Ação direta de inconstitucionalidade. Medida cautelar. 2. Lei nº 11.446, de 10.7.1997, do Estado de Pernambuco, que dispõe sobre o cumprimento de normas obrigacionais, no atendimento médico-hospitalar dos usuários por pessoas físicas ou jurídicas ao praticarem a prestação onerosa de serviços. 3. Relevância dos fundamentos jurídicos da ação, notadamente, no que concerne à incompetência do Estado-membro, diante das regras dos arts. 22, I e VII, e 192, II, bem assim em face do disposto nos arts. 170 e 5º, XXXVI, todos da Constituição Federal. 4. Periculum in mora caracterizado. 5. Precedente do Plenário na ADIN nº 1.595-8, medida cautelar, em que impugnada a Lei nº 9.495, de 4.3.1997, do Estado de São Paulo. 6. Medida cautelar deferida, suspendendo-se, ex nunc e até o julgamento final da ação, a vigência da Lei nº 11.446, de 10.7.1997, do Estado de Pernambuco. ( STF - ADIN 1.646-6.PE/2001 Rel. Min. Néri da Silveira). AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 1.646-6 - PE Tribunal Pleno (DJ, 04.05.2001) Relator: O Sr. Ministro Néri da Silveira Requerente: Confederação Nacional do Comércio Advogados: Gustavo Miguez de Mello e outros Requeridos: Governador do Estado de Pernambuco e Assembléia Legislativa do Estado de Pernambuco EMENTA: - Ação direta de inconstitucionalidade. Medida cautelar. 2. Lei nº 11.446, de 10.7.1997, do Estado de Pernambuco, que dispõe sobre o cumprimento de normas obrigacionais, no atendimento médico-hospitalar dos usuários por pessoas físicas ou jurídicas ao praticarem a prestação onerosa de serviços. 3. Relevância dos fundamentos jurídicos da ação, notadamente, no que concerne à incompetência do Estado-membro, diante das regras dos arts. 22, I e VII, e 192, II, bem assim em face do disposto nos arts. 170 e 5º, XXXVI, todos da Constituição Federal. 4. Periculum in mora caracterizado. 5. Precedente do Plenário na ADIN nº 1.595-8, medida cautelar, em que impugnada a Lei nº 9.495, de 4.3.1997, do Estado de São Paulo. 6. Medida cautelar deferida, suspendendo-se, ex nunc e até o julgamento final da ação, a vigência da Lei nº 11.446, de 10.7.1997, do Estado de Pernambuco. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal em Sessão Plenária, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por votação majoritária, deferir o pedido de medida cautelar para suspender, com eficácia ex nunc, até final julgamento desta ação direta, a execução e aplicabilidade da Lei nº 11.446, de 10.07.97, do Estado de Pernambuco.
Brasília, 07 de agosto de 1997. CELSO DE MELLO, Presidente - NÉRI DA SILVEIRA, Relator. RELATÓRIO O SENHOR MINISTRO NÉRI DA SILVEIRA (Relator): - A Confederação Nacional do Comércio ajuizou ação direta de inconstitucionalidade da Lei nº 11.446, de 10.7.1997, do Estado de Pernambuco, que dispõe sobre o cumprimento de normas obrigacionais no atendimento médico-hospitalar dos usuários por pessoas físicas ou jurídicas que pratiquem a prestação de serviços onerosa, e determina providências pertinentes. Rezam os arts. 1º a 9º da Lei nº 11.446, de 10.7.1997, do Estado de Pernambuco: Art. 1º - As empresas estabelecidas no Estado, que exerçam, direta ou indiretamente, atividade de prestação de serviços médico-hospitalares são obrigadas a atender e a prestar assistência aos seus usuários sem quaisquer restrições a enfermidades mencionadas no Código Internacional de Doenças, editado pela Organização Mundial de Saúde, imposta em contrato. Art. 2º - As disposições desta Lei se aplicam às empresas exploradoras do seguro-saúde, empresas de medicina de grupo, cooperativas de trabalho médico ou outras similares que atuem na prestação de assistência médicohospitalar, de forma direta ou indireta. Art. 3º - Serão ressarcidos, pelas operadoras de planos e seguros privados de assistência à saúde, os serviços de atendimento à saúde prestados a seus beneficiários ou segurados, em instituições públicas ou privadas, integrantes do Sistema Único de Saúde, nos limites do contrato entre as partes, nos valores praticados pelo plano ou seguro, e na forma do regulamento estabelecido pelo Ministério da Saúde. Art. 4º - A Secretaria de Saúde do Estado estabelecerá normas visando ao controle da atividade das empresas de que trata esta Lei. Parágrafo único - No estabelecimento das normas fiscalizadoras constará a aplicação de sanções graduais para o caso de infrações, com multas até limite de 17.000 (dezessete mil) UFIRs e cassação da licença para o exercício da atividade no Estado. Art. 5º - A infração a esta Lei praticada por médico ou exercente de profissão regulamentada, mediante ação ou omissão, obrigará à Secretaria de Saúde a informar ao respectivo Conselho Regional para a apuração de possível infração ético-profissional.
Art. 6º - O Poder Executivo regulamentará a presente lei no prazo de trinta (30) dias fazendo constar o estabelecimento de normas, que facultem ao cidadão, mediante denúncia, e as entidades interessadas, a participação nos processos administrativos que instaurar. Art. 7º - Ficam sujeitas às sanções previstas no Parágrafo único do artigo 4º, aquelas empresas que vierem a reajustar abusivamente os valores cobrados aos seus usuários. Art. 8º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Art. 9º - Revogam-se as disposições em contrário. Na inicial, invoca-se decisão do Plenário na ADIN 1.595-8, a 14.5.1997, no julgamento de medida cautelar, relator o ilustre Ministro Nelson Jobim, em que, por maioria de votos, o Plenário suspendeu a vigência da Lei nº 9.495, de 4.3.1997, do Estado de São Paulo, versando matéria semelhante, sendo autora a ora requerente. Alega-se que o Estado é incompetente para legislar sobre política de seguros, sobre seguros que constitui matéria de direito civil (Código Civil, arts. 1.432 a 1.476) e Direito Comercial (Código Comercial, artigos 184, 651, 666 a 730), sustentando-se, com base no art. 22, I e VII, que compete privativamente à União legislar sobre direito civil e a política de crédito, de câmbio, seguros e transferência de valores. Depois de referir o art. 153 e inciso V, da Lei Maior, a inicial acrescenta (fls. 15): Tal é a relevância da finalidade visada de assegurar por meio da Legislação de competência privativa da União Federal um mercado de seguros de amplitude nacional com Legislação uniforme que o Legislador Maior chegou mesmo ao ponto de eliminar a interferência indireta que os Estados e Municípios poderiam fazer na regulação federal da matéria por meio de incentivos e desincentivos tributários. A confirmar a competência privativa da União Federal, na espécie, invoca, ainda, a autora o art. 192, que prevê a edição da lei complementar federal, para dispor, dentre outros, sobre II - autorização e funcionamento dos estabelecimentos de seguro, previdência e capitalização, bem como do órgão oficial fiscalizador e do órgão oficial ressegurador. Sustenta, ainda, que os efeitos de diploma legal atacado importam afetar relações jurídicas já iniciadas e disciplinadas contratualmente sob a égide de legislação federal vigente, emanada de ente legitimado pela Lei Maior (fls. 17). Disso decorreria ofensa ao art. 5º, XXXVI, da Constituição. Alega a autora, também, vulneração ao princípio da livre iniciativa, ut art. 170 da Carta Maior, anotando (fls. 20). Com efeito, essa iniciativa de Legislador estadual, além de impertinente, posto que fora de sua esfera de competência,
interfere diretamente com relações jurídicas reguladas pelo Direito Privado, em manifesto ato de dirigismo, que subverte o comando constitucional, uma vez que afeta e cerceia a atividade de entidades privadas, legitimamente exercida, e lhe impõe e transfere, compulsoriamente, dever jurídico que não lhe pode ser imputado. Destaca, ainda, à vista do art. 24, incisos V e XII, que a equiparação do segurado ao consumidor por força da Lei nº 8.078, de 1990, - Código de Defesa do Consumidor, exclui a competência dos Estados e do Distrito Federal, para legislar em matéria que pretenda regulamentar as relações de consumo entre os segurados e as seguradoras, mormente no que concerne às regras contratuais que regem as obrigações assumidas. Noutro passo, a inicial sustenta (fls. 26), verbis: A norma atacada, ao procurar garantir o atendimento, pelas empresas de seguro-saúde, de medicina em grupo e outras, a todas as enfermidades relacionadas no Código Internacional de Doenças da Organização Mundial de Saúde, pretende ser um meio (M1) para propiciar, supostamente, a melhor realização do direito à saúde, especialmente daqueles afetados por doenças via de regra não cobertas pelos planos de seguros e assistência médica (D1). Ocorre, no entanto, que a relação, em qualquer tipo de seguro, entre o prêmio pago pelo segurado e o benefício por ele auferido, se ocorrido o sinistro, obedece rigidamente a regras atuariais, o que faz com que, necessariamente, a um benefício maior, que envolva maior risco por parte da seguradora, deva corresponder um prêmio maior a ser pago pelo segurado. Em suma, quanto maior o benefício objetivado pelo segurado, maior deverá ser o prêmio por ele pago à seguradora. Tal regra, quaisquer que tenham sido as intenções do legislador pernambucano, é de natureza econômica, estatística, e não pode ser derrogada pelo direito. No caso ora em exame, o atendimento obrigatório, sem quaisquer restrições a enfermidades relacionadas no Código Internacional de Doenças, editado pela Organização Mundial de Saúde (artigo 1º da Lei nº 11.446/97, do Estado de Pernambuco) relativo a todas as enfermidades relacionadas no Código Internacional de Doenças da Organização Mundial de Saúde, teria de encarecer o preço do seguro em grandes proporções, dado o fato de que, na maior parte das doenças que passarão a ser necessariamente abrangidas pelo seguro, os riscos para a seguradora são imensos. Com efeito, em diversas dessas doenças, os segurados freqüentemente permanecem internados por longo tempo - mesmo anos. Com as altas despesas, custos inerentes à internação hospitalar, tornar-se-ia impraticável o seguro-saúde privado e de assistência médico-hospitalar, a não ser que fossem, em grandes proporções, aumentados os preços de todos os seguro-saúde privado e de assistência médico-hospitalar, o que, certamente, inviabilizaria as atividades deste setor da economia.
Alegando a relevância jurídica dos fundamentos alinhados e o periculum in mora, em face da vigência imediata da lei impugnada, bem assim o precedente do STF, na ADIN 1.595-8, pleiteia a autora o deferimento da cautelar, para que seja suspensa a eficácia da Lei pernambucana em causa, até o julgamento final da ação. Diante do pedido de liminar, submeto o feito ao Plenário. E o relatório. VOTO O SENHOR MINISTRO NÉRI DA SILVEIRA (Relator): - Na ADIN 1.595-8, julgando pleito de cautelar, o Plenário, a 30.5.1997, suspendeu, por maioria de votos, - vencidos o Senhor Ministro Celso de Mello e, em parte, o Senhor Ministro Carlos Velloso - a vigência da Lei nº 9.495, de 4.3.1997, do Estado de São Paulo, que dispunha sobre matéria similar, prevendo no art. 1º: Art. 1º - As empresas de seguro-saúde, empresas de Medicina de Grupo, cooperativas de trabalho médico, ou outras que atuem sob a forma de prestação direta ou intermediação dos serviços médico-hospitalares e operem no Estado de São Paulo estão obrigadas a garantir o atendimento a todas as enfermidades relacionadas no Código Internacional de Doenças da Organização Mundial de Saúde, não podendo impor restrições quantitativas ou de qualquer natureza. Art. 2º - O não cumprimento dos preceitos desta lei sujeitará as infratoras à multa de 17.000 Unidades Fiscais de Referência - UFIR para cada caso apurado, aplicando-se em dobro em caso de reincidência. Art. 3º - O Poder Executivo regulamentará a presente lei no prazo de 30 dias a contar de sua publicação. São efetivamente relevantes os fundamentos jurídicos da ação, notadamente, no que concerne à incompetência do Estado-membro, diante das regras dos arts. 22, I e VII, e 192, II; dos arts. 170 e 5º XXXVI, todos da Constituição Federal. O periculum in mora é, por igual, presente, na medida em que, entrando em vigor a Lei impugnada desde a publicação, a regra de seu art. 1º, bem assim as sanções previstas em seus arts. 4º, parágrafo único, 5º e 7º, estão na iminência de aplicação às seguradoras, ora representadas pela autora. Do exposto, defiro a liminar e suspendo a vigência da Lei nº 11.446, de 10.7.1997, do Estado de Pernambuco, ex nunc e até o julgamento final da presente ação. VOTO
MEDIDA LIMINAR O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO: - Senhor Presidente, o nobre Ministro-Relator ressaltou os precedentes da Corte sobre a matéria e, quando das discussões travadas, somei o meu voto aos daqueles que suspendiam a eficácia do preceito, porque implicava dispor, alfim, sobre Direito Civil, quanto a obrigações, considerados os contratos firmados para assistência médicohospitalar. Por isso acompanho S. Exa., suspendendo a eficácia da Lei em análise. É o meu voto. VOTO O SR. MINISTRO CARLOS VELLOSO: - Sr. Presidente, na ADIn 1.595-SP, fiquei vencido, em parte, porque sustentei que os tratamentos já iniciados não deveriam ser paralisados com a concessão da medida cautelar de suspensão da lei paulista. O voto de V. Exa., Sr. Presidente Celso de Mello, foi mais longe, porque indeferia, tout à fait, a cautelar. Meditei sobre o tema e vou sufragar o entendimento que V. Exa. sustentou no julgamento da cautelar pedida na referida ADIn 1.595-SP. Penso que não é caso de se deferir a liminar. E que são inúmeros os pacientes que estão sob tratamento médico e que podem ficar ao desamparo e vir a falecer. A Constituição vigente, a Carta de 1988, estabelece fundamentar-se o Estado na dignidade da pessoa humana (C.F., art. 1º, III) e deixa expresso, ademais, que constitui objetivo fundamental da República Federativa do Brasil promover o bem de todos (art. 3º, IV). E mais, a Constituição, expressamente, garante o direito à vida (art. 5º, caput). O direito à vida, aliás, constitui tête de chapitre dos direitos fundamentais que a Constituição consagra (art. 5º, caput). Diante disso, não é possível que a questão seja examinada, nesta oportunidade, apenas tendo em vista os seus aspectos civilísticos, puramente privatísticos, no sentido de que se teria, no caso, uma questão contratual, puramente. Estamos diante, Sr. Presidente, de questão que diz respeito ao direito à vida. No julgamento de mérito, certamente que tais questões serão postas. Agora, examinamos, apenas, a relevância do fundamento da ação. Penso que não há nada mais relevante do que os direitos acima mencionados, consagrados, expressamente, na Constituição. Após o julgamento do pedido da cautelar havido na ADIn 1.595-SP, em que fiquei vencido, recebi inúmeras cartas de associações que se dedicam à proteção de seres humanos acometidos de AIDS, informando que muitos
destes ficaram ao desamparo com a concessão da liminar naquela ação. Muitos vão morrer sem assistência médico-hospitalar. Isto, Sr. Presidente, sensibilizou-me, sobremaneira. E me fez entristecido, sobretudo porque os princípios maiores inscritos na Constituição, há pouco mencionados, restam relegados a segundo plano. Sr. Presidente, com a vênia do nobre Ministro Relator e dos eminentes Ministros que o acompanharam, indefiro a cautelar. É como voto. EXTRATO DE ATA ADIn (ML) n. 1.646-6 - PE - Relator: Min. Néri da Silveira. Reqte.: Confederação Nacional do Comércio. Advdos.: Gustavo Miguez de Mello e outros. Reqdos.: Governador do Estado de Pernambuco e Assembléia Legislativa do Estado de Pernambuco. Decisão: O Tribunal, por votação majoritária, deferiu o pedido de medida cautelar para suspender, com eficácia ex nunc, até final julgamento desta ação direta, a execução e aplicabilidade da Lei nº 11.446, de 10.07.97, do Estado de Pernambuco, vencidos os Ministros Carlos Velloso e Presidente (Ministro Celso de Mello), que indeferiam o pedido de medida cautelar. Ausente, justificadamente, o Ministro Moreira Alves. Plenário, 07.08.97. Presidência do Senhor Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Senhores Ministros Néri da Silveira, Sydney Sanches, Octavio Gallotti, Sepúlveda Pertence, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ilmar Galvão, Maurício Corrêa e Nelson Jobim. Procurador-Geral da República, Dr. Geraldo Brindeiro. Luiz Tomimatsu, Secretário.