Oftalmologia - Vol. 34: pp. 337-341 Hemangioma da Coróide: Um Caso Clínico Miguel Gomes 1, Miguel Lume 1, Maria Araújo 2, Marinho Santos 2 1 Interno Complementar de Oftalmologia 2 Assistente Hospitalar de Oftalmologia Serviço de Oftalmologia Centro Hospitalar do Porto (Hospital Geral de Santo António) mpgomes@portugalmail.pt RESUMO Objectivo: Reportar a utilização da terapêutica fotodinâmica (TFD) com verteporfina para o tratamento de um caso de hemangioma da coróide. Material e Métodos: Homem de 66 anos, pseudofáquico desde há 2 meses, com melhor acuidade visual corrigida do olho esquerdo de 0,4. A fundoscopia juntamente com a ecografia e o OCT sugeriu o diagnóstico de hemangioma da coróide de tipo circunscrito. Foi submetido a uma sessão de TFD com verteporfina (de acordo com o protocolo standard utilizado para o tratamento da degenerescência macular relacionada com a idade) que induziu a regressão do hemangioma bem como do descolamento seroso da retina associado. Ao 6.º mês de seguimento apresenta visão de 0,63 sem sinais de recidiva do hemangioma. Apresenta, no entanto, atrofia corioretiniana. Conclusão: A TFD mostra-se eficaz para o tratamento do hemangioma da coróide. Contudo, são necessários estudos que permitam ajustar o protocolo para o tratamento desta patologia. ABSTRACT Purpose: To report the use of photodymanic therapy with verteporfin for the treatment of a choroidal hemangioma (CH). Material and Methods: A 66 years old man, pseudophakic for 2 months, with best spectacle corrected visual acuity of 0,4. Fundoscopic examination, echography and OCT showed a circumscribed CH. He was submitted to a session of PDT (standard protocol for treating age related macular degeneration) inducing the CH regression and exudative macular detachment. At the 6º month of follow-up vision increased to 0,63 with no signs of disease relapse. However, it presents chorioretinal atrophy. Conclusion: PDT showed effective for CH treatment. However, more studies are needed to adjust the protocol for the treatment of this problem. Palavras-chave: Hemangioma da Coróide; Terapêutica fotodinâmica; Verteporfina. Key words: Choroidal hemangioma; Photodynamic therapy; Verteporfin. Introdução O hemangioma da coróide é um tumor vascular benigno de frequência pouco habitual 1, com uma frequência de aproximadamente 1 para 40 melanomas da coróide 2. Pode existir em duas formas clínicas e histopatológicas distintas: o tipo circunscrito e o tipo difuso. O primeiro surge entre a segunda e a quarta décadas de vida como uma elevação 51.º Congresso Português de Oftalmologia, 4 de Dezembro de 2008 VOL. 34, JANEIRO - MARÇO, 2010 337
Miguel Gomes, Miguel Lume, Maria Araújo, Marinho Santos séssil bem circunscrita de coloração vermelho- -alaranjada. A maioria (95%) é posterior ao equador (mais frequentemente na mácula ou justapapilar) 3. Em contraste o tipo difuso é geralmente diagnosticado ao nascimento como manifestação da síndrome de Sturge-Weber. Clinicamente aparece como uma massa mal definida envolvendo mais de metade da coróide, produzindo uma cor vermelha que obscurece a vascularização coroideia normal 4. O tipo circunscrito, apesar de ser geralmente assintomático 5, pode complicar para descolamento de retina de tipo exsudativo ou edema intrarretiniano, com consequente perda da acuidade visual e do campo visual central, bem como metamorfopsias 1. Ecograficamente, a lesão é acusticamente sólida no modo B, e com características ecogénicas semelhantes à coróide normal que a envolve. No modo A apresenta elevada reflectividade interna. A angiografia fluoresceínica mostra hiperfluorescência precoce, com difusão nas fases mais tardias. A angiografia com verde de indocianina demonstra o alto fluxo do hemangioma ao mostrar um rápido enchimento seguido de washout. A tomografia de coerência óptica (OCT) é um exame inócuo que se tem mostrado útil tanto no diagnóstico como no seguimento após o tratamento 5,6. A decisão para o tratamento deve ser baseada na extensão das manifestações clínicas (sintomas e complicações) bem como da capacidade da recuperação visual. Assim, hemangiomas circunscritos, assintomáticos e localizados fora das arcadas, em que não se observa líquido intra ou subretiniano não necessitam de tratamento 7, tal como os casos com edema macular cistóide de longa data, pela baixa probabilidade de recuperação. Portanto as indicações para o tratamento do hemangioma de tipo circunscrito incluem a diminuição da acuidade visual, a perda de campo visual central, a presença de metamorfopsias e o aumento da exsudação 8. Estão descritas várias abordagens terapêuticas, incluindo a fotocoagulação laser, a termoterapia transpupilar, a radioterapia externa, a braquiterapia e a crioterapia 7,9,13. Recentemente, vários trabalhos têm mostrado o benefício da terapêutica fotodinâmica (TFD) com verteporfirina 13,19, já que quando comparado com as outras modalidades terapêuticas está associada a melhores resultados funcionais, a menor taxa de recorrência e a menor taxa de complicações. No entanto, vários grupos fizeram adaptações ao protocolo habitualmente utilizado para o tratamento da neovascularização coroideia, pelo que, até ao momento, não se sabe qual o protocolo mais adequado para o tratamento do hemangioma da coróide. Caso clínico Paciente do sexo masculino, de 66 anos de idade, saudável, com excepção de hipertensão arterial controlada medicamente, foi orientado para o nosso centro por baixa visão após cirurgia de catarata realizada há 2 meses e suspeita de lesão neoplásica do olho esquerdo. Ao exame objectivo apresentava acuidade visual de 0,4 no olho esquerdo e 1,0 no olho direito. No exame do fundo de olho constatou-se lesão elevada, alaranjada, de limites bem definidos, localizada ao nível da arcada temporal superior (Fig. 1). A ecografia em modo B revelou uma massa com 2,4mm de altura e 9,2mm de maior comprimento e alta reflectividade interna no modo A (Fig. 2). O OCT mostrou elevação em forma de cúpula das camadas da retina e Fig. 1 Fotografia do fundo do olho mostrando lesão alaranjada. 338 OFTALMOLOGIA
Hemangioma da Coróide: Um Caso Clínico do epitélio pigmentado (Fig. 3A), associado a descolamento seroso da mácula (Fig. 3B). Por avaria do sistema não foi possível realizar angiografia. Fig. 2 Ecografia em modo A (alta reflectividade interna) e modo B (lesão com 2,4mm de altura). A fundoscopia e os dados obtidos pelos exames auxiliares permitiram estabelecer o diagnóstico de hemangioma da coróide de tipo circunscrito. Foi decidido realizar TFD, para o qual foi obtido consentimento informado. O paciente recebeu verteporfina (Visudyne; Novartis Ophthalmics) intravenosa na dose de 6mg/m 2 de área de superfície corporal durante 10 minutos. Cinco minutos após a suspensão da infusão foi submetido a laser díodo com comprimento de onda de 689nm (Opal photoactivator, Coherent) a 50J/cm 2 e radiação de 600mW/cm 2 durante 83 segundos. Dadas as dimensões da lesão optou-se por realizar 3 spots com 5200µm (Fig. 4), com áreas de sobreposição, cobrindo toda a lesão observável na fundoscopia, e área de segurança a rodear (500µm). Foi utilizada uma lente de contacto (Mainster Standard, Ocular Instruments). Dois meses após o tratamento a exsudação estava completamente resolvida e o doente apresentava-se subjectivamente melhor. Aos 6 meses de seguimento apresentava acuidade visual de 0,63 sem evidência de recorrência da exsudação intra ou subretiniana (Fig 5). No entanto, o complexo coriorretiniano apresenta- -se atrofiado na zona da lesão. Fig. 3 Imagem de OCT na zona da lesão (A) e na região macular (B). Fig. 4 Esquema ilustrativo dos spots de laser. VOL. 34, JANEIRO - MARÇO, 2010 339
Miguel Gomes, Miguel Lume, Maria Araújo, Marinho Santos Fig. 5 Fotografia do fundo de olho (A), OCT da lesão (B) e da mácula (C) mostrando resolução do descolamento serosos após a TFD, mas com atrofia de complexo coriorretiniano ao nível da lesão. Discussão Idealmente, o tratamento do hemangioma da coróide deve ser dirigido exclusivamente para a vasculatura coroideia anormal, e isento de efeitos adversos indesejáveis. Dos vários tratamentos disponíveis, a terapêutica fotodinâmica com verteporfina parece ser aquela associada com melhores resultados e menores complicaçõe s 13,19. Tal como foi demonstrado para a degenerescência macular relacionada com a idade (DMRI), a TFD consegue fazer a oclusão selectiva dos neovasos da coróide sem atingir as camadas da retina e da membrana de Bruch bem como a sua vascularização, logo minimizando o atingimento da função retiniana 20. A técnica da TFD varia entre diferentes grupos. Alguns optam por fazer o protocolo utilizado no tratamento da DMRI 21. Outros autores usam injecção em bolus, variável número de sessões, de potência (50-100J), de duração da exposição (83-186 segundos), número e tamanho (cobrindo só zona central vs toda a lesão) dos spots aplicados. Estas alterações ao protocolo base teriam como objectivo aumentar a concentração da droga na zona do tumor e logo o efeito fotodinâmico. Esta é uma técnica que se tem mostrado eficaz e com poucas complicações. Contudo, em alguns casos, pode-se observar atrofia coriorretiniana 5, 14, geralmente associada a um tratamento mais agressivo 5. Dada a presença de exsudação macular e a eficácia já demonstrada, optou-se por realizar TFD de acordo com o esquema standard utilizado para o tratamento da DMRI. O objectivo neste caso foi tratar o descolamento exsudativo e desta forma melhorar a acuidade visual, o que foi conseguido com uma única sessão. No entanto o tratamento cursou com o aparecimento de atrofia coroideia, coincidente à zona de sobreposição dos spots. Portanto, para minimizar os riscos de atrofia, para além de evitar tratar zonas de coróide normal, evitar a reexposição de zonas previamente tratadas 5, a utilização de múltiplos spots sobrepostos não parece ser benéfica. A raridade da lesão dificulta o estabelecimento de guidelines de tratamento do hemangioma da coroideia, pelo que, futuramente, devem ser realizados estudos para tentar optimizar os parâmetros da técnica, e talvez ajustá-los de acordo com a espessura da lesão. Bibliografia 1. WITSCHEL H, FONT RL.: Hemangioma of the choroid: a clinicopathological study of 71 cases and a review of the literature. Surv Ophthalmol 1976;20(6):415-31 2. SHIELDS CL, SHIELDS JA.: Choroidal hemangioma. Seminars in Ophthalmology 1993;8(4):257-64 3. ANAND R, AUSBURGER JJ, SHIELDS JA.: Circumscribed choroidal hemangiomas. Arch Ophtalmol. 1989; 110: 1338-1342 4. DE POTTER P.: Choroidal hemangioma. In: Guyer Dr, Yannuzzi LA, Chang S, Shields JA. Greew WR, eds. Retina-Vitreous-Macula. Philadelphia: W.B. Saunders; 1999:1083-1091 5. SINGH AD, KAISER PK, SEARS JE.: Choroidal hemangioma. Ophthalmol Clin N Am 2005;18:151-161 6. SOUCEK P, CIHELKOVÁ: Evaluation of subretinal fluid absorption by optical coherence tomography in circumscribed choroidal hemangioma after photodynamic therapy with verteporfin. Neuroendocrinol Lett 2004;25(1/2):109-14 340 OFTALMOLOGIA
Hemangioma da Coróide: Um Caso Clínico 17. SHIELDS CL, HONAVAR SG, SHIELDS JA, et al.: Circumscribed choroidal hemangioma: clinical manifestations and factors predictive of visual outcome in 200 consecutive cases. Ophthalmology 2001;108(12):2237-48 18. MASHAYEKHI A, SHIELDS CL.: Circumscribed choroidal hemamgioma. Curr Opin Ophtalmol 2003; 14: 142-149 19. HUMPHREY WT.: Choroidal hemangioma: response to cryotherapy. Ann Ophthalmol 1979;11(1):100-4 10. GUNDUZ K.: Transpupillary thermotherapy in the management of circumscribed choroidal hemangioma. Surv Ophthalmol 2004;49(3):316-27 11. MADREPERLA SA, HUNGERFORD JL, PLOWMAN PN, e tal.: Choroidal hemangiomas: visual and anatomical results of treatment by photocoagulation or radiation therapy. Ophthalmology 1997;104(11):1773-8 12. AUGSBURGER JJ, FREIRE J, BRADY LW.: Radiation therapy for choroidal and retinal hemangiomas. Font Radiat Ther Oncol 1997;30:265-280 13. SCOTT IU, GORSCAK J, GASS JD, et al.: Anatomic and visual acuity outcomes following thermal laser photocoagulation or photodynamic therapy for symptomatic circumscribed choroidal hemangioma with associated serous retinal detachment. Ophthalmic Surg Lasers Imaging 2004;35:281-291 14. MICHELS S, MICHELS R, SIMADER C, SCHMIDT-ERFURTH U.: Verteporfirin therapy for choroidal hemangioma: a long-term follow-up. Retina 2005;25:697-703 15. KOJCHEN JV, BANIN E, AVERBUKH E, et al.: Application of the standard photodynamic treatment protocol for symptomatic circumscribed choroidal hemangioma. Ophthalmologica 2006;220:351-5 16. GUPTA M, SINGH AD, RUNDLE PA, RENNIE IG.: Efficacy of photodynamic therapy in circumscribed choroidal haemangioma. Eye 2004;18:139-42 17. ROBERTSON DM.: Photodynamic therapy for choroidal hemangioma associated with serous retinal detachment. Arch Ophthalmol 2002;120:1155-61 18. SCHMIDT-ERFURTH U, MICHELS S, KUSSEROW C, et al.: Photodynamic therapy for symptomatic choroidal hemangioma. Ophthalmology 2002;109:2284-94 19. PORRINI G, GIOVANNINI A, AMATO G, et al.: Photodynamic therapy of circumscribed choroidal hemangioma. Ophthalmology 2003;110:674-80 20. SCHMIDT-ERFURTH U, HASAN T.: Mechanism of action of photodynamic therapy with verteporfin for the treatment of age-related macular degeneration. Surv Ophthalmol 2000;45(3):195-213 21. TAP Study Group. Photodynamic therapy of subfoveal choroidal neovascularization in age-related macular degeneration with verteporfin: one year results of 2 randomized clinical trials. TAP report treatment of age related macular degeneration with photodynamic therapy (TAP) study group. Arch Ophthalmol 1999;117(10):1329-45 VOL. 34, JANEIRO - MARÇO, 2010 341