PEDAGOGIA WALDORF: PERSPECTIVAS EDUCACIONAIS PARA O CONTEXTO INCLUSIVO



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PEDAGOGIA WALDORF: PERSPECTIVAS EDUCACIONAIS PARA O CONTEXTO INCLUSIVO Francisca Maria Barbosa Cavalcanti UDESC lagustalague@gmail.com Regina FinckSchambeck UDESC regina.finck@udesc.br RESUMO: Este artigo é parte de uma dissertação de mestrado em andamento. O objetivo é trazer o entendimento da Pedagogia Waldorf e algumas considerações da Antroposofia, que fundamentam as orientações pedagógicas com relação às práticas de inclusão. Os resultados apresentam: 1) o favorecimento para as práticas educativas em contexto inclusivo; 2) a escola como organismo social promovendo a troca entre professores, pais e grupo de apoio; 3) a importância do equilíbrio dos conteúdos, respeitando as etapas de desenvolvimento do aluno na perspectiva de promover a saúde global da criança. Palavras-chave: Pedagogia Waldorf. Inclusão. ABSTRACT: This article is part of a dissertation in progress. The goal is to bring an understanding of Waldorf education and some considerations about anthroposophy that underlie pedagogical guidelines regarding inclusion practices. The results show: 1) the favoring educational practices in inclusive context; 2) the school as a social organization promoting the exchange between teachers, parents and support group; 3) the importance of the balance of content, respecting the development stages of the student so as to promote the overall health of the child. Keywords: Waldorf Pedagogy.Inclusion. Introdução Este artigo é um recorte da pesquisa de mestrado em andamento, cuja temática abrange, na perspectiva de uma escola Waldorf, as práticas musicais em sala de aula inclusiva adotadas pelo professor de classe. Neste texto, procura-se evidenciar o desenvolvimento da criança na perspectiva da Antroposofia de Rudolf Steiner (1861-1925), que fundamenta a Pedagogia Waldorf, seu funcionamento como um organismo social, o papel do Grupo de Apoio no contexto da educação inclusiva, bem como o projeto pedagógico e indicações para as práticas musicais a serem desenvolvidas pelo professor de classe.

2. A imagem da natureza humana segundo a antroposofia A Antroposofia concebe a imagem do Homem como um ser único, diferente de todos os outros seres dos outros reinos da natureza, mineral, vegetal e animal. Não existe um ser humano igual a outro e só ele tem consciência de si mesmo frente ao mundo: a autoconsciência. O entendimento da natureza humana compreende uma visão trimembrada, que se espalha e reflete todo o corpo. Esta visão trimembrada está apoiada nos três sistemas físicos: o neuro-sensorial, o rítmico-circulatório e o metabólico-locomotor. Os três sistemas são configurados individualmente e permeiam as atividades anímicas do pensar, sentir e querer, que interagem entre si. De acordo com Steiner (2007) o equilíbrio no desenvolvimento destas três atividades vai trazer as bases para uma formação sadia e equilibrada do ser humano. Estas atividades ou capacidades anímicas têm as seguintes características: ü pensar relacionado com o intelecto, o cognitivo, que está apoiado na atividade neuro-sensorial e com a consciência em plena vigília. ü sentir relacionado com o sentimento, apoiado na atividade do sistema rítmico-circulatório, que envolve o coração (sístole e diástole) e o pulmão (inspiração e expiração), como uma semiconsciência, em estado de sonho ou onírico. ü querer relacionado com a volição, que está apoiado na atividade do sistema metabólico-locomotor, relacionado com o metabolismo e membros e com a inconsciência, um estado de sono.(steiner, 2003). A orientação de Steiner para a Pedagogia Waldorf é clara no sentido de buscar e promover equilíbrio nas atividades escolhidas e planejadas pelo professor, 62

para que uma atividade de um sistema não predomine sobre a outra. O equilíbrio entre estes três processos da alma humana, o pensar, o sentir e o querer, apoiados nos suportes físicos do sistema neuro-sensorial, do sistema rítmico-circulatório e do sistema metabólico-locomotor, irão favorecer o desenvolvimento da vida intelectual, afetiva, social e profissional da criança em desenvolvimento. (MARASCA, 2009). 3. A pedagogia waldorf Foi a partir de um impulso social que em 1919 surgiu em Stuttgart a primeira escola Waldorf. Rudolf Steiner foi quem idealizou uma pedagogia para atender os filhos dos operários de uma fábrica, que incluiu valores espirituais na educação e na vida social, com bases na ciência da Antroposofia. A escola Waldorf traz como fundamento uma proposta curricular integrada, rica em artes, que tem por objetivo respeitar a saúde e as etapas de desenvolvimento da criança de maneira global e não só intelectual. Os fundamentos ainda estabelecem como base uma ciência espiritual e antropológica, considerando o desenvolvimento humano a partir de corpo, alma e espírito. Nos movimentos reformistas da educação, Steiner criticou severamente o materialismo presente em todas as áreas (STEINER, 2005). A primeira escola Waldorf fundada no Brasil em 1955 foi na cidade de São Paulo. Atualmente, há registro de oitenta e seis escolas no território nacional, contando com 2.450 professores Waldorf e 750 professores em formação. Ao todo são 8.480 alunos, divididos entre o ensino infantil com 3.000 alunos, no ensino fundamental 4.680 e no ensino médio 580. Atendendo alunos com necessidades especiais são 220 alunos. (FEWB, 2010). Em Santa Catarina há registro de duas escolas abrangendo o maternal, jardim de infância e ensino fundamental, mais duas instituições que oferecem 63

somente o ensino infantil e um seminário de formação em Pedagogia Waldorf para formação de professores. 4. A escola waldorf como organismo social A pedagogia Waldorf foi idealizada e desenvolvida com o objetivo de formar seres humanos com habilidades para construir e existir numa sociedade orientada pelos princípios de liberdade, igualdade e fraternidade. A visão da trimembração do organismo social na escola Waldorf inclui uma maneira de trabalho em conjunto, a partir das necessidades e exigências particulares, que favorecerem, também, a evolução pessoal de cada um dos colaboradores na organização, dos pais e dos alunos. Rudolf Steiner destacou uma trimembração do organismo social no âmbito vital da sociedade e do indivíduo: a vida cultural-espiritual, a vida jurídico-política e a vida econômica. A estas três esferas ele denominou de trimembração social para que o indivíduo pudesse exercer o convívio social e o direito de: ü liberdade espiritual na vida cultural com um sistema educativo livre, pois esta liberdade não deveria ser limitada nem pela ordem jurídico-política e nem pela ordem econômica; ü igualdade democrática na vida jurídico-política nas instituições do estado, que aqui é compreendido como a escola acessível a todos, independente de classe social, religião ou raça; ü fraternidade na vida econômica, tendo a solidariedade para uma organização econômica de forma associativa. (SALLES, 2010; MORGENSZTERN, 1999; LIEVEGOED, 1986). Na escola Waldorf os pais são chamados a participar ativamente nos processos da escola e para isso participam de grupos de estudos de pedagogia, que são oferecidos na escola pelos professores, além de oficinas, reuniões de pais que 64

visam familiarizá-los com a essência da pedagogia e da vida escolar. Esta participação ativa dos pais no ambiente escolar atua diretamente no desenvolvimento e aproveitamento escolar do aluno. Os professores são os responsáveis e tem a autonomia pedagógica para a forma como os conteúdos serão ensinados, atendendo os programas oficiais de ensino e as complementares do currículo Waldorf, como é o caso das disciplinas artísticas, como a euritmia, trabalhos manuais, tecelagem, marcenaria, orquestra, teatro, as artes em geral. (LANZ, 2013). O calendário anual da Escola Waldorf é estruturado de modo que os alunos e as famílias celebrem o ritmo das épocas do ano: a festa de Carnaval (iniciando o ano letivo e representando o verão), a Páscoa (o outono), a Festa da Lanterna e São João (o inverno), a Festa da Primavera e Época de Micael (a primavera) e o Bazar Anual de Natal. Com a colaboração entre pais e professores, toda a comunidade escolar participa das apresentações pedagógicas e trabalhos dos alunos. 5. O projeto pedagógico Os fundamentos da Pedagogia Waldorf englobam uma cosmovisão que compreende o desenvolvimento humano integral a partir de suas etapas evolutivas, com o princípio de sincronizar as atividades escolares e curriculares com as reais necessidades da fase de desenvolvimento da criança, na sua dimensão espiritual, anímica-emocional, física e nas relações sociais. (STEINER, 2005). Considerando os efeitos da educação na saúde e no futuro da criança, o programa com os conteúdos pedagógicos tem o objetivo de atender e fornecer informações de acordo com o grau de maturidade do aluno, de maneira que ele possa digerir e transformar os conteúdos em conhecimento. Assim, o cuidado com a maneira e a época para trazer determinados conteúdos exige do professor um conhecimento para não desencadear mais malefícios do que benefícios. 65

Reconhecendo cada fase de desenvolvimento da criança, Steiner recomenda que o educador leve este conhecimento nas suas atuações pedagógicas, considerando que cada fase vivida pelo seu aluno terá como consequência um espelhamento no futuro. No que toca a autoridade versus liberdade, um tema um tanto polêmico em todas as escolas, Steiner deixou orientações para diferentes fases: ü de 0 a 7 anos autoridade absoluta; ü de 7 a 14 anos autoridade com amor, liberdade orientada nos sentimentos e criatividade; ü de 14 a 21 anos autoridade com liberdade e responsabilidade cada vez maiores; ü aos 21 anos plena liberdade e responsabilidade. 5.1. O ensino em Épocas Na escola Waldorf se pratica um método de ensino chamado ensino em épocas. Durante um período de quatro a seis semanas o professor de classe se ocupa de uma forma contínua com uma matéria na primeira parte da manhã, chamada aula principal. Dia após dia o professor de classe trabalha com temas disciplinares da mesma natureza, como a aritmética, ou língua materna, ou ciências. O tema principal da primeira parte da manhã é rigorosamente introduzido em épocas, considerando-se o esquecimento de um conteúdo para poder aprofundar em outro. (STEINER, 2005). A proposta de trazer o ensino em épocas visa permear na criança um ritmo para o ensino e concentração do aprendizado durante determinado período. Assim o professor de classe faz o seu planejamento das matérias curriculares para várias semanas, normalmente quatro a seis semanas seguidas para cada matéria, com o intuito de esgotar uma parte do tema, que voltará depois de alguns meses. Estas matérias são ministradas na primeira metade da manhã, até o intervalo do recreio. 66

A matéria é distribuída no planejamento por vários dias e a assimilação da matéria se dá no primeiro dia com uma apresentação; no segundo dia com a reprodução ou recordação do conteúdo apresentado no dia anterior; e no terceiro dia faz-se o registro do conteúdo no caderno de época ou no caderno de disciplina específica. A vantagem deste sistema é confirmada pela vivência dos alunos, pelos assuntos apresentados diante de um maior interesse, engajamento emocional e aproveitamento, além de facilitar o planejamento do professor. Para a estruturação de ensino da 1ª a 8ª séries da Escola Waldorf 1, a Federação das Escolas Waldorf no Brasil FEWB (1999) traduziu e editou o Projeto Pedagógico elaborado pela Seção Pedagógica do Goetheanum, centro da Antroposofia em Dornach, Suíça, e pelo Centro de Pesquisas Pedagógicas da Federação das Escolas Waldorf Livres. (FEWB, 1999). Nesta publicação são dadas as orientações para uma prática pedagógica, considerando as etapas de desenvolvimento e a compreensão da natureza do aluno do Ensino Fundamental. Para o aluno que ingressa no Ensino Fundamental, Steiner (1974) enfatiza a importância do processo da respiração e a estrutura do ensino, pois é na fase entre a troca dos dentes e a maturidade sexual que acontece a harmonização e equilíbrio entre o sistema da circulação sanguínea e o ritmo da respiração. O ritmo do dia, do ano, das festas e das épocas das matérias faz parte de um conjunto que ajuda a estabilizar e harmonizar a constituição física e anímica da criança. (STEINER, 1974). Quando não se dá condições para o imagético ou se exagera no ensino intelectual, orientando forças exageradas para o polo da cabeça, intimamente o processo respiratório da criança se desorganiza, tornando-se precário, denso e podendo provocar estresse emocional. Steiner (1974) chama o desequilíbrio no sistema rítmico-circulatório de estado íntimo de pesadelo, que permanece no 1 Desde a publicação da Resolução Nº 3, de 3 de agosto de 2005 que define normas nacionais para a ampliação do Ensino Fundamental para nove anos,o Ensino Fundamental passa a atender 9 anos e não mais de 1ª a 8ª série. 67

organismo da criança, levando a estados asmáticos ou a várias outras doenças que tem a ver com um processo de respiração enfraquecido. (STEINER, 1974, p. 41). No outro lado oposto do desequilíbrio rítmico, o professor poderia diluir as forças da criança orientadas para o metabolismo, aparecendo como fraqueza dos órgãos digestivos. O bem-estar no desenvolvimento da criança está no equilíbrio entre ambos, quando o intelecto não oprime o processo respiratório e a formação da imagem se manifesta numa capacidade de fluir com leveza. (STEINER, 1974). 6. O contexto para as práticas inclusivas Na escola como organismo social, a participação dos pais é viva, há trocas entre pares, entre o grupo de apoio pedagógico, os professores das disciplinas com o professor de classe, com o colegiado de professores, encontros frequentes entre professores e pais, sempre na perspectiva de ajudar e apoiar a educação inclusiva na comunidade escolar. Para os casos de alunos com dificuldades, Rudolf Steiner deixou um curso com 12 palestras, proferidas em Dornach, Suíça em 1924, onde formalizou alguns princípios pedagógicos e médicos 2. Além dessas orientações é possível consultar o livro Extra Lesson, (2005) 3 de autoria Audrey McAllen, professora Waldorf na Inglaterra que desenvolveu um método a partir de suas experiências, observações dos seus alunos com dificuldades motoras e de aprendizagem, entre outras. Para McAllen a orientação ao professor de classe é que as diferenças sejam incluídas dentro do ambiente de sala de aula, como os temperamentos, talentos, culturais e dificuldades de aprendizagem, dislexias, dificuldades psicomotoras, entre tantas síndromes. Para Marasca, que também é da mesma opinião, as dificuldades 2 As 12 palestras reunidas foram organizadas em forma de curso Curso de Pedagogia Terapêutica. Este é também o título do livro editado no Brasil em 2005, pela Federação das Escolas Waldorf. 3 McAllen fundmentou seu método nos princípios terapêuticos de Steiner e dos Dr. Norbert Glas e DR. Eyleen Hatchins. 68

seriam preferencialmente trabalhadas em classe, salvo impossibilidades graves que são direcionadas para classes especiais. (MARASCA, 1999, p. 74). Steiner (1988) preconiza o acompanhamento pelo mesmo professor de classe, desde o primeiro ano até as classes mais adiantadas. Assim, o professor de classe poderá trazer repetições progressivas nos temas do currículo e dar continuidade a determinados temas educativos. Desta maneira, o professor pode acompanhar e compreender mais profundamente o caminho percorrido pelos seus alunos. A permanência da unidade da classe, abrangendo alunos com a mesma faixa etária, é considerada importante no desenvolvimento das atividades pedagógicas e do próprio desenvolvimento da criança. Seguindo-se este princípio, a repetência só se dá após avaliação entre os pais, professores e médico escolar. A avaliação não é quantitativa, não se baseia em provas ou exames de avaliação de rendimento. Os alunos são avaliados pela participação, maturidade, pelo trabalho que consegue realizar, seus passos de desenvolvimento e através do conhecimento que o professor tem sobre eles. Desta forma nenhum aluno é penalizado por um rendimento insuficiente. (MARASCA, 2009, p. 79). A presença de um médico escolar é item importante na escola Waldorf. Este profissional auxilia os professores nas decisões sobre alunos e procedimentos, repassa orientações aos pais e também participa das reuniões pedagógicas do colegiado de professores. Pelo fato do convívio íntimo do mesmo professor de classe com os alunos e pais, entre o primeiro ano até uma classe mais adiantada, de preferência até o 8 ano, o professor tem tempo para observar o crescimento da classe como um todo, conhecendo tanto os alunos como os familiares, suas condições culturais e materiais, o que possibilita uma ação pedagógica mais individualizada. Um Grupo de Apoio Terapêutico da escola se reúne uma vez por semana e é formado pela médica escolar, professores da escola que são interessados no tema 69

ou que tem uma formação terapêutica além da pedagógica. Através de pedido do professor de classe, o grupo de apoio observa os alunos que apresentam dificuldades em sala de aula. Em reunião com professores e pais, os alunos são encaminhados para acompanhamentos terapêuticos, alternando por épocas para não sobrecarregar o aluno, com fonoaudiologia, psicopedagogia, organização neurológica, cantoterapia, musicoterapia, massagem rítmica, euritmia, terapia artística, quirofonética, terapia ocupacional ou equitação. No caso de alunos que apresentam mais dificuldades, saem da sala de aula e são atendidas por outro professor para fazerem outra atividade ou outro trabalho dirigido e assistido pelo grupo de apoio. 7. Considerações finais Neste texto procurou-se apresentar elementos fundamentais e facilitadores para um ambiente de inclusão na comunidade escolar presente na escola Waldorf. As indicações de maneira geral visam o equilíbrio e a saúde global, respeitando a natureza tríplice do ser humano. A Pedagogia Waldorf procura proporcionar orientações pedagógicas, respeitando-se as etapas de desenvolvimento da criança, a estratégia com a apresentação dos conteúdos, as escolhas e repetições, sempre no sentido de facilitar o trabalho do professor em sala inclusiva. Nesta perspectiva, a maneira não quantitativa de avaliação, o ensino em épocas, o acompanhamento do mesmo professor em anos sequentes, a relação com os pais, professor da classe, de disciplinas e o grupo de apoio, demonstram um acolhimento e facilitam a superação de dificuldades de aprendizagem do aluno. Por fim, a escola como organismo social, motivando a colaboração entre pais, grupos de estudos e comissões de trabalho, promove um estreito contato com a escola e os professores, facilitando os processos de sociabilização na escola, e proporcionando um ambiente para a inclusão a partir de uma pedagogia mais humana. 70

8. Referências FEDERAÇÃO DAS ESCOLAS WALDORF NO BRASIL. Pedagogia Waldorf. São Paulo, FEWB, n. 50, 2010.. Para a estruturação do ensino do 1 ao 8 ano nas Escolas Waldorf: Rudolf Steiner. São Paulo: FEWB, 1999. LANZ, Rudolf. A pedagogia Waldorf: caminho para um ensino mais humano. 11. ed. São Paulo: Antroposófica, 2013. LIEVEGOED, Bernard. Soziale Gestaltungam Beispielheilpädagogischer Einrichtungen. (Estruturação social como exemplo na educação terapêutica). Frankfurt: Info3Verlagsgesellschaft, 1986. MARASCA, Elaine. Saúde se aprende, educação é que cura: da pedagogia Waldorf à salutogênese. São Paulo: Antroposófica, 2009. McALLEN, Audrey. Método Extra Lesson: recursos especiais em pedagogia Waldorf. Vol. 1: fundamentos. São Paulo: Antroposófica, 2005. MORGENSZTERN, Vitor. Administração antroposófica: uma ampliação da arte de administrar. São Paulo: Editora Gente, 1999. SALLES, Rubens. Formação continuada com base na pedagogia Waldorf: contribuições do projeto Dom da Palavra. Dissertação (Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura). Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2010. STEINER, Rudolf. Temperamentos e alimentação: indicações médico-pedagógicas e aspectos gerais. Duas conferências de 1923. 5ª. ed. São Paulo: Antroposófica, 2013.. A arte da educação: o estudo geral do homem, uma base para a pedagogia Waldorf. Vol. 1. 4ª. ed. São Paulo: Antroposófica, 2008.. A arte de educar baseada na compreensão do ser humano. Sete palestras proferidas em Torquay, Inglaterra, 1924. GA 311. Trad. Maria do Carmo Lauretti. 1. ed. São Paulo: Federação das Escolas Waldorf no Brasil, 2005.. A arte da educação: o estudo geral do homem uma base para a pedagogia. São Paulo: Antroposófica, 2003.. A educação da criança, segundo a ciência espiritual. 3ª. ed. São Paulo: Antroposófica, 1996. 71

. A arte da educação: metodologia e didática no ensino Waldorf. São Paulo: Antroposófica, 1988.. A metodologia do ensino e as condições da vida do educar. Cinco conferências proferidas em Stuttgart, Alemanha, 1924. GA 308. Trad. Christa Glass. São Paulo: Federação das Escolas Waldorf no Brasil, 1974. Francisca Maria Barbosa Cavalcanti: Pedagoga Waldorf pelo Institut für Waldorfpädagogik, Witten, Alemanha. Pós-Graduação em Musicoterapia pela UNISUL. Docente em formações terapêuticas antroposóficas. Docente em seminários de formação de pedagogia Waldorf. Docente de Musicoterapia e Antroposofia na UNISUL. Mestranda em Educação Musical no Programa de Pós-Graduação em Música PPGMUS/UDESC. Regina FinckSchambeck: Licenciada em Educação Artística-Habilitação em Música pela UDESC, com mestrado e doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRGS. Atua no Departamento de Música e no Programa de Pós-Graduação em Música - PPGMUS, desenvolvendo pesquisas na área de formação de professores, inclusão de alunos com deficiências e a repercussão das políticas públicas de educação especial. 72