O papel do psicólogo pediátrico



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Transcrição:

O papel do psicólogo pediátrico MARIA TERESA ANDRÉ FONSECA (*) 1. PSICOLOGIA PEDIÁTRICA Ao surgir o actual conceito de saúde vista como um processo global foi necessário abandonar o modelo biomédico tradicional e adoptar uma abordagem multidisciplinar do sujeito doente e da própria doença (vista agora como resultado de factores biológicos, comportamentais e sociais), surgindo então o modelo picossomático e o modelo biopsicossocial. Foi neste contexto, nomeadamente dentro da Psicologia Clínica Infantil, que surge a Psicologia Pediátrica (a Sociedade de Psicologia Pediátrica Americana é criada em 1968) que se desenvolveu a partir do reconhecimento da relevância dos aspectos psicológicos para o diagnóstico e prevenção dos problemas de saúde da criança e para o tratamento da criança fisicamente doente e sua família. Os modelos teóricos de intervenção na Psicologia Pediátrica são vários, mas a base centra-se numa orientação desenvolvimentista, numa abordagem multidisciplinar e combina competência e humanismo. Assim, à falta de corpo teórico específico, a Psicologia Pediátrica define-se pelo contexto onde trabalha o psicólogo serviços de saúde infantil não-psiquiátricos (centros de saúde infantil, hospitais pediátricos, serviços (*) Finalista de Psicologia Clínica, Instituto Superior de Psicologia Aplicada, Lisboa. de pediatria, centros de saúde materno-infantil, centros de reabilitação, equipas de saúde escolar, etc.) e pela faixa etária da população que assiste (até aos 18 anos). 2. O PAPEL DO PSICÓLOGO PEDIÁTRICO Os objectivos da intervenção psicológica num contexto pediátrico varia consoante a formação científica de cada psicólogo, mas o seu papel vai depender sobretudo da estrutura e expectativas da instituição em que trabalha, das características do serviço em que se insere (patologias específicas) e das características da população de utentes, mas os seus objectivos fundamentais, como referem Viana e Almeida (1990), são os de colaborar na implementação de programas de prevenção e promoção da saúde utilizando uma abordagem comportamental, a compreeensão dos problemas psicológicos e de saúde da criança numa perspectiva desenvolvimentista, planear intervenções em crianças de risco, colaborar no tratamento, recuperação e apoio à criança doente e à sua família e, finalmente, participar na investigação aplicada dos factores psicossociais associados à saúde e à doença. Vemos, assim, que o objectivo do psicólogo pediátrico não consiste em intervir exclusivamente na criança doente e família, mas também na criança saudável em risco e, não se restringe (como iremos ver) a uma acção de avaliação e diagnóstico, mas cada vez 177

mais o seu objectivo centra-se no campo da prevenção (modificação dos comportamentos e/ou situações) e na intervenção precoce e rápida na resolução de problemas de índole psicológica ou psicossocial que surgem em contexto pediátrico, focalizando a sua acção na criança, família e equipa médica. 2.1. Níveis de intervenção do psicólogo pediátrico Na opinião de Rodriguez e Hermida (1995), cada vez mais se torna necessário o apoio de um especialista do comportamento humano no sistema geral de saúde. No actual conceito de saúde são contemplados elementos causais das doenças, factores tanto do próprio sujeito como do seu meio, e, por isso, as variáveis sociais e do meio vão tendo cada vez maior peso nos programas de saúde, ao mesmo tempo que muitas das variáveis biológicas se analisam em função do comportamento do sujeito. Assim, a intervenção do psicólogo pediátrico deverá ser exercida fundamentalmente no âmbito multidisciplinar e dirigida à criança, à familia e também aos outos técnicos de saúde e visa fundamentalmente a promoção da saúde actuando nos 3 níveis de prevenção. 2.1.1. Intervenção no 1. nível: Prevenção Primária e Promoção da Saúde Do ponto de vista preventivo, uma das tarefas do psicólogo pediátrico é transmitir à população (comunidade e não só às crianças) conhecimentos de modo a promover comportamentos saudáveis e intervir nos factores e estilos de vida que incidem nas condutas de risco (I. Rodriguez, & J. Hermida, 1995) hábitos alimentares, cuidados físicos de higiene, exercício físico, medidas de segurança nos transportes e em casa, prevenção do alcoolismo, tabagismo e toxicodependência nos jovens, etc. para a conservação da saúde e prevenção da doença. Para Roberts (1993), a prevenção/promoção junto da criança tem 2 objectivos: melhorar o seu bem-estar enquanto criança e melhorar o seu futuro estatuto de saúde enquanto adulto. As acções de prevenção vão, então, basear-se na avaliação e intervenção precoce em crianças de risco para o desenvolvimento cognitivo e emocional (crianças com problemas de desenvolvimento, crianças de famílias desfavorecidas,...), através da identificação dos factores físicos, comportamentais e do meio que podem levar ao aparecimento de doenças ou problemas psicológicos, favorecendo um desenvolvimento familiar saudável e minimizando desarmonias emocionais graves. Mas, como referem Viana e Almeida (1987), dado que os problemas de saúde infantil são indissociáveis das atitudes e comportamentos dos pais, é necessário que as acções de prevenção se façam também junto dos pais de forma a tornar mais eficaz qualquer intervenção com os filhos, procurando utilizá-los como agentes de modificacão do comportamento dos filhos em relação à saúde. Assim, é necessàrio proporcionar-lhes acções pedagógicas (educação parental e treino de competências) com o objectivo de desenvolver neles padrões apropriados para um clima adequado a um bom desenvolvimento cognitivo, afectivo e social (L. Wright, 1993), prevenindo a saúde mental ou ensinando-os a lidar com os efeitos de determinada doença física no desenvolvimento do filho. A prevenção também se deve voltar para os técnicos de saúde para lhes transmitir as noções de desenvolvimento psicológico normal e de adaptação psicossocial à doença física e seus efeitos no funcionamento da criança e da família, sensibilizando-os para a importância da relação e comunicação com a criança doente e com os pais, implementando, se necessário, modificação de atitudes (formação) (A. Pires, & A. Pires, 1995). 2.1.2. Intervenção nos 2. e 3. níveis: Abordagem da criança doente e Reabilitação Para que a abordagem da criança doente seja eficaz tem de ser realizada globalmente e, existindo uma relação estreita entre factores comportamentais e saúde, é necessário a inclusão do psicólogo nas equipas interdisciplinares por este ser um elemento-chave no tratamento e reabilitação dos problemas quando estes já existem. A intervenção no 2. nível tem a ver com a actuação sobre os indivíduos em que já existem factores de risco. A interdisciplinaridade vai permitir à equipa intervir em várias frentes de forma a que os tratamentos médicos se comple- 178

mentem com os psicológicos, potenciando os seus efeitos. Um dos objectivos fundamentais do psicólogo pediátrico, neste nível, é intervir sobre comportamentos que propiciam os factores de risco (I. Rodriguez, & J. Hermida, 1995). Num 3. nível, o objectivo é ultrapassar, no possível, os efeitos dos transtornos de determinada doença, evitando as possíveis recaídas e efeitos secundários não desejados. Uma parte importante do trabalho do psicólogo nestas equipas multidisciplinares é a de trocar informações e colaborar estreitamente com os pediatras de modo a «ajudá-los a tolerar a espera e a entrar num tempo psicológico muito diferente do timing pediátrico habitual» (G. Mesibov, 1991), ser um facilitador da comunicação entre os diversos protagonistas, isto é, ajudar as equipas a comunicar com a família e a desenvolver um contrato entre eles de modo a clarificar expectativas futuras. Para Olson et al. (1994) o psicólogo pediátrico tem, portanto, um papel importante no seio da equipa na identificação e intervenção precoce de potenciais problemas de desenvolvimento e de comportamento nas crianças doentes. A sua acção faz-se tanto ao nível do internamento como no ambulatório e centra-se nas áreas de consultadoria, consultas directas (avaliação, consultas de subespecialidades) e apoio à criança doente e sua família. Consultadoria: é uma consulta psicológica indirecta em que o psicólogo não trabalha directamente com a criança mas com o pediatra ou outro técnico, fornecendo a este informações acerca de aspectos psicológicos específicos do paciente ou da sua doença. As informações do psicólogo vão servir para identificar/clarificar problemas (aspectos psicossociais da doença) e considerar opções para a resolução do problema. Huszti e Walker (1991) chamam, no entanto, a atenção para o facto de este tipo de consulta poder não ter sucesso se a informação dada pelo pediatra acerca do paciente estiver incompleta ou enviesada, sendo então necessária uma consulta directa (independente ou de subespecialidade) para uma melhor observação/avaliação da criança. Consulta independente: a pedido do pediatra, o psicólogo observa a criança e avalia alguns aspectos específicos do seu funcionamento (desenvolvimento psicomotor e cognitivo, por exemplo), faz uma análise funcional do seu comportamento de modo a chegar a um diagnóstico que irá transmitir, juntamente com algumas recomendações terapêuticas, a quem fez o pedido. Esta consulta de avaliação da criança é muitas vezes insuficiente se o problema fôr complexo, sendo então necessário mais contactos com a criança, numa perspectiva de intervenção/apoio breve. Nas consultas de subespecialidades pediátricas (consultas em colaboração), o psicólogo procura contribuir para um melhor planeamento de intervenções terapêuticas que tomem em atenção, também, os factores psicológicos e a adaptação da criança e família à nova e desestabilizante situação de doença. O apoio psicológico à crianca doente e família é feito numa perspectiva de intervenção breve e com fases distintas que têm a ver com a evolução da doença: crise emocional aquando do diagnóstico, preparação para o internamento, hospitalização e reabilitação. Numa l.ª fase, a acção do psicólogo centra-se no apoio aos pais cujo filho foi diagnosticado com doença grave ou crónica, procurando ajudálos a ultrapassar a crise emocional desencadeada pelo conhecimento do diagnóstico e a adaptarem-se à nova situação, se necessário alterando os padrões de comportamento desajustados e aumentando as suas competências em situações frustrantes. Esta intervenção precoce com os pais é muito importante porque permite consciencializá-los das implicações da sua actuação no bem-estar do filho: a criança está comportamental, cognitiva e emocionalmente dependente do seu meio familiar, pelo que a sua reacção vai também depender em grande parte (além da sua capacidade para compreender e dar significado à doença e para utilizar processos de confronto adequados) dos processos de construção de significações e de confronto utilizados pelos pais e outros adultos próximos (L. Barros, 1996). Junto da criança, a intervenção centra-se, como referem Viana e Almeida (1987), no ajustamento que deve ser feito nas explicações sobre as causas e consequências da sua patologia às características cognitivas da fase de desenvolvimento em que se encontra. Procura-se, assim, evitar o aparecimento de angústia motivada por justificações incompreensíveis e a formação de 179

concepções deturpadas sobre a origem da doença (por exemplo, doença como punição de maus comportamentos). Seguidamente, numa 2.ª fase, a intervenção volta-se para a preparação psicológica da criança e família para o internamento (e cirurgia). Após uma explicação compreensível para a criança da sua doença, o psicólogo deve tentar dotar a criança de um conjunto de atitudes apropriadas que possibilitem a implementação de estratégias de tratamento (prevenir a não-adesão aos tratamentos). Durante o internamento da criança, o objectivo é fornecer apoio à criança e aos pais de modo a prevenir ou reduzir situações de ruptura emocional, acompanhar casos de dificuldades de adaptação à doenca e prevenir problemas psicológicos e de desenvolvimento inerentes à doença, controlar a ansiedade e dor provocadas pela hospitalização ou por tratamentos invasivos. O apoio à família é importante porque esta pode ter um papel de moderador dos efeitos da doença na criança. Para Viana e Almeida (1987), também devem ser ouvidas as opiniões e atitudes desta em relação ao serviço e às condições da sua permanência e das possibilidades de comunicacão com a equipa médica. Estes aspectos são determinantes para a criação de um ambiente físico e emocional de apoio à criança no internamento que permita atenuar a angústia sentida face à separação do meio familiar, da escola e face à dor e à imobilidade causadas pela doença. Numa última fase, o papel do psicólogo será o de apoiar a criança e família na sua recuperação para a retomada do seu projecto de vida, possibilitando a prevenção dos desajustamentos psicológicos paralelos ou subsequentes à estadia/ /tratamento na unidade de saúde, criando alternativas de reorganização (apoio psicoterapeûtico individual ou familiar, envolvimento com serviços sociais, etc.) e reforçando as capacidades da criança e da família para lidarem com os vários aspectos da sua doença e com futuras adversidades. 2.2. lnvestigação As áreas de investigação da Psicologia Pediátrica são muito variadas e têm a ver com as próprias áreas de intervenção do psicólogo pediátrico. Alguns exemplos são: - estudo sobre o impacto das vivências da hospitalização, da separação do meio familiar e da doença crónica no processo global de desenvolvimento da criança e da família; investigação sobre os factores psicossociais associados à ocorrência de algumas doenças (etiologia) e sobre a interacção dos mecanismos fisiológicos e psicológicos (influência recíproca dos processos somáticos e psicológicos) que visa o desenvolvimento e implementação de métodos e procedimentos que possam contribuir para a prevenção da doença e atenuar as consequências das disfunções crónicas e levar à criação de instrumentos adequados aos grupos em causa (V. Viana, & J. P. Almeida, no prelo). - noção de doença nas crianças, papéis parentais, eficácia dos tratamentos e problema da adesão/não-adesão ao tratamento. - identificação dos factores que contribuem para que o doente e família lidem eficazmente com a doença de modo a ser facilitada a sua adaptação e reabilitação (reacções à doença), tendo para isso que identificar os estádios de desenvolvimento em que as crianças, adolescentes e famílias estão mais expostos ao risco de desenvolverem problemas psicológicos específicos. - relação técnicos de saúde-família, etc. 3. CONCLUSÃO Tendo em conta que, como sublinharam Viana e Almeida (1987), a doença surge na criança numa determinada idade, numa detenninada fase do seu desenvolvimento cognitivo e psicossexual, este vai ser influenciado pelo curso da doença e vai determinar a forma como o doente vê a sua doença e influenciar a própria doença pela interacção de diversos factores (família, adaptação escolar, factores ambientais e sociais,...) num sistema de causalidade circular. Assim, cada criança, de acordo com a sua idade, necessita de uma abordagem específica mas que deverá considerar e envolver os adultos mais significativos do seu meio social. A integração de psicólogos nas equipas pluridisciplinares em pediatria tornou possível um conhecimento mais vasto da interacção destes aspectos com a doença e tem contribuído para o planeamento de 180

medidas preventivas das suas implicações. A Psicologia nos serviços de saúde também trouxe um elemento muito importante um espaço de escuta para os doentes, suas famílias e equipas médicas. Portanto, o psicólogo pediátrico tem um papel determinante como agente de modificação de comportamentos individuais e sociais. A sua acção não se pode, então, limitar ao funcionamento como consultor de outros técnicos, mas deverá ser ele a conduzir o processo terapêutico; não se pode limitar ao diagnóstico da situação, mas deverá ser ele o principal técnico interveniente na ajuda à elaboração de um projecto pessoal tendo em vista a mudança no indivíduo (criança) e nos grupos em que se insere (família, escola,...). Contribui para uma melhor compreensão do comportamento das crianças em circunstâncias específicas (doença) e a vários níveis (individual, familiar, escolar e social). Enfim, a sua intervenção específica permitirá diagnosticar melhor a situação, procurar respostas, delinear métodos de acção e avaliar os resultados. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Barros, L. (1996). Contribuição do estudo das significações sobre saúde e doença para as intervenções em Psicologia Pediátrica. Análise Psicológica, 14 (1- -2), 215-230. Huszti, H., & Walker, E. (1991). Critical issues in consultation and liaison in Pediatrics. In J. Sweet, S. Tovian, & R. Rozensky (Eds.), Handbook of clinical psychology in medical settings (pp. 165- -185). New York: Plenum Press. Mesibov, G. (1991). What is special about pediatric psychology. Journal of Pediatric Psychology, 16 (3), 267-271. Olson, R., Mullins, L., Chaney, J., & Gillman, J. (1994). The role of pediatric psychology in a consultation liaison service. In R Olson et al. (Eds.), The source book of Pediatric Psychology. Boston: Allyn and Bacon. Pires, A., & Pires, A. (1995). Psicologia pediátrica. Análise Psicológica, 13 (1-2), 123-130. Roberts, M. (1993). Health promotion and problem prevention in Pediatric Psychology. In M. Roberts, D. Routh, G. Koocher et al. (Eds.), Readings in Pediatric Psychology (pp. 347-362). New York: Plenum Press. Rodriguez, I., & Hermida, J. (1995). El perfil profesional del psicologo clinico y de la salud. Papeles Psicologo, 63, 49-52. Viana, V., & Almeida, J. P. (1987). Psicologia Pediátrica. Intervenção psicológica em pediatria. Jornal de Psicologia, 6 (2), 10-13. Viana, V., & Almeida, J. P. (1990). Psicologia Pediátrica no Hospital S. João: Análise retrospectiva. In I. Botelho et al. (Eds.), A psicologia nos Serviços de Saúde (pp. 69-73). Lisboa: APPORT. Viana, V., & Almeida. J. P. (no prelo). Psicologia pediátrica. Do comportamento à saúde infantil. Análise Psicológica (presente número temático sobre psicologia pediátrica). Wright, L. (1993). The Pediatric Psychologist. A role model. In M. Roberts, D. Routh, G. Koocher et al. (Eds.), Readings in Pediatric Psychology (pp. 27- -31). New York: Plenum Press RESUMO O objectivo do psicólogo pediátrico centra-se na Promoção da Saúde e na intervenção precoce e rápida na resolução de problemas de índole psicológica e psicossocial que surgem em contexto pediátrico, e na investigação. Focaliza a sua acção na criança, família e equipa médica. Palavras-chave: psicólogo pediátrico, psicologia pediátrica, níveis de prevenção, papel do psicólogo, intervenção. ABSTRACT The pediatric psychologist role is centred in the health promotion, early intervention and resolution of psychological and psychosocial problems in pediatric context, and in investigation. His action is focalized on the children, family and medical team. Key words: Pediatric psychologist, pediatric psychology, prevention levels, psychologist role. 181