Outro mundo Levantamento mostra que entre os 20 clubes mais ricos do mundo apenas três têm modelo de propriedade semelhante ao dos times brasileiros Por João Carlos Assumpção O sistema brasileiro de propriedade de clubes de futebol está cada vez mais ultrapassado. Na Europa, pelo menos, onde a discussão é se o modelo ideal é lançar ações em bolsa ou concentrar o capital nas mãos de três ou quatro grupos empresariais, ele simplesmente agoniza. Dos 20 times de maior faturamento no mercado mundial, apenas três (Real Madrid, Barcelona e Schalke 04) ainda funcionam como corpo associativo, modelo que continua a reinar no Brasil, onde os clubes são "dirigidos" por seus sócios. Os demais são empresas de capital aberto ou fechado. Predominam as primeiras, com ações negociadas em bolsa, que representam dez dos 20 times com maior faturamento na temporada 2003/2004. As outras sete têm o capital fechado, ou seja, têm um ou mais de um dono. O Manchester United, apontado como modelo de gestão desde o final dos anos 80 e primeiro da lista entre os clubes com maior faturamento, é um exemplo de empresa de capital aberto. Tem ações negociadas na London Stock Exchange, a principal bolsa de valores inglesa, o que dá a oportunidade para qualquer indivíduo aplicar recursos no clube. E foi assim que acabou sob o controle do magnata americano Malcolm Glazer, que adquiriu mais de 75% das ações do clube, passou a ter a opção de comprar as dos acionistas minoritários, podendo se tornar o único dono do Manchester e até tirá-lo da bolsa. A Juventus, quinta da lista, o Arsenal, sexto, e a Roma, que aparece em 12º, são outros exemplos de empresas de capital aberto. Os três têm ações negociadas em bolsa, a exemplo de Newcastle United e Aston Villa. Já o Chelsea, quarto clube com maior faturamento, é o típico caso de um time nas mãos de um megainvestidor. O russo Roman Abramovich, com 93% da participação societária do clube inglês, é o dono do Chelsea. É o que também acontece com o Milan, terceiro clube que mais faturou na temporada 2003/2004. Ele tem como dono o Fininvest, grupo do premiê italiano Silvio Berlusconi. Apesar de dez dos 20 times com maior faturamento terem ações em bolsa, a tendência, segundo especialistas, é haver mudanças. Mas não para o sistema brasileiro, que consideram em desacordo com a transformação do futebol em produto comercializado. Para os próximos anos, esperam menos clubes com ações em bolsas e apostam na concentração do capital nas mãos de um megainvestidor ou de um grupo de acionistas não superior a cinco ou seis. O Liverpool tem 51,6% de seu capital controlado pela família Moores. Já o Bayern de Munique tem 90% de seu capital nas mãos de um grupo de sócios. Os outros 10% são da empresa Adidas/Salomon AG. - Os tempos mudaram. No início dos anos 90, a moda era lançar ações e abrir o capital, mas hoje não. Na indústria do futebol, a preferência começa a ser pela formação de empresas de capital fechado, de preferência com concentração de poder - diz Peter Kenyon, que foi o principal executivo do Manchester e agora atua no Chelsea. - Como companhia pública, você está sempre no jogo, corre o risco de ser adquirido por algum bilionário que mude as diretrizes da noite para o dia. Não é tão fácil fazer planos de longo prazo. No Chelsea, que tem um dono só, sabemos quem manda. Somos três pessoas para decidir, ou seja, é muito menos complicado planejar o futuro - completa.
Michael Cunnah, principal executivo do novo estádio de Wembley e ex-diretor financeiro da FA, a federação inglesa, concorda com Kenyon. - Clubes como o Manchester usaram o mercado para atrair novos investimentos e sempre pagaram dividendos para os acionistas, mas hoje a situação mudou. Se antes tínhamos 27 clubes (na Inglaterra com ações em bolsa de valores), hoje são apenas 16 - afirma Cunnah. Houve quedas significativas no preço de determinadas ações, o que assustou parte dos investidores, e a percepção de que, uma vez no mercado, o clube está permanentemente à venda e pode cair nas garras de empresários como Malcolm Glazer, que os fãs do Manchester não queriam ver como dono do time. Carlos Eduardo Ferreira, diretor executivo da empresa de marketing esportivo Golden Goal Sports Ventures, aponta outros fatores para a tendência de os clubes da Europa ocidental fecharem o capital. Ele lembra que o futebol, mais do que atividades de outra natureza, depende de uma série de variáveis não-controláveis. Um gol aos 46 minutos do segundo tempo, por exemplo, pode determinar se um clube se classifica ou não para uma competição, se cai ou não para a Segunda Divisão, influindo diretamente no preço das ações. O que também atrapalha, segundo o economista, são regulamentações de federações e ligas nacionais, que determinavam percentual máximo a ser tirado do lucro dos clubes para distribuição entre os acionistas. E ainda se verificou a pouca liquidez de alguns papéis. - Muitos torcedores compravam ações de seu clube do coração pelo valor sentimental, sem intenção de negociá-los no futuro - diz Ferreira. Com tantos problemas, Peter Kenyon, o executivo que trocou o Manchester pelo Chelsea, acha que a tendência é os clubes funcionarem como empresas de capital fechado, onde o processo decisório seria mais fácil e mais rápido. De certa forma, acha que é o que acontece também com os times europeus que, como os brasileiros, mantêm o modelo associativo. Na prática, explica que eles funcionam como empresas, já que profissionalizaram seus departamentos de futebol e não mantiveram a estrutura amadora ainda em voga no Brasil. É o que começa a acontecer com os times do leste europeu. Com o fim do bloco comunista, deixaram de receber das principais estatais e passaram para o controle da iniciativa privada. Segundo a London School of Economics, 69% dos clubes da Primeira Divisão de Rússia, Romênia, Bulgária, Ucrânia e Geórgia tinham como donos grupos empresariais, com uma média de dois donos por equipe. Mas o consultor de administração esportiva Antonio Afif não acha que a concentração do capital nas mãos de um, dois ou três donos seja necessariamente o melhor caminho. - Ficar nas mãos de um megaempresário ou de um grupo empresarial também traz seus riscos. O Abramovich pode ter salvo o Chelsea (da falência), mas ninguém sabe o que fará com o clube daqui a cinco ou dez anos. Concentrar o poder não é, necessariamente, a melhor forma de ação ou o modelo ideal de propriedade - opina Afif. O que não dá, segundo ele, é manter a estrutura predominante no Brasil. - O sistema de propriedade no país é o mesmo do início do século passado, nada mudou. Os clubes não são mantidos pelos sócios. Hoje um Corinthians não tem mais do que 4 mil sócios mensalistas. Não têm um dono, não têm quem responda por eventuais falhas administrativas. Para o consultor, seria necessária a adoção de novas diretrizes gerenciais para diminuir a defasagem em relação à Europa.
- Sob o pretexto de preservar as tradições, os dirigentes defendem o caráter associativo do futebol e insistem numa condução administrativa amadora. Assim fogem de possíveis penas e se mantêm no poder. Parece o sistema monárquico. Os dirigentes de futebol, no entanto, não pensam assim. Liderados por Eurico Miranda, do Vasco, têm defendido a administração amadora, lembrando que foi assim que seus clubes chegaram ou estão próximos de chegar ao centenário. Mas isso não significa, como diz o economista Carlos Eduardo Ferreira, que não possam evoluir para um novo modelo. - O Brasil tem uma oportunidade de ouro para discutir esses pontos a fundo antes de decidir o modelo a ser adotado. Deve ser uma discussão coletiva, pois a estratégia de um clube afeta o mercado como um todo. O sistema ideal para o Brasil surgirá dessa discussão e levará em conta as peculiaridades da economia do esporte adaptadas às condições do nosso mercado. Modelo de ações em bolsa passa por crise Nos anos 90, quando os primeiros clubes europeus começaram a abrir o capital e lançar ações em bolsa, a iniciativa virou moda. Estudo de dois professores da Universidade de Cambridge, que apontava os 40 maiores clubes da Europa em 2001 - levando-se em consideração itens como patrimônio, faturamento, passivo e desempenho em campo nos cinco anos anteriores, cada um com determinado peso -, indicava que metade deles havia lançado ações em bolsa. Apesar disso, vários tiveram problemas no mercado, inclusive no ano da pesquisa. Em 2001, times de Inglaterra, Holanda e Alemanha tiveram perda de 25,7% no valor de suas ações. No ano seguinte, elas subiram, em média, 10,3%, mas em 2003 voltaram a ter queda, de 11,9%. Piores que eles foram os times italianos. Em 2001, a Roma viu suas ações despencarem 51,6%; a Lazio, que depois foi proibida de operar na bolsa, devido a uma série de acusações contra o empresário Sergio Cragnotti, dono do clube, teve desvalorização de 47,1%. Os motivos apontados para a crise e a queda no preço das ações foram a falta de uma política salarial pés-no-chão por parte dos clubes e a falência da ISL, responsável pelo marketing da Fifa, e do grupo de mídia Kirch, que abalaram o futebol europeu. Na Espanha, sistema começou em 1990 Na Espanha, a mudança no sistema de propriedade dos clubes começou em 1990, quando da promulgação da Lei do Esporte. Foi ela que criou a Liga Nacional de Futebol Profissional e passou a forçar os clubes a sanearem suas finanças. Dos 20 que disputavam a Primeira Divisão, apenas quatro, Athletic Bilbao, Barcelona, Osasuna e Real Madrid, mantiveram a estrutura jurídica, já que tinham ativos suficientes para cobrir as dívidas contraídas, e continuaram sob controle de seus associados. Os outros 16 viraram Sociedades Anônimas Desportivas (SADs), ou seja, empresas sujeitas à auditoria externa e a orçamentos rígidos que, se não fossem cumpridos, poderiam, em tese, tirá-los da Liga, excluindo-os do Espanhol. Em Portugal processo parecido aconteceu, só que sete anos mais tarde. Em 1997, decretolei permitindo aos clubes se transformarem em empresas trouxe novos investidores para o futebol. Só que, como entre os portugueses houve problemas, o governo interveio, tornando o sistema mais rígido. As SADs, por exemplo, passaram a ter suas contas auditadas por duas empresas independentes e foram proibidas de distribuir dividendos enquanto não constituíssem reserva legal equivalente à metade da soma das despesas dos últimos três anos. Chile transforma os clubes em S/A O Chile, que tinha modelo parecido com o brasileiro, resolveu inovar e modernizar a administração de seus clubes. Com isso, o sistema de propriedade irá mudar e eles terão de se transformar em sociedades anônimas, supervisionadas pela Superintendência de Valores e Seguros, se quiserem equacionar suas dívidas com o governo. As dívidas com o Fisco serão parceladas e deverão ter um pequeno desconto. A idéia é que entre 3% e 10% do faturamento anual com o futebol seja repassado ao governo, sendo deduzido do total da dívida.
Mesmo no caso dos clubes que decidirem permanecer nas mãos de seus sócios e não transformar o departamento de futebol em S/A, seus dirigentes serão considerados responsáveis se contraírem novas dívidas ou aplicarem mal os recursos. Terão de usar patrimônio próprio para sanar o prejuízo. A Universidad de Chile, o primeiro clube que avisou que irá se transformar em S/A, anunciou a criação de um fundo para administrar o futebol. Ele será composto por todas as receitas - como venda de jogadores, direitos de TV, bilheteria, entre outros -, administrará os ativos do departamento e deverá lançar ações em bolsa. Já a parte social e os demais esportes continuarão nas mãos dos sócios, ou seja, não serão profissionalizados nem farão parte da S/A. Clubes que têm dono também reclamam No Brasil ainda prevalece o modelo do início do século passado, em que não há divisão entre a parte social e o departamento de futebol. Os dois costumam ser controlados pela mesma diretoria, eleita, direta ou indiretamente, pelos sócios do clube. É o caso dos principais times do país, mas costuma ser também o de clubes de porte médio ou pequeno. Mas há exceções. Segundo a Confederação Brasileira de Futebol, 36 entre 502 clubes brasileiros têm empresas como proprietários de seus departamentos de futebol, controladas por brasileiros ou não. Um exemplo é o União Barbarense. Ele firmou parceria com a UB Corporation, empresa suíça com capital russo e ucraniano que assumiu o futebol do clube de Santa Bárbara D'Oeste. A UB passou a dar as cartas no futebol, assumindo todos os gastos do departamento, mas também seus ativos, com o objetivo de lucrar com a venda de atletas para o exterior. Em campo, conseguiu o título da Série C do Brasileiro, em 2004, mas, fora dos gramados, não faltaram confusões. O clube reclama que não recebeu repasses de dinheiro, como teria sido estipulado, enquanto a UB se justifica dizendo que até agora não teve lucro Com dois presidentes, um da empresa, outro do clube, os desentendimentos chegaram ao ponto de jogadores reclamarem que os investidores estavam controlando os bifes servidos nas refeições para os atletas, que não poderiam repetir se tivessem vontade. Até o troféu da Série C gerou polêmica. A UB queria colocá-lo em um lugar, e o clube, em outro. No Paraná, estado que virou exportador de jogadores, o Iraty é exemplo de clube que tem proprietário, assim como o Malutrom, primeiro clube-empresa do Brasil, constituído como sociedade anônima e que é controlado pelas famílias Malucelli e Trombini em São José dos Pinhais. O modelo do Malutrom acabou sendo seguido depois na Bahia, onde Bahia e Vitória também se organizaram como S/As. No Brasil, parceria é vista com suspeita O Corinthians resolveu apostar, pela terceira vez nos últimos dez anos, no sistema de parceria. Mas desta feita, ao assinar contrato com a Media Sports Investment (MSI), passou o controle do futebol para a empresa, que tem o voto de minerva no processo de tomada de decisão para o departamento. Pelo acordo, a cada ano as duas partes dividem o lucro auferido de acordo com a porcentagem que cada uma tem no futebol. Em outras palavras, a MSI, empresa offshore cuja origem do capital é desconhecida, fica com 51%, e o Corinthians, com 49%. Em caso de prejuízo, porém, a MSI compromete-se a arcar com os custos. Em relação às transferências, o Corinthians fica com 20% do valor da negociação que envolva atletas contratados pelo grupo estrangeiro e com 80% no caso de jogadores que já pertenciam ao clube. Apesar de a nova parceira ter se comprometido, de imediato, a repassar US$ 20 milhões para o Corinthians pagar suas dívidas, o que não foi feito, só na contratação do argentino Tevez gastou mais do que os US$ 15 milhões prometidos para reforçar o time. Se alguma das partes quebrar o contrato - que está sendo alvo de investigação da Justiça devido à suspeita de lavagem de dinheiro - terá que pagar US$ 25 milhões de multa.
EXTRA O modelo dos clubes europeus não é o ideal' Diretor da Golden Goal Sports Ventures, Carlos Eduardo Ferreira, que completou o curso de mestrado que a Fifa organiza na Suíça, na Inglaterra e na Itália, acha que o Brasil tem uma grande oportunidade para discutir qual seria o melhor modelo de propriedade de clubes a adotar. Para ele, o sistema de gestão atual tem que mudar, sofrendo ajustes para se adaptar à nova realidade da indústria do esporte. Ferreira, no entanto, defende que as peculiaridades do mercado brasileiro devem ser levadas em conta na discussão e que a questão não se resolve simplesmente pela cópia do sistema europeu. Leia, em seguida, a entrevista que ele deu à Revista A+: A+: Na Europa, o sistema que predomina no Brasil, onde os sócios, teoricamente, são os "donos" do clube, elegendo o Conselho que elege o presidente, não é comum. Ainda existe em alguns grandes clubes, como o Barcelona, mas está ficando cada vez mais para trás. Na sua opinião, o modelo brasileiro está ultrapassado? E quando é que vai deixar (se é que vai) de ser predominante por aqui? Carlos Eduardo Ferreira: Acredito que o modelo de gestão da maioria dos clubes brasileiros de futebol brasileiro deva sofrer ajustes para se adaptar à realidade atual do esporte profissional, mas não acho que o modelo adotado pelos clubes europeus seja o ideal. A discussão sobre a transformação dos clubes de futebol em empresas vem carregada da premissa de que essa transformação será a panacéia para os males administrativos do futebol brasileiro. Se essa premissa fosse verdadeira, não veríamos casos como o do colapso fraudulento da Enron por um lado, nem teríamos, por outro, ONGs administradas segundo as melhores práticas de gestão corporativa. A+: Como é que se deu o processo de transformação do modelo de propriedade dos clubes europeus, que, nos anos 90, decidiram, em boa parte, abrir seu capital? CEF: O movimento maciço de abertura de capital dos clubes da Europa tem origens históricas na Inglaterra. Após a tragédia no estádio de Hillsborough, em abril de 1989, no jogo entre Liverpool e Nottingham, em que 95 pessoas morreram esmagadas por absoluta falta de controle do público presente, o governo britânico impôs normas duríssimas de segurança e exigiu que os clubes investissem bilhões de libras na modernização de seus estádios. Na época, a forma encontrada para captar os recursos na dimensão necessária para atender às normas do governo foi a abertura do capital dos clubes em bolsa. E o movimento crescente nos valores dos contratos televisivos deu fôlego ao mercado durante os anos 90. A+: Mas alguns clubes tiveram problemas com suas ações, especialmente depois das crises no mercado financeiro internacional entre 1997 e 1999. Vários deles viram suas ações despencando. Lançar ações em Bolsa é uma boa opção ou o modelo em que o clube funciona como uma empresa com capital fechado nas mãos de um, dois, três ou quatro sócios é o melhor, como apontam alguns especialistas em administração? CEF: O que aconteceu é que, passado o entusiasmo inicial da novidade, a transformação dos clubes de futebol em sociedades anônimas, com ações em Bolsa, trouxe alguns efeitos colaterais, e a performance da maioria dos clubes no mercado de ações ficou aquém do esperado. De maneira simplista, quanto mais garantidos forem os fluxos de caixa futuros de uma empresa, mais atrativos serão seus papéis no mercado. Por outro lado, a natureza da atividade central de um clube de futebol está fundamentada em uma série de variáveis não-controláveis que se alteram a cada minuto do jogo ou ao longo de uma temporada. Um gol sofrido aos 46 minutos do segundo tempo pode determinar se um clube se classifica ou não para a competição continental, se cai ou não para a Segunda Divisão, e assim por
diante. Só que isso traz conseqüências drásticas para os fluxos de caixa do clube na temporada seguinte. Essa falta de controle sobre variáveis fundamentais para o negócio não só é mais intensa do que em qualquer outra indústria, como é fundamental para o bem estar da própria indústria no longo prazo. Afinal, é relativamente bem aceita entre os economistas do esporte a tese de que imprevisibilidade de resultado e equilíbrio competitivo são fundamentais para alimentar a demanda pelo esporte. Assim, é importante para o mercado que nenhum clube vença sempre. A+: E que efeito isso vem tendo nos campos de futebol? CEF: A abertura de capital dos clubes trouxe para fora dos gramados a competição entre os clubes. A necessidade de ganhar sempre para atender os acionistas vem gerando uma concentração das competições nas mãos de poucos clubes. Basta analisar a lista dos campeões das principais ligas nacionais européias nos últimos 15 anos. O que se vê é uma certa monotonia com dois ou três clubes se revezando, com algumas poucas exceções. A+: Que outros fatores prejudicaram alguns dos clubes que lançaram ação em Bolsa? CEF: Regulamentações das federações e das ligas nacionais sobre percentuais máximos que podem ser retirados dos lucros dos clubes para distribuição entre acionistas e dirigentes, ou imposições contra investimentos de um mesmo acionista em mais de um clube para não afetar a credibilidade do esporte. Por fim, em menor escala, o que se verificou com as ações de alguns clubes ingleses é que esses papéis tinham pouca liquidez. Muitos torcedores compravam ações de seu clube do coração pelo valor sentimental, sem intenção de negociá-los no futuro. A+: E em relação ao futebol brasileiro, já que parece consenso que o sistema de propriedade vigente, coisa do início do século passado, está anacrônico, o que deveria ser feito? CEF: Acredito que na discussão sobre os ajustes que devem ser feitos no modelo de gestão dos clubes brasileiros é fundamental levar em consideração a realidade local do mercado brasileiro. O futebol europeu não deve ser tomado como exemplo a ser seguido cegamente sem uma análise mais crítica. Existem muitos outros exemplos, inclusive fora do futebol, que podem e devem ser observados, como é o caso do modelo de gestão das ligas dos grandes esportes americanos. Por que será que no mercado acionário mais evoluído do mundo nem todos as instituições esportivas têm ações em Bolsa? A+: Temos que discutir muito, então, antes de chegarmos ao nosso modelo ideal. É isso? CEF:O Brasil tem uma oportunidade de ouro para discutir esses pontos a fundo antes de decidir o modelo a ser adotado. Deve ser uma discussão coletiva, pois a estratégia de um clube afeta o mercado como um todo. O sistema ideal para o Brasil surgirá dessa discussão e levará em conta as peculiaridades da economia do esporte adaptadas às condições do nosso mercado E essa discussão deve considerar o fato de que os clubes, pelo papel sociológico que desempenham, não podem ser tratados como negócios puros, sujeitos às leis implacáveis do mercado.