Tendinopatias do pé e tornozelo

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Transcrição:

http://dx.doi.org/10.24220/2318-0897v27n2a4270 TENDINOPATIAS 59 O R I G I N A L Tendinopatias do pé e tornozelo Foot and ankle tendinopathies Cintia Kelly BITTAR 1 0000-0002-1997-5372 Renato Lazarin RICCI 1 0000-0001-9784-2463 Vinícius Samuel Dias Alves da COSTA 1 0000-0002-2352-8823 Ana Carolina de Freitas PACHECO 1 0000-0002-4839-5895 R E S U M O Objetivo Avaliar a etiologia das tendinopatias e as diferentes técnicas cirúrgicas utilizadas na reparação dos tendões calcâneos, tibial posterior, tibial anterior, fibular curto e fibular longo e apresentar os resultados clínico-funcionais, grau de satisfação dos pacientes e as complicações pós-cirúrgicas. Métodos Estudo retrospectivo de 88 pacientes com lesões degenerativas ou agudas dos tendões calcâneo, tibial anterior, tibial posterior, fibular curto e fibular longo, entre o período de 2005 a 2017. Resultados Dos 88 pacientes analisados, 50 eram do sexo masculino e 38 do sexo feminino, com idade média de 49 anos. A frequência de lesão foi de 54% para o membro direito, 1 Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Centro de Ciências da Vida, Faculdade de Medicina. Campus II. Av. John Boyd Dunlop, s/n., Prédio Administrativo, Jd. Ipaussurama, 13060-904, Campinas, SP, Brasil. Correspondência para/correspondence to: CK BITTAR. E-mail: <ckbitt@gmail.com>. Como citar este artigo/how to cite this article Bittar CK, Ricci RL, Costa VSDA, Pacheco ACF. Tendinopatias do pé e tornozelo. Rev Ciênc Med. 2018;27(2):59-64. http://dx.doi. org/10.24220/2318-0897v27n2a4270 CC BY

60 CK BITTAR et al. http://dx.doi.org/10.24220/2318-0897v27n2a4270 40% para o membro esquerdo e 6% para ambos os pés. O mecanismo de ruptura predominante foi o degenerativo, em 56% dos pacientes. A maioria dos indivíduos (49%) apresentou lesões no tendão calcâneo e a técnica cirúrgica com a utilização do tendão semitendíneo foi empregada na maioria dos casos (41%). Os resultados clínicos funcionais obtidos pelo Questionário da American Orthopaedic Foot and Ankle Society no pós-operatório, após um tempo médio de 18 meses, foram de 87 pontos (variando de 65 a 92). Houve complicação na área receptora em apenas 5 pacientes. Conclusão O reparo cirúrgico das tendinopatias mostrou-se extremamente efetivo na reabilitação funcional dos pacientes, com uma baixa taxa de complicações e elevado grau de satisfação dos pacientes. Palavras-chave: Procedimentos cirúrgicos operatórios. Tendinopatias. Traumatismo dos tendões. A B S T R A C T Objective To evaluate the etiology of tendinopathies and the different surgical techniques used to repair the calcaneus, posterior tibial, anterior tibial, long fibular and short fibular tendons and present the clinical-functional results, the degree of patient satisfaction and postoperative complications. Methods A retrospective study of 88 patients with degenerative or acute lesions of the calcaneus, anterior tibial, posterior tibial, short fibular and long fibular tendons between 2005 and 2017. Results Of the 88 patients analyzed, 50 were males and 38 female, with a mean age of 49 years. The lesion frequency was 54% for the right limb, 40% for the left limb and 6% for both feet. The predominant mechanism of rupture was degenerative in 56% of the patients. Most of the individuals (49%) presented lesions in the calcaneus tendon and the semitendinosus tendon surgical technique was used in most cases (41%). The functional clinical results obtained by the American Orthopedic Foot & Ankle Society Questionnaire postoperative questionnaire after an average time of 18 months, were 87 points (ranging from 65 to 92). Recipient area complications were reported in only 5 patients. Conclusion Tendinopathy surgery proved to be extremely effective in the functional rehabilitation of patients, with a low rate of complications and a high degree of patient satisfaction. Keywords: Surgical procedures, operative. Tendinopathy. Tendon injuries. I N T R O D U Ç Ã O Segundo Castro et al. [1], as rupturas tendíneas e as tendinopatias são situações comuns na rotina do cirurgião ortopédico e correspondem cerca de 30% das consultas feitas por doenças da unidade musculotendínea. Para Bertelli et al. [2], Canale et al. [3] e Barros Filho et al. [4], a ruptura parcial ou completa de um tendão tem como causa principal a sobrecarga excêntrica da unidade musculotendínea, porém, fatores intrínsecos como alterações degenerativas das fibras de colágeno, necrose dos tenócitos e a influência genética, fatores extrínsecos como condições de superfície

http://dx.doi.org/10.24220/2318-0897v27n2a4270 TENDINOPATIAS 61 desfavorável e a utilização de calçados inadequados podem estar associados à ruptura tendínea. Segundo Canale et al. [3] e Carvalho Junior et al. [5], o diagnóstico é confirmado pela história clínica e pelo exame físico do paciente, caracterizados por dor e fraqueza no alongamento do membro, limitação funcional e alteração na palpação do tendão. A ressonância magnética tem sido usada de maneira complementar para auxiliar no estadiamento, diagnóstico das lesões, planejamento cirúrgico e nos diagnósticos diferenciais. Para Al-Mouazzen et al. [6] e Carmont et al. [7], as rupturas tendíneas do pé e do tornozelo podem ser agudas (pós-traumáticas) ou lentas e progressivas por degeneração do tendão, e quando não tratadas ou diagnosticadas erroneamente são responsáveis por gerar deformidades e incapacidades funcionais no paciente. O tendão calcâneo, por exemplo, é o tendão no membro inferior que é rompido com maior frequência com a incidência de 5,5 a 10 para 100.000 pessoas na população norte americana. Todavia, rupturas dos tendões tibial anterior, tibial posterior e fibulares são menos comuns. O tratamento de rupturas tendíneas, segundo Junior et al. [5], Carmont et al. [7] e Markarian et al. [8], é baseado em métodos cirúrgicos, sejam eles por técnica minimamente invasiva ou aberta, e em métodos não cirúrgicos (conservadores). Para rupturas completas, o tratamento cirúrgico é o método preferido por vários autores. Uma metanálise revelou que existe uma menor taxa de rerruptura, com tratamento cirúrgico, todavia a intervenção cirúrgica comporta o risco de infecção, formação de queloide e lesão nervosa. Por sua vez, Carmont et al. [7] relataram que reparos percutâneos e minimamente invasivos apresentaram números ligeiramente maiores de rerruptura do tendão calcâneo quando comparados com técnicas abertas. Entretanto, lesões em nervos, internação hospitalar, complicações da ferida e o retorno ao trabalho foram consideravelmente menores. Além disso, as técnicas cirúrgicas minimamente invasivas apresentam-se com um maior grau de dificuldade quando deformidades anatômicas já estão instaladas. Por fim, Markarian et al. [8] relataram bons resultados do tratamento conservador da tendinopatia e afirmaram que o tratamento não cirúrgico poderia ser uma boa alternativa para pacientes idosos com baixas demandas funcionais e para pacientes com doenças sistêmicas descompensadas. O presente estudo teve como objetivo avaliar retrospectivamente os resultados funcionais, o grau de satisfação, as complicações de cada cirurgia e comparar as técnicas cirúrgicas utilizadas nos pacientes submetidos à reconstrução dos tendões calcâneo, tibial anterior, tibial posterior, fibular curto e fibular longo. Analisar retrospectivamente a etiopatogenia, o diagnóstico e as opções de tratamento nos casos de tendinopatias dos tendões calcâneo, tibial anterior, tibial posterior, fibular curto e fibular longo e apresentar os resultados clínicos funcionais, o grau de satisfação dos pacientes e as complicações encontradas. M É T O D O S Trata-se de um estudo retrospectivo, realizado no Hospital e Maternidade Celso Pierro PUC-Campinas, protocolado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com registro na Plataforma Brasil sob o número do CAAE: 78565317.3.0000.5481, no qual foram avaliados os prontuários médicos de pacientes tratados cirurgicamente por tendinopatias agudas ou degenerativas dos tendões calcâneo, tibial anterior, tibial posterior, fibular curto e fibular longo, entre o período de 2005 a 2017. Além disso, para análise clínica e funcional no pós-operatório, foi utilizado o Questionário da American Orthopaedic Foot and Ankle Society (AOFAS), do trabalho de Rodrigues et al. [9], que analisa dados como graus de dor (de 0 a 40 pontos), de alinhamento (de 0 a 10 pontos) e de limitação da função do membro (de 0 a 50 pontos) quanto à capacidade de realização de atividades, distância para caminhada, capacidade de caminhar em diferentes superfícies, anormalidade da marcha, amplitude da movimentação sagital (flexão-extensão) e do retropé (inversão-eversão) e estabilidade do

62 CK BITTAR et al. http://dx.doi.org/10.24220/2318-0897v27n2a4270 tornozelo-retropé. A avaliação dos graus dos critérios citados classifica a evolução do membro no pós- -operatório, segundo este questionário, em ruim (<50 pontos), regular (50 a 74 pontos), bom (75 a 89 pontos) ou excelente (90 a 100 pontos). A casuística consistiu em 88 pacientes, sendo 50 pacientes do sexo masculino (56,8%) e 38 do sexo feminino (43,2%). As lesões no lado direito foram observadas em 48 pés (54,5%) e no lado esquerdo em 35 pés (39,8%) e lesões bilaterais foram constatadas em apenas cinco casos (5,7%). A média de idade encontrada foi de 49 anos (15-75 anos) e apenas oito pacientes eram tabagistas. Quarenta e três pacientes apresentaram lesões no tendão calcâneo, representando 46,6% das lesões, 35 no tendão tibial posterior (39,8%), 10 no tendão tibial anterior (11,4%), e dois nos tendões fibular curto e fibular longo (2,3%). A etiologia traumática de lesão tendínea ocorreu em 39 pacientes (prática esportiva, caminhada em terreno irregular, esforço excessivo ao movimentar objetos pesados), enquanto 49 pacientes apresentaram lesões degenerativas (ruptura espontânea e tendinose crônica). O diagnóstico nas rupturas agudas foi feito por meio da história e exame clínico. Entretanto, nos casos crônicos degenerativos foi realizada a ressonância magnética para estadiamento da lesão e planejamento cirúrgico. Por fim, o tempo médio de acompanhamento, de diagnóstico e de tratamento, foi de 37 meses (1 dia 108 meses) e o seguimento de 30 meses (1 39 meses). Tratamento Em relação ao tratamento cirúrgico, cada tendão teve sua técnica cirúrgica específica. Para lesões do tendão calcâneo foram utilizadas técnicas de mini-incisão com fibular curto ou técnica clássica aberta com enxerto do tendão semitendíneo. Para o tendão tibial anterior foi utilizada técnica aberta com enxerto do semitendíneo. Para os tendões fibular curto e fibular longo foram utilizadas as técnicas cirúrgicas abertas com enxerto do semitendíneo ou artrodese subtalar. Já para lesões no tendão tibial posterior foi utilizada a transferência do tendão extensor longo dos dedos com osteotomia varizante do calcâneo ou a artrodese (subtalar ou tríplice). O protocolo de reabilitação comum foi utilizado em todas as tendinopatias em geral. Na primeira semana, os pacientes permaneceram imobilizados com tala gessada sem descarga de peso. Na terceira semana, os pontos foram retirados, iniciando os exercícios de fortalecimento. Na quarta semana, a carga total com imobilização foi liberada. Na sexta semana foi liberada carga total sem imobilização e exercícios de fortalecimento, alongamento e propriocepção. Por fim, na décima segunda semana, os pacientes foram liberados para as práticas esportivas. R E S U L T A D O S Houve maior prevalência no acometimento do tendão calcâneo e, dos 43 pacientes com lesão nesse tendão, 31 apresentaram causas traumáticas. Além disso, é importante ressaltar que todos os pacientes com lesões no tendão tibial posterior tiveram causas degenerativas. Os resultados clínicos funcionais obtidos pelo Questionário AOFAS no pós- operatório, que apresentou uma média de 87 pontos, variando entre 62 a 95 pontos. A técnica cirúrgica mais empregada foi a utilização do tendão semitendíneo (40,8%), seguida da artrodese tríplice ou subtalar (36,5%), técnica minimamente invasiva com uso do reforço do tendão fibular curto (17,2%) e transferência do músculo extensor longo dos dedos com osteotomia varizante do calcâneo (5,3%). Houve complicações de área receptora na qual que foi retirado o tendão semitendíneo do joelho em cinco pacientes (5,7%), dos quais quatro apresentaram necrose superficial de pele e um evoluiu com deiscência de cicatriz cirúrgica. D I S C U S S Ã O Este estudo retrospectivo evidenciou a maior frequência de ruptura do tendão calcâneo em relação

http://dx.doi.org/10.24220/2318-0897v27n2a4270 TENDINOPATIAS 63 aos demais tendões analisados, corroborando dados da literatura preexistente de Al-Mouazzen et al. [6] e Carmont et al. [7]. Além disso, a média de idade dos pacientes e a etiologia traumática das lesões tendíneas também se mostraram semelhantes aos estudos prévios de Bertelli et al. [2]. Markarian et al. [8] consideraram que a idade é um fator decisivo na escolha de tratamento conservador ou cirúrgico. Segundo Carvalho Junior et al. [5], o tratamento cirúrgico é necessário quando o objetivo do tratamento é restabelecer a capacidade funcional. Neste estudo, optou-se pelo tratamento cirúrgico independentemente da idade, analisando as condições clínicas e demandas de esforços físicos diários dos pacientes. De acordo com Carmont et al. [7], a taxa de rerruptura é menor em tratamento cirúrgico quando comparada ao tratamento conservador. Em nosso estudo, por sua vez, nenhum dos pacientes apresentou nova ruptura dos tendões reparados, independentemente da técnica cirúrgica realizada e principalmente pelo fato de que em todos pacientes foi utilizado reforço na sutura com tendão semitendíneo (para lesão dos tendões calcâneo, tibial anterior e fibulares), tendão fibular curto (para lesão do tendão calcâneo) ou flexor longo dos dedos (para lesão do tendão tibial posterior). A técnica de reconstrução tendínea avaliada por Zink et al. [10] utilizando o tendão do músculo semitendíneo proporciona maior resistência em relação aos outros tendões empregados, além de evitar o comprometimento do feixe neurovascular tibial e dos músculos do compartimento lateral da perna. Outra vantagem desta técnica é a manutenção do balanço muscular do tornozelo. Segundo Zink et al. [10], o tendão do músculo do tendão fibular curto também pode ser empregado na reconstrução do tendão calcâneo, porém essa técnica apresenta resultados funcionais inferiores à utilização do tendão semitendíneo, com possível perda parcial de força de eversão. Entretanto, no presente estudo, ambas as técnicas apresentaram resultados funcionais idênticos, sem nenhum caso de limitação após o procedimento. É importante destacar também, no trabalho de Maffulli et al. [11], que dentre as duas técnicas cirúrgicas empregadas no reparo do tendão calcâneo, a técnica de incisão minimamente invasiva com uso do reforço do tendão fibular curto não apresentou nenhuma complicação. Entretanto, dois pacientes apresentaram complicações de área receptora após o reparo por utilização do tendão semitendíneo, sendo uma necrose superficial de pele e uma deiscência de cicatriz cirúrgica, ratificando dados da literatura que apontam para menor frequência de complicações em técnicas minimamente invasivas do que em cirurgias abertas, especialmente em relação à pele. As complicações de pele ocorrem devido à vascularização precária na região distal do calcâneo e pelo hábito de tabagismo que causam vasoconstrição arterial diminuindo fluxo sanguíneo nas artérias, como citado no trabalho de Zink et al. [10]. As tendinopatias relacionadas ao tendão tibial posterior foram responsáveis por 35 (39,8%) dos casos analisados, e a técnica cirúrgica mais utilizada foi a artrodese (subtalar ou tríplice). Em apenas cinco pacientes foi utilizada a técnica de transferência do tendão extensor longo dos dedos. Vianna & Vianna [12], argumentam que a opção de tratamento na disfunção do tibial posterior varia de acordo com o estadiamento da lesão e as condições clínicas do paciente. Em casos de lesão de estágio II, em que o tendão do tibial posterior encontra-se funcionalmente incompetente, o pé é plano valgo, mas permanece móvel, não há consenso entre o uso de tratamento conservador ou cirúrgico. O procedimento de transferência do tendão extensor longo dos dedos com osteotomia varizante do calcâneo é uma das opções de tratamento, pois este procedimento, ao corrigir as deformidades ósseas, cria condições que favorecem a função e proteção do tendão transferido. Entretanto, o grau de instabilidade, o nível das deformidades, a existência de artrose e as características do paciente podem justificar cirurgias estabilizadoras como a artrodese (subtalar ou tríplice). Em casos de estadiamento mais avançado (estágios III e IV), o tratamento mais indicado, por Vianna & Vianna [12] em seu trabalho, é a artrodese.

64 CK BITTAR et al. http://dx.doi.org/10.24220/2318-0897v27n2a4270 Além disso, o processo degenerativo é a causa mais comum das lesões do tendão do tibial posterior, segundo Ling & Lui [13]. Neste estudo foram realizadas as técnicas de artrodese subtalar, tríplice ou osteotomia com transferência tendínea do flexor longo dos dedos dependendo do grau e do perfil físico do paciente conforme literatura atual. As limitações deste estudo são uma casuística reduzida pelo número de pacientes que foram operados ao longo dos anos devido à perda de acompanhamento ambulatorial e a ampla diversidade de cirurgias que cada tendão apresenta devendo o cirurgião ter amplo conhecimento das técnicas cirúrgicas e individualizar cada paciente, determinando o melhor procedimento cirúrgico a ser feito em cada caso. Ressalta-se a originalidade do presente estudo por abordar de maneira comparativa as principais causas de ruptura de diferentes tendões do pé e tornozelo, assim como o mecanismo de lesão mais frequente em cada um deles, as diferentes abordagens de tratamento em cada caso e a satisfação dos pacientes. C O N C L U S Ã O O reparo cirúrgico das tendinopatias mostrou- -se extremamente efetivo na reabilitação funcional dos pacientes, com uma baixa taxa de complicações e elevado grau de satisfação dos pacientes. C O L A B O R A D O R E S CK BITTAR e ACF PACHECO contribuíram para a revisão e aprovação final do artigo. RL RICCI e VSDA COSTA foram responsáveis pela análise e interpretação de dados coletados do prontuário do autor. R E F E R Ê N C I A S 1. Castro AA, Skare TL, Nassif PAN, Sakuma AK, Barros WH. Tendinopatia e obesidade. Arq Bras Cir Dig. 2016;29(Suppl 1):107-10. 2. Bertelli HD, Bittar CK, Faria LA, Cillo MSP, Castro Filho CDC, Mattos CA, et al. Reconstrução do tendão calcâneo utilizando técnica minimamente invasiva com reforço do tendão fibular curto. Rev ABTPé. 2017;11(Suppl 2):79-83. 3. Canale ST, Daugherty K, Jones L. Campbell s Operative Orthopaedics. 10th ed. New York: Mosby; 2003. v.3. 4. Barros Filho TEP, Camargo OP, Camanho GL. Clínica ortopédica. São Paulo: Manole; 2012. v.2. 5. Carvalho Junior AE, Bittar CK, Salomão O, Miranda JB, Ninomiya A, Silva DB. Tendinopathy of the anterior compartment of the ankle. Rev Bras Ortop. 2010;45(Suppl 2):141-7. 6. Al-Mouazzen L, Rajakulendran K, Najefi A, Ahad N. Percutaneous repair followed by accelerated rehabilitation for acute achilles tendon ruptures. J Orthop Surg. 2015;23(3):352-6. http://dx.doi. org/10.1177/230949901502300320 7. Carmont MR, Rossi R, Scheffler S, Mei-Dan O, Beaufils P. Percutaneous & mini invasive achilles tendon repair. Sports Med Arthrosc Rehabil Ther Technol. 2011;3:28. http://dx.doi.org/10.1186/1758-2555-3-28 8. Markarian GG, Kelikian AS, Brage M, Trainor T, Dias L. Anterior tibialis tendon ruptures: An outcome analysis of operative versus nonoperative treatment. Foot Ankle Int. 1998;19(12):792-802. http://dx.doi. org/10.1177/107110079801901202 9. Rodrigues RC, Masiero D, Mizusaki JM, Imoto AM, Peccin MS, Cohen M, et al. Tradução, adaptação cultural e validação do American Orthopaedic Foot and Ankle Society (AOFAS) Ankle-Hindfoot Scale. Acta Ortop Bras. 2008;16(Suppl 2):107-11. 10. Zink FL, Mendonça DG, Bittar CK, Zabeu JL, Salomão O, Carvalho Junior AE, et al. Use of the semitendinosus tendon for foot and ankle tendon reconstructions. Rev Bras Ortop. 2014;49(5):528-31. http://dx.doi. org/10.1016/j.rboe.2013.09.001 11. Maffulli N, Longo UG, Gougoulias N, Denaro V. Ipsilateral free semitendinosus tendon graft transfer for reconstruction of chronic tears of the achilles tendon. BMC Musculoskelet Disord. 2008;9:100. http://dx.doi. org/10.1186/1471-2474-9-100 12. Vianna S, Vianna V. Disfunção do tibial posterior. Rev INTO. 2004;2(1):1-9. 13. Ling SK, Lui TH. Posterior tibial tendon dysfunction: An overview. Open Orthop J. 2017;11(Suppl 4, M12):714-23. http://dx.doi.org/10.2174/1874325001711010714 Recebido: maio 10, 2018 Versão final: outubro 26, 2018 Aprovado: outubro 31, 2018