Autoria: Thais Nogueira Gil, Roberto Patrus Mundim Pena



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Transcrição:

Análise de um Projeto de Responsabilidade Social Empresarial: Inclusão ou Integração? Autoria: Thais Nogueira Gil, Roberto Patrus Mundim Pena Resumo: Este trabalho apresenta questões para reflexão advindas de uma pesquisa em uma organização empresarial que atua na área da Educação. Objetivou-se identificar e analisar um projeto desenvolvido por esta organização que demonstrasse um compromisso com a inclusão social, isto é, com a formação do sujeito para a vida e para o trabalho. Foi descrito e analisado um projeto social voltado à inclusão de pessoas em situação de risco social, que proporcionou oportunidade de qualificação profissional. O discurso da instituição indica que ela se pensa colaboradora da inclusão social. Após o confronto com conceitos da fundamentação teórica, observou-se que este projeto poderia estar voltado à integração dos sujeitos no mercado de trabalho e não à inclusão social. Entretanto, esta conclusão não é um consenso porque depende das diversas visões sobre o que é inclusão social, por um lado, e integração social, por outro. Este trabalho se inicia com o referencial teórico que o orientou, amparado nos temas da responsabilidade social, da educação, da educação profissional e da inclusão social. Em seguida, apresenta-se a metodologia do trabalho, na qual se descreve a natureza do projeto analisado. Depois da análise dos resultados, problematiza-se o tema da inclusão versus integração e são feitas as considerações finais. 1- Introdução Este trabalho apresenta questões para reflexão advindas de uma pesquisa concluída no final de 2005. Tal pesquisa investigou uma organização empresarial que atua na área da Educação Profissional e ofereceu um projeto (curso de qualificação) voltado à inclusão de pessoas em situação de risco social. O discurso da instituição indica que ela se pensa colaboradora da inclusão social. Após o confronto com conceitos da fundamentação teórica, observou-se que este projeto poderia estar voltado à integração dos sujeitos no mercado de trabalho e não à inclusão social. Entretanto, esta conclusão não é um consenso porque depende das diversas visões sobre o que é inclusão social, por um lado, e integração social, por outro. Neste trabalho, apresentam-se, inicialmente, o referencial teórico que o orientou, Em seguida, apresenta-se a metodologia do trabalho, na qual se descreve a natureza do projeto analisado. Depois da análise dos resultados, problematiza-se o tema da inclusão versus integração e são feitas as considerações finais. 2-Referencial teórico Neste item, apresentamos as bases teóricas a partir das quais a pesquisa foi desenvolvida. Pode dizer-se que o foco do trabalho é a responsabilidade social de uma organização empresarial no campo da educação, em particular da educação profissional, temas que mereceram a atenção dos pesquisadores. 2.1 Responsabilidade Social

No Brasil, assistimos a uma entrada cada vez maior da iniciativa privada nos serviços que antes eram somente oferecidos pelo Estado, como saúde, educação, segurança e previdência. As empresas passam a ser demandadas pela sociedade civil e pelo próprio Estado a dar alguma contribuição. Não basta apenas gerar emprego e renda. Cobra-se da iniciativa privada que elas tenham responsabilidade social. Segundo Pena e Carvalho Neto (2004), as mais recentes revisões de literatura sobre o assunto têm afirmado que o conceito não está suficientemente consolidado e pode ser considerado em construção (ASHLEY 2002; TENÓRIO, 2004). Para Melo Neto e Froes (2001), o tema responsabilidade social é amplo, assim como é o conceito. Da amplitude do tema, surge a complexidade do conceito. Isto porque tema e conceito compreendem um espectro amplo: de conduta ética, às ações comunitárias e de tratamento dos funcionários e ao dinamismo das relações que a empresa mantém com os seus diversos públicos. Os autores citam Almeida (1999) para definir o conceito: Responsabilidade social corporativa é o comprometimento permanente dos empresários de adotar um comportamento ético e contribuir para o desenvolvimento econômico, melhorando, simultaneamente, a qualidade de vida de seus empregados e de suas famílias, da comunidade local e da sociedade como um todo (ALMEIDA, 1999). Ashley (2002) também associa o conceito à idéia de comprometimento e acrescenta uma dimensão de proatividade: Responsabilidade social é o compromisso que uma organização deve ter para com a sociedade, expresso por meio de atos e atitudes que a afetem positivamente, de modo amplo, ou a alguma comunidade, de modo específico, agindo proativamente e coerentemente no que tange ao seu papel específico na sociedade e à sua prestação de contas para com ela. (ASHLEY, 2002:6) Concebe-se o conceito de responsabilidade social, portanto, como o compromisso que uma organização deve ter para com a sociedade, expresso por meio de atos e atitudes que afetem positivamente todos os seus stakeholders, não só para fora da empresa, com a sociedade em geral, mas também para dentro da empresa, com seu público interno, com seus trabalhadores. Como se observa, trata-se de uma síntese dos dois conceitos citados. De acordo com Tenório (2004:32), essa abordagem é a mais atual do conceito e já existe certo consenso em relação à sua utilização. Uma discussão presente no campo da responsabilidade social é sobre a prioridade entre a responsabilidade social interna e a responsabilidade social externa. Muitas empresas se valem da atuação social na comunidade (externa) como forma de divulgar uma imagem institucional de empresa ética. Trabalhos como o de Pena, Carvalho Neto, Queiroz e Teodósio (2004) afirmam que a responsabilidade perante o público interno deve ter prioridade sobre os investimentos sociais privados na comunidade. Argumentam que se a empresa quer ser ética deve começar por ela mesma, com os empregados e suas famílias. Ashley (2002) argumenta que o conceito de responsabilidade social corporativa não pode ser reduzido a uma dimensão social da empresa, mas interpretado por meio de uma visão integrada de dimensões econômicas, ambientais e sociais que, reciprocamente, se relacionam e se definem (ASHLEY, 2002, p.29). Neste artigo, analisamos um projeto social de uma organização empresarial. Trata-se de uma atividade socialmente responsável, mas que não abrange a totalidade do conceito de SER, aqui defendido. Não se pode dizer que uma empresa que desenvolve um bom projeto social junto à comunidade seja uma empresa socialmente responsável, pois a RSE abrange 2

todos os stakeholders e não só a comunidade. O uso do projetos social da empresa para vender a idéia de uma empresa socialmente responsável engendraram as críticas de que a RSE tenha uma conotação ideológica (SANTOS, 2005; PAOLI, 2002; PENA, 2003). Neste trabalho, no entanto, o recorte da pesquisa contemplou apenas o público comunidade, o que não o dispensou do cuidado conceitual que um trabalho científico exige. Conforme salienta Sachs (2004), o Brasil, apesar de registrar por mais de um século, até 1986, a taxa de crescimento mais elevada do mundo, e de ter uma das maiores economias do planeta, apresenta uma sociedade extremamente desigual. A responsabilidade social significa (não apenas, mas também) inserir os sujeitos considerados em risco na sociedade. Essa inserção não significa uma mera inclusão social através do trabalho, mas uma inclusão em um âmbito mais amplo que leva em consideração as questões políticas, educacionais, familiares e culturais. O projeto social em questão foi desenvolvido no campo da educação. 2.2- Educação A Ciência da Educação não se reduz a uma teoria (BRANDÃO, 1984; FRANCO, 2002). É necessário que haja uma prática refletida à luz da teoria da educação para que ela promova a transformação da realidade. Não é a teoria que muda a realidade. Ela fundamenta a prática que tem o poder de ação (SCHON, 2000). Para tal, é imprescindível a articulação entre a teoria e a prática. Entretanto, a prática isolada também não contempla a transformação (ZEICHNER, 2000). Teoria e prática articuladas geram o movimento necessário para promover a ação transformadora. Compreende-se aqui a educação como algo além da sala de aula. A educação não se restringe apenas à escola formal. Ela abrange também os campos da educação informal e da educação não-formal. A educação formal aparece sempre que surgem formas sociais de condução e controle da aventura de ensinar-e-aprender. O ensino formal é o momento em que a educação se sujeita à pedagogia (BRANDÃO, 1984, p.26). É desenvolvida nos aparelhos escolares institucionalizados. Segundo Brandão (1984), na educação informal existe a educação sem haver escola e existe aprendizagem sem haver ensino especializado separado dos outros. A educação não-formal, por sua vez, se refere às ações e práticas coletivas organizadas em movimentos, organizações e associações sociais (GOHN, 1999, p.104). Os espaços onde as suas atividades são exercidas são múltiplos, como por exemplo, bairros, associações, igrejas, sindicatos, ONGs e outros. O processo educativo se dá a partir do processo investigativo, da intercomunicação entre pesquisa e transformação, da articulação entre teoria e prática. Daí a necessidade de o educador ser antes de tudo, pesquisador. Segundo Demo (2001), a pesquisa deveria se fazer presente na educação como um princípio educativo. É importante que a produção de conhecimento seja trazida para o cotidiano. Existem múltiplos horizontes para a pesquisa que devem conter teoria, método e empiria. O objetivo da pesquisa prática é a adequação, mudança e superação da realidade. Não há ciência, criatividade científica ou emancipação histórica criativa sem pesquisa. Franco afirma que: a educação há que se organizar no diálogo investigativo da práxis (FRANCO, 2002, p.56), contextualizado com a realidade e cheio de significados. Tal concepção de educação faz da educação profissional campo especialmente propício para o exercício da sua ação transformadora. 2.3- Educação Profissional 3

O perfil da Educação Profissional foi fortemente influenciado pela mão-de-obra escrava, pelo sistema colonial que descriminava o trabalhador (ENGUITA, 1989). A associação entre trabalho manual e trabalho escravo é fonte do preconceito em relação ao primeiro. Em busca de status, os homens livres se afastaram dele. Essa discriminação levou à necessidade de uma aprendizagem de profissões que era feita através das Corporações de Ofícios. As Corporações foram a base de futuras categorias profissionais. Por este motivo, passaram a ter importância, pois geravam emprego e renda. Como conseqüência, passaram a excluir o ingresso de negros e mulatos e a separar o trabalho manual e o intelectual. Existiam normas rígidas de acesso e as funções ensinadas eram as dirigidas aos homens livres. É neste momento histórico que aparecem as primeiras noções de profissões e de especializações profissionais o ferreiro, o mecânico, o tecelão, o comerciante, o banqueiro (MANFREDI, 2002, p.36). Ainda hoje, as especializações profissionais surgem de acordo com as mudanças sociais e afetam as condições materiais e profissionais. No sistema colonial, os portugueses eram resistentes à implantação de estabelecimentos industriais na colônia. Segundo Enguita (1989), isso se dava como uma forma de manter o controle sobre a colônia, que não deveria produzir ao ponto de se tornar autônoma. Isso tornava a economia baseada, exclusivamente, no modelo agro-exportador. Em 1785, foi expedido um Alvará que obrigava o fechamento de todas as fábricas, salvo as que teciam roupas para os negros. Isso causou um forte impacto no ensino das profissões, que eram absorvidas nas fábricas. Somente com a vinda de D. João VI foi retomado o processo industrial inaugurando-se dessa forma uma nova era para o setor de aprendizagem profissional (SANTOS, 2000, p.207), mudando assim o status do Brasil que de colônia passou a ser a sede do Reino. O processo de discriminação de grupos sociais, o fechamento das fábricas e a proibição de construção de indústrias geraram falta de mão-de-obra qualificada. Foi necessário que se fizesse a aprendizagem compulsória (SANTOS, 2000). Esta ensinava ofícios aos jovens e crianças que não tinham mais nenhuma opção na sociedade. Eram os órfãos e desvalidos. Os juízes e a Santa Casa de Misericórdia os encaminhavam à Marinha e ao Exército. Eles eram internados e trabalhavam como artífices e depois se tornavam homens livres. Também foi criado o Colégio das Fábricas que possuía este mesmo fim (fora do estabelecimento), mas posteriormente passou a ensinar as primeiras letras e todo o ensino primário (dentro do estabelecimento), mas continuou o processo discriminatório nesta aprendizagem de ofício: tal ramo era destinado ao ensino aos humildes, pobres e desvalidos, continuando, portanto, o processo discriminatório em relação às ocupações antes atribuídas somente aos escravos (SANTOS, 2000, p. 208). Com a República e a Constituição de 1824, o funcionamento das Corporações de Ofícios foi inviabilizado. Somente em 1826, um projeto de lei procurou organizar o ensino público que foi estruturado da seguinte forma: Pedagogias (1º grau), Liceus (2º grau), Ginásios (3º grau) e Academias (ensino superior). Esta organização do ensino juntamente com a ampliação da produção manufatureira permitiu maior organização da sociedade civil que era dirigida pelos nobres, fazendeiros, comerciantes e funcionários da burocracia estatal (SANTOS, 2000, p. 209). Muitos Liceus também funcionavam como escolas de difusão do ensino primário (MANFREDI, 2002, p. 77). O Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro desenvolvia a instrução gratuita dos conhecimentos necessários à arte, ao ofício, ao comércio, à lavoura e às indústrias. Os cursos eram gratuitos e contavam com recursos do Estado. Tinha um alto teor ideológico e procurava conter a ampliação de pensamentos contrários à ordem política. Era dirigido ao povo, mas era vedado aos escravos. Com a República, a ideologia do desenvolvimento baseada na industrialização passou a dominar os debates em torno de um projeto para o país (SANTOS, 2000, p. 212), mas 4

buscava-se articular formação profissional com a formação geral do aluno. Segundo Manfredi (2002), mesmo durante o período republicano, os Liceus foram mantidos e ampliados em alguns estados e serviram de base para a construção das Escolas Profissionalizantes. Foi inaugurado por Nilo Peçanha o ensino profissional no Brasil através das Escolas de Aprendizes e Artífices que contemplava o pensamento industrialista da época e o converteu em medidas educacionais. Estas escolas tinham prédios próprios, currículos e metodologia próprios, alunos, condições de ingresso e destinação esperada dos egressos que as distinguiam das demais instituições de ensino elementar (CUNHA, 2000, p. 94). Embora possuísse uma boa estrutura física, o seu funcionamento foi precário, pois não havia professores devidamente qualificados. A aprendizagem se limitava ao conhecimento empírico. Houve uma freqüência muito alta de alunos, mas a evasão foi grande (ultrapassando 50% em alguns Estados), tornando-se um dos maiores problemas da rede de ensino técnico-profissional. Poucos alunos chegavam ao final do curso. Ao adquirirem um pouco de conhecimento, eles se empregavam em alguma fábrica e abandonavam o curso para trabalhar. Neste período da República havia muitos cursos de breve duração com temas voltados ao ensino profissionalizante. As referências destes cursos se encontram na imprensa sindical, desde o início do século até o final da década de 1930, e nos períodos subseqüentes a partir da criação dos sindicatos oficiais, durante o Estado Novo. Manfredi (2002) destaca alguns exemplos como curso de corte e desenho (União dos Alfaiates, RJ, 1923) curso de novas técnicas (União dos Trabalhadores Gráficos, RJ, 1930), cursos práticos de línguas e contabilidade (Associação dos Funcionários de Bancos do Estado de São Paulo, 1923). Essa associação elaborou o primeiro curso de contabilidade. Durava três anos e era oferecido aos trabalhadores bancários associados, seus familiares e parentes. No Brasil, após a Revolução de 1930, o modelo de desenvolvimento passou a ser fundamentado na industrialização. Houve uma mudança no perfil da sociedade. Pelo fato das indústrias se desenvolverem nos grandes centros urbanos, a sociedade tornou-se aos poucos mais urbana e houve a necessidade de adotar novas formas para preparar a força de trabalho. Houve uma reestruturação do sistema educacional brasileiro e consolidou-se o Ensino Profissional Técnico. Segundo Enguita (1989), foi um período de ditadura e que as organizações independentes (movimentos operários, sindicatos) foram silenciadas pela repressão. A formação profissional combinou o enquadramento institucional de associações de trabalhadores a uma política voltada ao convencimento e disputas hegemônicas no plano ideológico. Assim, a montagem do sistema corporativista de representação sindical, além de possibilitar o desmantelamento de iniciativas dos trabalhadores, favoreceu a construção de um sistema que, paralelamente ao sistema público, era organizado e gerido pelos organismos sindicais patronais o chamado Sistema S, que teve como primeiras estruturas o Senai (1942) e o Senac (1943) (MANFREDI, 2002, p.98). O Senai e o Sesi foram criados entre 1942 e 1945 e são responsáveis pelo florescimento dos cursos profissionalizantes. Estes cursos eram de aprendizagem de ofício e davam formação técnica em nível de Ensino Fundamental. Em 1996, a LDB determinou que a Educação Profissional seria dividida em: Nível Básico (totalmente não-formal, de várias naturezas e sem credibilidade junto à sociedade), Nível Técnico (voltado à qualificação profissional, independente do Ensino Médio) e Nível Tecnólogo (correspondente a nível superior). Enfim, a Educação Profissional é dirigida ao trabalhador e o forma para uma especificidade. Ela utiliza-se de treinamento, mas não se limita a ele. Deve abranger também uma formação mais geral e integral, no sentido de informar e formar, que é o papel da educação. 5

2.4- Inclusão Social A inclusão social é uma ação ou política que objetiva a inserção de sujeitos excluídos, preparando as futuras gerações para o convívio com a diversidade, compreendendo a realidade de todos, deixando de lado a perspectiva de que a inclusão é para os que possuem necessidades especiais. Ela é para todo aquele que, de alguma forma, foi excluído (MANTOAN, 2003, p.57). O Estado deveria garantir à sociedade os direitos fundamentais como: saúde, educação, emprego, segurança, dentre outros. Como foi chamado na Europa, a partir do Séc. XX, o Welfare State (Estado de Bem Estar Social), segundo Franco (2003), oferecia garantia dos direitos individuais a bens e serviços, seja por meio do próprio Estado, seja mediante seu poder de regulamentação sobre a sociedade civil. Tais direitos incluíam a assistência social, a cobertura de saúde e educação, trabalho, auxílio-desemprego e previdência social. Embora o Estado ainda assuma como responsabilidade alguns destes direitos, atualmente, essa concepção de Estado de bem-estar social se demonstra falida. Conforme salienta Offe (1999), buscam-se atualmente formas menos suscetíveis e vulneráveis a uma crise do mercado de trabalho, que criem um nível compatível de seguridade social e de ausência de insegurança. A nova tônica nas relações contemporâneas passa a ser uma nova forma de coordenação econômico-social que não deixe só nas mãos do Estado as operações necessárias, mas que também não permita somente à empresa os seus excessos de mercado. A entrada das comunidades é uma alternativa para a construção de novas formas de relações econômicosociais, ou seja, há a concordância sobre a necessidade de um equilíbrio nessa relação triangular (Estado, Mercado e Comunidade). Os discursos no campo do trabalho relacionados à educação devem pautar-se pela dinâmica de uma formação ampla que permita ao sujeito não apenas sair de uma determinada situação excludente de forma imediata. Na verdade, a formação profissional com vistas à inclusão social visa à construção de uma autonomia que permita ao aprendiz futuro trabalhador - permanecer inserido na realidade social mais ampla. De acordo com Rattner: A inclusão torna-se viável somente quando, através da participação em ações coletivas, os excluídos são capazes de recuperar sua dignidade e conseguem - além de emprego e renda - acesso à moradia decente, facilidades culturais e serviços sociais, como educação e saúde. (RATTNER, 2002, p.1 ). Paulo Freire afirmava que a educação como prática da liberdade, ao contrário daquela que é prática da dominação, implica a negação do homem abstrato, isolado, solto, desligado do mundo (FREIRE, 2005, p.81). É necessário que sejam reconhecidas as dimensões sociais e culturais dos trabalhadores. Além de subjetivas, estas dimensões são diversas e complexas. O conjunto de uma sociedade é o resultado da participação de cada um de seus membros. Velho (1988) destaca que as escolhas individuais, diferentemente da identidade socialmente dada (etnia, família, etc), é que definem os diferentes conjuntos de valores individuais e coletivos. Como os interesses dos indivíduos são diversos, quanto maior a participação e o exercício da cidadania, maior será a representação dos interesses dos membros da coletividade (PENA, 1999). A diversidade cultural, que deveria ser compreendida como uma forma de enriquecer o conhecimento, muitas vezes é vista como uma deficiência. A escola geralmente é vista como uma instituição única, sem considerar as diversas diferenças existentes. O conhecimento se torna um objeto que deve ser transmitido e apreendido, com ênfase nos resultados. Esta visão desconsidera a totalidade humana, esquece que os alunos chegam à escola marcados pela 6

diversidade. Este tratamento consagra as desigualdades e injustiças das origens sociais dos alunos. O ideal, portanto é considerar esses alunos como sujeitos sócio-culturais e superar a visão homogeneizante e estereotipada, considerar as diferenças, a historicidade, os paradigmas, valores, sentimentos, emoções, desejos, projetos. Enfim, levar em conta toda a experiência vivida. É fundamental que os profissionais reflitam sobre o que pode e deve ser um espaço escolar, que haja uma ampliação e um aprofundamento nestas análises para que a escola passe a ter uma dimensão cotidiana e possa, assim, contribuir para a problematização de sua função social. (DAYRELL, 1996). 3- Metodologia A pesquisa foi exploratória, de natureza descritiva. Como tal, pretendeu, como preconiza Gil (1995), esclarecer, desenvolver e alterar idéias e conceitos para que fossem elaborados problemas e hipóteses mais precisas para futuras pesquisas. A coleta dos dados foi feita por meio de visitas de campo, observação em reuniões da organização com a comunidade e entrevistas com os idealizadores do projeto e com os alunos beneficiados. As entrevistas foram gravadas em áudio e vídeo. A pesquisa teve por objetivo analisar um projeto social (curso de qualificação profissional) desenvolvido por uma organização empresarial que indicava um compromisso com a inclusão social. Para tal, foram realizadas sondagens, observações e entrevistas. Os objetivos específicos ficaram definidos da seguinte forma: Identificar e analisar um projeto social desenvolvido por uma organização empresarial que demonstrasse um compromisso com a inclusão social, isto é, com a formação do sujeito para a vida e para o trabalho. Descrever a analisar este projeto social, articulando-o com a inclusão social. 4- Resultados da pesquisa O projeto social em questão foi criado com a intenção de ampliar a participação desta em iniciativas sociais. Foi realizado em um município que apresenta um alto índice de desemprego, devido em parte à grande carência de mão-de-obra qualificada para atuação no setor industrial e prestação de serviços. A cidade apresenta também um grande índice de jovens que não freqüentam a escola e possuem situação sócio-econômica crítica. Este fato preocupou a associação comunitária local que entrou em contato com uma escola técnica e estudou a possibilidade da realização de um dos seus cursos na cidade. A partir de uma parceria com a organização empresarial, foram realizados cursos de qualificação a jovens que viviam em situação de risco social (compreendidos como adolescentes de dezesseis a dezoito anos, com pais desempregados ou falecidos, com falta de renda familiar, moradia na periferia e não matriculados em nenhuma escola). Salienta-se que os próprios candidatos fizeram a declaração do risco pessoal e social. Estas declarações foram verificadas e comprovadas mediante a visita de funcionários envolvidos no projeto. Primeiramente, uma equipe da escola foi à cidade onde o projeto seria realizado. Em várias reuniões com membros da comunidade (representantes da associação comunitária, representante da igreja, representantes do comércio e representantes de escolas), foram levantados diagnósticos das demandas da cidade. Chegou-se à conclusão de que havia um déficit de mão-de-obra de bombeiro e de eletricista. Posteriormente, o curso foi elaborado de forma flexível: toda a infra-estrutura necessária para a realização do curso foi levada para a cidade e montada em uma quadra de uma escola municipal; os módulos foram adaptados de forma a permitir ao treinando um melhor aproveitamento dos conteúdos desenvolvidos. A 7

carga horária total do curso foi de 360 horas, se desenvolveu em três meses e formaram 20 eletricistas e 20 bombeiros hidráulicos. No final do projeto a prefeitura local doou um terreno que serve de oficina para um novo projeto. Observa-se que, embora a comunidade local tenha sido convidada a participar das reuniões, não houve muita articulação desta na elaboração do projeto. A presença desta não representa uma participação efetiva. Em momento algum houve a participação efetiva de algum aluno. É democrático elaborar um projeto em que a comunidade é apenas presente? Não seria necessária uma participação mais efetiva no sentido de ouvir suas sugestões, idéias e opiniões? Segundo o diretor da escola, a principal preocupação do projeto era oferecer dados concretos, reais, para que os alunos vissem sentido em aprender tal ofício e pudessem exercêlo de forma que lhes fosse possível conseguir um trabalho e gerar renda. Segundo um dos alunos entrevistados, o envolvimento deles com o curso foi muito forte: foi a chance da nossa vida, afirmou um aluno de 17 anos que mora com uma avó, não estudava e está desempregado, embora agora tenha esperanças para o futuro. Muitos desses alunos tiveram pouca oportunidade de estudar ao longo da vida porque necessitavam trabalhar para ajudar a sustentar a família ou porque não conseguiam acompanhar o ritmo da escola. Charlot (2000) ao citar Bourdieu, afirma que há uma reprodução das diferenças, pois às diferenças de posições sociais dos pais correspondem diferenças de posições escolares dos filhos e, mais tarde, diferenças de posições sociais entre esses filhos na idade adulta (CHARLOT, 2000, p.20). Entretanto, já é sabido que a posição que um filho ocupa tem a ver com a dos pais, mas depende também das relações que este estabelece com o seu meio. Neste sentido o papel da educação tem uma forte influência no futuro dos alunos, pois amplia suas visões de mundo. Esta ampliação se dá devido às trocas com colegas, professores, etc e acesso ao conhecimento. Desta forma os alunos se tornam mais críticos e aprendem a refletir sobre a própria vida, pois ao entrar em contato com uma diversidade de relações eles re-significam o próprio conhecimento e o amplia. Para isso a educação deve ser comprometida com a formação deste sujeito crítico e não apenas se limitar à transmissão de conhecimentos. Entretanto, como ampliar a visão de mundo destes alunos quando os conteúdos de um ensino são adaptados? Mantoan (2004) afirma que um curso, por exemplo, não é considerado inclusivo quando o currículo é adaptado para que alunos com maiores dificuldades aprendam. Percebeu-se que a articulação das próprias empresas pode ser uma possibilidade de inclusão social de pessoas em situação de risco. Como os jovens não podiam ir à escola, em função da absoluta carência de recursos para transporte, toda a infra-estrutura do curso (oficinas e laboratórios) foi levada para a comunidade. Este diferencial foi entendido pelos idealizadores como uma forma de deslocar o pressuposto de que os alunos é que devem ir à escola. Segundo os idealizadores do projeto, entrevistados durante a realização da pesquisa, tais cursos possibilitariam a inclusão social através da qualificação para o trabalho. Apresentações de trabalhos sobre a pesquisa em universidades do Brasil e do Chile corroboraram essa idéia, tendo em vista o reconhecimento de que se tratava de experiência concreta de inclusão social. Mas não temos tanta certeza! Por um lado, é fato que, ao propor um projeto social que objetiva a inclusão, as empresas envolvidas estejam oferecendo uma oportunidade aos jovens marginalizados. Ao montar oficinas na comunidade local, estão facilitando o acesso. Ao realizar parcerias com o governo local estão ampliando o projeto e aumentando a chance de trabalho para estes jovens. Entretanto, faltou um olhar para os alunos, que foram sujeitos passivos de uma intervenção para uma qualificação profissional e não tiveram sua participação encorajada. Desta forma, faltou no projeto coordenado pela organização empresarial um olhar para as especificidades dos sujeitos, condição considerada fundamental pelos autores estudados (MONTOAN, 2003; RATTNER, 2002). 8

A distinção conceitual entre integração e inclusão social permitiu problematizar se de fato o trabalho desenvolvido pela organização empresarial era inclusivo. Geralmente, a idéia de inclusão parece revolucionária, isto é, contrária à manutenção do status quo. As conclusões deste trabalho nos permitem questionar se de fato a inclusão social promovida pelo projeto merece a qualificação atribuída por Mantoan (2003) e Rattner (2002). Uma concepção de sociedade inclusiva considera uma sociedade para todos, independentemente do sexo, idade, crença, etnia, raça, orientação sexual ou deficiência. Não basta ser uma sociedade aberta e acessível a todos os grupos, mas uma sociedade que encoraja a participação e aprecia a diversidade e as experiências humanas. O objetivo principal é criar oportunidades iguais para todos, percebendo o potencial humano (PUC MINAS, 2005). Ao propor um curso de aprendizagem de um ofício, este projeto oferece uma oportunidade a jovens em risco social. Ao montar oficinas na comunidade local, está facilitando o acesso destes jovens. Ao realizar parcerias com o governo local está ampliando o projeto e aumentando as chances de trabalho. Entretanto, faltou um olhar para as especificidades dos sujeitos envolvidos. Faltou uma formação integral que permitisse uma maior autonomia destes sujeitos. O projeto é pontual e visa a formação em um campo muito específico do trabalho para entrada imediata no mercado. Não há como um projeto desses possibilitar a formação integral. Conceitualmente, inclusão não é o mesmo que integração. Inclusão é mobilização social. A sociedade se prepara para acolher os sujeitos. Diferentemente, integração é mobilização pessoal para se ajustar a uma sociedade. Para Ferreira, integração é a ação ou política que visa integrar em um grupo minorias sociais (FERREIRA, 1986, p. 954). O esforço é do indivíduo que se adapta para integrar um grupo. Saliba (2004) afirma que integração é uma conquista individual para se adaptar ao social. O referencial teórico da pesquisa concluiu que é necessário ter o cuidado para que as ações comunitárias não sejam apenas assistencialistas, o que aumentaria mais ainda a exclusão. A educação deve formar sujeitos críticos, participantes e atuantes, como preconiza Paulo Freire: seria, realmente, uma violência, como de fato é, que os homens, seres históricos e necessariamente inseridos num movimento de busca, com outros homens, não fossem o sujeito de seu próprio movimento (FREIRE, 2005, p.86). 5- Considerações finais e discussão O projeto social analisado tinha a intenção de incluir jovens em risco social no mercado de trabalho através da Educação Profissional. Para tal foi elaborado um curso de acordo com a demanda de uma comunidade. Toda a infra-estrutura necessária foi levada para a comunidade para facilitar o acesso dos jovens ao curso. No entanto não foi observada uma articulação no sentido de formar um sujeito crítico, articulado que demonstrasse um compromisso com a inclusão social. As relações entre trabalho e educação não se limitam apenas à formação para atender à demanda do mercado, isto é, há também uma preocupação com a formação do sujeito para a vida e para o trabalho. Esta iniciativa partiu da comunidade e do Terceiro Setor e posteriormente foi ampliada através de uma parceria com o Governo. Tal parceria deu maior sustentabilidade econômica ao projeto que pôde ser ampliado. Pode concluir-se que parcerias entre o poder local, empresas e organizações não-governamentais devem ser incentivadas para que projetos sociais possam ser sustentados. Entretanto, faz-se necessária a presença da comunidade para que se mantenha o desejado equilíbrio entre mercado, Estado e empresas. É importante compreender o significado de um projeto como o citado neste trabalho. Ele só existe porque há lacunas no sistema de formação. Também há problemas muito sérios no campo do mercado de trabalho, que fica cada vez mais competitivo, não por falta de formação do trabalhador brasileiro, mas porque simplesmente não existem espaços de trabalho para todos que se encaminham para o mercado. Isso torna ainda mais necessária a 9

formação integral que levanta questões ao sujeito no sentido de problematizar questões voltadas à sua participação efetiva, sensibilizando-o para a necessidade de maior articulação política. A prática observada foi problematizada pelo referencial conceitual que orientou a pesquisa. Parafraseando Schon (2000, p.9) a pesquisa deve ser a articulação entre teoria e prática, a reflexão na ação, o pensar o que fazem enquanto fazem. É preciso que o pesquisador se questione, questione seus dados, ouça seus pares e esteja aberto a mudanças que podem enriquecer a sua participação ativa na sociedade. Debater estas questões e ampliar os pontos de vistas com a contribuição de diversas áreas do conhecimento é fundamental para que esta pesquisa possa clarear seus conceitos, ampliar seus objetivos e poder contribuir de fato para a inclusão social. Consideramos que deslocar o centro é contemplar cada vez mais a globalização contra-hegemônica. Segundo Santos (2005), a globalização neoliberal não é única. Por reação a ela está emergindo uma outra globalização, constituída pelas redes e alianças transfronteiriças entre movimentos, lutas e organizações locais ou nacionais (SANTOS, 2005, p. 13). Os conceitos bem definidos ajudam a evitar que projetos sociais sejam porta-vozes de uma ideologia, muitas vezes repassada por agentes imbuídos de coragem e boa-fé. Enfim, este trabalho demonstrou um impasse: a partir de uma concepção neoliberal, o projeto social analisado pode sim ser classificado como colaborador da inclusão social. Mas, a partir de uma concepção contra-hegemônica, ele seria um projeto que contempla a integração dos sujeitos no meio social. Uma reflexão sobre esta pesquisa levanta questões sobre o lugar social dos agentes e patrocinadores de iniciativas como esta. Um projeto de responsabilidade social empresarial pode promover a inclusão social de jovens marginalizados sem atuar de forma participativa com a comunidade? A gestão participativa de um projeto social que objetiva a inclusão exige o engajamento da comunidade na sua concepção, elaboração e execução? Pode um projeto social que gera emprego e renda não ser considerado um projeto de inclusão social, mas apenas de integração? Há uma ideologia por trás da responsabilidade social das empresas que, conceitualmente, a impede de ter uma concepção contrahegemônica? É possível a uma organização vinculada à empresa, ou por ela mantida do ponto de vista econômico, transformar a realidade da desigualdade social no Brasil? Referências: ASHLEY, Patrícia A. (coord.). Ética e responsabilidade social nos negócios. São Paulo: Saraiva, 2002. BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação. São Paulo: Brasiliense, 1984. CHARLOT, Bernard. Da Relação com o Saber: elementos para uma teoria. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000. CUNHA, L. A. O Ensino de Ofícios Artesanais e Manufatureiros no Brasil Escravocrata. São Paulo: UNESP, 2000. DAYRELL, J. A escola como espaço sócio-cultural ; in: Dayrell, J. Múltiplos olhares sobre Educação e Cultura. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1996. DEMO, Pedro. Pesquisar- o que é?.in: DEMO, Pedro. Pesquisa Princípio Científico e Educativo. São Paulo: Cortez, 2001 (pp.11-44). 10

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