FAMÍLIAS RURAIS: TIPOLOGIA, COMPOSIÇÃO DA FORÇA DE TRABALHO E OUTROS ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS



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Transcrição:

FAMÍLIAS RURAIS: TIPOLOGIA, COMPOSIÇÃO DA FORÇA DE TRABALHO E OUTROS ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS Palavras-chave: família, rural, força de trabalho, pluriatividade Barbara Cobo Ana Lúcia Sabóia Resumo Os censos demográficos decenais nos fornecem uma ótima oportunidade de investigar uma série de informações para o conjunto da população que vive no Brasil. Em particular, embora algumas estimativas sejam realizadas para as áreas rurais a partir de pesquisas amostrais domiciliares, tais informações são, em sua maioria, representativas apenas até o nível metropolitano (considerando que grande parte da população rural está concentrada em municípios de menor porte) e apresentam algumas limitações significativas, como por exemplo, a não abrangência das áreas rurais da região Norte na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE, realizada anualmente. Nesse sentido, os censos demográficos representam uma ferramenta fundamental para estudar as dinâmicas social, demográfica e econômica dessas áreas e de sua população residente. A partir da análise dos resultados do Censo Demográfico 2000, foi possível verificar que, embora algumas tendências e características já reconhecidas do meio rural tenham sido mantidas, o forte processo de urbanização que o país vem enfrentando nos últimos anos está contribuindo para que muitos aspectos antes relacionados especificamente à situação urbana ou rural de domicílio, estejam convergindo e as diferenças se atenuando. Utilizando ainda algumas informações do Censo Agropecuário 1995/96, o presente artigo busca um melhor entendimento do universo familiar rural e suas estratégias de sobrevivência, considerando tanto a sua tradicional correlação com a agricultura familiar quanto o posicionamento desses arranjos familiares frente às recentes mudanças que vem ocorrendo no rural brasileiro, em termos de urbanização e diversificação do mercado de trabalho rural em direção às atividades e ocupações fora do setor primário. Nesse contexto, primeiramente, busca-se estabelecer um perfil socioeconômico para as famílias residentes nas áreas rurais, em contraposição às urbanas, levando em conta aspectos como tipologia, tamanho, existência de famílias conviventes no mesmo domicílio, distribuição das famílias por classes de rendimento familiar per capita, composição da força de trabalho no interior de cada unidade familiar e condição de atividade dos membros da mesma. Em paralelo, o artigo busca associar o perfil encontrado com as transformações em curso no meio rural brasileiro. Trabalho apresentado no XIV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em Caxambu MG Brasil, de 20-24 de Setembro de 2004. Economista, Mestre em Economia pela Universidade Federal Fluminense - UFF e técnica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/Divisão de Indicadores Sociais. Socióloga e Chefe da Divisão de Indicadores Sociais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. 1

Introdução FAMÍLIAS RURAIS: TIPOLOGIA, COMPOSIÇÃO DA FORÇA DE TRABALHO E OUTROS ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS Barbara Cobo Ana Lúcia Sabóia Os censos demográficos decenais nos fornecem uma ótima oportunidade de investigar uma série de informações para o conjunto da população que vive no Brasil. Em particular, embora algumas estimativas sejam realizadas para as áreas rurais a partir de pesquisas amostrais domiciliares, tais informações são, em sua maioria, representativas apenas até o nível metropolitano (considerando que grande parte da população rural está concentrada em municípios de menor porte) e apresentam algumas limitações significativas, como por exemplo, a não abrangência das áreas rurais da região Norte na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE, realizada anualmente. Nesse sentido, os censos demográficos representam uma ferramenta fundamental para estudar as dinâmicas social, demográfica e econômica dessas áreas e de sua população residente. A partir da análise dos resultados do Censo Demográfico 2000, foi possível verificar que, embora algumas tendências e características já reconhecidas do meio rural tenham sido mantidas, o forte processo de urbanização que o país vem enfrentando nos últimos anos está contribuindo para que muitos aspectos antes relacionados especificamente à situação urbana ou rural de domicílio, estejam convergindo e as diferenças se atenuando. Utilizando ainda algumas informações do Censo Agropecuário 1995/96, o presente artigo busca um melhor entendimento do universo familiar rural e suas estratégias de sobrevivência, considerando tanto a sua tradicional correlação com a agricultura familiar quanto o posicionamento desses arranjos familiares frente às recentes mudanças que vem ocorrendo no rural brasileiro, em termos de urbanização e diversificação do mercado de trabalho rural em direção às atividades e ocupações fora do setor primário. Nesse contexto, primeiramente, busca-se estabelecer um perfil socioeconômico para as famílias residentes nas áreas rurais, em contraposição às urbanas, levando em conta aspectos como tipologia, tamanho, existência de famílias conviventes no mesmo domicílio, distribuição das famílias por classes de rendimento familiar per capita, composição da força de trabalho no interior de cada unidade familiar e condição de atividade dos membros da mesma. Em paralelo, o artigo busca associar o perfil encontrado com as transformações em curso no meio rural brasileiro. Trabalho apresentado no XIV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em Caxambu MG Brasil, de 20-24 de Setembro de 2004. Economista, Mestre em Economia pela Universidade Federal Fluminense - UFF e técnica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/Divisão de Indicadores Sociais. Socióloga e Chefe da Divisão de Indicadores Sociais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. 2

O universo de famílias rurais do ponto de vista demográfico De acordo com o Censo Demográfico 2000, o total de famílias residentes em domicílios particulares nas áreas rurais do Brasil atingiu o contingente de 7,9 milhões de unidades. Em relação a 1991, manteve-se a tendência de redução absoluta do quantitativo da população rural, representado por um decréscimo de quase 85 mil famílias na última década. De fato, a taxa média geométrica de crescimento populacional anual das zonas rurais entre 1991 e 2000 foi de 1,31%, praticamente o dobro das taxas verificadas para as duas décadas anteriores e que contrastou fortemente com a taxa de crescimento das áreas urbanas, que foi de 2,47% no mesmo período 1. Em termos relativos, a redução foi ainda mais significativa uma vez que a proporção de famílias rurais em relação ao total de famílias passou de 21,5%, em 1991, para 16,6%, em 2000. Tal situação reflete, fundamentalmente, o crescente processo de urbanização que o país vem enfrentando desde meados do século passado, quando a expansão do parque industrial do Sudeste passou a atrair uma grande massa de população migrante originária de áreas de estagnação econômica do Nordeste. Além disso, uma parcela considerável de áreas até então consideradas rurais foram incorporadas às áreas urbanas do país. Em particular, considerando a distribuição percentual das famílias rurais brasileiras pelas Grandes Regiões, cerca de 44% das mesmas encontravam-se no Nordeste, 23% no Sudeste, 17% no Sul, 11% no Norte e 5% no Centro-Oeste. A análise considerando a participação das famílias residentes em áreas rurais sobre o total de famílias de cada região mostrou a maior representatividade destas no Norte (26,8%) e Nordeste (27,9%), em 2000. A região Sul também apresentou uma proporção superior à média nacional (17,9%), enquanto o Centro- Oeste e o Sudeste apresentaram, respectivamente, apenas 12,9% e 8,5% de suas famílias nessa situação de domicílio. Cabe aqui ressaltar que o entendimento da economia e dos mercados de trabalho locais são fundamentais para justificar as diferenças regionais encontradas. Segundo os resultados de uma série de estudos que visavam delimitar o universo de agricultores familiares com base nos microdados do Censo Agropecuário de 1995/96, realizados no âmbito de um convênio de cooperação técnica entre a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura) e o INCRA (Instituto de Colonização e Reforma Agrária) a partir de 1994, há uma grande diversidade na agricultura brasileira em relação ao meio ambiente, à situação dos produtores, à aptidão das terras e à disponibilidade de infraestrutura, não só entre regiões, como também intra-regionalmente 2. A análise desagregada para as Grandes Regiões revelou a importância do segmento da agricultura familiar no Norte e no Sul, onde mais de 50% do valor bruto da produção provinha desta categoria. Em todas as regiões os estabelecimentos 1 A primeira taxa de crescimento negativa da população rural brasileira foi observada no período de 1970-1980 e refletiu uma característica das regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste na década de 70, sendo que, na primeira, esse fato já vinha ocorrendo desde a década de 60. A Região Norte que experimentou ganhos populacionais na área rural até a década passada acompanha o comportamento das demais regiões brasileiras com perdas populacionais. (IBGE, 2001: 14) 2 O estudo buscou caracterizar os agricultores familiares a partir de suas relações sociais de produção, ao invés da análise mais comumente utilizada que limita um tamanho ou valor de produção máximo à unidade familiar, associando-a, equivocadamente, à "pequena produção". Mais especificamente, o universo familiar foi caracterizado pelos estabelecimentos que atendiam, simultaneamente, às seguintes condições: (i) a direção dos trabalhos do estabelecimento era exercida pelo produtor e (ii) o trabalho familiar era superior ao trabalho contratado. Para maiores detalhes ver GUANZIROLI, Carlos et alli: Agricultura Familiar e Reforma Agrária no Século XXI. Rio de Janeiro: Garamond, 2001. 3

familiares mostraram-se bastante representativos, com destaque para as regiões Sul e Nordeste que apresentaram, respectivamente, 88,3% e 90,5% do total de estabelecimentos nessa condição, ocupando, em média, 43,6% da área total destinada a produção agropecuária de cada região. O Centro-Oeste, região de fronteira agrícola, foi a região com menor número de estabelecimentos e área ocupada pelas unidades agrícolas familiares. Dessa forma, parece lógica a distribuição regional das famílias ao se considerar a importância econômica dos estabelecimentos agrícolas familiares nas regiões onde ocorrem maiores concentrações de famílias rurais. Tipologia e padrões de organização das famílias rurais De acordo com a metodologia tradicionalmente adotada nos censos demográficos, a noção de família está condicionada aos arranjos societários organizados no interior dos domicílios particulares. Em média, as famílias brasileiras possuíam 3,5 componentes, em 2000. Acompanhando a tendência de redução do tamanho das famílias verificada ao longo das últimas décadas, independente da situação do domicílio, as famílias residentes no meio rural passaram de 4,4 membros, em 1991, para uma média de 4 componentes, em 2000. Todavia, permaneceu a diferença em relação às famílias urbanas, que apresentaram, em 2000, 3,4 componentes em média. Dentre as possíveis justificativas para essa diferença pode-se considerar o acesso mais restrito das famílias rurais às informações e práticas de planejamento familiar e a importância do trabalho dos filhos para a composição do rendimento da família. De fato, em relação a esse último, conforme veremos adiante, o nível de ocupação 3 dos filhos nas áreas rurais, segundo o Censo Demográfico 2000, era superior ao encontrado nas áreas urbanas. Para melhor entendimento da dinâmica de reprodução das famílias, é interessante analisar os arranjos familiares onde os membros têm consangüinidade separadamente daqueles onde não figura o princípio do parentesco e cuja dinâmica apresenta configurações diversas 4. Nesse sentido, verificou-se que em 93% das famílias residentes no meio rural brasileiro haviam relações de parentesco ou consangüinidade. Com base na publicação Principles and Recommendations for Population and Housing Censuses (1998) da ONU, realizou-se a seguinte classificação para esse conjunto de famílias: i. Nuclear básica: definida como unidade doméstica consistindo inteiramente de uma única família nuclear, que pode ser classificada como: (a) casal com ou sem filho(s); (b) pai com filho(s); e (c) mãe com filho(s). ii. Nuclear extensa: definida como unidade doméstica consistindo de única ou mais famílias nucleares e outras pessoas com parentesco entre si. 3 Porcentagem das pessoas ocupadas em relação às pessoas de 10 anos ou mais de idade. 4 No entendimento dos autores, a noção de família deveria estar estritamente relacionada ao conceito adotado nas ciências sociais, o qual considera família o grupo de indivíduos ligados por laços de consangüinidade, adoção ou aliança, socialmente reconhecidos e organizados em núcleos de reprodução social, excluindo portanto os arranjos unipessoais e àqueles que reúnem duas ou mais pessoas sem parentesco. Todavia, não obstante os estudos sobre o padrão de organização familiar nas pesquisas domiciliares do IBGE desenvolvidos pelos autores, optou-se por manter neste trabalho a definição de família utilizada no Censo e as respectivas tabulações divulgadas recentemente nos resultados da amostra. 4

iii. iv. Nuclear composta: definida como unidade doméstica consistindo de única ou mais famílias nucleares mais outras pessoas, podendo algumas delas ter parentesco com o núcleo e outras não. Outro: duas ou mais pessoas com relações de parentesco entre si, sem constituírem uma família nuclear. A partir dessa classificação, foi possível analisar de forma mais detida o padrão de organização das famílias rurais brasileiras. Primeiramente, observou-se que apenas 12% das famílias rurais eram conviventes, percentual equivalente ao encontrado para as famílias urbanas e que mostra que, na grande maioria dos domicílios, havia apenas uma família residente. Além disso, não se mostrou muito comum a presença de parentes ou agregados, uma vez que quase 78% das famílias rurais eram formadas apenas pelo núcleo básico. Vale ressaltar que a distribuição percentual das famílias rurais segundo a classificação sugerida foi bastante semelhante à encontrada para as famílias urbanas, onde a participação das famílias nucleares básicas no total de famílias com parentesco foi de aproximadamente 74%. A configuração Outro, embora de pouca representatividade em ambas situações de domicílio, apresentou maiores diferenciais, representando 4,2% do total de famílias nas áreas urbanas e apenas 2,7% das famílias nas áreas rurais (Tabela 1). Tabela 1 Famílias residentes em domicílios particulares nas áreas rurais, por tipo de composição familiar - Brasil - 2000 Situação do domicílio Famílias rurais por Urbana Rural tipo de composição familiar Total % Total % Total 40 268 159 100,0 7 994 630 100,0 Unipessoais 3 570 244 8,9 556 247 7,0 Duas ou mais pessoas sem parentesco 126 194 0,3 16 430 0,2 Famílias com parentesco 36 571 721 90,8 7 421 953 92,8 Nuclear básica 29 688 821 73,7 6 208 004 77,7 Nuclear extensa 4 545 134 11,3 897 314 11,2 Nuclear composta 650 553 1,6 101 367 1,3 Com parentes e não parentes 120 127 0,3 19 740 0,2 Somente não parentes 530 426 1,3 81 627 1,0 Outro (1) 1 687 209 4,2 215 265 2,7 Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000. (1) Duas ou mais pessoas com relações de parentesco entre si, sem constituírem uma família nuclear, com ou sem outras pessoas. As formas de organização familiar podem ainda ser analisadas através dos diferentes arranjos possíveis, considerando a composição do núcleo e a presença ou não de parentes e agregados. Conforme pode ser observado na Tabela 2, o tradicional padrão casal com filhos ainda foi predominante em 71,4% das famílias rurais nucleares, uma participação relativa ainda mais intensa que a média urbana (62,3%). Dentre estas famílias, 86% eram formadas apenas pelo núcleo básico e em quase 13% observou-se a presença de parentes (Tabela 3). O tipo casal sem filhos vem logo depois com 16% dos casos, média similar à encontrada para as áreas urbanas. O maior diferencial encontrado entre as situações de domicílio foi em relação ao tipo mulher responsável pela família com filhos e sem cônjuge, uma configuração que 5

demonstrou ser mais freqüentemente urbana (19,7% do total de famílias) que rural, onde a participação relativa foi de 10,2%. Tabela 2 Famílias nucleraes residentes em domicílios particulares, segundo a situação do domicílio e o tipo de arranjo familiar - Brasil - 2000 Famílias rurais, por situação do domicílio Famílias nucleares por Total Distribuição percentual (%) tipo de arranjo familiar Urbana Rural Urbana Rural Famílias nucleares 34 884 507 7 206 696 100,0 100,0 Casal sem filhos 5 508 044 1 156 416 15,8 16,0 Casal com filhos 21 742 447 5 144 437 62,3 71,4 Mulher responsável sem cônjuge com filhos 6 857 026 732 638 19,7 10,2 Homem responsável sem cônjuge com filhos 776 990 173 205 2,2 2,4 Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000. Tabela 3 Famílias nucleares residentes em domicílios particulares nas áreas rurais, por tipo de arranjo familiar e presença ou não de parentes e agregados - Brasil - 2000 Famílias nucleares rurais por tipo de arranjo familiar Total Nuclear básica Nuclear composta Com parente e não parente Nuclear extensa Somente não parente Famílias nucleares rurais 7 206 696 86,1 12,5 0,3 1,1 Casal sem filhos 1 156 416 83,2 15,0 0,3 1,5 Casal com filhos 5 144 437 88,0 10,7 0,2 1,1 Mulher responsável sem cônjuge com filhos 732 638 79,3 19,5 0,3 0,9 Homem responsável sem cônjuge com filhos 173 205 80,0 18,4 0,4 1,2 Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000. Uma outra possibilidade de verificar os padrões de organização das famílias com os dados do Censo consiste em considerar os principais grupos étnicos nas configurações das uniões conjugais a partir da cor das pessoas responsáveis e de seus respectivos cônjuges. De uma forma geral, a população rural possui uma proporção de brancos bastante inferior à média nacional (43,4% contra 53,7%). Em contrapartida, houve uma sobrepresença de pardos (47,5% contra 38,5% no Brasil), indígenas (1,1%) e pretos (6,9%) nessas áreas. Nesse contexto, observou-se que ainda foram predominantes as uniões entre pessoas da mesma cor: 76,6% dos responsáveis de cor branca e 71,8% dos responsáveis de cor parda casaram-se com pessoas da mesma cor. A predominância de pardos nas áreas rurais denotou um comportamento de uniões entre pessoas de mesma cor bem mais intenso que nas áreas urbanas (onde 61,5% dos responsáveis pardos tinham cônjuges também da cor parda). A população rural de cor preta apresentou suas uniões de forma mais multirracial que as demais, mas ainda predominantemente de uniões entre pretos (44,4%) e de forma mais representativa que nas áreas urbanas, onde a proporção das uniões entre pessoas dessa cor foi de 39,6%. Apenas no que se refere aos brancos que as áreas rurais apresentaram uniões intraraciais ligeiramente menos intensas que nas áreas urbanas (79,3%). Não obstante essa predominância de uniões entre pessoas da mesma cor e de forma mais intensa que nas áreas urbanas, houve uma redução significativa desses percentuais em relação a 1991 (Gráficos 1 e 2). 6

Gráfico 1 Pessoas responsáveis por cor, segundo a cor dos respectivos cônjuges e situação do domicílio - Brasil - 2000 Urbana Rural 17,3 79,3 2,5 30,2 61,5 39,6 3,9 29,1 33,8 19,6 76,6 3,1 30,4 71,8 44,4 3,5 24,1 23,8 COR DO CÔNJUGE Parda Preta Branca Branca Preta Parda Branca Preta Parda COR DO RESPONSÁVEL Fonte: IBGE, Censos Demográficos 2000. (1) Exclusive as pessoas sem declaração de cor, amarelas e indígenas. Gráfico 2 Pessoas responsáveis por cor, segundo a cor dos respectivos cônjuges - Brasil Rural - 1991/2000 1991 2000 16,0 82,3 1,5 33,5 79,2 49,8 2,4 16,3 18,1 19,6 76,6 3,1 30,4 71,8 44,4 3,5 24,1 23,8 COR DO CÔNJUGE Parda Preta Branca Branca Preta Parda Branca Preta Parda COR DO RESPONSÁVEL Fonte: IBGE, Censos Demográficos 1991 e 2000. (1) Exclusive as pessoas sem declaração de cor, amarelas e indígenas. Em suma, o que se observou foi que, em termos de tipologia e formas de organização familiar, não existem diferenças significativas de comportamento entre áreas urbanas e rurais. Embora as famílias rurais ainda sejam mais numerosas, a tendência mostra que esta vem acompanhando a tendência nacional de redução do tamanho das famílias e estima-se que a diferença no número de componentes hoje existente em relação as famílias urbanas irá sistematicamente se reduzir nas próximas décadas, fruto também do processo demográfico de 7

redução das taxas de natalidade e fecundidade que vem ocorrendo tanto nas áreas urbanas quanto nas rurais. De uma forma geral, o padrão familiar permanece, em ambas as situações, sendo o tipo tradicional casal com filhos, em sua maioria composto apenas por esse núcleo básico. Todavia, nas áreas urbanas, arranjos alternativos como mulher responsável com filhos e sem cônjuge vem ganhando maior representatividade, embora sua participação relativa no total de famílias rurais também tenha crescido nos últimos anos. Por fim, as uniões conjugais, em ambos os casos, se caracterizaram fundamentalmente como intraraciais, com forte predominância de uniões entre responsáveis e cônjuges da mesma cor, mas de forma menos intensa que a verificada em 1991. Nesse caso, as áreas rurais ainda apresentam proporções de uniões multi-raciais menos significativas que as áreas urbanas. Condições socioeconômicas e composição da força de trabalho nas famílias rurais O rendimento familiar per capita define as possibilidades de utilização dos bens e serviços necessários à manutenção da unidade familiar e se configura em um importante indicador para compreender as formas de reprodução e organização das famílias. A distribuição das famílias por classes de rendimento mensal familiar per capita medidos em salários mínimos 5 revelou que 43,2% das famílias rurais viviam com até meio salário per capita, em contraste com as áreas urbanas onde essa proporção era de 17,6%. Se considerarmos os tipos de composição familiar, no meio rural, mais da metade dos arranjos do tipo casal com filhos apresentaram rendimento de até meio salário mínimo per capita. Já nas áreas urbanas, foi a configuração mulher responsável com filhos sem cônjuge que apresentou a maior participação de famílias com o referido rendimento per capita. De uma forma geral, o valor do rendimento nominal médio mensal familiar para as áreas urbanas foi 2,5 vezes maior que o encontrado nas áreas rurais. Não se deve deixar de mencionar que, embora seja reconhecida a posição desfavorável dessas áreas em relação às urbanas, no que concerne à cobertura de serviços públicos e índices de desenvolvimento socioeconômicos, a composição dos rendimentos rurais pode envolver uma parcela significativa de rendimentos não-monetários (como no caso das famílias que produzem para auto-consumo) que podem minimizar a desigualdade urbano-rural entre os rendimentos. No entanto, esse fator não se configura em realidade para grande parte das famílias rurais, principalmente se considerarmos o forte processo de urbanização e diversificação do mercado de trabalho nessas áreas em direção às atividades não agrícolas, como veremos adiante. Em termos de indicadores de mercado de trabalho, o nível da ocupação das pessoas de 10 anos ou mais de idade foi ligeiramente superior nas áreas rurais em relação às urbanas: 49,6% contra 47,7%. O mesmo ocorreu para a população masculina, que, nas áreas rurais, apresentou um nível de ocupação de 67,1%, contra 59,9% na situação urbana. Para as mulheres, o efeito se mostrou contrário, uma vez que 36,4% e 30% das mulheres de 10 anos ou mais encontravam-se ocupadas, respectivamente, nas áreas urbana e rural. Com relação a taxa de desocupação, que mede a proporção de desocupados entre os economicamente ativos (que, por sua vez, refere-se ao conjunto das pessoas ocupadas e desocupadas na semana de referência), esta foi 2,4 vezes mais elevada nas áreas urbanas (17%) que nas rurais (7,1%), em 2000, comportamento verificado tanto para mulheres quanto para os homens. Quando se analisou esses indicadores em função da condição na família, observou-se primeiramente que, em geral, o nível de ocupação era mais elevado que a média para as 5 O salário mínimo de julho de 2000, utilizado como referência no Censo, era de R$151,00. 8

pessoas na condição de responsáveis (75,9% nas áreas rurais e 67,7% nas áreas urbanas), aumentando substancialmente o diferencial urbano-rural para 8 pontos percentuais. Para o responsável homem, o nível de ocupação foi ainda maior (82,2% para o rural e 76,2% para a urbana), embora o diferencial entre as situações de domicílio tenha se reduzido. Assim, o maior diferencial entre os níveis de ocupação dos responsáveis das áreas urbanas e rurais devem-se às responsáveis mulheres, que apresentaram nível de ocupação mais elevado na situação urbana (46,9% contra 37,3%), reforçando a diferença anteriormente detectada. Em termos de taxa de desocupação, esta foi menor que a média quando a pessoa era responsável pela família, para ambas situações de domicílio e independente do sexo, passando para 9,7% no caso dos responsáveis pelas famílias urbanas e apenas 3,6% para os responsáveis pelas famílias rurais. Tabela 4 Indicadores de condição de atividade e de ocupação das pessoas de 10 anos ou mais de idade, por condição na família e situação do domicílio - Brasil - 2000 Indicadores por condição na Urbana Rural Total família Total Homem Mulher Total Homem Mulher Total Taxa de atividade (1) 56,7 57,4 69,6 46,2 53,3 70,7 34,0 Nível da ocupação (2) 48,0 47,7 59,9 36,4 49,6 67,1 30,0 Taxa de desocupação (3) 15,3 17,0 14,0 21,1 7,1 3,6 11,7 Responsável Taxa de atividade 75,6 74,9 82,9 55,6 78,8 84,8 41,8 Nível da ocupação 69,1 67,7 76,2 46,9 75,9 82,2 37,3 Taxa de desocupação 8,6 9,7 8,0 15,6 3,6 2,6 10,7 Cônjuge ou companheiro (a) Taxa de atividade 47,5 49,5 81,8 47,2 38,9 76,1 38,1 Nível da ocupação 39,4 40,3 71,1 38,2 35,5 69,8 34,9 Taxa de desocupação 17,0 18,5 13,1 19,1 8,6 6,3 8,6 Filho (a) ou enteado (a) Taxa de atividade 45,3 45,9 51,2 39,6 42,6 54,0 26,5 Nível da ocupação 33,9 33,0 37,6 27,6 37,7 49,3 21,4 Taxa de desocupação 25,0 28,0 26,5 30,5 11,4 4,7 19,2 Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000. (1) Proporção das pessoas economicamente ativas em relação ao total das pessoas de 10 anos ou mais de idade. (2) Proporção das pessoas ocupadas em relação ao total das pessoas de 10 anos ou mais de idade. (3) Proporção das pessoas desocupadas em relação ao total das pessoas economicamente ativas. No tocante às pessoas na condição de cônjuge, o nível de ocupação foi superior nas áreas urbanas em cerca de 5 pontos percentuais, permanecendo na ordem de 40,3%. Considerando a predominância de mulheres nesta condição, os níveis de ocupação médios se aproximaram bastante dos níveis encontrados para as cônjuges e não houve muita diferenciação entre os cônjuges do sexo masculino, que apresentaram nível de ocupação em torno de 70%. A taxa de desocupação, por sua vez, elevou-se em relação à média para as pessoas nessa condição, atingindo 8,6% nas áreas rurais (6,3% para os homens e 8,6% para as mulheres), mas permanecendo ainda em patamares bem inferiores aos cônjuges urbanos. Vale ressaltar que alguns autores 6 alertam para as peculiaridades do trabalho familiar e as possíveis 6 Ver, por exemplo, LUND & HILL, 1979 9

complicações na hora de se definir a ocupação ou não dos membros da família. É difícil para o agricultor familiar, por exemplo, quantificar a duração de seu trabalho total e alocá-lo entre as diferentes atividades por ele exercidas, muitas vezes resultando numa subestimação do tempo de trabalho efetivamente empregado, enquanto que, por outro lado, os serviços de gerenciamento, secretaria e atividades administrativas dos estabelecimentos agrícolas familiares realizados pelo casal não são geralmente incluídos ou mesmo encarados como trabalho ou ocupação. Por fim, a análise destes indicadores para as pessoas na condição de filhos revelou que o nível de ocupação destes não se diferenciou muito do encontrado para os cônjuges. Entretanto, a proporção de filhos ocupados, de uma forma geral, foi mais intensa nas áreas rurais (37,7), contra 33% nas áreas urbanas. Quando o sexo dos filhos era masculino, esse diferencial aumentou significativamente, com o nível de ocupação chegando a atingir 49,3% na situação rural de domicílio. A situação se inverte no caso das filhas, considerando que o nível de ocupação destas foi de 27,6% nas áreas urbanas e 21,4% nas rurais. A taxa de desocupação dos filhos residentes no meio urbano foi 2,5 vezes superior à mesma taxa no meio rural (28% contra 11,4%), principalmente para os filhos homens. Conforme já citado na primeira seção deste artigo, a maior ocupação dos filhos em famílias rurais pode, em parte, se dever à importância do trabalho destes para a composição do rendimento familiar. De fato, os dados do Censo mostraram também que o ingresso precoce na população ocupada e a permanência até idades mais avançadas são, proporcionalmente, maiores nas áreas rurais que nas urbanas 7 : o nível da ocupação das crianças de 10 a 14 anos, por exemplo, foi de 4,2% na situação urbana e de 15,1% no rural. Estratégias ocupacionais e formas de inserção no mercado de trabalho Uma vez entendida a composição da força de trabalho nas famílias rurais, é importante entender de que forma seus membros encontram-se inseridos no mercado de trabalho e quais as estratégias de sobrevivência da família. Para tal, as informações do Censo Demográfico 2000 permitem verificar em qual seção de atividade e posição as pessoas encontravam-se ocupadas, segundo sua condição na família. Observou-se que, em contraste com as áreas urbanas onde a ocupação no setor de serviços era predominante, nas áreas rurais ainda prevaleceu a ocupação em atividades primárias como agricultura, pecuária, silvicultura, pesca e indústria extrativa. De fato, conforme mencionado anteriormente, a agricultura familiar ainda se configura numa importante fonte de renda e ocupação das famílias rurais. Os estudos realizados no âmbito do convênio FAO/INCRA conseguiram traçar um perfil da agricultura brasileira e identificaram, em 1995/96, cerca de 4,8 milhões de estabelecimentos rurais, sendo 4,1 milhões familiares (85,2%) e 554,5 mil estabelecimentos patronais (11,4%). Considerando que as famílias rurais possuem, em média, 4 componentes, pode-se estimar um universo de aproximadamente 16 milhões de pessoas (metade da população rural do país) envolvidas direta ou indiretamente nesse tipo de atividade. Em particular, o Censo Demográfico fornece informações para as pessoas de 10 anos ou mais de idade ocupadas nessas atividades primárias: foram 11,7 milhões de pessoas, sendo 8,4 7 IBGE. Censo Demográfico 2000: trabalho e rendimento. Resultados da amostra. Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 2003, p.51. 10

milhões (73,7%) destas ocupadas no meio rural. A análise do indicador de ocupação por condição na família evidenciou que responsáveis (74,1%), cônjuges (63,3%) e filhos (72,5%) estavam majoritariamente ocupados nessas atividades. Vale ressaltar que, nas áreas rurais, o setor de serviços foi mais representativo para os cônjuges, já que ¼ destes estavam ocupados nesse setor. Isso pode estar indicando o emprego destes em atividades extras à atividade principal da família para complemento do rendimento familiar. De fato, os dados do Censo também mostraram que 8% dos cônjuges estavam ocupados como domésticos, 27,1% como empregados e 19,1% como conta-própria (Tabelas 5 e 6). Tabela 5 Pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência, por situação do domicílio, segundo o grupamento de atividade do trabalho principal - Brasil - 2000 Segmentos de atividade e situação do domicílio Responsável População ocupada de 10 anos ou mais de idade, por condição na família Total Distribuição por segmentos de atividade (%) Cônjuge Companheiro (a) Filho (a) Enteado (a) Responsável Cônjuge Companheiro (a) Filho (a) Enteado (a) Urbana 27.289.484 11.002.336 12.086.334 100,0 100,0 100,0 Agrícola (1) 2.218.800 454.857 831.899 8,1 4,1 6,9 Indústria (2) 4.475.793 1.455.600 1.984.090 16,4 13,2 16,4 Construção (3) 2.927.357 268.486 792.585 10,7 2,4 6,6 Comércio e Reparação (4) 5.171.954 1.842.789 2.802.097 19,0 16,7 23,2 Serviços (5) 12.111.546 6.833.965 5.503.304 44,4 62,1 45,5 Outras atividades (6) 384.034 146.639 172.359 6,3 6,5 5,1 Rural 6.073.809 2.240.260 3.353.718 100,0 100,0 100,0 Agrícola 4.500.935 1.417.475 2.431.615 74,1 63,3 72,5 Indústria 352.111 146.651 219.955 5,8 6,5 6,6 Construção 244.861 12.195 84.286 4,0 0,5 2,5 Comércio e Reparação 264.481 83.944 147.227 4,4 3,7 4,4 Serviços 665.189 562.606 446.355 11,0 25,1 13,3 Outras atividades 46.232 17.390 24.279 0,8 0,8 0,7 Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000. (1) Agricultura, pecuária, silvicultura, pesca, Indústria extrativa. (2) Indústria de transformação e Produção e distribuição de eletricidade, gás e água. (3) Construção. (4) Comércio, reparação de veículos automotores e de objetos pessoais e domésticos. (5) Alojamento e alimentação; transporte, armazenagem e comunicação; administração pública; educação, saúde e serviços sociais; serviços domésticos; outros serviços coletivos, sociais e pessoais. (6) Organismos internacionais e outras atividades ou atividades não classificadas Tabela 6 Pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência, por situação do domicílio, segundo a posição na ocupação no trabalho principal - Brasil - 2000 Posição na ocupação Distribuição da população ocupada de 10 anos ou mais de idade, por condição na família, segundo a situação do domicílio (%) Rural Responsável Urbana Cônjuge Companheiro (a) Filho (a) Enteado (a) Responsável Cônjuge Companheiro (a) Filho (a) Enteado (a) Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 Doméstico 4,9 15,8 6,3 2,7 8,0 5,2 Empregado 62,1 56,2 74,8 37,9 27,1 34,3 Empregador 4,7 3,2 1,1 1,5 0,4 0,2 Conta-própria 27,1 21,1 12,8 43,5 19,1 16,3 Aprendiz ou estagiário sem remuneração 0,1 0,3 1,4 0,0 0,2 0,7 Não remunerado em ajuda a membro do domicílio 0,3 2,6 3,0 1,0 29,9 31,1 Trabalhador na produção para o próprio consumo 0,9 0,8 0,6 13,3 15,2 12,2 Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000. 11

Entretanto, em termos de posição na ocupação, cônjuges e filhos estavam predominantemente ocupados como não remunerados em ajuda a membro do domicílio (29,9% e 31,1%, respectivamente). Foram elevadas também as proporções de cônjuges e filhos como trabalhadores na produção para auto-consumo, o que reforça a importância do trabalho destes na composição do rendimento da família. Mesmo que tal contribuição não se traduza monetariamente, é um fator de suma importância para a segurança alimentar e bem-estar das famílias. Os responsáveis, por sua vez, estavam fundamentalmente ocupados como contaprópria (43,5%). Essa configuração da posição ocupada pelos membros da família também indica que a atividade agrícola é, realmente, uma das principais atividades desenvolvidas pelas famílias. A produção familiar, no entanto, apresenta alguns aspectos que podem influenciar o ciclo de desenvolvimento da agricultura familiar e, por conseguinte, as estratégias de sobrevivência das famílias. Podem existir problemas relacionados, por exemplo, à conciliação de interesses dos membros de cada unidade familiar. Nesse contexto, autores como Gasson (1988), sugerem que a família pode decidir contrabalançar os recursos próprios em termos de terra, capital, trabalho e necessidades de consumo, em cada período, através de aumento de área cultivada (aquisição de terras), investimento em capital ou ainda substituindo trabalho familiar por temporário, liberando os membros da família a encontrar outros empregos fora da fazenda. Como, em geral, é pequena a disponibilidade de terras para aquisição ou há restrição de recursos para investimento, é prática corrente os membros da família empregarem-se parcialmente em atividades não-agrícolas de modo a complementar a renda da família. Assim, é errônea a idéia de que a fazenda é a única fonte de receita da família, embora boa parte dos estudos sobre o tema e propostas de políticas específicas ao segmento da agricultura familiar esteja centrada apenas no universo da produção agrícola. Infelizmente, a comparação das informações sobre a ocupação por setores de atividades entre os Censos Demográficos de 1991 e 2000 é difícil em função da mudança de conceitos realizada de um Censo para outro, no que diz respeito tanto ao período de referência da ocupação, que em 1991 era de uma ano, quanto à própria classificação das atividades 8. Mesmo não sendo a pesquisa mais indicada para esse tipo de análise por não abranger as áreas rurais da Região Norte, é possível através da PNAD verificar a redução da proporção de ocupados nas atividades primárias: em 1992, 28,3% das pessoas de 10 anos ou mais de idade 8 A Classificação Brasileira de Ocupações - CBO, de responsabilidade do Ministério do Trabalho e Emprego - MTE, é o documento que reconhece, nomeia e codifica os títulos e descreve as características das ocupações do mercado de trabalho brasileiro. Esta classificação tem como referência a Classificação Internacional Uniforme de Ocupações - CIUO-88, da OIT, o Cadastro Brasileiro de Ocupações, organizado pelo MTE em 1971, e a Classificação da mão-de-obra do setor primário elaborada pelo IPEA/CNRH em 1977, para o uso nos registros administrativos. No Brasil, as informações provenientes de registros administrativos relativas às ocupações eram codificadas seguindo a estrutura da CBO. Entretanto, os dados censitários e de pesquisas domiciliares seguiam uma nomenclatura própria do IBGE, sem descrições. Esta multiplicidade de classificações dificultava a comparabilidade entre as diferentes fontes de informações produzidas no país, além de dificultar a comparação com estatísticas de outros países. Desde 1996, assumindo que a Classificação é uma das bases do sistema estatístico, o Ministério do Trabalho e Emprego e o IBGE iniciaram o processo de revisão da CBO, conduzido no âmbito da CONCLA (Comissão Nacional de Classificações), com o objetivo de unificar as classificações nacionais e aproximá-las ao máximo da CIUO-88, permitindo, desta forma, comparar com maior eficácia as informações relacionadas ao mercado de trabalho nacional e internacional. O IBGE adotou nos censos demográficos, até 1991, uma classificação de ocupação própria, que tinha como referência a Classificação de Programas dos Censos da América - COTA, desenvolvida nos anos sessenta. Essa classificação de ocupações, revista por ocasião dos censos, ou seja, a cada dez anos, não era facilmente comparável com a CBO e com as classificações adotadas internacionalmente, inclusive com a CIUO. (IBGE, 2003b:251) 12

estavam ocupadas nessas atividades no país, proporção que passa para 24,2% em 1999 e, por fim, 20,6% em 2002. Uma redução significativa de 27% nos últimos dez anos. As crescentes preocupações em relação ao desenvolvimento sustentável e à preservação do meio ambiente, a tendência declinante dos preços dos produtos agrícolas e as mudanças socioeconômicas no próprio meio rural reforçam a importância de uma contextualização do debate em torno da sustentabilidade da agricultura familiar. Shucksmith et alli (1989:347) fazem algumas considerações sobre as atuais perspectivas das políticas rurais em alguns países europeus. Não obstante a agricultura familiar ainda ser considerada um elemento central nas políticas rurais, principalmente em função da composição do tecido social nessas áreas, os autores apontam para algumas grandes mudanças ocorridas na maioria dos países europeus, dentre as quais se destacam: (i) a maior conscientização ambiental, incorporando uma preocupação crescente com a paisagem rural, diversidade da flora e fauna, proteção do habitat, e alimentação saudável; e (ii) a realização de que a economia rural é, hoje, muito mais ampla que a agricultura. O desenvolvimento da renda e emprego fora da agricultura e o desenvolvimento de infraestrutura econômica e social nessa economia rural mais ampla são reconhecidas como tão importante para a política pública quanto para a manutenção da produção agrícola. A reorientação das políticas públicas, segundo ainda os autores, deve, então, passar por um maior apoio à diversificação da economia rural e das fontes de renda familiar, através de medidas regionais de promoção de desenvolvimento dos mercados de trabalho rurais não-agrícolas e de atividades nas próprias unidades agrícolas ligadas ao turismo e artesanato; maior apoio a medidas de proteção ambiental e menor suporte para medidas exclusivamente relacionadas à agricultura. No Brasil, em virtude das áreas rurais apresentarem, historicamente em relação às áreas urbanas, menor acesso aos serviços, menores índices de desenvolvimento socioeconômico e elevados índices de pobreza, o enfoque da questão da complementação da renda dos agricultores familiares ganha relevância em termos de alívio dos problemas sociais existentes. Autores, como José Graziano da Silva, adotaram em seus estudos a argumentação da distinção entre economia rural e agrícola e da necessidade de se implementar políticas específicas ao meio rural brasileiro, nos mesmos moldes das orientações propostas por Shucksmith e outros. No seu famoso artigo, O Novo Rural Brasileiro (1999), o autor já aponta para as crescentes dificuldades de se separar o rural do urbano, em função do forte processo de urbanização que as áreas rurais vem sofrendo nos últimos anos, tanto do ponto de vista social quanto econômico. Em paralelo às mudanças em curso no meio rural, existem também importantes alterações na estrutura produtiva nas próprias unidades agrícolas familiares. Fatores como o crescimento da mecanização e a automação das atividades agropecuárias têm contribuído para a redução do tempo de trabalho necessário dos produtores familiares. Como resultado, tem-se o que Silva & Del Grossi (2000:2) denominaram de mercantilização do tempo livre das famílias rurais, que, se antes estava ocupado em lazer ou em atividades não-agrícolas para autoconsumo (fabricação de doces, conservas, móveis e utensílios domésticos), seu uso passou a se converter em renda para a família. Nesse contexto, surge a figura do part-time farmer ou agricultor em tempo parcial, cuja característica fundamental é não ser mais somente agricultor ou pecuarista: ele combina atividades agropecuárias com atividades não-agrícolas, dentro ou fora de seu estabelecimento, tanto nos ramos tradicionais urbano-industriais, como nas novas atividades que vêm se desenvolvendo no meio rural, como lazer, turismo, conservação da natureza, moradia e prestação de serviços pessoais. 13

Em resumo, conforme sublinha Silva (1999:7), a pluriatividade pode se configurar de duas formas básicas: (i) por meio do mercado de trabalho relativamente indiferenciado, que combina desde a prestação de serviços manuais até o emprego temporário nas indústrias tradicionais (agroindústrias, têxtil, vidro, bebidas, etc.); e (ii) por meio da combinação de atividades tipicamente urbanas do setor terciário com o gerenciamento das atividades agropecuárias. Mesmo diante deste novo mundo rural, os autores que defendem a pluriatividade nas áreas rurais destacam que as políticas ainda têm sido elaboradas de forma a apenas reduzir o isolamento das populações rurais, via melhoria de infra-estrutura e maior fornecimento de serviços básicos de educação, habitação e saneamento. Não se tem considerado as novas necessidades impostas pelo crescente processo de urbanização e industrialização dessas áreas. Considerações Finais A análise das informações do Censo Demográfico 2000 desenvolvida neste artigo permitiu apreender alguns aspectos sobre a dinâmica que rege o comportamento e funcionamento das unidades familiares rurais e apontar alguns desafios para o futuro. Observou-se, primeiramente, que diversas características, principalmente àquelas referentes à tipologia das famílias, foram bastante semelhantes entre áreas urbanas e rurais. Embora ainda existam algumas diferenças pontuais, de uma forma geral, comportamentos e tendências apresentados para a média das famílias brasileiras foram confirmados em ambas situações de domicílio, variando apenas em termos de intensidade. Dentre estes, podemos destacar: (i) a redução do tamanho das famílias; (ii) a ainda predominância do arranjo familiar padrão casal com filhos, embora tipos alternativos de arranjos tenham adquirido maior participação relativa (como mulher responsável sem cônjuge e com filhos ); (iii) a maior representatividade das famílias nucleares básicas no conjunto das unidades familiares; e (iv) a característica ainda intra-racial das uniões conjugais. Tal convergência é, em grande medida, fruto do intenso processo de urbanização que o país vem enfrentando nas últimas décadas. Os grandes diferenciais entre áreas urbanas e rurais foram, então, verificados para as variáveis econômicas, principalmente àquelas relacionadas a trabalho e rendimento. Manteve-se a histórica desigualdade regional de rendimentos, com o rural apresentando uma proporção de pessoas com rendimento familiar mensal per capita de até meio salário mínimo cerca de 2,5 vezes maior que as áreas urbanas. Por outro lado, os níveis de ocupação encontrados no meio rural foram superiores nas áreas rurais, principalmente para as pessoas na condição de responsáveis e filhos e em atividades primárias, o que denota a importância que a agricultura familiar ainda tem como estratégia de sobrevivência das famílias. Todavia, muitos autores defendem que é errônea a idéia de que a fazenda é a única fonte de receita da família, sendo recorrente que seus membros busquem ocupações não-agrícolas de complementação de renda, dentro ou fora dos limites da unidade agrícola. Esta tendência é reforçada pelas transformações culturais e socioeconômicas que o meio rural vem sofrendo nos últimos anos, em especial, as preocupações quanto ao desenvolvimento sustentável, preservação do meio ambiente, mecanização e automação das unidades familiares (que reduzem o tempo de trabalho familiar necessário à produção) e o surgimento de diversos nichos de mercado associados a atividades de turismo, artesanato, moradia, entre outros. Nesse contexto, vale ressaltar que não há dúvida que programas e políticas públicas direcionados ao desenvolvimento socioeconômico das áreas rurais devem considerar não apenas o fomento à produção agrícola familiar, principal atividade desenvolvida pelas famílias, mas, em conjunção com os demais setores da economia, devem estar inseridos numa 14

lógica macroeconômica de geração de renda de forma desconcentrada e de tecnologia apropriada, de criação de ocupações produtivas acompanhando as mudanças em andamento no mercado de trabalho rural, de subsídio às políticas de segurança alimentar, de impedimento do aumento dos fluxos migratórios para as cidades e de contribuição para a redução das desigualdades econômicas, espaciais e sociais. Bibliografia GASSON, R.; CROW, G. et alli. The Farm as A Family Business: a Review. In: Journal of Agricultural Economics, 39(1), pp.1-41, 1988. GUANZIROLI, Carlos et alli: Agricultura Familiar e Reforma Agrária no Século XXI. Rio de Janeiro: Garamond, 2001. IBGE. Censo Demográfico 2000: famílias e domicílios. Resultados da amostra. Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 2003a. IBGE. Censo Demográfico 2000: trabalho e rendimento. Resultados da amostra. Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 2003b. IBGE, Censo Demográfico 2000: características da população e dos domicílios. Resultados do Universo. Rio de Janeiro: IBGE, 2001a. IBGE, Tendências demográficas: uma análise dos resultados da sinopse preliminar do censo demográfico 2000. Estudos e Pesquisa. Informação demográfica e socioeconômica, n.6. Rio de Janeiro: IBGE, 2001b. 63p. IBGE. Censo Demográfico 1991: famílias e domicílios. Resultados da amostra. Brasil, n.1. Rio de Janeiro: IBGE, 1996. LUND, P. J. & HILL, P. G. Farm Size, Efficiency and Economies of Size. In: Journal of Agricultural Economics, 30(2), pp.145-158, 1979. ONU. Principles and Recommendations for Population and Housing Censuses: Revision 1. Statistical Papers. Series M, nº67/rev1. New York: United Nations: Department of Economic and Social Affairs: Statistics Division, 1998. SHUCKSMITH, D. M. et alli. Pluriactivity, farm structures and rural change. In: Journal of Agricultural Economics, vol.40, nº3, pp.345-360. Setembro, 1989. SILVA, José Graziano da & DEL GROSSI, Mauro Eduardo: A evolução da agricultura familiar e do agribusiness nos anos 90. Projeto Rurbano, 2000. In: http://www.eco.unicamp.br/projetos/rurbano.html SILVA, José Graziano da. O novo rural brasileiro. In: Coleção e Pesquisas. nº1. Campinas: Instituto de Economia, 1999. 15