REFERÊNCIAS BERENBLUM, Andréa; PAIVA, Jane. Por uma política de formação de leitores. 2.ed. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria da Educação, 2009. BRAGA, Regina Maria; SILVESTRE, Maria de Fátima. Construindo o leitor competente: Atividades de leitura interativa para a sala de aula. 2.ed. São Paulo: Peirópolis, 2002. CARBONARA, Vanderlei. A pesquisa na vida universitária. In: BUOGO, Ana L. CHIAPINOTTO, Diego. CARBONARA, Vanderlei (Orgs.). O Desafio de Aprender: ultrapassando horizontes. Caxias do Sul: Educs, 2006. FARENZENA, Rosana Coronetti (Org.). Educação de jovens e adultos: movimento político-pedagógico. Passo Fundo: UPF, 2004. FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 43.ed. São Paulo: Cortez, 2002.. Pedagogia do oprimido. 33.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra Ltda, 2002. LOCH, Jussara Margareth de Paula. et. al. EJA: planejamento, metodologias e avaliação. Porto Alegre: Mediação, 2009. 8

MAIA, Joseane. Literatura na formação de leitores e professores. São Paulo: Paulinas, 2007. SILVA, Ezequiel Theodoro da. Leitura em curso trilogia pedagógica. 2.ed. Campinas: Autores Associados, 2008.. O ato de ler: fundamentos psicológicos para uma nova pedagogia da leitura. 8.ed. São Paulo: Cortez, 2000.. Unidades de leitura trilogia pedagógica. Campinas: Autores Associados, 2003. SOUZA, Renata Junqueira de (Org.). Caminhos para a formação do leitor. São Paulo: DCL, 2004. STECANELA, Nilda. A organização do ensino e seus elementos constitutivos. In: STECANELA, Nilda; MORÉ, Marisa Mathilde; ERBS, Rita Tatiana. Fundamentos da Práxis Pedagógica. v.2: Pedagogia. Caxias do Sul: EDUCS, 2006. (p.161-180). VASCONCELLOS, Celso dos Santos. Construção do conhecimento em sala de aula. 3.ed. São Paulo: Libertad, 1995. 9