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Transcrição:

Corpo e cultura: um olhar a partir do pensamento complexo de Edgar Morin Renata Costa de Oliveira - Mestranda/HCTE/UFRJ - renatapsicomotricista@gmail.com José Carlos de Oliveira Poli/HCTE/UFRJ jcarlos@dee.ufrj.br Resumo: Nós somos corpo e muitas vezes não damos a devida importância que relações, interações fazemos para compreender esse território. Até nos dias atuais, percebe-se que persiste um pensamento reducionista em que o corpo é tratado por partes, como um objeto. O homem também é um produtor de cultura que, ao mesmo tempo, traz em si uma cultura a partir das relações que estabelece com o mundo. Nossos corpos possui uma história. É preciso religar os saberes para que o corpo não fique esfacelado e o objetivo desse trabalho é mostrar que um possível caminho é por meio do pensamento complexo de Edgar Morin. Palavras-chaves: Complexidade; Corpo; Cultura. Introdução O corpo é um pergaminho onde é e está sendo inscrita toda nossa história. Essa história deixam marcas indeléveis. Somos a um só tempo biológico, psíquico, cultural, social, histórico, físico, formando uma unidade. O homem carrega em si a subjetividade e por meios das inter-relações reconhece o outro como outro sujeito na intersubjetividade. Fazemos parte de uma mesma carne e segundo Morin (2007) Todo ser humano traz geneticamente em si a espécie humana e compreende geneticamente a própria singularidade anatômica, fisiológica. Há unidade/diversidade cerebral, mental, psicológica, afetiva, intelectual, subjetiva: todo o ser humano carrega, de modo cerebral, mental, psicológico, afetivo, intelectual e subjetivo, os caracteres fundamentalmente comuns e ao mesmo tempo possui as próprias singularidades cerebrais, mentais, psicológicas, afetivas, intelectuais, subjetivas... (p.56) Podemos nos espelhar no outro, pois percebemos um corpo análogo ao meu, reconhecendo nele o que faz parte de mim e reconhecendo em mim o que parte dele. Revela-se um sentimento de identidade comum. No paradigma cartesiano, Descartes contribuiu para o dualismo entre corpo e alma, favorecendo que essa visão fragmentada se consolidasse, onde o corpo, material opõese, ao espírito e ao pensamento e isso marcou a história do sujeito. Entendia que a

existência humana não se dava pela presença do corpo no mundo, mas sim pelo pensamento. Percebemos que tal segmentação repercute nos dias de hoje, sem que haja uma compreensão do humano na sua multidimensionalidade. Morin (2007) diz que O humano é um ser a um só tempo plenamente biológico e plenamente cultural, que traz em si a unidualidade originária, chamando a atenção de que é preciso situar o humano dentro de uma cultura. A cultura, por sua vez, vai agir na subjetividade e objetividade do indivíduo. O pensamento complexo é uma reação ao pensamento que separa e isola e compreende um pensamento que une e distingue. Essa visão abarca mente e o corpo como dimensões indissociáveis, onde os conhecimentos se reconectam. Corpo e Cultura A cultura está presente em qualquer sociedade humana e apresenta características próprias. Aldersey-Williams (2016) chama a atenção para o olhar que temos sobre a anatomia do nosso corpo, que muitas vezes, não se leva em conta à cultura, que tem um aspecto muito relevante que é o de moldar os nossos corpos atribuindo valores as suas partes. Gavin converge com esse tipo de discurso e diz que A cultura remodela continuamente as maneiras como imaginamos e habitamos o corpo (p. 13, 2017). Morin (2007) acrescenta Não há cultura sem as aptidões do cérebro humano, mas não haverá palavra nem pensamento sem cultura... A espécie humana evoluirá muito pouco anatômica e fisiologicamente. São as culturas que se tornam evolutivas, por inovações, absorção do aprendido, reorganizações; são as técnicas que se desenvolvem; são as crenças e os mitos que mudam... No seio das culturas e das sociedades, os indivíduos evoluirão mental, psicológica, afetivamente. (p. 35) Cada cultura tem sua especificidade dentro da diversidade cultural e enriquece toda a humanidade. De acordo com Morin Não há sociedade humana, arcaica ou moderna, desprovida de cultura, mas cada cultura é singular. Assim, sempre existe a culturas nas culturas, mas a cultura existe apenas por meio das culturas. (2007, p. 56)

Portanto, segregar o corpo em partes, sem religar com a sua cultura, é mutilá-lo. O pensamento cartesiano fez despontar a especialização, o que ocasionou um avanço no desenvolvimento científico, mas, ao parcelar em partes e se restringir ao seu campo de saber deixou de perceber as outras esferas. Morin (2015) declara que O modo de pensamento ou de conhecimento fragmentado, compartimentalizado, monodisciplinar, quantificador, nos conduz a uma inteligência cega, na mesma medida em que a atividade humana normal, empenhada em religar os conhecimentos é sacrificada em prol da atitude não menos normal de separar. (p.106) Aldersey-Williams diz que A noção de inteireza do corpo humano foi reduzida com a ascensão da especialização, que insiste em que o corpo seja encarado não simplesmente em termos de suas partes, mas de partes isoladas (2016, p.19). Esse mesmo autor vai mais além e aponta sobre o corpo animado, que se movimenta, onde a subjetividade se faz presente. O corpo não é simplesmente uma coisa, quer que se trate do objeto sobre a mesa do anatomista, quer se trate do assunto uma aula de desenho com modelo-vivo. Ele é animado... o corpo em ação - corpo que se move e age, que expressa pensamentos e emoções. (p.20, 2016) Ressalta que para desvelar o corpo é preciso senti-lo, ou seja, tocar, ver e ouvir, ao invés de considerá-lo abstrato. Por meio do corpo percebemos o mundo. Os gestos são impregnados de sentidos, significados e são bioculturais. Expressam a nossa história, tendo uma relação dinâmica com seu entorno e assim vai construindo novos sentidos. Na concepção de Merleau- Ponty (1999) não há uma palavra, um gesto humano, mesmo distraídos ou habituais, que não tenham significação (Merleau-Ponty, 1999, p. 16). E Morin (1980) expõe que [...] a afetividade, a inteligência, o espírito humano, provenientes duma evolução animal e duma ontogénese biológica, constituem realidades vivas e vitais. A própria cultura é o fruto duma evolução biológica e, dependente da sociedade humana, depende da auto-(geno-feno-ego)-eco-re-organização social. Mas, ao mesmo tempo, a cultura é uma emergência propriamente metabiológica, irredutível enquanto tal, produzindo qualidades e realidades originais, e que retroage enquanto tal sobre tudo o que é biológico no homem. (p. 387)

Na intersubjetividade os corpos se implicam mutuamente surgindo novos significados de aprender e reaprender o cosmo. Negar essa instância é ratificar um pensamento simplificador. No momento que o olhar é ampliado, percebemos que conhecer o humano é situá-lo no universo. Nossa vida comporta o conhecimento, mas como Morin (1999) afirma Não é somente o ser que condiciona o conhecer, mas também o conhecer condiciona o ser; essas duas proposições geram uma a outra num circuito retroativo. Dito de outra maneira: a vida só pode auto-organizar-se com o conhecimento. A vida só é viável de ser vivida com conhecimento. Nascer é conhecer. (p.58) É necessário restituir o indivíduo dentro do pensamento complexo, que incorpora as fontes de conhecimento, e repudiar o olhar simplificador que nubla nossa visão e/ou nos torna cego, nos paralisando e nos tornando um simples objeto manipulável. O conhecimento está intimamente ligado à cultura dentro da complexidade e Morin (2011) ressalta que Desde o nascimento, o ser humano conhece não só por si, para si, em função de si, mas também, pela sua família, pela sua tribo, pela sua cultura, pela sua sociedade, para elas, em função delas. Assim, o conhecimento de um indivíduo alimenta-se de memória biológica e de memória cultural, associadas em sua própria memória, que obedece a várias entidades de referência, diversamente presentes nela. (p.21) O pensamento complexo exige uma reforma de pensamento em que conceber o corpo na sua plenitude requer uma abertura para todas as questões envolvidas e entrelaçadas. Segundo Morin (2009), é preciso substituir um pensamento disjuntivo e redutor por um pensamento complexo, no sentido originário do termo complexus: o que é tecido junto. (p.89). Sendo assim, o homem pode ser visto como unidade em que todas as dimensões que o constituem vão estar presentes, configurando-se como um ser complexo, não no sentido de ser complicado. Vale ressaltar que estamos impregnados por valores reducionistas, que coloca-nos numa padronização de comportamentos que muitas vezes nem damos conta. Há um abismo de escuridão que impede que a nossa compreensão humana se faça presente,

reproduzindo ações que reduz o corpo a um objeto. Precisamos estar atentos. Morin (2011) nos alerta sobre o imprinting cultural que marca nossa pele Interdições, tabus, normas, prescrições incorporam em cada pessoa um imprinting cultural, frequentemente sem retorno. Por fim, a educação através da linguagem, fornecerá a cada um os princípios, regras e instrumentos do conhecimento. Assim, de todas as partes, a cultura age e retroage sobre o espírito/cérebro para nele modelar as estruturas cognitivas, sendo, portanto sempre ativa como coprodutora doe conhecimento. Dessa maneira, a cultura é coprodutora da realidade que cada um percebe e concebe. As nossas percepções estão sob controle, não apenas de constantes fisiológicas e psicológicas, mas, também, de variáveis culturais e históricas. (p.25). Isso nos faz considerar que todo conhecimento traz uma armadilha em si, pois trazemos percepções diferenciadas sobre o mundo e temos que ser vigilantes para identificar as cegueiras que levam a mutilar o corpo do sujeito. Considerações finais O corpo é impregnado pela cultura de tal forma que podemos dizer que a toda ação humana é biocultural. Somos possuídos pela cultura que possuímos, além de sermos produtores e transmissores de cultura. Faz-se necessário compreender que é preciso reformar o pensamento na direção de considerar o corpo como unidade e não fragmentá-lo. Ter a clareza de que a religação dos saberes é um caminho possível para conceber o humano em todas as suas dimensões. O pensamento complexo não comporta o reducionismo, considerando o humano na sua multidimensionalidade. Referências Bibliográficas ALDERSEY-WILLIAMS, H. Anatomias. Rio de Janeiro: Record, 2016. GAVIN, F. Da cabeça aos pés: histórias do corpo humano. Rio de Janeiro: Zahar, 2017. MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

MORIN, E. Cabeça Bem Feita: Repensar a Reforma, Reformar o Pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2009.. Ensinar a Viver: Manifesto para Mudar a Educação. Porto Alegre: Sulina, 2015.. O método II: a vida da vida. 2ª ed. Lisboa: Publicações Europa-América. Tradução de Maria Gabriela de Bragança, 1980.. O Método 3: o conhecimento do conhecimento. Porto Alegre: Sulina, 1999.. O Método 4: as ideias: habitat, vida, costumes, organização. Porto Alegre: Sulina, 2011.. O Método 5: a humanidade da humanidade. Porto Alegre: Sulina, 2007.. Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2007.