INTITUTO QUALITTAS CLÍNICA MÉDICA E CIRÚRGICA DE PEQUENOS ANIMAIS



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Transcrição:

INTITUTO QUALITTAS CLÍNICA MÉDICA E CIRÚRGICA DE PEQUENOS ANIMAIS ESTABILIZAÇÃO DO JOELHO MEDIANTE TÉCNICA EXTRACAPSULAR POR MÉTODO MINIMAMENTE INVASIVO REVISÃO DE LITERATURA E RELATO DE CASO. Luciana Guirelli Ábrego Brasília, 2010.

Luciana Guirelli Ábrego Aluna do Curso de Clínica Médica e Cirúrgica do Instituto Qualittas Área de especialização: Clínica e cirurgia de pequenos animais. ESTABILIZAÇÃO DO JOELHO MEDIANTE TÉCNICA EXTRACAPSULAR POR MÉTODO MINIMAMENTE INVASIVO REVISÃO DE LITERATURA E RELATO DE CASO. Trabalho monográfico de conclusão do curso de Clínica Médica e Cirúrgica de Pequenos Animais (TCC), apresentado ao Instituto Qualittas como requisito parcial para a obtenção do título de Pós-graduado em Clínica Médica e Cirúrgica de Pequenos Animais, sob orientação do Prof. Dr. Afonso Henrique Miranda. Brasília, 2010.

ESTABILIZAÇÃO DO JOELHO MEDIANTE TÉCNICA EXTRACAPSULAR POR MÉTODO MINIMAMENTE INVASIVO REVISÃO DE LITERATURA E RELATO DE CASO. Elaborado por Luciana Guirelli Ábrego, aluna do Curso de Clínica Médica e Cirúrgica de Pequenos Animais do Instituto Qualittas Foi analisado e aprovado com grau:... Brasília, de de. Membro Membro Professor Orientador Brasília, 2010.

Agradecimentos Agradeço em primeiro lugar a Deus por ter me propiciado saúde para cumprir mais uma etapa da minha vida acadêmica. Aos professores, pela paciência e dedicação com que nos ensinam. Ao professor Dr. Afonso Henrique Miranda, pela orientação e grande contribuição ao meu trabalho. Ao Dr. Claudio Roehsig pela co-orientação do meu trabalho e pela transmissão de uma pequena parte de seu conhecimento para meu enriquecimento pessoal e acadêmico. Aos colegas e amigos, pelo companheirismo, compreensão, ternura e carinho com o qual sempre nos trataram. A minha mãe pelo contínuo incentivo aos estudos, acreditando sempre em mim.

RESUMO O ligamento cruzado cranial atua impedindo o deslocamento cranial da tíbia e limitando o grau de rotação medial em relação ao fêmur. Sua ruptura é uma causa recorrente de claudicação dos membros posteriores de cães. Os rasgos podem ser completos ou parciais, o que irá influenciar no grau de claudicação do animal. A causa da ruptura pode ser puramente traumática ou estar associada a causas degenerativas, que se desenvolvem no decorrer da vida do animal. Mecanismos imunopatológicos também podem estar envolvidos na patologia. O diagnóstico da ruptura do ligamento cruzado cranial é feito pelo exame físico, por meio do movimento cranial de gaveta. Técnicas de diagnóstico por imagem são utilizadas para investigar a fonte da patologia e a radiografia é o método mais utilizado. Outros meios de diagnóstico também podem ser usados, como análise de líquido sinovial e artroscopia. O tratamento conservativo pode ser tentado em animais de pequeno porte, todavia a cirurgia é geralmente o procedimento de escolha. Diversos procedimentos cirúrgicos são descritos, entretanto nenhum é capaz de coibir a progressão da doença articular degenerativa, que é conseqüência da instabilidade articular ocasionada pela ruptura do ligamento. A escolha da técnica a ser aplicada se baseia no caso clínico de cada animal e na preferência do cirurgião. Palavras-chave: ruptura, ligamento cruzado cranial, joelho.

ABSTRACT The cranial cruciate ligament acts preventing the cranial displacement of the tibia and limiting the degree of medial rotation of the femur. His break is a cause of recurrent lameness of the hind limbs of dogs. Tears can be partial or full, which will influence the degree of lameness of the animal. The cause of the rupture may be purely traumatic or be associated with degenerative causes, which develop during the life of the animal. Immunopathological mechanisms may also be involved in pathology. The diagnosis of rupture of the cranial cruciate ligament is made by physical examination, through the movement of cranial drawer. Techniques of diagnostic imaging are used to investigate the source of pathology and radiography is the most used. Other means of diagnosis can also be used, such as analysis of synovial fluid and arthroscopy. The conservative treatment can be tried in small animals; however, surgery is the procedure of choice. Several surgical procedures are described, though none is able to inhibit the progression of degenerative joint disease, which is a consequence of joint instability caused by the rupture of the ligament. The choice of technique to be applied is based on clinical case of each animal and the surgeon's preference. Keywords: rupture, cranial cruciate ligament, knee.

"O que eu faço, é uma gota no meio de um oceano. Mas sem ela, o oceano será menor. (M Teresa de Calcutá)

SUMÁRIO 1. CONSIDERAÇÕES GERAIS... 10 1.1 INTRODUÇÃO... 10 1.2 REVISÃO DE LITERATURA... 11 2. OBJETIVOS... 19 2.1 Objetivo geral... 19 2.2 Objetivo específico... 19 3. METODOLOGIA... 20 4. RELATO DE CASO... 21 4.1 MATERIAL E MÉTODOS - ROEHSIG (2008)... 21 5. DISCUSSÃO... 24 6. CONCLUSÃO... 26 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS... 27 8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 28 9. ANEXOS... 30

LISTA DE FIGURAS Figura 1 Artrotomia exploratória de um joelho com suspeita clinica de RLCC. Ligamento Cruzado Cranial Rompido (seta)...29 Figura 2 Artrotomia exploratória de um joelho com RLCC. Osteoartrite gerada pela instabilidade articular devido a RLCC (seta)...29 Figura 3 Tunelização no ângulo de encontro entre o ligamento patela e o platô tibial com condutor de fio, de medial para lateral, passando um fio de náilon...30 Figura 4 Fio entrelaçado na crista da tíbia, com extremidades posicionadas medialmente...30 Figura 5 Orifício intercondilar sendo realizado para passagem do fio de náilon....31 Figura 6 Condução do fio de náilon no aspecto medial do joelho, da crista da tíbia para a região do orifício intercondilar...31 Figura 7 Fio de náilon já passado pelo orifício intercondilar, de medial para lateral, onde encontram-se as pontas do deste...32 Figura 8 Pontas do fio amarradas com nó de cirurgião, após o entrelace da crista da tíbia no aspecto lateral...32

10 1. CONSIDERAÇÕES GERAIS 1.1 INTRODUÇÃO O curso de especialização em clínica e cirurgia de pequenos animais foi realizado na cidade de Brasília - DF, no período compreendido entre janeiro de 2008 e julho de 2009, totalizando 360 horas. Foram ministradas aulas teóricas por professores de diversas especialidades, de universidades de todo o território nacional. Os módulos de especialização ocorreram aproximadamente a cada 45 dias e diversos assuntos foram abordados durante as aulas teóricas, abrangendo conteúdos de clínica e cirurgia. As aulas teóricas foram complementadas por aulas práticas referentes aos assuntos explanados. Alguns procedimentos cirúrgicos puderam ser realizados em cadáveres, no Hospital Veterinário São Francisco. Houve a participação de pacientes das clínicas de colegas veterinários do curso, durante as aulas práticas, possibilitando o estudo de assuntos abordados em sala de aula. Não houve aula prática em todos os módulos, devido ao conteúdo teórico relacionado apenas a clínica médica de pequenos animais de determinados assuntos.

11 1.2 REVISÃO DE LITERATURA O ligamento cruzado cranial atua limitando a rotação interna da tíbia. Quando o joelho é flexionado, os ligamentos cruzados cranial e caudal se torcem, limitando o grau de rotação interno da tíbia com relação ao fêmur. A inervação do ligamento serve como mecanismo de retroalimentação proprioceptiva para evitar excessiva flexão ou extensão do joelho (FOSSUM, 2005). As lesões de ligamento cruzado cranial são rasgos completos ou parciais na estrutura ligamentar do joelho. FOSSUM (2005). Resultam de traumatismo e mais comumente ocorrem de maneira espontânea (RADOSTITS et al, 2002). O resultado é a instabilidade na articulação do joelho, acompanhada de dor, o que pode melhorar gradualmente durante as primeiras semanas (DAVIDSON et al, 2005). Pode ainda ocorrer uma ruptura parcial, causando uma instabilidade menos óbvia, com menor claudicação. DAVIDSON et al (2005). De acordo com FOSSUM (2005), uma ruptura parcial geralmente progride para completa com o tempo. Ambos os casos, serão acompanhados de alterações articulares degenerativas, progressivas ao longo do tempo. A instabilidade articular, invariavelmente, leva à deterioração progressiva da movimentação do membro, com desenvolvimento de osteoartrite (DAVIDSON et al, 2005). Geralmente ocorre lesão de menisco quando há dano ao ligamento cruzado cranial. RADOSTITS et al (2002). Em alguns casos, o menisco pode estar com aspecto normal no momento da cirurgia, mas poderá apresentar dano em algum momento futuro (DAVIDSON et al, 2005). A ruptura do ligamento cruzado cranial (RLCC) pode resultar de causas degenerativas e traumáticas. Uma lesão aguda se associa mais comumente com hiperextensão e rotação da perna. Pode ainda ocorrer com o salto de um cão, se a força do impulso tibial cranial exceder a força de rompimento do

12 ligamento. Com a degeneração do ligamento, mesmo atividades normais repetitivas podem causar ruptura progressiva do mesmo (FOSSUM, 2005). A degeneração do ligamento se associa com o envelhecimento, principalmente em cães de raças grandes; anormalidades conformacionais, como membros traseiros retos; e artropatias imunomediadas (FOSSUM, 2005). Foram investigados mecanismos imunopatológicos de cães predispostos à patologia, e as respostas imunes ao colágeno têm sido sugeridas como causa de degradação do ligamento cruzado cranial. Os ligamentos são compostos principalmente de colágeno tipo I (DOOM et al, 2008). Constatou-se ainda que processos inflamatórios na articulação do joelho podem alterar a composição dos ligamentos cruzados, onde sua resistência mecânica é significativamente reduzida. A inflamação induzida por fatores bioquímicos, como as citocinas tem sido implicados na degeneração do ligamento (DOOM et al, 2008). A ruptura do ligamento cruzado cranial é comum em cães de meia-idade a idosos, em especial nos animais de estimação com excesso de peso e sedentários. As fêmeas castradas correm maior risco. O problema é menos comum em gatos (ETTINGER e FELDMAN, 2004). No joelho de felinos, a ruptura de ligamento cruzado cranial normalmente causa claudicação dos membros posteriores, inchaço nas articulações e dor. São menos freqüentes do que em cães e são muitas vezes resultado de traumas (MCLAUGHLIN, 2002). Diversos fatores podem levar a RLCC, com desenvolvimento de doença articular degenerativa. Em muitos casos, a afecção patológica subjacente encontra-se presente em ambos os joelhos (FOSSUM, 2005) e há uma tendência de o ligamento do membro oposto também romper em um ano ou mais depois do primeiro (ETTINGER e FELDMAN, 2004). Nos casos de lesões importantes da articulação do joelho, como o atropelamento, por exemplo, os ligamentos cruzado caudal e colateral também podem romper-se, aumentando assim a instabilidade articular (RADOSTITS et al, 2002).

13 As causas degenerativas e traumáticas de ruptura do ligamento cruzado cranial podem estar inter-relacionadas, pois os ligamentos enfraquecidos por degeneração ficam mais susceptíveis a traumatismo (FOSSUM, 2005). A quantidade de líquido nas articulações com degeneração varia de normal a abundante. Tais acúmulos de líquido sinovial podem se tornar aparentes após período de exercício excessivo ou vigoroso. Nos casos em que a quantidade de líquido aumenta, em geral, ele é fino ou aquoso devido à diluição com líquido de edema (ETTINGER e FELDMAN, 2004). Danos ao pólo caudal do menisco medial, muitas vezes ocorre como resultado de instabilidade articular. Esse dano raramente ocorre como lesão isolada, mas pode ser visto em cerca de 45% dos pacientes com ruptura do ligamento cruzado cranial (DAVIDSON et al, 2005). Os meniscos são fundamentais para a manutenção da saúde e função do joelho. LUTHER et al (2009). Segundo DAVIDSON (2005), se o menisco está danificado, a osteoartrite pode progredir mais rapidamente. A velocidade das alterações degenerativas é proporcional ao peso e à atividade do animal. Há uma forte tendência de alterações degenerativas em grandes articulações que sustentam peso dos animais (ETTINGER e FELDMAN, 2004). A doença articular degenerativa leva a deformidades na cartilagem, com aumento das dimensões da articulação, causado por neoformação e remodelamentos ósseos marginais, produção de entesófito, espessamento da cápsula articular e destruição das superfícies articulares. Pode ocorrer luxação ou subluxação em grandes articulações, especialmente no joelho (ETTINGER e FELDMAN, 2004). Alterações significativas foram encontradas na morfologia do ligamento cruzado caudal em cães com ligamento cruzado cranial deficiente. Estas mudanças podem estar associadas a micro traumas repetitivos para o ligamento cruzado caudal, secundários a instabilidade articular (ZACHOS et al, 2002). Pacientes com RLCC apresentam início agudo de claudicação sem sustentação ou com sustentação parcial de peso sobre o membro afetado. A claudicação geralmente melhora em 3 a 6 semanas após lesão sem tratamento,

14 mas o animal não retorna à atividade pré lesão sem evidência de claudicação recorrente (FOSSUM, 2005). Em contrapartida, animais com rasgos parciais do ligamento apresentam claudicação leve com sustentação de peso associado ao exercício, o que pode dificultar o diagnóstico nesse estágio de lesão. À medida que o ligamento continua a rasgar e o joelho se torna cada vez mais instável, as alterações degenerativas pioram e a claudicação se torna mais acentuada e não se resolve com repouso. Pacientes com lacerações crônicas podem apresentar atrofia muscular da coxa em comparação com o membro normal (FOSSUM, 2005). Na ruptura aguda, a tíbia pode deslizar 3 a 8 mm cranialmente ao fêmur (subluxação cranial da tíbia). Trata-se de um movimento cranial semelhante ao movimento de uma gaveta. ETTINGER e FELDMAN (2004). Um movimento de gaveta cranial é diagnóstico de lesão de ruptura de ligamento cruzado cranial. (RADOSTITS et al, 2002). Nos casos crônicos, o movimento de gaveta pode ser difícil de obter, pois os tecidos periarticulares podem estar espessados, especialmente na região medial do joelho. DAVIDSON et al (2005). Cães e gatos com articulações do joelho instáveis podem ressentir-se da palpação e ser necessário sedá-los para determinar a extensão da lesão. RADOSTITS et al (2002). Outro fator que pode dificultar o movimento de gaveta é a falta de relaxamento adequado do paciente. Pode ser necessária anestesia geral para negar a influência da tensão muscular (FOSSUM, 2005). Os sinais clínicos de rotura meniscal podem incluir claudicação, uso reduzido de membros, ou um clique audível durante o movimento articular (DAVIDSON et al, 2005; ETTINGER e FELDMAN, 2004). Pode ocorrer tumefação palpável das articulações em decorrência de efusões nos cães de grande porte com doença grave, porém não há mudança de temperatura nem avermelhamento da pele. Em casos avançados, são freqüentes as restrições da amplitude de movimento e crepitação (ETTINGER e FELDMAN, 2004).

15 O diagnóstico de distúrbios articulares é geralmente baseado em uma história de claudicação, exame físico e exames complementares. Técnicas de diagnóstico por imagem são usadas para investigar a fonte da patologia e a radiografia é o método mais utilizado. Tomografia computadorizada e ressonância magnética são menos utilizadas na medicina veterinária do que a ultrassonografia, devido ao alto custo e necessidade de anestesia geral do paciente (SOLER et al, 2006). São também métodos de diagnóstico da ruptura de ligamento cruzado cranial: análise do líquido sinovial e artroscopia. Radiografias podem ser úteis para confirmar a presença de derrame articular, avaliar a gravidade das alterações degenerativas e descartar outras causas de claudicação da articulação do joelho (DAVIDSON et al, 2005). De acordo com FOSSUM (2005), os achados radiográficos em pacientes com rupturas ligamentares crônicas incluem compressão do coxim gorduroso na face cranial da articulação e extensão da cápsula articular caudal, causada por derrame articular e formação de osteófitos ao longo da crista troclear, da superfície caudal do platô tibial e do pólo distal da patela. O espessamento de a cápsula articular fibrosa medial e a esclerose subcondral também são evidentes. Para complemento do diagnóstico pode ser realizado a análise do líquido sinovial. A artrocentese consiste na punção da articulação do joelho para coleta de líquido sinovial, objetivando a avaliação laboratorial. RADOSTITS et al (2002). Em casos de rasgo ligamentar parcial, a centese é particularmente útil na identificação do envolvimento da articulação do joelho como causa de claudicação. Quantidades maiores de fluido articular e um aumento de duas a três vezes no número de células indicam artropatia degenerativa secundária (FOSSUM, 2005). Detritos da matriz da cartilagem em degeneração e micro-hemorragia nos tecidos moles iniciam uma sinovite estéril que aumenta o número de macrófagos no líquido. Em geral não são vistos mais de 5% de neutrófilos polimorfonucleares. O líquido sinovial das articulações em degeneração às vezes é amarelado por causa de pigmentos de hemossiderina, originários de

16 micro-hemorragia nas camadas profundas da sinóvia (ETTINGER e FELDMAN, 2004). A artroscopia consiste em um exame da articulação por meio de artroscópio de calibre estreito. Para a realização do exame as cavidades articulares são dilatadas com líquido. Podem ser realizadas manobras cirúrgicas, além da inspeção macroscópica da articulação do joelho (RADOSTITS et al, 2002). O exame macroscópico é usado mais comumente para confirmar a presença de rasgos parciais do ligamento cruzado anterior. A artroscopia terapêutica é aplicada mais comumente para remoção de resquícios do ligamento rompido, reconstrução auxiliada do ligamento e tratamento de lesão meniscal (FOSSUM, 2005). Os diagnósticos diferenciais incluem torções articulares ou musculares leves, luxação patelar, lesão meniscal primária, avulsão do tendão extensor digital longo, artrite primária ou secundária e artrite imunomediada (FOSSUM, 2005). Apesar de inúmeros estudos realizados e técnicas cirúrgicas descritas, ainda existe controvérsia entre os pesquisadores a respeito de qual técnica de reparação fornece o melhor resultado funcional para a ruptura de ligamento cruzado cranial no cão. Pode ser tentado o tratamento conservador, onde os animais devem ficar em repouso rigoroso, entretanto a cirurgia é geralmente aceita como tratamento de escolha (DAVIDSON et al, 2005). Em cães com menos de 15 Kg e nos gatos, um período de repouso de 12 a 16 semanas é suficiente para resolver muitos casos. ETTINGER e FELDMAN (2004). A claudicação frequentemente se resolve em 6 semanas em pacientes pequenos tratados de maneira conservadora (FOSSUM, 2005). Embora cerca da metade dos cães e a maioria dos gatos com ruptura do ligamento cruzado cranial readquira o uso adequado do membro sem cirurgia, nem sempre se deve esperar recuperação espontânea. Os cães de grande porte têm menor possibilidade de recuperação espontânea e maior probabilidade de

17 desenvolvimento de doença articular degenerativa secundária, portanto a cirurgia torna-se a opção mais viável (ETTINGER e FELDMAN, 2004). A maioria das técnicas cirúrgicas busca mimetizar as funções dos ligamentos intactos, que são a prevenção de translação tibial cranial e limitação da rotação medial da tíbia, assim como a hiperextensão do joelho (REIF et al, 2002). As técnicas operatórias classificam-se em intra e extracapsulares. Enquanto as primeiras substituem o ligamento rompido por tecido autógeno ou sintético, as extracapsulares utilizam os tecidos periarticulares com o intuito de restabelecer a estabilidade articular (TATARUNAS e MATERA, 2005). As reconstruções extracapsulares envolvem a colocação de suturas externamente à articulação ou o redirecionamento do ligamento colateral lateral. É frequentemente útil combinar reconstruções intra e extracapsulares em cães de raças grandes e gigantes (FOSSUM, 2005). Para a realização das reconstruções extracapsulares, o fio de polipropileno se mostrou mais adequado do que o fio de aço na estabilização extra-articular por manter a biomecânica articular inalterada (SELMI et al, 2003). Segundo FOSSUM (2005), a maior parte dos estudos prospectivos tem mostrado que o índice de sucesso fica próximo de 90%, independentemente da técnica utilizada. Muitas técnicas cirúrgicas têm sido descritas para tratar a ruptura do ligamento cruzado cranial. Entretanto nenhuma das técnicas é capaz de coibir a progressão da doença articular degenerativa (DAVIDSON et al, 2005; TATARUNAS e MATERA, 2005). Deve-se limitar a atividade de pacientes com ligamentos cruzados craniais rasgados antes da cirurgia para evitar dano adicional na cartilagem articular causado por instabilidade. Indicam-se antibióticos perioperatórios e tratamento de dor antecipado com antiinflamatório não esteróide (AINE) nos casos de cães submetidos a técnicas de reconstrução de joelho (FOSSUM, 2005).

18 Não existe um consenso sobre qual dos procedimentos cirúrgicos é o melhor, portanto é necessário conhecer a anatomia, função e mecânica do ligamento cruzado cranial, bem como os princípios das técnicas descritas para selecionar a que se adapta melhor a cada caso (TATARUNAS e MATERA, 2005). O prognóstico para a ruptura do ligamento cruzado cranial é variável. DAVIDSON et al (2005). A função em longo prazo no caso de pacientes que sofreram um procedimento reconstrutivo é boa e o êxito não tem sido influenciado pelo método de reconstrução. A artropatia degenerativa progride independente do tratamento (FOSSUM, 2005). O resultado em longo prazo inclui redução na atividade com o tempo, aumento do nível de incapacitação, resposta adversa ao clima frio e rigidez após inatividade relacionada com a artropatia degenerativa progressiva (FOSSUM, 2005).

19 2. OBJETIVOS 2.1 Objetivo Geral Enriquecer o conhecimento sobre o assunto, tendo em vista a falta de diagnóstico na rotina clinica de pequenos animais e a facilidade com que tal problema pode ser solucionado com o exame ortopédico. 2.2 Objetivo Específico Descrever uma técnica de tratamento cirúrgico para estabilização sem necessidade de extensa abordagem cirúrgica e artrotomia exploratória.

20 3. METODOLOGIA Tipo de estudo A metodologia utilizada para a realização do trabalho foi a realização de pesquisa em literatura especializada e no relato de caso. Esse foi baseado no período de acompanhamento do animal, possibilitando descrição da etiologia, sinais clínicos, diagnóstico, tratamento e discussão acerca da terapêutica para a ruptura do ligamento cruzado cranial.

21 4. RELATO DE CASO 4.1 MATERIAL E MÉTODOS - ROEHSIG (2008). Roehsig, C.; MV, Ms Ciências Veterinárias. Foi atendida uma cadela da raça Bull dog campero, sete anos, pesando 40 kg. De acordo com a anamnese, o animal apresentava claudicação e impotência funcional crônica bilateral dos membros pélvicos. Ao exame ortopédico observaram-se os dois joelhos inchados, distensão sinovial da cápsula, hipertrofia bilateral do menisco medial e movimento de gaveta positivo bilateral. Exames laboratoriais de rotina foram realizados como avaliação préoperatória. A paciente foi submetida à estabilização bilateral no mesmo procedimento. Fez-se incisão de aproximadamente 2 cm sobre a crista da tíbia, incluindo pele e fascia subcutânea. Identificou-se a crista da tíbia e inserção do tendão patelar. Com bisturi, o periósteo da crista tibial foi incisado em ambos os lados e realizou-se elevação sub-periosteal de todo tecido, até expor toda a crista. Localizou-se um ponto, que fica aproximadamente 5 a 10 mm distal a inserção do tendão patelar e aproximadamente a mesma distância da superfície exposta da crista em direção profunda (caudal). No ângulo de encontro entre o ligamento patelar e o platô tibial fez-se uma tunelização com pinça de Halstead, com direcionamento tal desse instrumento de forma que a ponta da pinça ficou na face medial, onde foi pinçada a ponta de um fio de náilon de aproximadamente 50 cm e de diâmetro, previamente selecionado de acordo com o porte do paciente. A ponta pinçada foi então trazida para lateral e logo esta mesma extremidade foi introduzida no orifício, em sentido latero-medial. Assim, as duas extremidades do dito fio ficaram medialmente e este enlaçado na crista da tíbia. Seguindo, realizou-se incisão de aproximadamente 15 mm orientado, ajustado a distância média entre a fabela medial e o epicôndilo femoral do mesmo lado. Dissecou-se o tecido até chegar ao osso e localizou-se um ponto mais próximo a fabela, capaz de sustentar a perfuração de um orifício de diâmetro suficiente para passar as duas pontas do fio de náilon. O orifício foi

22 realizado perpendicularmente de medial para lateral, de forma que a abertura lateral ficou nas mesmas referências anatômicas mencionados para localização medial. As pontas do náilon foram então conduzidas da crista da tíbia até a região do orifício por uma agulha grossa e longa, direcionada adjacente as estruturas ósseas, até sair na incisão realizada para fazer o orifício. Após as pontas do náilon estarem neste ponto, foram introduzidas por tal orifício intercondilar até saírem lateralmente, de onde serão da mesma forma de recentemente descrito, conduzidas em direção a crista da tíbia, para saírem na incisão realizada neste local. Nesta parte da execução da técnica, estamos com o náilon ancorado na crista da tíbia, percorrendo a superfície medial num trajeto entre a crista da tíbia e um orifício intercondilar, que então conduz as pontas do fio para lateral do joelho e dali para a crista da tíbia no aspecto lateral. Com pinça de Halstead, tunelizando no ângulo entre o tendão patelar e platô tibial, direcionada agora de medial para lateral, pinça uma ponta do fio de náilon e traz para o aspecto medial do joelho e logo retorna ao aspecto lateral pelo orifício na crista da tíbia, que neste momento tem a segunda passada do fio. As duas pontas do fio estão novamente na lateral do joelho e são amarradas com um primeiro nó de cirurgião. O joelho foi então flexionado e estendido, lentamente, várias vezes e ao mesmo tempo o nó é apertado. Fez-se o primeiro sobre nó e realizou-se o teste de gaveta. Sendo o teste negativo, concluiu-se a estabilização com mais cinco sobre nós. Atingida estabilização satisfatória, as abordagens cirúrgicas foram ocluidas plano a plano. No pós-operatório imediato, a paciente foi medicada com morfina e antiinflamatório não esteróide para controle da dor, antibioticoterapia com cefazolina, ambos em protocolos terapêuticos tradicionais, durante sete dias. Após as primeiras 24 horas de cirurgia, a paciente foi colocada em estação, suportou o peso sobre os dois membros, mas não conseguiu caminhar. Com ajuda de uma toalha passada por baixo do abdômen caudal, auxiliou-se a locomoção. O animal recebeu alta hospitalar no terceiro dia pós-operatório, com recomendação de caminhadas curtas três a quatro vezes ao dia, para atender as necessidades fisiológicas e exercitar os membros enquanto persistia a

23 necessidade de auxílio. A movimentação dentro do canil ficou em liberdade. Durante 60 dias após inicio da ambulação espontânea, permitir-se-ia caminhadas diárias controladas na guia a fim de reabilitação e acomodação dos implantes. A ambulação espontânea ocorreu no quinto dia de pós-operatório, sem dificuldades visivelmente limitadoras. Próximo ao décimo dia, relata o proprietário, que a ambulação era praticamente normal durante as caminhadas. Até o décimo quinto dia de pósoperatório, observou-se ambulação evoluindo satisfatoriamente. No dia seguinte pela manhã quando o animal recebeu alimentação, relatou o proprietário sobre falta de locomoção da paciente, semelhante ao quadro pré-operatório. A avaliação ortopédica acusou novamente instabilidade, com movimento de gaveta positivo bilateral. A paciente novamente foi submetida à estabilização cirúrgica, desta vez com técnica descrita por PIERMATTEI & FLO (1999), que envolve a colocação de linha de sutura em torno da fabela lateral e ancorando-a a porção distal do ligamento patelar. Este procedimento produz contenção ao movimento de gaveta. A sutura fabelo tibial é comumente utilizada para a estabilização do joelho canino (ANDERSON et al, 1998). Observou-se durante o procedimento cirúrgico que os implantes de náilon colocados para estabilizar a articulação haviam se rompido e curiosamente em local semelhante nos dois joelhos. O fato da falha na estabilização ter acontecido de forma súbita, com a ruptura dos implantes no mesmo ponto, levantou a suspeita de esforço excessivo pela paciente. O proprietário foi interrogado a respeito e revelou que tal situação havia ocorrido durante o período de recuperação, motivado por agressão a outro cão. De acordo com o proprietário, o comportamento é habitual da paciente. Frente a este esclarecimento, acredita-se na possibilidade de semelhante acontecimento entre a observação do paciente em condições adequadas de recuperação e a súbita impotência funcional dos membros pélvicos..

24 5. DISCUSSÃO A ruptura do ligamento cruzado cranial pode estar relacionada a diversos fatores. Acredita-se que o fato de a paciente estar obesa contribuiu para o desenvolvimento de tal enfermidade. SLATTER (1998) afirma que a obesidade provoca aumento de carga sobre o ligamento que pode estar comprometido, e provavelmente é fator contributivo em muitos cães afetados. Outro fator que pode ter contribuído para a falha dos ligamentos é a idade avançada da paciente. De acordo com SLATTER (1998), a resistência do ligamento cruzado cranial do cão deteriora com o envelhecimento, correlacionando-se com a perda de organização dos feixes de fibras e com as alterações metaplásticas dos elementos celulares. De acordo com PIERMATEI & FLO (1999) existe controvérsia em relação ao melhor tratamento para a ruptura do ligamento cruzado cranial. No caso da paciente não foi feito o tratamento conservador conforme citado por FOSSUM (2005), uma vez que o animal apresentava ruptura bilateral do ligamento, o que tornava sua ambulação extremamente precária. Nesse caso, não seria possível aguardar longo período para recuperação com tratamento de maneira conservadora. A técnica cirúrgica alternativa descrita no presente trabalho busca objetivos descritos por HOELZLER et al (2004), que relata que a menor incisão na pele cria menor trauma cirúrgico, o que deverá proporcionar vantagens substanciais. Observou-se no caso relatado que o reduzido trauma cirúrgico leva a uma rápida recuperação do paciente, com o precoce retorno ambulatório. A técnica cirúrgica alternativa para estabilização do joelho após ruptura do ligamento cruzado cranial não segue o descrito por PIERMATEI & FLO (1999), que recomendam que a maioria das articulações do joelho deva ser aberta e limpa, independente da técnica de estabilização. A presente técnica busca minimizar a exposição cirúrgica por meio de técnicas minimamente invasivas, tal como já ocorre nos tratamentos de lesões de ligamento cruzado cranial com uso de artroscopia. FOSSUM (2005).

25 Após a ruptura bilateral dos implantes, a paciente foi submetida a uma segunda estabilização cirúrgica, com a técnica descrita por PIERMATEI & FLO (1999). O animal continuou a apresentar claudicação dos membros posteriores, corroborando com os citados autores, que relatam que não há técnica cirúrgica que estacione o desenvolvimento ou a progressão da afecção articular degenerativa. Apesar de não se resolver a progressão da doença articular degenerativa, foi observado que a paciente teve sua função melhorada, o que é também descrito pelos autores. Algumas complicações podem ocorrer após a cirurgia. De acordo com SLATTER (1998), o excesso na carga dos exercícios provoca ruptura do reparo dentro da primeira ou segunda semana. Como no caso relatado a falha da estabilização ocorreu de forma súbita, suspeitou-se de esforço excessivo da paciente, que segundo depoimento do proprietário, brigou com outro cão durante o período de recuperação da cirurgia. Essas complicações contribuem para o aumento da morbidade e muitas vezes requerem intervenção cirúrgica ou médica suplementar (ANDERSON et al, 1998). Não foram encontrados dados de literatura citando o tempo de retorno funcional após tratamento cirúrgico de RLCC com técnicas de rotina. Porém, considera-se favorável o resultado obtido, tendo em vista a realização bilateral do procedimento. Outro benefício que possivelmente tenha relevância com o aprofundamento desta técnica é a redução dos índices de infecção pósoperatória, dado ao reduzido trauma cirúrgico.

26 6. CONCLUSÃO Embora o sucesso total não tenha sido atingido no presente caso, considera-se que a técnica cirúrgica alternativa para reparo de ruptura de ligamento cruzado cranial pode vir a ser uma boa opção para os cirurgiões futuramente, devido a não necessidade de abordagem cirúrgica com artrotomia ampla, como é realizada convencionalmente. Essa qualidade, após o cirurgião estar habituado com o procedimento, poderá reduzir o tempo de cirurgia, além de acompanhar a tendência atual de minimizar a exposição cirúrgica por meio de técnicas minimamente invasivas, tal como já ocorre nos tratamentos de lesões de ligamento cruzado cranial com uso de artroscopia. FOSSUM (2005). Outra observação interessante é do precoce retorno ambulatório espontâneo obtido no quinto dia de pós-operatório. Possivelmente, essa condição seja resultado do reduzido trauma cirúrgico empregado nesse método. O tratamento cirúrgico de RLCC extra-capsular por meio de método minimamente invasivo pode tornar-se uma alternativa eficiente e com exigência reduzida de trabalho trans-cirúrgico e tempo de recuperação. Obviamente necessita-se aumentar o número de pacientes tratados e aperfeiçoar detalhes de técnica, principalmente aqueles que levaram ao insucesso no presente caso.

27 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS A realização da pós graduação em clínica e cirurgia de pequenos animais do Instituto Qualittas foi bastante proveitosa para meu aprimoramento profissional. Por meio do contato com professores de diferentes regiões do país foi possível enriquecer meu conhecimento não só pelas aulas, mas também pela troca de experiências da rotina da clínica médica e cirúrgica. Acredito que os módulos complementados com aulas práticas foram mais bem aproveitados por mim, uma vez que o contato direto com a demonstração das técnicas explanadas em sala de aula, desperta maior interesse e fixação por parte dos alunos. A convivência com colegas de profissão no decorrer dos módulos também contribuiu para meu crescimento individual e profissional. A possibilidade de troca de experiências reais, do dia a dia da clínica, enriquece muito o conhecimento da medicina veterinária. Acredito que deveria haver maior tempo para as aulas práticas, tendo em vista que eram ministradas em apenas um período, pela manhã. As aulas práticas são muito importantes para o aprendizado, uma vez que fixam o conteúdo visto em sala de aula.

28 8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. ANDERSON, C. C.; TOMLINSON, J. L.; DALY, W. R.; CARSON, W. L.; PAYNE, J. T.; WAGNER-MANN, C. C. The American College of Veterinary Surgeons. USA: Veterinary Surgery, 27:533-539, 1998. 2. DAVIDSON, J. R.; KERWIN, S. C.; MILLIS, D. L.; Rehabilitation for the orthopedic patient. Veterinary Clinics Small Animal Practice, USA: Elsevier Saunders, 2005. 3. DOOM, M.; BRUIN, de T.; ROOSTER, de H.; BREE, H., V.; COX, E.; Immunopathological mechanisms in dogs with rupture of the cranial cruciate ligament. Veterinary Immunology and Immunopathology, USA: Elsevier Saunders, 2008. 4. ETTINGER, S., J.; FELDMAN, E.,C. Tratado de Medicina Interna Veterinária, Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. 5. FOSSUM, T., W. Cirurgia de Pequenos Animais, segunda edição. São Paulo: Editora Roca, 2005. 6. HOELZLER, M. G.; MILLIS, D. L.; FRANCIS, D. A.; WEIGEL, J. P. The American College of Veterinary Surgeons. USA: Veterinary Surgery, 33:146-153, 2004. 7. LUTHER, J. K.; COOK, C. R.; COOK, J. L. The American College of Veterinary Surgeons. USA: Veterinary Surgery, 38:520-529, 2009. 8. MCLAUGHLIN, R. M. Surgical diseases of the feline stifle joint. The Veterinary Clinics Small Animal Practice, USA: Elsevier Science, 2002.

29 9. PIERMATTEI, D. L.; FLO, G. L. Ortopedia e Tratamento das Fraturas dos Pequenos Animais, terceira edição. Edição brasileira, 1999. 10. RADOSTITS, O. M.; MAYHEW, I. G. J.; HOUSTON, D. M. Exame Clínico e Diagnóstico em Veterinária. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002. 11. REIF, U.; HULSE, D. A.; HAUPTMAN, J. G.; The American College of Veterinary Surgeons. USA: Veterinary Surgery, 31:147-154, 2002. 12. SELMI, A. L.; LINS, B. T.; SELMI, G., R., B.; MENDES, G., M. Centro instantâneo de movimento, na avaliação ex-vivo da reconstrução extra-articular fabelo-tibial, após transecção do ligamento cruzado cranial em cães. Ciência Rural, Santa Maria, v. 33, n. 5, Oct. 2003. 13. SLATTER, D. Manual de Cirurgia de Pequenos Animais. São Paulo: Editora Manole, 1998. 14. SOLER, M.; MURCIANO, J.; LATORRE, R.; BELDA, E.; RODRÍGUEZ, M. J.; AGUT, A.; Ultrasonographic, computed tomographic and magnetic resonance imaging anatomy of the normal canine stifle joint. The Veterinary Journal, USA: Elsevier, 2006. 15. TATARUNAS, A., C.; MATERA, J., M. Possibilidades de Tratamento da Ruptura do Ligamento Cruzado Cranial no Cão. Rev. Edue. Contin. CRMV-SP, São Paulo, v. 8, n. I, p. 26-37, 2005. 16. ZACHOS, T. A.; ARNOCZKY, S. P.; LAVAGNINO, M.; TASHMAN, S. The American College of Veterinary Surgeons. USA: Veterinary Surgery, 31:596-603, 2002.

9. ANEXOS 30

31 Figura 1- Artrotomia exploratória de um joelho com suspeita clinica de RLCC. Ligamento Cruzado Cranial Rompido (seta). Fonte: Cláudio Roehsig. Figura 2 Artrotomia exploratória de um joelho com RLCC. Osteoartrite gerada pela instabilidade articular devido a RLCC (seta). Fonte: Cláudio Roehsig.

32 Figura 3 Tunelização no ângulo de encontro entre o ligamento patela e o platô tibial com condutor de fio, de medial para lateral, passando um fio de náilon. Fonte: Luciana Guirelli Ábrego. Figura 4 Fio entrelaçado na crista da tíbia, com extremidades posicionadas medialmente. Fonte: Luciana Guirelli Ábrego.

33 Figura 5 Orifício intercondilar sendo realizado para passagem do fio de náilon. Fonte: Luciana Guirelli Ábrego. Figura 6 Condução do fio de náilon no aspecto medial do joelho, da crista da tíbia para a região do orifício intercondilar. Fonte: Luciana Guirelli Ábrego.

34 Figura 7 Fio de náilon já passado pelo orifício intercondilar, de medial para lateral, onde encontram-se as pontas do deste. Fonte: Luciana Guirelli Ábrego. Figura 8 Pontas do fio amarradas com nó de cirurgião, após o entrelace da crista da tíbia no aspecto lateral. Fonte: Luciana Guirelli Ábrego.