UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ CAIUBI MARTINS DYSARZ DOS ALPES À SERRA DO MAR: A COLONIZAÇÃO SUÍÇA DE SUPERAGUI SOB INSPIRAÇÃO DO SISTEMA DE PARCERIA



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Transcrição:

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ CAIUBI MARTINS DYSARZ DOS ALPES À SERRA DO MAR: A COLONIZAÇÃO SUÍÇA DE SUPERAGUI SOB INSPIRAÇÃO DO SISTEMA DE PARCERIA CURITIBA 2010

CAIUBI MARTINS DYSARZ DOS ALPES À SERRA DO MAR: A COLONIZAÇÃO SUÍÇA DE SUPERAGUI SOB INSPIRAÇÃO DO SISTEMA DE PARCERIA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à disciplina de Estágio Supervisionado em Pesquisa Histórica do curso de História, do Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná. Orientador: Prof. Dr. Sergio Odilon Nadalin CURITIBA 2010 2

AGRADECIMENTOS À minha mãe, pois a idéia inicial era dela. Ao meu pai, que me apoiou nesses últimos anos na minha vida acadêmica. À minha tia Eloísa, pois, se não tivesse tido a idéia de morar em Guaraqueçaba, este trabalho não viria à luz. Ao professor Sérgio, que sempre foi atencioso com o meu trabalho e me apoiou nos momentos mais críticos. Ao Google, por ter digitalizado a maior parte das obras que utilizo neste trabalho. 3

RESUMO A fundação da colônia de Superagui, às margens da Baía de Paranaguá, em 1851, não seguiu o exemplo de outros empreendimentos de colonização de estrangeiros existentes no Brasil, como São Leopoldo, no Rio Grande do Sul. Sua inspiração inicial veio da introdução de colonos na grande lavoura paulista, mais precisamente, o sistema de parceria, introduzido pelo senador Nicolau Pereira dos Campos Vergueiro. O fundador do núcleo parnaguará, o suíço Carlos Perret Gentil, acompanhava a situação dos imigrantes helvéticos no Império do Brasil, e fora impelido a fundar o núcleo de Superagui no intuito de angariar braços para sua nova pátria e com a esperança de que sua atividade lhe rendesse dividendos. Por mais que Perret Gentil manifestasse a intenção em implantar em seu núcleo o sistema de parceria, praticado nas lavouras de São Paulo, Superagui seguiu transformações que se distanciaram da proposta inicial. O objetivo primário deste trabalho é seguir o desenvolvimento da organização do trabalho e da propriedade rural no núcleo fundado pelo empreendedor suíço. Da mesma maneira, há o resgate de aspectos que se relacionam com o objetivo proposto, como o contexto atravessado pela Província do Paraná e a introdução de nacionais em Superagui. Palavras-chave: Imigração na Província do Paraná; Colônia de Superagui; Imigração Suíça 4

ABSTRACT The foundation of Superagui colony, in 1851, near Baía de Paranaguá, did not follow the example from others enterprises of foreign settlement in Brazil, like São Leopoldo in Rio Grande do Sul. Its initial inspiration came from the introduction of European workers in the big paulista farm work, more exactly, through the parceria system introduced by the Senator Nicolau Pereira dos Campos Vergueiro. The founder of parnaguara colony, the Swiss Carlos Perret Gentil, was in charge of checking the Swiss immigrants situation in the Brazil Empire. He was motivated to establish his colony with the goal to recruit workers for his new country hoping that his new activity was profitable. Despite of Perret Gentil had the intention of doing the parceria system in his settlement the parceria system which it was practiced in São Paulo plantation, Superagui suffered changes that kept it away from the initial proposal. The main objective of this study is to follow the development of the labor and the organization of the farm property in the colony founded by the Swiss enterprising. In the same way, there is the rescue of other features related to the aim of this work, as the context that took place in the Province of Paraná as well as the labor of national workers in the Superagui settlement. Keywords: immigration in Province of Paraná; Superagui Colony; Swiss immigration 5

SUMÁRIO INTRODUÇÃO... 1. AS EXPERIÊNCIAS EM COLONIZAÇÃO DOS IMIGRANTES SUÍÇOS NO BRASIL... 1.1. A caracterização da imigração suíça no Brasil por Carlos Perret Gentil e do estado da imigração em geral... 1.2. A Descoberta do Sistema de Parceria pelo Cônsul Suíço... 1.3. Outras considerações sobre o sistema de parceria e a participação de Carlos Perret Gentil nos anos posteriores em Ibicaba... 1.4. A vontade do cônsul suíço em colonizar... 2. OUTRA COLÔNIA SUÍÇA, NA PROVÍNCIA DO PARANÁ... 2.1. A Terra: a península de Superagui enquanto colônia de imigrantes... 2.2. Outras obras que tratam, de alguma maneira, sobre Superagui... 2.3. Fazer o Superagui: as tentativas de atrair colonos e os métodos de emprego do trabalho imigrante... 3. A IMIGRAÇÃO E A PROVÍNCIA DO PARANÁ... 3.1. O contexto regional da imigração e colonização de europeus... 3.2. A adoção dos nacionais na Colônia de Superagui... CONCLUSÃO... FONTES UTILIZADAS... REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 7 11 11 20 31 35 37 37 43 48 61 61 71 78 81 84 6

INTRODUÇÃO Em todo o mundo é assim: morrem as pessoas, fica a História. Aqui, é o inverso: morre apenas a História, os mortos não se vão. Mia Couto, O outro pé da sereia. A tal afirmação de falta de braços pareceu-lhe uma afirmação de má-fé ou estúpida, e estúpido ou de má-fé era o Governo que os andava importando aos milhares, sem se preocupar com os que já existiam. Era como se no campo em que pastavam mal meia dúzia de cabeças de gado, fossem introduzidas mais três, para aumentar estrume!... Lima Barreto, O triste fim de Policarpo Quaresma A grande imigração européia no Brasil é um fenômeno que se processou num intervalo de mais de 120 anos, vai de 1808, quando D. João VI concede a possibilidade da propriedade de terras a estrangeiros que não eram súditos de Portugal, até 1930, com a ascensão de Vargas e a política de cotas para entrada de imigrantes no Brasil 1. A partir de 1850, desenvolvem-se duas tendências para a ocupação do contingente imigrante: a que foi predominante, que dirigia os europeus desembarcados no Brasil para as lavouras de café, principalmente paulistas, enquanto trabalhadores rurais; e uma segunda tendência, a chamada colonização, existente desde os idos do reinado de D. João VI no Brasil, que propugnava o emprego do contingente imigratório enquanto pequeno proprietário em localidades remotas, com o intuito de ocupar territórios ermos e produzir gêneros de subsistência. Este último emprego dos imigrantes era apenas um epifenômeno das exigências dos grandes agricultores do Império 2, que saíram vitoriosos com a aprovação da lei de terras. O número de indivíduos dirigidos à província de expansão tardia da agricultura de exportação, São Paulo, corrobora a influência e os interesses dos fazendeiros em relação aos imigrantes. Em torno de 2,5 milhões de imigrantes, 55% do total de europeus que vieram para o Brasil 3., foram atraídos para a região paulista no correr do século XIX e início do século XX. Num contexto regional, no caso, o Paraná, o emprego predominante dos europeus foi enquanto pequenos proprietários em diversas colônias. No entanto, uma 1 BALHANA, Altiva Pilatti.; MACHADO, Brasil Pinheiro.; WESTPHALEN, Cecília Maria. Alguns Aspectos Relativos Aos Estudos de Imigração e Colonização. In:BALHANA, Altiva Pilati. Un Mazzolino de Fiori, vol.i / Cecília Maria Westphalen (org.). Curitiba: Imprensa Oficial, 2002. p. 235. 2 Ibidem, p.240. 3 BALHANA, Altiva Pilatti. Política Imigratória do Paraná. In: BALHANA, Altiva Pilati. Un Mazzolino de Fiori, vol. I / Cecília Maria Westphalen (org.). Curitiba: Imprensa Oficial, 2002.p. 366. 7

destas colônias foi criada justamente tendo em mira a experiência da grande lavoura, em especial seu sistema de trabalho: a colônia de Superagui, criada pelo suíço Carlos Perret Gentil em 1851. Negociante e cônsul, Perret Gentil fascinou-se pelo sistema de parceria, implantado na fazenda de Ibicaba, pelo senador Nicolau Vergueiro, e pretendia fundar um núcleo sob a inspiração do regime de trabalho da propriedade paulista. Entretanto, diversos acontecimentos impedem que a parceria, tal como se conhecia na província de São Paulo, fosse implantada no núcleo fundado próximo à Baía de Paranaguá. O objetivo principal deste trabalho é esmiuçar as idéias que nortearam a criação do núcleo de Superagui, em especial, a tentativa de adaptação do regime de meação da produção, empreendida pelos fazendeiros paulistas, em uma colônia que não compartilhava das ambições e desígnios desse grupo político e econômico. Mas não pretendo apenas resgatar as transformações na colônia de Superagui. Explorar certos aspectos de um indivíduo como Perret Gentil foi necessário, e aspectos que de certa forma contribuíram para suas observações posteriores sobre imigração e colonização no Brasil. O empreendimento de Ibicaba não foi a única experiência de imigração com a qual o cônsul suíço teve contato. Estando no Brasil desde a década de 1830, Gentil já emitia suas opiniões a respeito da situação dos colonos em terras brasileiras, parecendo muito bem informado a respeito das experiências desses indivíduos, como no caso da colônia São Leopoldo, no Rio Grande do Sul. No entanto, o testemunho do fundador de Superagui sobre as colônias de parceria, vai ser confrontado com o testemunho de outros dois suíços, que conheceram Perret Gentil pessoalmente, e que tiveram opiniões menos favoráveis à empresa: o colono Thomas Davatz e o representante suíço Johann Jakob Von Tschudi. O contexto regional teve que ser lembrado, necessariamente. Desta forma, certos aspectos da política imigratória no território do atual Paraná são resgatados, em comparação com o que acontecia nas regiões mais meridionais do Império, como Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Perto dessas duas províncias, o Paraná parecia um fracasso retumbante na atração de estrangeiros. Se as outras duas regiões tinham sofrido a imigração de casais, oriundos dos Açores, e conseguiram estabelecer empreendimentos coloniais de muito sucesso, com núcleos que possuíam mais de mil habitantes, a província do Paraná ia padecer de empreendimentos de colonização de pouco sucesso, até a década de 1860, como atestam as colônias de Rio Negro, Thereza e a própria Superagui. De fato, das três regiões meridionais, o Paraná é a que possui a 8

menor influência dos colonos europeus em sua população 4, bem como na década de 1850, era a terceira província menos povoada do Império do Brasil 5. A imigração paranaense que analiso vai até o início de 1860, data na qual eu restrinjo a exposição e as conclusões a que cheguei sobre o empreendimento suíço na Baía de Paranaguá. Talvez eu não enfatize muito no texto abaixo sobre o fato de Superagui ser um empreendimento particular, tal como a colônia do Senador Vergueiro, Blumenau e Joinville eram, como também a colônia Thereza foi. Isto abre caminho para várias interpretações, mas quero destacar como, por vezes, a imigração de colonos europeus e a fundação de núcleos, escapou do controle das autoridades imperiais e tomou uma vitalidade (ou decadência) próprias. Das 43 colônias relacionadas pelo Ministério do Império em 1855, 29 foram de iniciativa de particulares, embora alguns possuíssem cargos e auxílios do governo 6. À época, as autoridades do Império referiam-se aos imigrantes em duas categorias: os contratados, que recebiam auxílios do governo para embarcar para o Brasil; e os espontâneos, com os quais o governo não havia subvencionado a viagem 7. Era de total interesse do governo que a imigração espontânea crescesse, uma vez que estes indivíduos não onerariam os cofres públicos. Portanto, mesmo sendo de origem particular, tais empreendimentos não deixam de ter as atenções do Império, como nos conflitos ocorridos em Ibicaba, que contribuíram para difamar o estado dos colonos europeus no Brasil. No primeiro capítulo será abordada a experiência que os imigrantes suíços tiveram no Brasil, mais especificamente, a figura de Carlos Perret Gentil. Estas experiências vão desde as primeiras observações de Perret Gentil sobre a situação em que se encontravam os colonos suíços a partir da fundação de Nova Friburgo, em 1819, até o início da década de 1840, acompanhadas de opiniões de outros imigrantes. Posteriormente, serão abordadas as opiniões do cônsul suíço com relação ao sistema de parceria, introduzido pelo senador Nicolau Vergueiro em sua propriedade de Ibicaba, bem como as opiniões menos favoráveis de outros dois suíços: o colono parceiro 4 Em 1934, 20% da população paranaense era descendente dos colonos europeus do século XIX, contra a média de 28,6% da região Sul. WAIBEL, Leo. Princípios de Colonização Européia no Sul do Brasil In: Capítulos de Geografia Tropical e do Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 1979. p. 244. 5 Com 72.400 habitantes, maior que Espírito Santo e Amazonas. BRASIL: Relatório apresentado á Assembléa Legislativa na Quarta Sessão da Nona Legislatura pelo Ministro e Secretario D Estado dos Negocios do Imperio Luiz Pedreira do Coutto Ferraz. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1856. p. 95 6 BRASIL. Relatório apresentado á Assembléa Geral Legislativa na Terceira Seção da Nona Legislatura pelo Ministro e Secretario de Estado dos Negocios do Imperio Luiz Pedreira do Couto Ferraz. Rio de Janeiro: Typographia Universal de Laemmert, 1855. N.1 Mappa Estatistico das Colonias Existentes no Império. 7 Cf. referência da nota 5, páginas 86-87. 9

Thomas Davatz e o representante suíço Johann Jakob Von Tschudi. Por último, será relatado o desejo de Perret Gentil em empenhar-se na colonização de estrangeiros. No segundo capítulo, é descrita a fundação do núcleo de Superagui, bem como os planos que nortearam a criação do núcleo. Tal núcleo teria sido fundado sob inspiração do sistema de parceria, mas não foi o que se verificou na prática, como poderemos averiguar. As transformações no sistema de trabalho e arroteamento de terras por colonos europeus são o objeto desse capítulo. Por fim, resgato o contexto regional no qual a colônia do antigo cônsul suíço foi inserida, bem como os porquês da introdução dos elementos nacionais no empreendimento. As conclusões que seguem questionam certas idéias dominantes nos estudos de imigração e colonização. 10

1. AS EXPERIÊNCIAS EM COLONIZAÇÃO DOS IMIGRANTES SUÍÇOS NO BRASIL 1.1. A caracterização da imigração suíça no Brasil por Carlos Perret Gentil e do estado da imigração em geral O suíço Carlos (ou Charles) Perret Gentil nasceu em 1815 na cidade de Fleurier, localizada no cantão de Neuchâtel, passando boa parte dos seus primeiros anos de vida no município de Locle, no mesmo cantão 8. Teria imigrado no Brasil por volta dos dezesseis anos na atividade de comerciante, sendo sócio gerente no empreendimento comercial Terrisse & Cie, na cidade do Rio de Janeiro, durante os anos de 1839 e 1843. Tal empresa fora fundada por uma família homônima, que iniciou suas atividades no Brasil em 1836, estando em funcionamento até 1844. Neste meio tempo, em 1838, Perret Gentil passou a representar seu país natal na corte, sendo nomeado cônsul geral da Confederação Suíça no ano de 1840 9. Sua atividade, enquanto agente consular levou-o a ser questionado sobre as ocupações que os imigrantes suíços estavam exercendo no Brasil. No ano de 1841, decidiu-se pela formação de dois comitês para averiguar a situação dos emigrantes suíços em diversas regiões do mundo, por iniciativa dos cantões de Vaud e Genebra. Tais comitês enviaram um questionário aos diversos agentes consulares no exterior. Os resultados foram publicados pela Société d Utilité Publique Fédérale, através de sua comissão de emigração, que pretendia a proteção da população suíça e o esclarecimento da situação em que se encontravam os emigrantes em diversas regiões de globo 10. Entre as perguntas feitas aos agentes consulares estavam indagações a respeito do total de imigrantes no país em questão, se a imigração foi familiar ou individual, se os imigrantes eram originários de ambientes urbanos ou rurais e, se tiveram sucesso em sair da Suíça. No que tange aos países onde existia representação suíça, perguntou-se aos cônsules o papel das leis e o tratamento dispensado aos suíços, qual a região mais 8 VEYRASSAT, Beatrice. Réseaux d'affaires internationaux, émigrations et exportations en Amérique Latine au XIXe siècle: le commerce suisse aux Amériques. Genève: Librairie Droz, 1993, p. 166. 9 BRASIL. Relatório apresentado á Assemblea Geral Legislativa na sessão ordinaria de 1841, pelo Ministro e Secretario de Negocios Estrangeiros Aureliano de Sousa e Oliveira Coutinho. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1841, p. 20 10 SUÍÇA. Enquête auprés de Messieurs les Consuls de la Confédération, en Europe, dans le Nord de L Afrique, L Amérique du Nord, L Amérique Centrale et du Sud. Lausanne: Imprimerie et Librairie de L. Alex. Michod, 1845, VI. 11

propícia para o estabelecimento de colonos e as oportunidades de adquirir terras. O cônsul suíço, no Brasil enviou sua resposta em 1843, juntamente com as respostas do representante suíço na Bahia, Auguste Ducoster e do imigrante helvético, G. May. 11 Entre os fatores que estavam no cerne da grande imigração européia para as Américas está a questão da transição demográfica e os efeitos sociais da Revolução Industrial 12. A transição demográfica diz respeito às transformações na natalidade e mortalidade da população do continente europeu; durante séculos a fecundidade e mortandade desses povos mantiveram-se elevadas, entretanto, em meados do século XVIII, e por razões desconhecidas, as taxas de mortalidade começaram a decair progressivamente, enquanto as taxas de natalidade continuaram elevadas. Decorre dessa situação o crescimento populacional elevado em todas as regiões da Europa no séc. XIX, e a pressão desse excesso de contingente fez-se sentir principalmente no campesinato europeu 13. As dificuldades que a sociedade européia enfrentou no correr dos oitocentos estimularam a emigração de milhões de europeus para as Américas, notadamente os Estados Unidos. As transformações no campo, como a extinção dos direitos comunais a terra e a fragmentação das propriedades rurais, bem como a instabilidade social decorrente da industrialização e da proletarização dessa população excedente, não deixavam de ter conseqüências sociais como o pauperismo e o aparecimento das classes perigosas. No caso específico da Suíça, durante as guerras napoleônicas, o trânsito constante de exércitos estrangeiros, somado ao Bloqueio Continental, provocaram a ruína econômica da produção têxtil do país alpino. A agricultura sofreu más colheitas no decorrer dos anos de 1816 e 1817, estimulando dessa maneira o êxodo da população suíça para outras regiões da Europa e do globo 14 No entanto, nem sempre a pobreza foi o principal fator de emigração da população européia, embora, na maior parte das vezes, essas pessoas emigrassem em função de um acontecimento de ordem econômica, seja o baixo custo das passagens transatlânticas ou as transformações nas formas tradicionais de vida. A burguesia 11 Ibidem, p. 84. Perret Gentil era cônsul geral da Suíça no Brasil. Auguste Ducoster era cônsul na Bahia. Cf. BRASIL. Relatório da Repartição dos Negócios Estrangeiros apresentado á Assembléa Geral Legislativa na Quarta Sessão da Quinta Legislatura pelo respectivo Ministro e Secretario de Estado Paulino José Soares de Souza. Rio de Janeiro: Typ. Universal de Laemmert, 1852. p.33 12 NADALIN, Sérgio Odilon. Paraná: Ocupação do Território, População e Migrações. Curitiba: SEED, 2002.p. 62 13 FONTANA, Josep. Introdução ao estudo da história geral. Bauru: Edusc, 2000. p. 59-61; KLEIN Herbert. Migração Internacional na história das Américas. In: FAUSTO, Boris (org.) Fazer a América. São Paulo: Edusp, 2002. p. 14. 14 SCHERER, Emilio. Michaud, o pintor de Superagui. Curitiba: Imprensa Oficial, 1988. p. 11 12

européia acreditava que o continente era povoado por pobres, que eram um perigo em potencial, havendo todo tipo de financiamento e facilidades para que esse contingente emigrasse. Transformações nos meios de vida da população européia, como a introdução de fábricas ou barcos a vapor, fizeram com que artesãos e pescadores atravessassem o Atlântico, receosos de que as inovações eram o prenúncio do ocaso de suas antigas atividades. Por vezes, a estadia dos imigrantes nas Américas era sucedida pelo retorno a Europa, e grande parte dos imigrantes fizeram este caminho, principalmente por inadaptação ao novo país ou porque não logrou acumular riquezas, como muitos pretendiam 15 A referência mais acentuada, no que diz respeito à imigração de suíços no Brasil, até aquele momento, era a colônia de Nova Friburgo, fundada ainda no reinado de D. João VI, entre as primeiras tentativas de colonização de europeus, enquanto pequenos proprietários. As colônias fundadas por iniciativa real tinham como objetivo a melhoria da lavoura e do trabalho, o crescimento de habitantes, a ocupação dos vazios demográficos e a transferência de braços em virtude da proibição do tráfico de escravos no Atlântico Norte 16. De acordo com Perret Gentil, vários imigrantes suíços desembarcaram no Brasil durante os anos de 1819 e 1823, originários dos cantões de Friburgo e de Jura. Embarcados na Holanda, grande parte deles pereceu durante a travessia por doenças e pela falta de víveres, sendo os sobreviventes destinados à região da futura Nova Friburgo, distante uns 170 quilômetros do Rio de Janeiro 17. As dificuldades não se fizeram esperar para os 1.600 colonos, o núcleo formado por iniciativa real localizava-se num terreno montanhoso, que apesar de possuir um clima ameno, não era apropriado para gêneros tropicais como o café. Além desses empecilho, os agricultores careciam de uma boa administração colonial e teriam sido obrigados a seguir a religião católica para escapar das perseguições 18. A solução para a população que estava na região foi se transferir para terras melhores ou engajar-se nos serviços de tropas de mulas. Os que permaneceram dedicavam-se principalmente ao cultivo do milho, da mandioca e da criação de cavalos. Dos 1.600 colonos que foram destinados à 15 HOBSBAWN, Eric. Os Homens se Põem a Caminho. In: A Era do Capital 1848-1875. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. p. 213-214 16 OBERACKER, Carlos. A colonização baseada no regime da pequena propriedade agrícola. In: HOLLANDA, Sérgio Buarque de. História Geral da Civilização Brasileira. II. O Brasil Monárquico 3. Reações e Transações. Rio de Janeiro: Bertand Brasil, 2004. p. 221. 17 SUÍÇA, Op. Cit., p. 74. 18 Idem, p. 75. 13

Nova Friburgo, em 1820, não restavam em 1841 mais que 710 indivíduos, distribuídos em 254 famílias, e que possuíam juntos 152 escravos 19. A colônia suíça do Rio de Janeiro, mesmo com o reforço posterior de 284 alemães, acabou padecendo dos mesmos problemas que as colônias fundadas por iniciativa real na Bahia, o aproveitamento de escravos na labuta agrícola 20, prática esta que acabou levando à proibição do emprego de escravos em núcleos coloniais 21. Os colonos de Nova Friburgo foram classificados enquanto gente inapta para formar uma escola de agricultura, criação e abastecimento para a população nativa 22. De qualquer modo, as opiniões das autoridades suíças a respeito do empreendimento colonial foram mais positivas em vista do estado que apresentava a colônia na década de 1840, destacando Perret Gentil, a prosperidade de Nova Friburgo: a nova geração era mais laboriosa 23. O cônsul suíço descreve a criação de um estabelecimento de jovens na localidade, o aparecimento de diversas construções e até mesmo o sucesso de alguns colonos nas cercanias da região: os indivíduos que trabalham e se conduzem bem, todos vivendo frugalmente do produto de suas terras, são seguros de estar na abastança ao fim de alguns anos 24. Mesmo a comissão de emigração na Suíça, apesar de condenar as perseguições aos protestantes, não deixa de verificar o bom estado da colônia à época. Após a tentativa de Nova Friburgo, a partir de 1823, chegam famílias suíças ao Brasil que se dedicam principalmente ao comércio, ou enquanto trabalhadores urbanos como relojoeiros e carpinteiros, ou ainda enquanto agricultores que trabalham como jornaleiros 25. Essas últimas informações dadas por Perret Gentil esclarecem as circunstâncias pelas quais o cônsul suíço emigrou, participando de atividades comerciais como a maioria dos suíços imigrados no Brasil. Nas próximas duas décadas, a imigração e colonização de europeus seria desestimulada, após a constatação do fracasso dos primeiros núcleos coloniais fundados por iniciativa imperial, que culminou com a proibição dos gastos públicos para o estabelecimento de estrangeiros em 1830, prática que retornaria com o Ato Adicional de 1834 em conjunto com os cofres 19 Idem, Ibidem. 20 OBERACKER, Carlos. Op. Cit., p. 222. 21 Idem, p. 224. 22 Idem, p. 222. 23 Segue trecho original: la nouvelle génération étant plus laborieuse SUÍÇA. Op. Cit. p. 77. 24 Segue trecho original: Les individus qui travaillent et se conduisent bien, tout em vivant frugalement dês produits de leur terres, sont assurés d être dans l aisance au bout de quelques annés. Idem. 25 Ibidem, p. 76. 14

provinciais 26. Tal medida acabou por cessar a entrada de europeus durante os anos de 1829 e 1835, e salvo ano de 1836, no qual se verificou a entrada de 1.180 imigrantes, as entradas de europeus no então Império do Brasil foram diminutas, somando um contingente de 22 mil pessoas durante os anos de 1823 até 1849 27. De acordo com Perret Gentil, a maioria dos suíços que eram agricultores, seriam oriundos da Suíça francesa, já aqueles que se dedicam ao comércio eram em sua maioria da parte alemã. Diferente era a trajetória dos imigrantes que se dedicavam ao artesanato e ofícios daqueles que vinham enquanto agricultores. Os artesãos tinham maior sucesso, quando se estabeleciam nas cidades. Em poucos anos abriam seus próprios estabelecimentos, tendo em vista a falta de artesãos na sociedade brasileira dos oitocentos 28. Aqueles que se entregavam à agricultura enquanto trabalhadores livres encontravam muitas dificuldades. Se trabalhassem em grandes propriedades, recebiam um salário irrisório, e os que conseguiam sair dessa situação podiam comprar terrenos; no entanto, os empréstimos com juros de 1 e 2 % ao mês os arruinavam e ainda tinham a possibilidade de ter seu lote perdido, saindo com dificuldade do endividamento. Havia ainda os que chegavam com grandes capitais e compravam as melhores terras, utilizando-se do trabalho escravo, os únicos que poderiam enriquecer numa estrutura agrária que menosprezava o trabalho livre. Conforme Perret Gentil informa, na época por ele relatada não existiam quaisquer planos de colonização, mas os imigrantes que chegavam com grandes capitais eram bem recebidos: Os emigrantes por hora não podem contar com mais do que eles mesmos e em muitas promessas. Eles são bem recebidos se têm dinheiro 29. A oposição entre o escravo negro que seria substituído pelo trabalhador branco, encontra-se presente nas idéias do cônsul suíço, mas não deixa de observar a necessidade do trabalho escravo para propriedades rurais de colonos que imigram espontaneamente: Sem braços não se faz mais que vegetar, tanto que a colonização não será organizada sobre os terrenos doados pelo governo, com um ou dois anos de trabalho regrado, os 26 BALHANA, Altiva Pilatti.; MACHADO, Brasil Pinheiro.; WESTPHALEN, Cecília Maria. Alguns Aspectos Relativos Aos Estudos de Imigração e Colonização. In:BALHANA, Altiva Pilati. Un Mazzolino de Fiori, vol.i / Cecília Maria Westphalen (org.). Curitiba: Imprensa Oficial, 2002. p. 246. 27 NADALIN, Sérgio Odilon. Op. Cit. p. 65-66. 28 SUÍÇA, Op. Cit. p. 78. 29 Segue trecho original: Les émigrants pour le moment ne peuvent compter que sur eux-mêmes et sur beaucoup de promesses. Ils sont bien accueillis s ils ont de l argent Idem. 15

escravos serão necessários 30. Com as observações realizadas acima, torna-se contrário a imigração isolada vinda da Suíça, vendo a necessidade de organizar o movimento migratório, a partir de um agente consular suíço que possa conseguir a concessão de terras e lhes facilitar a recepção no novo país: A imigração de agricultores isolados que chegam sem recursos deve ser impedida 31. Não obstante às críticas, Perret Gentil não deixa de ter suas próprias idéias a respeito da emigração de suíços para o Brasil, com ênfase na criação de núcleos coloniais e na organização de empreendimentos agrícolas. Observa que o governo e as assembléias provinciais concedem terras, mas fazem muito pouco para o planejamento de colônias e, mesmo, faltando até os elementos mais necessários ao bem-estar dos colonos. Estes poderiam comprar terras de particulares, uma vez que de acordo com o cônsul suíço metade da área das propriedades rurais brasileiras seria de terras incultas, obstando o desenvolvimento desse tipo de empresa o alto preço dos escravos, em contraste com o baixo preço das terras 32. O cônsul suíço destaca que a maioria dos suíços estava engajada no comércio e na indústria, não deixando de mencionar a falta de trabalhadores especializados no Brasil como carpinteiros, litógrafos, farmacêuticos e médicos. A imigração deveria ser feita aquela dirigida aos núcleos coloniais em uma escala muito grande, com diversas famílias para facilitar o trabalho da terra, dispensando, assim, o trabalho escravo. Na descrição da colônia ideal que Perret Gentil faz, vê a necessidade de um sistema de colonização, no qual seria desde o princípio demarcado um terreno vasto para várias famílias, edificando um barracão para receber os colonos que demandassem o núcleo, tendo cada um uma ração diária. Cada família receberia seu lote de terra devendo aí construir suas casas; os homens se ocupariam da derrubada de árvores e do preparo da terra, mulheres e crianças cuidariam dos alimentos de subsistência e de porcos e galinhas. A colônia deveria ser próxima a uma estrada ou rio navegável para escoar a produção, devendo os imigrantes se autogovernarem sem a interferência do governo. Apesar de concordar que o núcleo colonial deveria ser organizado com uma disciplina militar, era contrário ao engajamento de colonos para os 30 Segue trecho original: Sans bras on ne fait que végéter; tant que lê colonisation ne sera pás organisée sur dés terres données par le gouvernement, avec une ou deux annés de travail réglé, les esclaves seront nécessaires Ibidem, p. 79. 31 Segue trecho original: L émigration d agriculteurs isolés qui arriveut sans ressources doit être empêchée Ibidem, p. 83. 32 Idem, p. 80. 16

ofícios de caserna 33, algo que pontuou as primeiras colônias germânicas. O responsável pelo engajamento de colonos, nos decênios de 1820, foi o major Von Schaeffer, que se dedicou ao aliciamento tanto de soldados quanto de agricultores alemães para o Império, pretendendo assim formar colônias agro-militares: cujos habitantes, sob a chefia de um oficial, eram, em primeiro lugar lavradores mas em caso de emergência se mostravam sempre prontos a defender as fronteiras contra agressões inimigas 34. As tentativas de colonização do Brasil Meridional pareciam seguir uma orientação política de assegurar a posse dos territórios indefinidos do extremo-sul 35. A idéia de um sistema na organização de núcleos coloniais seria algo que pontuaria as observações e pensamentos de Perret Gentil a respeito da imigração de europeus, criticando as tentativas brasileiras de angariar colonos que existiam à época da comunicação com a Confederação Suíça. O representante helvético nos descreve a tentativa de formação de uma sociedade de ações para estimular a colonização e as razões de seu fracasso: ela está em decadência, como todas estas espécies de empresas brasileiras que são mal conduzidas, sem nenhum fim que mire o senso comum, falta de experiência e muito de egoísmo. Os acionistas têm perdido o seu dinheiro e ainda sem saber como 36. Observou que os colonos tinham vindo através de contratos firmados com o governo, sendo este intermediado por particulares 37. Após a remoção da proibição ao financiamento da entrada de estrangeiros em 1834, surgiram diversas Companhias de Imigração/Colonização, algumas que funcionavam por sociedades de ações, que procuravam engajar colonos na Europa e obter as concessões e financiamentos dados pelo Governo Imperial 38. Entre estas, estavam a Vergueiro e Cia, criada em 1846 e Companhia Hamburguesa de Colonização, de 1849. As observações do cônsul suíço não deixam de encontrar paralelo com a engrenagem da imigração européia, que vai ser posta paulatinamente em prática: a atividade de companhias e agentes de imigração particulares que angariavam colonos financiando-lhes as viagens através de contratos de trabalho. 33 Idem, p. 82-83. 34 OBREACKER, Op. Cit., p. 222. 35 BALHANA, Altiva Pilatti. Política Imigratória no Brasil Meridional In: BALHANA, Altiva Pilati. Un Mazzolino de Fiori, vol.i / Cecília Maria Westphalen (org.). Curitiba: Imprensa Oficial, 2002. p. 132. 36 Segue o trecho original: elle est tombée, comme toutes ces espéces d entreprises brésiliennes qui sont mal conduites, sans aucun but qui ait lê sens commun, faute d expérience et par trop d égoisme. Lês actionnaires y ont perdu leur argent et encore sans savoir comment. SUÍÇA, Op. Cit. p. 84. 37 Idem, p. 81. 38 BALHANA, Altiva Pilatti.; MACHADO, Brasil Pinheiro.; WESTPHALEN, Cecília Maria. Alguns Aspectos Relativos Aos Estudos de Imigração e Colonização. In:BALHANA, Altiva Pilati. Un Mazzolino de Fiori, vol.i / Cecília Maria Westphalen (org.). Curitiba: Imprensa Oficial, 2002. p. 249. 17

O exemplo da colonização alemã no Rio Grande do Sul, principalmente São Leopoldo, é motivo de atenção das autoridades suíças. Mesmo fazendo ressalvas quanto à guerra civil pela qual passou a província sulina, não deixam de frisar a prosperidade do estabelecimento. Como foi afirmado anteriormente, e a fonte em questão denota, os colonos foram engajados primeiramente com fins militares, sendo alguns oficiais estabelecidos na colônia. A guerra dos farrapos obrigou os estrangeiros a tomarem parte no conflito que durava desde 1834, e que ainda não havia cessado em partes da província, quando essas informações chegaram à Suíça, engajando-se os alemães tanto nas tropas rebeldes quanto nas tropas legalistas, admirando-se as autoridades estrangeiras da prosperidade em que se encontrava a colônia à época: é uma coisa notável de ver uma população de 11 a 12 mil almas, após os problemas de seis anos de duração, sem nenhum auxílio do governo, abandonada a ela mesma, apagar todos os traços da guerra em pouco tempo, ao ponto de não conter um só pobre 39. A colônia de São Leopoldo, pelo seu tamanho e pelo seu sucesso, foi a que exemplificou melhor as características que deveriam ter os estabelecimentos rurais de estrangeiros no país: a valorização do trabalho livre, a defesa do território e os auxílios e subvenções aos imigrantes 40, diferente do que havia sido a política de colonização de casais açorianos no século XVIII, que ocupou as regiões das capitanias de Santa Catarina e São Pedro do Rio Grande, constituindo um contingente que aumentou consideravelmente a população dessas regiões 41. Outras considerações sobre a situação dos estrangeiros no Brasil foram emitidas pelos representantes suíços na Bahia. Ambos notam a ausência de uma imigração suíça dirigida à província em questão, e mesmo defendendo as qualidades do clima e sua salubridade, recomendavam a colonização para as regiões sulinas do Império, como São Paulo e Rio Grande do Sul 42. Um dos representantes, Auguste Ducoster, cônsul na Bahia, não recomendava a vinda de imigrantes suíços ao país em vista do pouco apoio que o Governo Imperial oferecia aos europeus recém-chegados, além dos elementos nacionais verem com preconceito o estrangeiro, não obstante o país 39 Segue trecho original c est une chose remarquable de voir une population de 11 à 12 mille ames, aprés des troubles de six ans de durée, sans aucun secours du gouvernement, abandonnée à elle-mème, effacer toutes lês traces de la guerre em si peu de temps, à ce point de ne pás renfermer um seul pauvre SUÍÇA, Op. Cit., p. 145. 40 OBERACKER, Op. Cit., p. 225. 41 BALHANA, Altiva Pilatti. Política Imigratória no Brasil Meridional In: BALHANA, Altiva Pilati. Un Mazzolino de Fiori, vol.iii / Cecília Maria Westphalen (org.). Curitiba: Imprensa Oficial, 2002. p. 131. 42 SUÍÇA, Op. Cit. p. 95;109. 18

possuir diversas riquezas naturais e ser despovoado 43. O que salta à vista na correspondência dos dois indivíduos são as questões relativas à escravidão. O senhor G. May nota que os estrangeiros não suíços que se estabeleceram na Bahia em atividades rurais acabaram por comprar escravos, o único meio de conseguir trabalhadores para uma atividade que demanda trabalho constante e rotineiro. May descreve que o lavrador que funda um estabelecimento agrícola consegue um ou dois jornaleiros, que trabalham apenas poucas semanas, abandonando sua ocupação após esse período: O habitante do campo, o mais pobre, tem poucas necessidades; com o trabalho de algumas semanas, ganha do que se vestir e compra algumas ferramentas; isto basta para todo o ano e nenhuma oferta o fará trabalhar; sua alegria e seu luxo são não fazer nada 44. Por esse motivo, julgava que um estabelecimento agrícola com base no trabalho livre fracassaria, e mesmo estabelecimentos urbanos pareciam sofrer com a pouca constância dos jornaleiros nacionais. Auguste Ducoster nota o preconceito que existe para todo trabalho manual no país, sobretudo a faina agrícola, sendo este o principal impedimento ao homem livre de tornar-se um agricultor jornaleiro, e que os homens brancos que se dedicam à labuta são tratados com menosprezo pelos trabalhadores de cor 45. A idéia de que a escravidão havia manchado o trabalho braçal persiste no correr dos oitocentos e da imigração européia, ao lado de considerações raciais sobre a mão-de-obra negra e indígena, vistas como pouco dispostas ao trabalho, indisciplinadas, em oposição ao trabalhador laborioso e morigerado europeu 46. Entretanto, outros autores descrevem as dificuldades em angariar trabalhadores livres para as atividades rurais e nas construções públicas. O exemplo mais emblemático nesse sentido foi o emprego de alemães na construção de pontes e calçadas em Olinda, que desistiram do intento em virtude das gozações que sofriam da parte dos nacionais, sendo considerados inclusive como escravos brancos 47. Entretanto, a perspectiva de que o brasileiro se interessasse pouco pelo trabalho remunerado na lavoura é explicada pelo baixo padrão 43 Ibidem, p. 104. 44 Segue o trecho original: L habitant de la campagne, le plus pauvre, a peu de besoins; avec le travail de quelques semaines, il gagne de quoi se vêtir et acheter quelques outils; cela suffit pour toute l année et aucune offre ne l engagera à travailler; as jouissance et son luxe sont de ne rien faire Ibidem, p. 91. 45 Ibidem, p. 106. 46 NADALIN, Sérgio Odilon. Op. Cit., p. 74. 47 HOLANDA, Sérgio Buarque de. As colônias de parceria. In: HOLLANDA, Sérgio Buarque de. História Geral da Civilização Brasileira. II. O Brasil Monárquico 3. Reações e Transações. Rio de Janeiro: Bertand Brasil, 2004. p. 247. 19

de vida da população rural, sua capacidade de auto-subsistência e os poucos atrativos da faina agrícola, que oferecia uma remuneração baixíssima: Como pretender que homens que plantavam o suficiente para sobreviver, que viviam ao Deus dará, se submetessem, em troca de parcos salários, ao penoso trabalho exigido nas fazendas 48. De qualquer modo, a atividade do imigrante branco na labuta agrícola não deixou de ter efeitos sobre a concepção do trabalho braçal, levando à ascensão social desses elementos, ao mesmo tempo que contribuiu para a destruição das engrenagens da escravidão, equiparando o escravo africano ao imigrante europeu 49. 1.2. A Descoberta do Sistema de Parceria pelo Cônsul Suíço Após a dissolução da sociedade de comércio suíça estabelecida no Rio de Janeiro, Carlos Perret Gentil decidiu fundar uma fábrica na cidade de Campos, na província fluminense, município que contava com pouco mais de 7 mil habitantes à época 50. O estabelecimento inaugurado pelo representante suíço em 1845 tinha por fim a iluminação privada com base no gás hidrogênio líquido, em oposição à iluminação pública que se fazia na base do azeite de peixe ou óleo de baleia 51. Os produtos da fábrica foram destinados primeiro às casas de particulares e não para a iluminação pública. No entanto, sua produção começou a iluminar a cidade de Campos a partir de 1848, substituindo os 74 lampiões de azeite de peixe. O teatro São Salvador, que se encontrava na dita cidade, foi iluminado na sua inauguração, em 1845, pelo hidrogênio líquido produzido pela fábrica de Perret Gentil 52. A existência da fábrica não deixava de chamar a atenção das autoridades provinciais, no relatório da presidência da província de 1848, são observadas as qualidades do gás hidrogênio em oposição à iluminação que estava sendo feita. Embora a nova tecnologia fosse mais cara, era vantajosa em virtude do asseio que o gás 48 COSTA, Emília Viotti. O escravo na grande lavoura.. In: HOLLANDA, Sérgio Buarque de. História Geral da Civilização Brasileira. II. O Brasil Monárquico 3. Reações e Transações. Rio de Janeiro: Bertand Brasil, 2004. p. 165. 49 Estes imigrantes e seus descendentes, esta camada social média, contribuiu muito para a dignificação do trabalho corporal entre a população nativa, preparando sociologicamente a abolição da escravatura e socialmente a equiparação do escravo africano ao homem livre e branco. OBERACKER, Carlos. Op. Cit., p. 243. 50 RODRIGUES, Herve Salgado. Na taba dos goytacazes. Niterói: imprensa oficial, 1988, p.54. 51 Ibidem, p. 104. 52 Ibidem. p. 55-60. 20

propiciava e que o azeite deveria ser usado exclusivamente para a alimentação 53. No mesmo ano, o responsável pela iluminação pública de Niterói, Antonio Salustiano de Castro, era incumbido de substituir todos os lampiões a azeite por outros que fossem iluminados a gás. Em 1850, o presidente de província visitou o estabelecimento de Perret Gentil e elogiou a produtividade do mesmo, no entanto, para adotar para Niterói a iluminação proposta pelo cônsul, a produção de gás hidrogênio líquido era insuficiente para suprir as necessidades da capital fluminense 54. Campos não foi uma cidade que sofreu uma colonização bem sucedida de europeus, mas os estrangeiros dominavam o comércio e a indústria da região, principalmente franceses 55, num contexto onde a maior parte dos estabelecimentos fabris fluminenses era de iniciativa de estrangeiros, e mesmo os trabalhadores, em grande parte, não haviam nascido no Império. Como exemplo, em Campos encontramse três estabelecimentos de fundição e fabricação de mecanismos que eram de ingleses 56. Por volta de 1850, o estabelecimento de gás hidrogênio havia expandido seus negócios além de Niterói e Campos, fornecendo produtos para cidades paulistas 57 e contava com vinte operários entre livres e escravos 58. Quando, em 1846, Perret Gentil viajou a Santos com o intuito de ampliar os negócios de sua fábrica, travou contato com José Vergueiro, filho do Senador Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, que nessa mesma época fundara a Companhia de Imigração da família. O filho do senador convidou o representante suíço para conhecer sua propriedade no município paulista de Limeira, a fazenda de Ibicaba. Aceitou com muito prazer o convite, e, em decorrência, fez elogios ao seu anfitrião, ressaltando suas idéias progressistas no que tange à agricultura do país: de uma energia admirável para combinar e pôr em pratica um plano contrario completamente as velhas rotinas e as 53 RIO DE JANEIRO. Relatório do Presidente da Província do Rio de Janeiro, o senador Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho, na abertura da 1 seção da 7 Legislatura da Assembléa Provincial no dia 1 de abril de 1848. Rio de Janeiro: Typographia do Diario, de N. L. Vianna, 1848.p. 44. 54. Relatorio apresentado em cumprimento da circular do Ministerio do Imperio de 11 de março de 1848, ao Exm. Presidente da Provincia do Rio de Janeiro Dr. Luiz Pedreira do Couto Ferraz pelo Exm. Vice-Presidente João Pereira Daguirre Faro, por ocasião de passar-lhe a administração da mesma Provincia. Niterói: Typ. Amaral & Irmão, 1850, p. 23 55 RODRIGUES, Herve Salgado. Op. Cit. p. 57. 56 RIODE JANEIRO. Relatorio apresentado ao Exmº Presidente da Provincia do Rio de Janeiro o conselheiro Luiz Antonio Barbosa pelo vice-presidente o comendador João Pereira Darrigue Faro por ocasião de passar-lhe a administração da mesma Provincia no dia 23 de setembro de 1853. Niterói: Typographia de Amaral e Irmão, 1853. p. 33. 57 Almanack Administrativo Mercantil e Industrial da Corte e Provincia do Rio de Janeiro para o anno de 1851. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert, p. 396. 58 RIODE JANEIRO.Op. Cit. p. 33. 21

velhas crenças 59. Ao explicar sua curiosidade no assunto e a visita à propriedade de Ibicaba, Gentil aludiu aos momentos em que foi questionado sobre o estado da imigração européia no Brasil: Morando no Brazil d esde muitos annos, com tanto maior interesse me empenhei de acompanhar a marcha d estas novas ideas, e de observar os resultados de mais applicações, quanto que na minha qualidade de consul era muitas vezes interpelado a dar a minha opinião sobre o Brazil, e sobre a colonisação. 60 O interlocutor parece ter feito sua primeira de muitas visitas de Ibicaba ainda em 1846, nas quais pode observar os resultados das tentativas ainda tímidas da introdução de trabalhadores livres na grande lavoura. A propriedade contava na época com 215 escravos e algumas famílias de colonos, todas de origem portuguesa, que estavam na propriedade dos Vergueiro desde 1842, empregados na lavoura de café e dividindo o produto da venda com o fazendeiro. O ânimo em que encontrou os colonos: contentissimos e saptisfeitos, tendo já a seu favor um saldo avultado 61 causou uma impressão bastante positiva no cônsul suíço.o que presenciou seria apenas o germe de um plano que tinha perspectivas mais abrangentes: José Vergueiro pretendia introduzir dentro de poucos anos muitas famílias de colonos europeus em seu estabelecimento rural, adiantando-lhes as passagem e diversos custos; assim, conseguiria o retorno desse investimento em poucos anos, em sua pugna contra a convicção de que a introdução de trabalhadores livres na lavoura seria contraproducente e extremamente danosa ao fazendeiro: não só este ganhava com o augmento do valor das terras e obtinhas safras muito maiores, como tambem que os colonos podem trabalhar sem inconveniete algum e viverem perfeitamente a seu commodo, e serem felizes n este paiz 62. *** Talvez fosse oportuno resgatar a trajetória do Senador Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, pai de José Vergueiro e proprietário de Ibicaba, para entender suas idéias a respeito da introdução de trabalhadores europeus na faina agrícola brasileira. Aquele que viria a ser o primeiro fazendeiro a introduzir colonos europeus por iniciativa 59 GENTIL, Carlos Perret. A Colônia Senador Vergueiro Considerações. Santos: Typographia Imparcial de F. M. R. D Almeida, 1851. p. 32. 60 Idem. 61 Ibidem, p. 33 62 Idem. 22

própria, nascera em 1778, na Comarca de Bragança, em Portugal. Formou-se em Direto na Universidade de Coimbra como boa parte da elite portuguesa e emigrou para o Brasil em 1803. Na colônia, exerceu diversos ofícios da sua profissão de advogado, como Juiz de Sesmarias, o que lhe forneceu a experiência necessária para os assuntos da terra, adquirindo as áreas das fazendas Ibicaba e Angélica, originárias da divisão de antigas sesmarias, no ano de 1817 63. Representou São Paulo nas Cortes Portuguesas, e posteriormente serviu na primeira legislatura do Império, sendo contrário ao tratado firmado com a Inglaterra em 1826 que previa o fim do tráfico de escravos em 1830. Alegava que a extinção da atividade deveria ser paulatina, acompanhada da substituição dos escravos por colonos europeus 64. Nas primeiras tentativas de colonização de europeus durante o Império, houve o envio de famílias alemãs para a fundação da colônia de Santo Amaro em 1827, na província de São Paulo. Passados mais de um ano desde que os colonos alemães tinham chegado, estes ainda não haviam sido dirigidos às terras que deviam cultivar, tendo suas despesas custeadas pelo governo provincial. Tais gastos com os europeus não deixavam de ser reprovados pelas autoridades da época, e entre elas estava o senador Vergueiro. Este engrossou as fileiras dos críticos à política de colonização européia dos primeiros anos do Império e que culminaria com a proibição aos gastos públicos na introdução de estrangeiros. O parlamentar criticava a maneira com que foram introduzidos os imigrantes, pouco o governo se preocupando com qualquer plano de colonização ou distribuição de terras, pois este simplesmente não existia(!), e, enquanto estavam na ociosidade, os estrangeiros oneravam os cofres provinciais: É pois necessário preparálos, desde já, para o pouco ou muito que se lhes tem de dar, e cuidar também de aliviar o tesouro da província da enorme despesa que com eles está fazendo 65. Censurava não só a desorganização na tentativa de colonização, bem como a idéia de subsidiar a imigração estrangeira, defendendo o término dos subsídios para as famílias alemãs que estavam em São Paulo, obrigando-os a procurar alguma ocupação, enquanto lavradores ou jornaleiros. Nas palavras do próprio Nicolau Vergueiro: 63 HEFLINGER JR, José Eduardo. Ibicaba o berço da imigração européia de cunho particular. São Paulo: Unigráfica, 2007, p. 16-18. 64 Ibidem, p. 19. 65 VERGUEIRO, Nicolau Pereira de Campos. Sessão nº 84do Conselho de Governo, em 18 de outubro de 1828. Arquivo do Estado de São Paulo apud: HEFLINGER JR, José Eduardo. Ibicaba o berço da imigração européia de cunho particular. São Paulo: Unigráfica, 2007, p. 21. 23

Colonos tão caros como esses estão ficando, não fazem conta, nem o tesouro pode com eles e muito menos pode fazê-los estabelecer no sertão (...) Todo o Brasil foi povoado com colonos da Europa, sem que o governo os socorresse e eu fui um deles. Nem o homem do trabalho braçal tem necessidade de socorro por parte do governo, depois de sua entrada no Brasil, para poder viver comodamente. Chamar colonos para fazê-los proprietários à custa de grandes despesas, é uma prodigalidade ostentosa que não se compadece com o apuro das nossas finanças. 66 No entanto, no correr da década de 1830, o senador engajou-se na procura por mão-de-obra européia, tentando obter trabalhadores vindos da Europa com auxílio pecuniário da província de São Paulo em 1835, não obtendo quaisquer resultados 67. Por isso, lançou-se ao engajamento de trabalhadores livres por conta própria, financiando a vinda de 90 portugueses originários da região do Minho em 1840 68. Tais imigrantes teriam saído ilegalmente de Portugal, onde a emigração era vista à época com maus olhos em virtude do êxodo da mão-de-obra, algo que não era desejado pelos grandes potentados agrícolas. Os contratos assinados pelos colonos já estipulavam certas exigências e direitos que perdurariam enquanto o sistema de parceria funcionou nas fazendas: o financiamento das passagens e auxílios pecuniários fornecidos pelo cafeicultor; a distribuição dos cafezais de acordo com as capacidades da família; a divisão do produto da venda do café entre os colonos e o fazendeiro; o zelo pelos cafeeiros que estavam sob seus cuidados; o pagamento do preparo do produto, e o retorno ao fazendeiro de todos os adiantamentos feitos, não podendo os imigrantes encerrar o contrato sem antes acertar as dívidas que haviam contraído 69. Em 1842, ocorreu a Revolução Liberal em São Paulo, acabando Nicolau Vergueiro sendo preso e libertado logo depois pelo Governo Imperial. Este incidente acabou por desarticular os primeiros ensaios de trabalho livre encampados pelo senador. A maior parte das famílias abandonou a fazenda de Ibicaba, no entanto, as que restaram foram suficientes para que o cafeicultor paulista continuasse com o propósito de empregar europeus na lavoura de café. Em 1844, Vergueiro seria acusado de ser traficante de escravos, tendo supostamente introduzido 600 africanos em sua propriedade. No mesmo sentido, devido ao pedido que fizera às autoridades portuárias em Santos de não ser feita a inspeção nos navios que fossem de sua propriedade, foi acusado por um representante inglês de introduzir africanos em suas embarcações que 66 Ibidem, p. 22 67 HEFLINGER JR, José Eduardo. Op. Cit. p. 26. 68 Idem. 69 Ibidem, p. 28-29. 24