A INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA COMO CAUSA SUPRALEGAL DE EXCLUSÃO DA CULPABILIDADE



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Transcrição:

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES CURSO DE PÓS-GRADUÇÃO EM DIREITO E PROCESSO PENAL FACULDADE INTEGRADA A VEZ DO MESTRE 1 A INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA COMO CAUSA SUPRALEGAL DE EXCLUSÃO DA CULPABILIDADE Alessandro Dutra dos Santos Orientador: Francis Rajzman Rio de Janeiro 2011

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES CURSO DE PÓS-GRADUÇÃO EM DIREITO E PROCESSO PENAL FACULDADE INTEGRADA A VEZ DO MESTRE 2 A INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA COMO CAUSA SUPRALEGAL DE EXCLUSÃO DA CULPABILIDADE Apresentação de monografia a Faculdade Integrada A Vez do Mestre e Universidade Candido Mendes como requisito parcial para obtenção do grau de especialista em Direito e Processo Penal. Por: Alessandro Dutra dos Santos.

AGRADECIMENTOS 3 Aos amigos que contribuíram para a elaboração desta nova etapa e trabalho monográfico, em especial: Geisa Ferreira de Santana Gargel e Maria Carolina da Silva Masson, na construção inicial dessa pesquisa.

DEDICATÓRIA 4 Aos meus pais, Ecy Maria Dutra dos Santos e Maximiano Julio dos Santos, que sempre incentivaram e contribuíram para o crescimento pessoal e profissional, em patamares acima da normalidade.

RESUMO 5 A exposição que ora se inicia trata de problema enfrentado no dia-a-dia dos operadores de Direito, ao menos aqueles que efetivamente militam da seara criminal, notadamente na Defesa de agentes que inserem-se em tipos penais dos mais diversos ao cometerem atos famigerados ou mesmo infelizes, cercados de qualificações excepcionais e muitas vezes singulares e, principalmente neste nesse aspecto é que está o cerne do trabalho de especialização, aqui encerrando-se nessa exposição, tentando demonstrar que a ordem jurídica vigente, por mais expansiva que seja, não permite englobar-se das diversificadas maneiras de exculpação que a doutrina já lançou, face ao Direito e suas construções dogmáticas, que possuem aspecto mais relevante que a mera exposição legislativa, engessada, presa a modificações necessárias com o passar dos tempos, pela evolução da própria sociedade e, daí a necessidade de considerar e aplicar amplamente, embora na mais exigente verificação de compatibilidade, o instituto penal da Inexigibilidade de conduta diversa como princípio, ou seja, de modo supralegal, que possa abarcar todas as situações que não foram expressamente contempladas pela norma legislativa consubstanciada no Código Penal Brasileiro, até pela inviabilidade de criação e acompanhamento do legislador ordinário para tal, dentre outras justificativas técnicas que ora aduziremos.

SUMÁRIO 6 INTRODUÇÃO... 08. CAPÍTULO I Análise no Direito Penal... 09. 1 - Culpabilidade... 11. 1.1 Evolução histórica das teorias acerca da culpabilidade... 1.1.1 Teoria Psicológica da Culpabilidade... 1.1.2 Teoria Psicológico-normativa da Culpabilidade... 1.1.3 Teoria Normativa pura da Culpabilidade... 1.1.4 Teoria Social da Ação... 1.1.5 Teoria Funcionalista... 1.2 - Excludentes de Culpabilidade... 12. 12. 13. 15. 17. 18. 19. 1.2.1 - Quanto ao agente... 21. 1.2.2 - Quanto ao fato... 24. 1.2.2.1 - Causas Legais... 24. 1.2.2.2 - Causas Supralegais... 28. CAPÍTULO II Da Inexigibilidade de Conduta Diversa... 31. 2 Inexigibilidade como causa excludente de culpabilidade... 33. 2.1 - Posicionamento doutrinário favorável ao reconhecimento da inexigibilidade como causa supralegal excludente da culpabilidade... 35. 2.2 - Posicionamento doutrinário desfavorável ao reconhecimento da inexigibilidade como causa supralegal excludente da culpabilidade... 37.

7 CAPÍTULO III Análise Jurisprudencial... 3.1 - Da inexigibilidade de conduta diversa no tipo do art. 168-A 1º, I do 39. Código Penal... 3.1.1 Do reconhecimento da inexigibilidade no tipo do art. 168-A 1º, I do Código Penal... 3.1.2 Do não reconhecimento da inexigibilidade no tipo do art. 168-A 1º, I do Código Penal... 39. 41. 48. 3.2 - Da inexigibilidade de conduta diversa sob o prisma do porte ilegal de arma de fogo Art. 14 da Lei 10.826 de 2003... 3.2.1 Da incidência da inexigibilidade no tipo do art. 14, lei 10.826/2003... 3.2.2 Da afastabilidade da inexigibilidade no art. 14, lei 10.826/2003... CONCLUSÃO... 53. 56. 58. 62. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 64.

INTRODUÇÃO 8 O presente trabalho trará breve estudo da culpabilidade, mais especificamente no que se refere a uma das causas supralegais de exclusão daquele elemento do crime, qual seja a inexigibilidade de conduta diversa. Em primeira análise, far-se-á uma síntese conceitual do tema, alocando-o, como objeto do presente trabalho, na seara do Direito Penal como um todo, obviamente buscando apanhar o máximo dos institutos que o cercam. Segue-se com o tratamento específico e mais aprofundado do tema em si, por todas as suas vertentes no corredor doutrinário. Adiante, haverá análise jurisprudencial, demonstrando como nossos Tribunais divergem na aplicação da referida causa supralegal, aqui objeto de estudo, notadamente, de modo exemplificativo, em duas situações específicas, em crimes de competência federal e estadual.

CAPÍTULO I ANÁLISE NO DIREITO PENAL 9 Não se trata de novidade que dentre todas as finalidades do Direito Penal, destaca-se como umas das principais ou mesmo a principal, é aquela que trata da proteção dos bens jurídicos essenciais ao indivíduo e à sociedade como um todo, como espécie de função/garantia. Essa é a ideia clássica acerca desta seara do Direito. No entanto, há posições diferenciadas, que não aceitam aquela afirmativa, como aquela do Mestre, Günther Jakobs 1, que entende pela inexistência desse viés protetivo, tendo em vista que o Direito Penal atua quando o bem jurídico já foi violado. Desse modo, o que estaria em jogo, na verdade, seria a vigência da norma e sua característica cogente. Assim, a punição ao agente que praticou o delito, viria justamente para reforçar a validade de determinado ato normativo na ordem jurídica, ou seja, sua obrigatoriedade perante toda a sociedade. Não obstante a controvérsia, se adotarmos a posição majoritária, chegamos à conclusão de que o Direito Penal tutela os bens jurídicos essenciais e, conforme aqueles valores abrigados na própria Constituição da República de 1988, intitulados como direitos e garantias fundamentais, que o legislador irá selecionar esses bens, descrevendo as condutas puníveis nos chamados tipos penais. É o que o Direito Penal tem por característica, convencionado a chamar-se de Princípio da Fragmentariedade 2. O conceito de crime sob o viés analítico engloba conjuntamente aos institutos da tipicidade e da ilicitude, também a culpabilidade visualizada na conduta praticada. Assim, verificada a ocorrência desses três elementos 1 JAKOBS, Günther. Derecho penal Parte general: Fundamentos e teoria de La imputación. Madri: Marcial Pons, 1997. 2 JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2002.

10 citados, restará caracterizada a conduta que se possa conceituar-se como criminosa e é exatamente sobre o último desses elementos, a culpabilidade, que se debruçará o presente trabalho, mesmo que em humilde e apertada síntese. Vale ressaltar a importância da discussão ora tratada, sobretudo no ponto de vista do já bastante famoso e seguido modelo penal garantista. O cerne desta concepção é a defesa dos direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal de 1988. Nessa seara, o Metre Luigi Ferrajoli 3, como um dos principais expoentes do presente tema, explana afirmativamente que cabe a magistratura um papel fundamental no modelo referido logo acima, eis que, na medida em que representam a instituição responsável por dar interpretação às leis, Poder Judiciário, que o façam conforme e em obediência aos preceitos constitucionais, como norteadores que são de todo o ordenamento jurídico e sociedade em geral. Ademais, elenca os chamados axiomas da teoria garantista penal, dentre os quais destacamos aquele exposto em sexta ordem daquela lista, que aqui nos interessa bastante, face ao tema discutido. Afirma o citado Mestre que nulla actio sine culpa, ou seja, somente as ações culpáveis podem ser reprovadas pelo Direito Penal, o trata de posição atualmente dominante no cenário jurídico-penal nacional, quer seja a visão da culpabilidade como elemento do crime e não mais como mero pressuposto de pena, dada a partir de bases finalistas adotadas desde o desenvolvimento da teoria finalista de Welzel, o que reforça a importância de analisarmos a questão da culpabilidade 4. 3 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão Teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. 4 RODRIGUES, Cristiano. Teorias da culpabilidade e teoria do erro. 3ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

1) Culpabilidade 11 A começar pelo conceito, a culpabilidade, como elemento do crime, consiste no juízo de reprovação social realizado sobre a conduta típica e antijurídica perpetrada pelo agente, ou seja, é a reprovabilidade que recai sobre o chamado injusto penal 5. Trata-se, portanto, da última avaliação para que se possa tipificar determinada conduta, considerando-a criminosa. No mesmo sentido, temos a posição do Ilustre Procurador da República, Paulo Queiroz, que assevera: A culpabilidade é assim um juízo de reprovação sobre o autor de um fato típico e ilícito, em razão de lhe ser possível e exigível, concreta e razoavelmente, um comportamento diverso, isto é, conforme o direito, motivo pelo qual pode-se dizer que culpabilidade é exigibilidade; inculpabilidade, inexigibilidade. (QUEIROZ, Paulo de Souza. Direito Penal: parte geral. 6ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, pág. 325). A renomada Professora, Sheila Bierrenbach, faz espécie de divisão do delito em categorias, quer sejam: tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade; e, sob tal enfoque, leciona que a culpabilidade constitui a terceira e última categoria do crime/delito e, por tal, deve ser analisada por último, segundo aquela ordem firmada, o que significa debruçar-se sobre a culpabilidade após verificado o injusto penal 6. 5 RODRIGUES, Cristiano. Teorias da culpabilidade e teoria do erro. 3ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2010, pág. 29. 6 BIERRENBACH, Sheila. Teoria do Crime. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, pág. 193.

12 Partimos da afirmativa de que cada indivíduo é único, agindo em razão do chamado livre arbítrio, mas, também é influenciado por diversos fatores externos. Tudo isso deve ser levado em consideração quando da avaliação da culpabilidade, a fim de averiguar se, naquela situação concreta, aquele indivíduo poderia ter agido de modo diferente, o que diz da exigibilidade de conduta diversa e, conforme veremos a partir desse ponto, a verificação acerca da exigibilidade de conduta diversa está no cerne das discussões sobre culpabilidade, tal como figura como tema central do presente trabalho. 1.1) Evolução histórica das Teorias acerca da culpabilidade: Sabemos que a Teoria do Crime, também chamada Teoria do Delito uma vez que suas considerações servem aos crimes e às contravenções evoluiu ao longo dos tempos, podendo ser dividida em cinco principais correntes, conforme a evolução histórica da doutrina que trata do tema. Dentro de cada uma delas, o conceito de culpabilidade também foi sendo modificado. Vejamos: 1.1.1) Teoria Psicológica da Culpabilidade: Primeiramente, como precursor da teoria do delito, há o sistema causal-naturalista de Liszt-Beling-Radbruch, que defende a culpabilidade como o aspecto psicológico que uniria o agente ao fato por ele praticado, daí a nomenclatura, Teoria Psicológica da Culpabilidade. Tal teoria divide-se em dois elementos distintos: capacidade de culpabilidade (ou imputabilidade) e a própria relação psicológica do autor com o fato 7 ; ou como quer Paulo Queiroz, sintetizando-a como: imputabilidade e dolo e culpa em sentido estrito 8. 7 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal Parte Geral. 4ª edição. Florianópolis. Conceito Editorial. 2010, pág. 275. 8 QUEIROZ, Paulo de Souza. Direito Penal: parte geral. 6ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, pág. 327.

13 De acordo com essa teoria, são aferidas as noções e comprovações de dolo e culpa, nas raias da culpabilidade, após verificar-se a imputabilidade do agente, nos moldes já listados supra. Assim, não havendo dolo ou culpa, não haveria crime. Esquematizando acerca da teoria, muito bem leciona a Professora Sheila Bierrenbach, naquela obra citada, distinguindo a Teoria Psicológica da Culpabilidade em duas faces distintas: uma objetiva e outra subjetiva. A primeira diz da conduta, resultado e o nexo causal. A segunda corresponde ao conteúdo da vontade desse agente 9. Assim sendo, percebe-se que a culpabilidade era considerada a parte subjetiva do delito, justamente por seu aspecto puramente psicológico. A principal crítica ofertada à Teoria Psicológica da Culpabilidade, está no fato dessa não conseguir explicar a essência da omissão e da culpa inconsciente, tal como nos casos envolvendo condutas criminosas de portadores de alguma doença mental. 1.1.2) Teoria Psicológico-normativa da Culpabilidade: Já no sistema neoclássico, seguindo-se Frank, foi adotada a Teoria Normativa, também chamada de Teoria Psicológico-Normativa, que evolui em relação àquela última, adicionando os elementos subjetivos e normativos do tipo penal. A imputabilidade passa a ser um elemento da culpabilidade e não mais mero pressuposto, além do que a presença de dolo ou culpa não são mais suficientes, por si só, para justificarem a aplicação de penalidade. Passa a ser preciso averiguar se era possível exigir do agente, naquelas condições específicas, um agir conforme o direito. Neste momento, a inexigibilidade de conduta diversa consiste em causa geral de exclusão da culpabilidade. 9 BIERRENBACH, Sheila. Teoria do Crime. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, pág. 194.

14 Agora, conforme essa criação doutrinária da época, a culpabilidade passa a ser uma espécie de juízo de valor do sujeito, dirigida a certa intenção, que demonstra-se contrária ao dever 10. A partir de 1931, com a obra de Hans Welzel, Causalidade e Ação, abandonou-se de vez o causalismo, para dar lugar ao finalismo, que roga pela investigação da essência real da ação humana. Parte-se do pressuposto de que a causalidade, na verdade, é produto da inteligência humana, um raciocínio mais complexo, porém, bem mais completo. A ação deixa de ser um mero ato voluntário que gera uma modificação no mundo exterior, mas sim algo voltado à realização de uma finalidade. Daí passa-se a analisar o elemento subjetivo, dolo, já no tipo penal, cabendo ressaltar que esse dolo deixa de ser normativo para se caracterizar apenas como natural. Na verdade, dolo e culpa deixaram de ser formas da culpabilidade e passaram a ser elementos dessa culpabilidade, num misto de elementos subjetivos-psicológicos e objetivosnormativos 11, o que permite sem qualquer contradição, a ocorrência de fato carregado de dolo, porém, não culpável. Cabe-nos ressaltar que alguns doutrinadores, que aqui destacamos Marco Antonio Nahum, traz posição que faz espécie de divisão da própria teoria normativa da culpabilidade, fazendo-a em: normativa clássica e finalista 12. 10 11 RODRIGUES, Cristiano. op. cit. pág. 56. RODRIGUES, Cristiano. op. cit. pág. 57. 12 NAHUM, Marco Antonio R. Inexigibilidade de conduta diversa: causa supralegal: excludente de culpabilidade. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais. 2001.

15 A mesma doutrina referida no parágrafo anterior, ensina que, para que se reconheça a culpabilidade, requer os seguintes requisitos: normalidade do sujeito; capacidade de culpabilidade e, que o fato típico praticado tenha ocorrido em circunstâncias normais 13. O Professor Juarez Tavares, há bastante tempo, leciona que manter-se o dolo na esfera da culpabilidade, tal como essa teoria, que o trata como elemento psicológico-normativo, é erro dos mais graves, visto nos sistemas causais modernos 14. Ainda tratando dos erros e problemas dessa teoria, ressalta-se que permaneceu um problema, por deixar a culpa ainda sem a devida e composta explicação, tal como ocorre com a tentativa, que vem carregada de dolo, mas, tratada de modo diferente. Para a culpabilidade restou à análise apenas dos elementos normativos, quais sejam: a imputabilidade, a potencial consciência sobre a ilicitude do fato e a exigibilidade de conduta diversa. 1.1.3) Teoria Normativa pura da Culpabilidade: Surge com o advento do finalismo de Welzel, como solução para os fracassos das teorias anteriores acerca do delito e, sua principal contribuição para o Direito Penal reside na retomada e deslocamento do dolo e culpa para a análise do próprio tipo penal, em sua tipicidade. 13 NAHUM, Marco Antonio R. ob. cit. pág. 54. 14 TAVARES, Juarez. Teorias do delito (variações e tendências). São Paulo. Editora Revista dos Tribunais. 1980.

16 Tal mudança trata do reconhecimento do dolo natural, integrante do tipo penal, que diz sobre a vontade na prática do ato tipificado, com consciência em tal ato praticado, independente do conhecimento ou não de sua antijuridicidade 15. Melhor nos explica o Mestre Claudio Brandão, ao dissertar sobre o porque do deslocamento do dolo para a tipicidade, que tem origem no conceito de ação trazido pela Teoria Finalista: Como toda ação é vontade dirigida a um fim, por óbvio a vontade dirigida a um fim é elemento da ação. Ocorre que a referida vontade dirigida a um fim é o dolo; isto posto, o dolo será um elemento da ação e não mais da culpabilidade. [BRANDÃO, Claudio. Direito Penal Contemporâneo. Gilmar Mendes, Pierpaolo Cruz Bottini, Eugênio Pacelli (coordenadores). São Paulo: Saraiva, 2011 (série IDP). pág. 207]. Alguns doutrinadores ainda afirmam que segundo essa nova concepção trazida pela teoria normativa pura, a culpabilidade é a possibilidade de o agente observado no fato criminoso, atual segundo o direito, ou seja, adentrando na norma tipificadora de um delito e, só estaria livre de penalização segundo aquela norma, caso escusado por questão de inimputabilidade, desconhecimento da antijuridicidade do fato ou mediante coação moral irresistível e, nesse diapasão, ainda complementam com os ditos pressupostos da culpabilidade, que são: imputabilidade; potencial conhecimento da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa 16. 15 16 BIERRENBACH, Sheila. Op. cit. pág. 198. QUEIROZ, Paulo. Op. cit. pág. 328.

17 Não podemos deixar de frisar que essa é a teoria mais bem aceita ou mesmo majoritária na doutrina brasileira, muito também devido a ser essa a adotada em nosso ordenamento jurídico, notadamente no Código Penal, eis que presente em diversos pontos do citado diploma, notadamente quanto a presença do dolo no teor do tipo, como exemplo: o artigo 20 estabelece que o erro quanto ao tipo, exclui justamente o dolo; também observamos a direção dessa teoria na análise dos itens 17 ao 24 da Exposição de Motivos da Parte Geral do Código Penal, segundo a reforma legislativa de 1984 (Lei 7.209). 1.1.4) Teoria Social da Ação: A Teoria Social da Ação, ou para alguns apelidada de dupla valoração do dolo e culpa, originada do pensamento de Eberhard Schmidt, por sua vez, procurou englobar aspectos do causalismo e do finalismo, afirmando a ação como fenômeno social, na tentativa de melhorar o causalismo. Defende-se aqui que o dolo teria dupla posição, figurando no tipo penal como determinante a direcionar o comportamento, mas presente também na culpabilidade, como resultado do processo de motivação do autor. Aqui, analisa-se de modo mais intenso a relevância social da conduta sob foco, se é ou não carregada de permissão social, o que ultrapassaria, inclusive, a ótica da conduta ser dolosa ou culposa e, sendo assim, poderia uma conduta ser objetivamente tipificada no ordenamento penal, mas, se as circunstâncias fáticas apontarem por sua relevância/permissão social, tal ato praticado pelo agente seria atípico. Tal Teoria teve alguns adeptos, dentre os quais, no Brasil, destacamos Mirabete e, como principal crítica levantada contra esta, aponta precipuamente para sua inutilidade prática, devido a demasiada abertura e sujeição a nuancias na aplicação da lei conforme a localidade e seus costumes, ou mesmo pelo

18 aplicador da lei, eis que cada indivíduo é socialmente estruturado de modo diferente, o que geraria insegurança jurídica, já que poder-se-ia considerar determinada conduta como socialmente adequada, enquanto noutra parte de nosso continental Brasil, o mesmo fato é repugnado por aquela sociedade. No entanto, ainda temos diversos doutrinadores e jurisprudência que defendem a aplicação desse instituto, como Princípio da Adequação Social, atualmente, muitos chocaram-se pela sentença absolutória do Magistrado Fluminense, André Nicolitt, no processo número 0056213-63.2010.8.19.0004. 1.1.5) Teoria Funcionalista: Por fim, a Teoria Funcionalista, defendida por Claus Roxin, que em 1970, sustentou essa teoria em sua obra, Kriminalpolitik und Strafrechtssystem (Política criminal e sistema jurídico-penal), partindo da premissa de que o sistema jurídico-penal deve guiar-se pelas finalidades preventivo-gerais da pena, bem como a política criminal do Estado. Com base nessa teoria, torna-se mais fácil, ou pendente de menos elementos, para que se configure o dolo e, assim, estar-se-ia protegendo mais os bens jurídicos-penais, em desfavor da liberdade dos cidadãos, que está no cerne do movimento finalista, que ao contrário do citado, dá mais importância a liberdade, limitando o poder estatal. Porém, sob tal foco, a doutrina funcionalista, embora mais limitadora da liberdade, o faz para sustentar a defesa justamente dos bens jurídicos a serem protegidos, o que, segundo seus defensores, é mais proveitoso para a sociedade de modo geral, face a liberdade de um ou poucos indivíduos.

19 Tal posição encontra maior importância na sustentação do chamado dolo eventual, atualmente em voga na sociedade brasileira e cotidianamente ventilada, não somente nas cadeiras jurídicas, mas notadamente nas explanações da mídia, muito quando da violência nos casos de crimes de trânsito, o que pretende, na maioria das vezes, defender tal instituto e sua teoria, para justificar a carência de penas adequadas a certos tipos, mesmo que na modalidade culposa, porém, com gravosos resultados. Denota-se na análise do funcionalismo, que a culpabilidade deveria ser aferida, mediante critério científico-empírico e funcionaria como fundamento e limite para a aplicação da pena, a coibir abusos do Estado, isso sem afastar-se da política criminal, que sempre foi tratada longe da dogmática penal. 1.2) Excludentes de Culpabilidade As causas que excluem a culpabilidade, quando reconhecidamente presentes, excluem o próprio crime, visto que a culpabilidade configura-se em elemento do mesmo, conforme pudemos observar das lições acima aduzidas. Nesse caso, não haverá de se perquirir acerca de necessidade ou não de imposição de pena, menos ainda quanto à sua dosimetria ou natureza. Para o fim de tal análise, devemos recordar os elementos da culpabilidade, quer sejam: 1) imputabilidade; 2) potencial conhecimento da ilicitude do fato; e 3) exigibilidade de conduta diversa. Continuando a dissertar sobre o tema, agora, faz-se necessário elencar as causas excludentes da culpabilidade, conforme exposto pelo legislador ordinário no Código Penal Brasileiro, seguindo-se a cronologia de tal diploma, temos 17 : 17 JESUS, Damásio de. Op. cit. pág. 481.

20 1º. Erro de proibição [art. 21, caput, CP]; 2º. Coação moral irresistível [art. 22, 1ª parte, CP]; 3º. Obediência hierárquica [art. 22, 2ª parte, CP]; 4º. Inimputabilidade por doença mental, desenvolvimento mental incompleto ou retardado [art. 26, caput, CP]; 5º. Inimputabilidade por menoridade penal [art. 27, CP]; 6º. Inimputabilidade por embriaguez involuntária completa [art. 28, 1º, CP]. O Prof. Damásio faz interessante correlação entre os elementos expressos acima, indicando como cada uma das seis causas excludentes da culpabilidade atuam, extinguindo a culpabilidade, em cada um dos seus elementos 18 : O erro de proibição atua junto a potencial consciência da antijuridicidade, conforme norma do art. 21 e parágrafo único do CP; A coação moral irresistível e a obediência hierárquica, ora tratados respectivamente como 2ª e 3ª causas excludentes da culpabilidade, afastam a culpabilidade pelo elemento da exigibilidade de conduta diversa; A doença mental, desenvolvimento mental incompleto ou retardado, a menoridade e a embriaguez involuntária completa excluem a imputabilidade, nos moldes dos artigos 26, caput; 27 e 28 1º, todos do Código Penal, eis que estão alocados no Título III Da Imputabilidade Penal, desse diploma legal. 18 JESUS, Damásio de. Op. cit. pág. 482.

21 O expoente professor, Guilherme de Souza Nucci 19 tem boa proposta esquemática acerca das excludentes de culpabilidade e, em razão de reconhecer a didática do método, nos valeremos de suas colocações, mesmo que de modo a tecer breves considerações sobre o tema, para enfim chegar ao objeto principal do presente estudo. O autor subdivide tais excludentes em dois grandes grupos: aquelas relativas ao agente e as referentes ao fato. 1.2.1) Quanto ao agente: a) existência de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado (art. 26, caput, CP); b) a embriaguez decorrente de dependência (art. 26, caput, CP); c) menoridade (art. 27, CP); d) dependente de drogas (art. 45, Lei 11.343/06). Toda a discussão acerca da possibilidade de exclusão da culpabilidade em causas referidas ao agente gira em torno da análise da imputabilidade penal. Como visto, a imputabilidade constitui um dos elementos da culpabilidade e inexistirá quando se concluir que o agente, na verdade, não tinha capacidade de entender o caráter ilícito do fato praticado ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Assim, o binômio necessário à formação das condições pessoais do agente imputável consiste em sanidade mental e maturidade. Ausente um desses dois requisitos, não existirá crime. 19 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: parte geral; parte especial. 6ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 295.

22 Não obstante a isso, esse agente pode ser sancionado penalmente, com a aplicação de medida de segurança, se se verificar a necessidade de cuidados terapêuticos, a fim de que ele possa conviver novamente em sociedade sem constituir ameaça aos demais e isso, pode dar-se por tratamento ambulatorial ou mesmo a internação forçada para o tratamento da psicopatia, até cessar sua periculosidade. O doente mental ou aquele que possua desenvolvimento mental incompleto ou retardado é legalmente reconhecido como agente inimputável, conforme artigo 26, caput, do Código Penal. O critério adotado pelo legislador é o biopsicológico, pois, além de ser dotado da limitação físico-biológica, é preciso ficar comprovado também que, ao tempo do fato, o agente era incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou determinar-se de acordo com esse entendimento, o que requer perícia hábil em tal aspecto. As doenças mentais estão elencadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID) da Organização Mundial de Saúde (ONS), e, constitui-se de quadro de alterações psíquicas qualitativas, como a esquizofrenia, as doenças afetivas (v.g, depressão) e outras psicoses. Já o desenvolvimento mental incompleto ou retardado consistiria em uma limitada capacidade de compreensão do ilícito ou na falta de condições de se autodeterminar, por não ter atingido a maturidade intelectual e física necessária a tal, seja por conta da idade ou por alguma característica particular. Há, ainda, a situação da dependência do álcool, que gera embriaguez, o que a doutrina vem incluindo na previsão do supracitado artigo do Código Penal, tendo em vista que o alcoolismo trata-se de verdadeira doença mental.

23 Distinta é a situação daquele que se embriaga voluntariamente, em sentido estrito ou na modalidade culposa, para a o qual a imputabilidade penal não será considerada extinta, por força e decisão legislativa, conforme norma do art. 28, II, CP. Em ambas as situações, o agente será responsabilizado pelos seus atos, por força da teoria chamada de actio libera in causa, tendo em vista que, ainda que ao tempo da ação ou omissão fosse inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito de sua conduta, sua ação foi livre na causa, ou seja, o agente tomou a decisão livre e consciente de se embriagar. Por fim, a mais evidente e polêmica das situações de inimputabilidade: a menoridade. Conforme previsão do artigo 27 do Código Penal, todo menor de 18 anos é presumidamente incapaz de entender o caráter ilícito de sua conduta ou de determinar-se conforme esse entendimento. Aqui, o legislador adotou o critério unicamente biológico e tal previsão tem sido objeto de intensa discussão na sociedade e na própria doutrina. Muitos entendem que o fato de se repetirem os crimes praticados por menores de 18 anos indica que essa noção estaria ultrapassada, sendo necessária sua revisão. Outros, por sua vez, sustentam que deve haver cautela no tratamento do tema, especialmente diante da existência de um Estatuto da Criança e do Adolescente bastante avançado, que acaba por não funcionar tão bem não em razão do seu texto propriamente dito, mas por uma série de entraves de natureza estrutural, inerentes ao nosso sistema jurídico e, ainda no sentido de favorecer aquela norma de maior proteção ao menor de 18 anos, deve-se atentar para a norma constitucional do art. 228 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que majoritariamente é aceita na doutrina e jurisprudência como cláusula pétrea, daquelas espalhadas por toda a Carta Magna ou mesmo fora dela.

1.2.2) Quanto ao fato: 24 1.2.2.1 - Causas Legais: a) coação moral irresistível (art. 22, CP); b) obediência hierárquica (art. 22, CP); c) embriaguez completa decorrente de caso fortuito ou força maior (art. 28, 1º, CP); d) erro de proibição escusável (art. 21, CP); e) descriminantes putativas (art. 20, 1º, CP); São cinco as causas previstas em lei como excludentes da culpabilidade relacionadas ao fato, que ora dissecaremos na forma retro: A primeira delas foi prevista pelo artigo 28, inciso II, 1º do Código Penal. Trata-se da embriaguez completa involuntária, resultado de caso fortuito ou força maior, que isenta de pena o agente que praticou a conduta em total incapacidade de entender seu caráter ilícito, ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Considera-se caso fortuito quando decorrente de modo acidental, ou seja, o agente não sabia que estava ingerindo substância alcoólica ou mesmo quando ingeriu consciente, porém, não tinha conhecimento de que ao ingerir álcool, mesmo em pequenas quantidades, mas misturando-se a algum medicamente que o agente faz uso, potencializa o efeito do álcool no organismo, o que fugia da esfera de conhecimento desse agente, o que leva a embriaguez completa 20. 20 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Anotado. 10ª ed. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2010. pág. 293.

25 Diz-se força maior quando a ingestão de álcool se dá por evento fora do controle agente, normalmente quando terceiro o obriga a tal consumo, seja por violência ou outra forma de compelir esse agente no consumo de álcool, que gera a dita embriaguez 21. Da mesma forma, para o sujeito que agiu sob o efeito de substância entorpecente de uso proibido (drogas), proveniente de caso fortuito ou força maior, nos termos do artigo 45 da Lei nº 11.343/06 (Lei de Drogas). As descriminantes putativas e o erro de proibição escusável, normalmente são estudas em conjunto. Este último está previsto no artigo 21 do Código Penal e consiste no agir do agente que supunha a licitude de uma conduta que, na verdade, contraria o Direito. Ressalta-se que alguns autores discordam do termo erro de proibição, preferindo aquele empregado, inclusive, no próprio Código Penal Brasileiro, quando da reforma de 1984, quer seja erro sobre a ilicitude e, desses doutrinadores que mantém tal nomenclatura, cabe-nos reforçar o entendimento da Ilustre Professora, Sheila Bierrenbach, que naquela obra aqui já citada, Teoria do Crime, aduz que prefere a última nomenclatura, não somente pela redação do Código Penal, mas também por entender que está em conformidade com o fato de ser a expressão erro sobre a ilicitude gênero, do qual se extrai as espécies, erro de proibição direto, erro de proibição indireto e erro mandamental 22. Agora faremos breve exposição dessa subdivisão elencada pela Professora Sheila Bierrenbach, a começarmos pelo conceito de erro de proibição direto, que consiste no desconhecimento da norma proibitiva pelo agente, ou seja, o agente não sabe que determinada conduta que praticou é ilícita, tipificada como infração penal em nosso ordenamento jurídico penal. 21 22 NUCCI, Guilherme de Souza. ib idem. pág. 293-294. BIERRENBACH, Sheila. Op. cit. pág. 221.

26 Passamos agora ao erro de proibição indireto ou erro de permissão, que a autora considera como descriminante putativa e, sua conceituação seria quando o agente pensa estar agindo amparado por alguma excludente de antijuridicidade/ilicitude e, na verdade, não está sob tal amparo erroneamente imaginado. Finalizando aquele entendimento da Professora Bierrenbach, elucidaremos, em apertada síntese, o dito erro de mandamento, que trata do desconhecimento de norma penal mandamental, pelo agente, que impõe determinada conduta de todos diante de certas situações e, quando o agente deixa de observar tal norma cogente, acaba por incidir em tipo penal omissivo. Em todos os casos aludidos, estará isento de pena, no entanto, apenas se comprovada a inevitabilidade do erro, ou seja, que não era possível, naquele contexto determinado, exigir-se do agente que tivesse consciência da ilicitude. Já nas descriminantes putativas, previstas pelo artigo 20, parágrafo único, deste mesmo diploma legal, também há uma situação de erro inescusável, mas nesta o agente supõe, erroneamente, a existência de uma causa de justificação que, se existisse, tornaria sua ação legítima. Vê-se que em ambos os casos, exige-se que o engano esteja plenamente justificado pelas circunstâncias de fato. Por fim, a coação moral irresistível e a obediência hierárquica, também chamadas de causas legais de exclusão da culpabilidade por inexigibilidade de outra conduta 23, sendo ambas as hipóteses expressamente previstas pelo artigo 22 do Código Penal. 23 GRECO, Rogério. op. cit. pág. 416.

27 A primeira delas, coação moral irresistível, trata-se da chamada vis compulsiva, bastante diversa da coação física, essa que exclui a própria conduta, eis que diretamente manipulada, vez que inexistente a manifestação de vontade do agente. Na coação moral insuportável, não é exigível que o agente resista a ela, pois, o Direto não espera comportamentos anormais ou heroicos dos cidadãos. Nesse caso, pune-se tão somente o coator, como autor mediato, absolvendo-se o coato, que não passou de instrumento daquele e, fundamenta-se na ausência de exigibilidade de conduta diversa. Faz-se breve ressalva para o caso de ser a coação moral resistível, ou seja, deveria o agente coato agir de modo diferente do que fez, ou seja, conforme o direito, porém, mesmo não ocorrendo o afastamento de sua culpabilidade, essa, como admite graduação, poderá o agente coato fazer jus a causa de diminuição de pena, notadamente aquela do art. 65, III, c do Código Penal. Na segunda hipótese, obediência hierárquica, verifica-se quando uma ordem, de legalidade duvidosa ou vestida como perfeitamente normal e legal, é dada pelo superior hierárquico a seu subordinado. Note-se que a ordem não pode ser manifestamente ilegal, ou seja, possui ao menos aparência de legalidade, no entanto, não deveria ser cumprida e, se o for, o agente teria responsabilidade sobre ela. Já quando houver dúvida sobre a legalidade da mesma, não é exigível do agente subordinado que a descumpra, daí a isenção de pena conferida a ele se a ordem gera agressão a bem jurídico de terceiro, tutelado pelo Direito Penal.

28 Majoritariamente é reconhecida em relação jurídico-profissional de direito público, ou seja, somente admissível no âmbito da Administração Pública e seus agentes, no entanto, atualmente, é crescente a aceitação dessa mesma benécie legal, quando em relações profissionais de direito privado, no âmbito privado, até mesmo lastreado na isonomia que deve existir em todo o ordenamento jurídico pátrio e, para aqueles que a admitem em tal relação privada, considera-se o ocorrido, dentro daquela que é objeto central desse estudo, as causas supralegais de exclusão da culpabilidade, já que absurda é a afirmação de que somente em relações empregatícias estatais, há efetiva hierarquia, eis que indiferente a realidade de nossa sociedade, notadamente das relações profissionais na seara privada, que não raro, muito pelo contrário, possui maior pressão hierárquica, até mesmo pela fragilidade da relação e necessidade do empregado na manutenção do emprego. 1.2.2.2 - Causas Supralegais: a) inexigibilidade de conduta diversa; b) estado de necessidade exculpante; c) excesso exculpante; d) excesso acidental. Aqui, cabe-nos acrescer posição do igualmente brilhante, Professor Doutor Juarez Cirino dos Santos, que em uma de suas obras sobre o tema, aqui já citada, traz situações de exculpação na modalidade supralegais, que são: a) fato de consciência; b) provocação de situação de legitima defesa; c) desobediência civil; e d) conflito de deveres 24. Ressaltando que todos esses serão especificados em tempo oportuno, no desenrolar do presente trabalho. 24 SANTOS, Juarez Cirino. op. cit. pág. 329.

29 Quando as condições pessoais não forem suficientes para excluir a culpabilidade da conduta, pode haver situações nas quais a mera caracterização do fato em si é capaz de revelar hipótese exculpante. Nesse ponto, as causas excludentes se subdividem em legais e supralegais. Ainda existe forte divergência doutrinária e jurisprudencial acerca da aceitação e até mesmo da existência das ditas causas supralegais de exclusão da culpabilidade, ou seja, situações não previstas em lei que isentam o agente de pena, não obstante tenha praticado conduta típica e antijurídica. Em regra, os autores tratam do tema descrevendo a exigibilidade de conduta diversa como um verdadeiro princípio geral da culpabilidade, entendendo que a admissão de hipóteses supralegais deveria se dar dentro desse contexto, argumentando que qualquer causa que demonstrasse que, naquela situação determinada, o agente não tinha a opção de comportar-se de modo diverso, poderia configurar causa supralegal de exclusão da culpabilidade, justamente na modalidade inexigibilidade de conduta diversa, seguindo-se posição não tão moderna, aquela de Freudenthal, quando da elaboração da teoria normativa da culpabilidade 25, eis que, não havendo, no caso sob estudo, outra opção ao agente, de comportar-se do modo como ocorreu, ou seja, contrário ao Direito, independente de previsão legal, não há que se falar em reconhecer a culpabilidade do agente, mas ao contrário, há que afastá-la, lastreado no próprio conceito de culpabilidade, já que a inexigibilidade de conduta diversa é decorrente da própria culpabilidade 26. 25 26 BIERRENBACH, Sheila. op. cit. pág. 235. BRANDÃO, Claudio. Direito Penal Contemporâneo. pág. 208.

30 O Professor Damásio de Jesus possui entendimento congênere, de aceitar a incidência de causas supralegais sempre que não for possível exigirse do sujeito, conduta diversa da praticada, conforme o caso em tela 27, visto que adepto da teoria que reconhece a exigibilidade de conduta diversa como elemento da culpabilidade. No entanto, há outras posições não menos privilegiadas pelo gabarito de seus defensores, como por exemplo, do Professor Guilherme Nucci, que por sua vez, elenca mais três causas supralegais exculpantes, quais sejam: o estado de necessidade exculpante e os excessos exculpante e acidental. O mesmo Nucci aceita e concorda em sua obra sobre a ocorrência e validade do instituto da inexigibilidade de conduta diversa de forma autônoma, ou seja, não somente naquelas causas previstas no diploma, precisamente nos casos de coação moral irresistível e obediência hierárquica, previstas no artigo 22 do Código Penal 28. Referindo-se especificamente ao estado de necessidade, Zaffaroni e Pierangeli 29 explicitam a distinção entre aquele que funciona como causa de justificação e o que se configura como exculpante. Primeiramente, esclarece que tal distinção não viola o artigo 24 do Código Penal, o qual conceitua o estado de necessidade como aquela situação em que o agente pratica o injusto penal para salvar direito próprio ou alheio, cujo sacrifício não se poderia exigir, de perigo atual, que não provocou, nem de outro modo poderia evitar. 27 JESUS, Damásio de. op. cit. pág. 483. 28 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 10ª ed. Ed. Revista dos Tribunais. 2010. pág. 240. 29 PIERANGELI, José Henrique; ZAFFARONI, Eugenio Raul. Manual de direito penal brasileiro 5 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 562.

31 Explicam que o estado de necessidade justificante seria aquele no qual o mal causado é menor do aquele que se evita. Nos demais casos, a hipótese seria de estado de necessidade exculpante, ou seja, a conduta até é antijurídica, mas o agente não será culpável. Nesse sentido, Guilherme de Souza Nucci 30. Quanto aos citados excessos, Nucci não faz tal nem qualquer distinção. CAPÍTULO II DA INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA Como visto, a exigibilidade de conduta conforme o direito constitui elemento da culpabilidade. Para que ocorra a inexigibilidade, como excludente de culpabilidade, o agente, imputável, deve praticar uma ação típica e antijurídica, sem que tenha condições de optar entre o cumprir o dever ou não cumprir o dever de agir conforme a norma. Analisando-se a inexigibilidade num contexto evolutivo, temos, segundo parte considerada da doutrina, que ora destacamos Marco Antonio R. Nahum, a divisão do instituto segundo três proposições: subjetiva, objetiva e intermediária ou mista 31. No caráter subjetivo diz-se conforme Freudenthal, que a visão da inexigibilidade dá-se de acordo com critérios ético-individual, o que traz critica oposicionista pelo excesso trazidos, diante de ilimitadas possibilidades de emprego daquela. 30 31 NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit. p. 252. NAHUM, Marco Antonio R. op. cit. pág. 75.

32 Sob a égide objetiva temos limites estabelecidos para frear as infinidades citadas acima, surgindo então o paradigma do chamado homem médio, que será a base de verificação de justificação para o caso concreto. As críticas aparecem justamente nesse paradigma, que seria demasiadamente abstrato. Face a tudo isso surge o critério misto, intermediário ou objetivosubjetivo, que traz a inexigibilidade como regulador supralegal em todos os aspectos e elementos do crime. Diante da tipicidade e antijuridicidade verificase num aspecto objetivo, enquanto na culpabilidade o critério é o individualizado, subjetivo. Sabemos que o sistema jurídico penal prevê uma série de preceitos permissivos, que constituem situações fáticas excepcionais, para as quais o legislador entendeu que prevaleceria o valor preservado pelo agente ao praticar um injusto penal em desfavor de certo bem jurídico tutelado por aquele tipo penal. Ou seja, é o ordenamento afirmando que, naquele contexto excepcional, o dever-ser não é exigível. São as chamadas excludentes de criminalidade. As excludentes de culpabilidade, por sua vez, não constituem permissivos, mas normas de compreensão, no sentido de que, para aquelas condições externo-objetivas, o ordenamento jurídico não censura o ato praticado, ainda que típico, reconhecendo que o agente não tinha o dever de agir de maneira distinta. Enfim, há quem afirme que a inexigibilidade estaria na origem de todas as causas de justificação, porém, vista sob ângulos distintos, tamanha sua importância e, comprovando-se tal assertiva, temos posição do Mestre Assis Toledo:

33 A inexigibilidade de outra conduta é, pois, a primeira e mais importante causa de exclusão da culpabilidade. E constitui verdadeiro princípio de direito penal. Quando aflora em preceitos legislados, é uma causa legal de exclusão. Se não, deve ser reputada causa supralegal, erigindo-se em princípio fundamental que está intimamente ligado com o problema da responsabilidade pessoal e que, portanto, dispensa a existência de normas expressas a respeito (TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5ª ed. São Paulo. Saraiva. 1994. pág. 328) [Grifamos]. 2) Inexigibilidade como causa excludente de culpabilidade: A inexigibilidade de conduta diversa como excludente da culpabilidade restará configurada quando o agente atuar em contrariedade ao mandamento normativo, porém, com sua culpa diminuída, em razão de forças exógenas, particularmente imperiosas, que o impediram de agir conforme o direito. Para tal, é preciso considerar a formação ético-individual daquele agente específico, a fim de averiguar se naquela hipótese, o acontecimento externo revela-se como força de fato imperativa, apta a desviá-lo do comportamento esperado pelo sistema jurídico. Nesta hipótese, haverá o reconhecimento de que o ato foi praticado mediante restrição da liberdade ética ou de atitude diante do contexto, em razão justamente das circunstâncias anormais ali verificadas. Desse modo, impõe-se à ordem jurídica uma renúncia à punição deste agente, em virtude da insignificância da culpabilidade representada naquele ato.

34 Sintetizando o entendimento, deve-se analisar no caso concreto ao qual servir de foco de estudo, se era exigível do agente causador do injusto penal, conduta diversa da praticada ou ainda, visualizando de modo contrário, se fazia-se possível que nas circunstâncias e condições específicas que cercam os fatos, que o agente agisse conforme o direito, conforme previu a norma penal e, caso verifique-se que não era possível agir conforme o direito ou, que é plenamente justificável o agente agir do modo como fez, há que se afastar a culpabilidade desse agente, salvando-o de punição injusta. Assim, só é reprovável o agente que comete determinado injusto penal quando era possível dele exigir comportamento diverso, aquele conforme o direito, daí surge a necessidade de ampliar a visão da culpabilidade, mais precisamente em seu interior, quanto ao componente da inexigibilidade de conduta diversa como autônomo àquele, quando mostrar-se necessário, sem deixar de compor elemento da culpabilidade, ou seja, reconhecido o citado instituto como princípio, independente de previsão legal expressa. Nesse sentido, tendo em vista que, diferentemente de outros ordenamentos jurídicos mais avançados, tal como absorvido pelo ordenamento penal castrense (art. 39 CPM), a legislação penal brasileira comum não previu a inexigibilidade de conduta diversa como causa geral de exclusão da culpabilidade e, assim, faz-se necessário seu reconhecimento como causa supralegal, eis que perfeitamente admissível o seu reconhecimento em nosso ordenamento jurídico vigente, posto que, não há definição legislativa para o conceito de culpabilidade, deixando tal encargo para a doutrina, que após debruçar-se em inúmeras discussões acerca do presente tema, tornou-se pacífico o entendimento de que é possível visualizar-se a inexigibilidade de conduta diversa de modo autônomo, notadamente quando não for possível aplicar-se outras excludentes, mesmo que em situações extremadas 32. 32 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. pág. 240-241.

35 2.1) Posicionamento doutrinário favorável ao reconhecimento da inexigibilidade como causa supralegal excludente da culpabilidade: Ressalta-se que boa parte da doutrina tem sustentado que, para além das hipóteses de coação moral irresistível e obediência hierárquica, haveria outras hipóteses supralegais de exclusão da culpabilidade com fundamento na inexigibilidade de conduta diversa. Ponto firmado versa que tal excludente só seria admitida em situações excepcionais, quando não seja possível aplicar outras excludentes de culpabilidade e se verificar a injustiça de eventual punição diante da constatação de que, naquele caso concreto, o agente não poderia ter adotado outra conduta, nos moldes já aludidos. Diferentes autores, acompanhados pela jurisprudência nacional posicionam-se no sentido da admissibilidade desta exculpante, entendendo-a como verdadeiro princípio do direito penal e, lastreado na composição teleológica do sistema jurídico brasileiro, há que se garantir a inexigibilidade de conduta diversa como princípio supralegal, operando-se em todos os campos onde estudado o delito, notadamente nas lacunas legais existentes, o que encontra respaldo até mesmo no art. 4º da lei 4.657 de 1942, com as modificações da lei 12.376 de 2010 (Lei de Introdução as Normas do Direito Brasileiro) e, assim, reconhecendo-se o direito penal da culpa, seguindo-se os ensinamentos do Mestre Marco Antonio Nahum 33. No mesmo sentido ilustra o Professor Damásio, que assim reza: A aplicação da teoria da inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão da culpabilidade encontra apoio na integração da lei penal... (JESUS, Damásio. op. cit. pág. 484). 33 NAHUM, Marco Antonio R. op. cit. pág. 84 e 98.

36 Cabe-nos reforçar essa posição, com a exposição conclusiva da Professora Sheila Bierrenbach: A nosso juízo, inexiste impedimento para a aplicação da inexigibilidade, como causa supralegal de exclusão da culpabilidade. Impõe-se, entretanto, análise rigorosa das circunstâncias que envolveram a prática do injusto. Comprovada a anormalidade de tais circunstâncias, nada obsta que se aplique a causa supralegal, absolvendo-se o acusado (BIERRENBACH, Sheila. op. cit. pág. 236). Ainda nesse diapasão, temos o acompanhamento do renomado ícone do Direito Penal pátrio, Professor Juarez Cirino, que assim disserta:...o reconhecimento progressivo de novas situações de exculpação fundadas na anormalidade das circunstâncias do fato e no princípio geral da inexigibilidade de comportamento diverso parece tornar cada vez mais difícil negar à exigibilidade a natureza geral de fundamento supralegal de exculpação como categoria jurídica necessária ao direito positivo vigente" (SANTOS, Juarez Cirino dos. op. cit. pág. 320). Como bem lesiona Paulo Queiroz, não há como negar o emprego da inexigibilidade como causa supralegal, posto que, não há como o legislador, por mais imaginoso que seja, contemplar em exposição legislativa todos os fatos passíveis de escusa, até mesmo pela dinâmica social e a consequente modificação, como também está em perfeita harmonia ao princípio da culpabilidade 34. 34 QUEIROZ, Paulo. op. cit. pág. 332.