EXMO JUIZ DE DIREITO DA 6ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE MA INGÁ Autos nº 800/2011 (número único: 0016813-50.2011.8.16.0017) MM JUIZ: O Ministério Público do Estado do Paraná, neste ato representado pela Promotora de Justiça que esta subscreve, vem respeitosamente à insigne presença de Vossa Excelência expor e requerer o que segue. Em meados do mês de julho do corrente ano, este órgão ministerial ajuizou Ação Civil Pública com preceito cominatório de Obrigação de Fazer em que no mérito pugnou pela condenação do Estado do Paraná a observar o artigo 17, III da Lei nº. 8.080/1990, ou seja, executar supletivamente de ações e serviços de saúde na cidade de Paiçandu. Em suma, a Ação funda-se no fato de que o Município em questão é habilitado na ge s tão plena da atenç ão bás ic a e m s aúde, portanto, assumindo as responsabilidades previstas a Portaria nº 337/2002-MS. O Estado do Paraná, por sua vez, é habilitado na g es tão ple na do s is tema es tadual, razão pela qual possui responsabilidades ainda mais apuradas dentro da rede de gestão do Sistema Único de Saúde.
Ocorre que, nada obstante tais modelos, a Administraçã Pública de Paiçandu não vem cumprindo sua parte e o Estado do enviar recursos sem fiscalizar a correta destinação. É o re s umo. araná limita-se a Em decorrência da inércia Municipal em aplicar corretamente os valores que lhe são destinados, a população padece com falta atendimento, médicos, insumos farmacológicos, etc..., o que ensejou na propositura de Ação por este órgão. I. Do cenário atual e ncontrado no Município de Paiç andu; Excelência, na petição inicial restou detalhada a Vistoria realizada entre os dias 09 e 17 do mês de março deste ano, a qual, sem dúvidas, já revelava irregularidades. Co ntudo, o que era de ve ras preoc upante, tornou-s e agora insus tentável. No final do m ês de outubro foi realizada nova Vis to ria Sanitária em todos o s e stabelecime nto s de s aúde Paiç anduens e s, s ndo que o Ofício nº 254/2011/S CVSAT arrola, po rmenorizadam ente, as inc o s is tências enco ntradas. No Po s to de Saúde de Água Bo a, foram cons tatadas apenas 37 (trinta e s ete) irreg ularidades, as sim como no Pos t do Jardim Pioneiro Novo (outras 46) e no Pos to do Jardim Canadá (49). No Pos to de Saúde do Centro s ão 64 (se s s enta e quatro ) ponto s de irre gulari ade s! Como podem estabelecimentos de saúde funcionar em condições tão precárias? A ação de Vistoria culminou com a adoção das seguintes providências:
1) Lavratura de Auto de Infraç ão nº 3036 referente ao Posto de Saúde do Distrito de Água Boa, vez que o Município não cumpriu o Termo de intimação nº 2964 de 13/09/2011; 2) Lavratura do Auto de In fraç ão nº 3039 relativo ao Posto de Saúde Centro, pois igualmente o Município não cumpriu de Intimação nº 2956 de 13/09/2011; 3) Auto de Infraç ão nº 3037 relativo ao Posto de Saúde Canadá, por motivo análogo; 4) Lavratura do Auto d e Infração nº 3038 relativo ao Hospital Municipal São José, por razão análoga; 5) Au to de Infraç ão nº 3035 do Posto de Saúde Pioneiro Novo também por descumprimento de Termo de Intimação (nº 2963); 6) Auto de Infraç ão nº 3034 do Pos to de S aúde Jardim Cate dral por descumprimento de Termo Intimação anterior e, 6.1) Termo de Inte rdição des te lo cal em razão das g raves irregularidade s s anitárias c ons tatadas ; 7) Lavratura de Auto de Infração nº 3030 refe rente ao Po s to de S aúde Pion eiro Velho Intimação anterior e, Termo por descumprimento de Termo de 7.1 Termo de Interdição do me sm o loc al em razão das graves irregularidades sanitárias constatadas; A autoridade sanitária foi bastante clara nestes 2 (do s) Termos de Interdição descrevendo numerosas inconsistências encontradas tais como: apresentação de laudo técnico de teste bacteriológico dedetização, infiltrações, não manutenção no abrigo de resíduos sólidos, locais sem acabamento com massa corrida e pintura nos locais onde foram feitas as correções de infiltrações com cimento, piso irregular, sem abrigo de GLP.
Na inspeção realizada pela Vigilância Sanitária nos serv os de saúde do Município de Paiçandu foram constatadas (e documentadas, através de fotografias) outras irregularidades preocupantes, das quais destacam-se: 1) os portões de entrada não garantem acessibilidade, sendo estreitos e, em alguns casos, também desprovidos de rampa (presença de escadas). 2) A falta de organização e, principalmente, de higiene é gritante: os materiais são acondicionados de forma inadequada, os sanitários encontram-se sujos, com pias e torneiras enferrujadas. Em um dos estabelecimentos de saúde, o banco para espera de pacientes é improvisado, const ído com tijolos sobrepostos e um pedaço de madeira. A parte externa está tomada por mato e entulhos e os lençóis são colocados para secar neste local, evidentemente, com muitas sujidades e poeira. Após, as roupas de cama são armazenadas em prateleiras abertas ao lado de materiais de uso hospitalar. 3) A realidade do interior dos prédios também é alarmante: existem macas rasgadas, com pés enferrujados apoiados m copos plásticos descartáveis, as balanças e janelas também estão enfer A s ituação torna-s e ainda m ais g rave s e considerarmos que as unidade s de s aúde apres e ntam irre gularidades que - em curto prazo - s ão c apaze s de compro me ter o funcionam ento dos se rviços, o que acarretará, fatalmente, na interdição de outros locais. adas. Existem, ainda, tomadas soltas (caindo), com fios a mostra. Não fosse tudo isso suficiente, o forro de madeira está podre, há diversos remendos pelas paredes, sem nova pintura e as cadeiras onde os pacientes são atendidos são de mad soltas. a e estão com lascas Veja, Excelência, no início da Ação o Hospital Municipal e o Centro Odontológico estavam parcialmente interditados e agora, outras 2 (duas) unidades de Saúde daquele Município juntam-se à lista.
A ino perância do Município de Paiç andu é evidente, vez que s eus Adminis trado res não cons eguem s olucionar ques tõe s das m ais s imples. Visando evitar tal ocorrência é que é a tutela antecipatória adquire caráter salutar, imprescindível e urgente. As ações anteriormente ajuizadas contra o Município não tomaram o efeito desejado, não restando outra alternativa ao judicialmente, providências do Estado ao Paraná. parquet senão requerer, II. Do s Recurs os de s tinado s ao Município; O registro mais atualizado do Portal da Transparência 1 revela que até esta data o Município recebeu R$ 13.990.644,37 (treze milhõe s no ve c entos e no venta mil s eis c ento s e quarenta e quatro re ais e trinta s ete centavos ) do Governo Federal, destinado, em grande parte, ao cus eio dos serviços de saúde. O total de repasse líquido destinado pelo Governo do Estado do Paraná para o Município é de R$ 3.335.735,55 (trê s milhõ es trezentos e trinta e cinco mil s ete cento s e trinta e cinc o reais e cinqüent e cinc o c entavo s), segundo fontes oficiais 2. Questiona-se: para onde foi este numerário? Recente notícia veiculada no Jornal Diário do Norte do Paraná revela que o alcaide Municipal está respondendo Processo Admini trativo para explicar esta questão. 1 Portal da Trans parênc ia do Go verno Fe deral. Disponível em: < http://www.portaltransparencia.gov.br/portaltransparencialistaa oes.asp?exercicio=2011&seleca ouf=1&siglauf=pr&nomeuf=paran%c1&codmun=7731&nomemun=p ICANDU&ValorMun= 13.990.644,37 >. Acesso em: 11.nov.2011. 2 Sis te ma Integrado de Aco mpanhamento Financeiro (S IAF). Disponível em: <http://www.gestaodinheiropublico.pr.gov.br/gestao/repa es/repassesmun.jsp?param_ano=2011 &Param_CodMunicipio=708>. Acesso em: 11.nov.2011.
III. Do pe dido de c once s s ão de liminar: art. 21 CDC e 273 e 461 do CPC; Faz-se imprescindível a antecipação dos efeitos da tutela, no sentido de que o Estado do Paraná intervenha im ediatamen te no Município de Paiçandu, com fundamento no artigo 17, III da Lei nº. 8.080/1990 c/c art. 273 e 461 do CPC. Prescreve o artigo 461 do CPC: Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, de erminará providências que assegurem o resultado prático equival te ao do adimplemento. [...] 3 o S e ndo re levante o fundame nto da demanda e have ndo jus tific ado re c eio de ine fic ácia do provimento final, é lícito ao juiz co nc e der a tute la liminarmente o u mediante jus tificação prév ia, citado o ré u. A medida liminar po derá s e r rev ogada ou mo dific ada, a qualquer tempo, e m de c isão fundame ntada. [...] 5 o Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com req isição de força policial. 6 o O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade a multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou ex va. (negritei) O fundamento da demanda, per s i, é relevante, pois envolve a questão da saúde, direito fundamental exposto na Constituição Federal em seu artigo 6º 3. 3 Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentaç o, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternid à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
A norma fundamental preconiza, em seu artigo 196, que A s aúde é direito de todo s e dever do Es tado garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e e outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Por fim, conclamo o artigo 17, III da Lei Orgânica do SUS, que dispõe como responsabilidade dos Estados: Art. 17. À dire ção es tadual do S is tema Únic o de S aúde (S US ) c ompe te: I - promover a descentralização para os Municípios dos se iços e das ações de saúde; II - acompanhar, c ontrolar e avaliar as redes hie rarquizadas do S is tema Únic o de Saúde (S US ); III - pres tar apo io téc nic o e financeiro aos Munic ípio s e exe c utar s uple tiv ame nte aç õ es e s e rv iços de saúde ; IV - coordenar e, em caráter complementar, executar ações e serviços: a) de vigilância epidemiológica; b) de vigilância sanitária; c) de alimentação e nutrição; e d) de saúde do trabalhador; V - participar, junto com os órgãos afins, do controle do agravos do meio ambiente que tenham repercussão na saúde humana; VI - participar da formulação da política e da execução de ações de saneamento básico; VII - participar das ações de controle e avaliação das condições e dos ambientes de trabalho; VIII - em caráter suplementar, formular, executar, acompanha e avaliar a política de insumos e equipamentos para a saúde; IX - identificar estabelecimentos hospitalares de referência e gerir sistemas públicos de alta complexidade, de referência stadual e regional; X - coordenar a rede estadual de laboratórios de saúde pú a e hemocentros, e gerir as unidades que permaneçam em sua organização administrativa; XI - estabelecer normas, em caráter suplementar, para o co role e avaliação das ações e serviços de saúde; XII - formular normas e estabelecer padrões, em caráter suplementar, de procedimentos de controle de qualidade para produtos e substâncias de consumo humano;
XIII - colaborar com a União na execução da vigilância sanit ria de portos, aeroportos e fronteiras; XIV - o acompanhamento, a avaliação e divulgação dos indicadores de morbidade e mortalidade no âmbito da unidade federada. em que com o pas s ar dos me s e s mais es tabele cim entos de s aúde s e r fe chado s, tendo em vis ta as condiçõe s ins alubres e prec árias em que s e enco ntram. Já o receio da ineficácia do provimento final revela-se na medida Veja, digno magistrado, o erário provavelmente está sendo malversado, pois a quantia enviada pelos Entes Federal e Estadual (tópico II) é suficiente para administrar a saúde de Paiçandu, no entanto, o que se vê é este quadro aterrorizante. A população está indignada, mas está principalmente desamparada frente a este panorama. Quanto maior a demora para que interferência Estadual seja realizada, mais grave pode se tornar o caso, Sistema de Saúde Paiç anduens e parar por completo!!! 4 rão inclus ive c om a pe rspectiva do Como já consignado, da Carta Magna extraímos que: Na áre a da s aúde é fundamental que os se rviç os de uns inte rco nec tem ou interajam co m os dos outros, para c om r uma re de de s erv iço s que s eja capaz de garantir ao mun c ipe de um ou de o utro município a inte g ralidade da s aúde, uma vez que a maio ria do s municípios não é capaz de arcar s ozinho c o m a as s is tê ncia à s aúde do c idadão. É aqui que deve s urg ir a rede interfe de rativ a de s aúde. 4 E por sua vez: [...] A rede inte rfede rativa é a união dos e ntes po lít c os, autô no mo s, que juntos dev em ge rir um s is tema integ rado de CARVALHO, Gilson et at.; organizador: Silvio Fernandes da Silva. Re des de ate nção à s aúde no SUS o pacto pela saúde e redes regionalizadas de ações de serviços de saúde. Campinas: IDISA, 2008. p. 44/45.
s aúde inte rmunic ipal, reg ional, es tadual, interes tadua e nac ional, s em mac ular a autonomia fe derativ a c o ns tituc ional. 5 Excelência, a gestão do SUS deve ser compartilhada, razão pela qual o Pacto Federativo estará sendo respeitado ainda que o Estado do Paraná designe uma Equipe para interferir na saúde de Paiçandu. Cito julgado do STF sobre o tema: S EPARAÇÃO DOS PODERES. POSS IBILIDADE DE ANÁLISE DE ATO DO P ODER EXECUTIVO PELO PODER JUDICIÁRIO. (...) CABE AO PODER JUDICIÁRIO A ANÁLIS E DA LEGALIDADE E CONS TITUCIONALIDADE DOS ATOS DOS TRÊS PODERES CONS TITUCIONAIS, E, EM VIS LUMBRANDO MÁCULA NO ATO IMPUGNADO, AFASTAR A S UA APLICAÇÃO. (STF. AI 640.272-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 2-10-2009, Primeira Turma, DJ de 31-10-2007.) No mesmo sentido: AI 746.260-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 9-6-2009, Primeira Turma, DJE de 7-8-2009. O deferimento da medida não significa a aceitação do ativismo judicial (criação de Lei pelo Poder Judiciário) mas sim, aplicação da Lei préexistente. Outrossim, a jurisprudência acena positivamente quanto à possibilidade de antecipar a tutela em face da Fazenda Pública, inclusive no STJ: RECURSO ESPECIAL Nº 1.259.304 - MA (2011/0137553-5) RELATOR : MINISTRO HUMBERTO MARTINS. RECORRENTE : MUNICÍPIO DE SÃO LUÍS. PROCURADOR : JOS É BORRALHO RIBEIRO FILHO E OUTRO(S). RECORRIDO : MOIZANIELLE LEITE RODRIGUES. ADVOGADO : FÁBIO MAG ALHÃES PINTO - DEFENSOR PÚBLICO PROCESS UAL CIVIL. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. REQUIS ITOS LEGAIS. FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS E INFRACONSTITCIONAIS. AUSÊNCIA DE INTERPOS IÇÃO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. S ÚMULA 126 DO STJ. RECURSO ES PECIAL NÃO CONHECIDO. DECISÃO "Antecipação Tutela. Fazenda Pública Municipal. concessão. Possibilidade. Paciente. Doença 5 CARVALHO, Gilson et at.; organizador: Silvio Fernandes da Silva. Re de s de atenção à s aúde no SUS o pacto pela saúde e redes regionalizadas de ações de serviços de saúde.campinas: IDISA, 2008. p. 50.
grave. Alimentação Industrializada. custeio. Direito à vida. A con são de tutela antecipada contra a Fazenda Pública é possível nas hipóteses em que não incidam as vedações previstas na Lei 9.494/ 997, quais sejam demandadas sobre reclassificação, equiparação, a ento ou extensão de vantagens pecuniárias de servidor público u concessão de pagamento de vencimento (Precedentes do STJ). [...] A efetivação do dire ito à s aúde é dever inafas tável do Es tado, de ve ndo ele e mpree nder to dos os e sforço s para s ua concretização, s ob pena de vio lação ao direito fundame ntal à s aúde, à vida e ao princípio fundame ntal da dig nidade da pes s oa humana. É o que s e reque r co m e xtrem a urgê ncia. IV. Do re querimento : Face a todo o exposto, pleiteia-se: 1. A antecipação dos efeitos da tutela (art. 273 e 461 do CPC) com o fito de que Estado do Paraná s eja im ediatamente co mpelido a obs ervar o artigo 17, III da Lei nº. 8.080/1990, exe cutando s upletivamente açõ e s e s e rviços de s aúde na cidade de Paiç andu; 2. Após, seja averiguado o cumprimento da Carta Precatória de citação Estadual. Termos em que pede deferimento. Maringá, 16 de novembro de 2011. Stella Maris S ant anna Ferreira Pinheiro Promotora de Justiça Instrui esta petição: - Portaria nº 373, DE 27 de fevereiro de 2002 do Ministério da Saúde; - Ofício nº 254/2011/SCVSAT;
- Autos de Infração e Termo de Interdição do Posto Pioneiro Velho e Catedral; - Extratos do Portal da Transparência do Governo Federal e Sistema Integrado de Acompanhamento Financeiro do Estado do Paraná; - Notícia veiculada no dia 04/11/2011 no Jornal O Diário do Norte do Paraná; - CD ROM co m foto s do e s tado atual das unidades interditadas.