ME - Metodologia Creditícia



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Transcrição:

EXPANSÃO DO SETOR DE MICROFINANÇAS NO BRASIL ME - Metodologia Creditícia A Cresol só empresta recursos para os próprios sócios 16. Inicialmente, o diretor liberado é que captava os créditos em cada cooperativa. Posteriormente, foi criada a figura do agente de crédito e desenvolvimento. A criação do agente se deveu à necessidade de uma ponte entre os diretores (fazendo trabalho de balcão) e os sócios. A cooperativa tinha que estar mais próxima do agricultor. Havia também a necessidade de reduzir os custos de transporte dos agricultores 17 (e também a perda do trabalho de cada dia em que o agricultor ia à cidade). Assim, hoje, o agente é que recolhe as novas demandas de crédito, e as leva até a cooperativa. É responsável pela análise do negócio e apresenta as demandas para o diretor liberado. O agente de desenvolvimento emite um parecer sobre o crédito, mas não participa das decisões do comitê. Pode ser chamado para defender sua proposta no comitê, que se reúne uma vez por semana. Além disso, hoje, a seleção dos novos sócios é feita pelo agente de desenvolvimento, que já dá um parecer com relação ao caráter do pretendente a sócio: se é participativo, se abre espaço para a família participar. Também faz a análise do capital e da unidade de produção. Centraliza os pequenos serviços dos agricultores trazer proposta de elevação de limite de cheque, fazer um depósito. Por último, o agente tem o papel de organizar as compras coletivas. O agente tem uma função mais abrangente do que o agente de crédito: é pensado como um agente de desenvolvimento. No entanto, ao contrário do que ocorre nas outras instituições de microcrédito, aqui o agente não participa da decisão final sobre a concessão do crédito, nem do processo de recuperação dos créditos em atraso: estas funções são cumpridas pelo diretor liberado, o que impede a equiparação plena dos agentes de desenvolvimento da Cresol aos agentes de crédito de outras instituições. 16 Ao contrário de outras cooperativas de crédito. 17 Para o agricultor, muitas vezes o pagamento do transporte e passagem saía mais caro do que o juro do PRONAF. 194

O agente é indicado localmente (pelo próprio quadro de sócios da cooperativa). Normalmente, são pessoas que já têm destaque na área da associação, da comunidade. O perfil desejado de agentes é o de pessoas que tenham vínculo e interesse no desenvolvimento da comunidade, visto que para a instituição os agentes são futuros quadros da cooperativa a posição de agente é, pois, uma qualificação intermediária, que é um caminho para a renovação de quadros nas cooperativas e no próprio sistema. Os agentes são coordenados pelo coordenador de agentes em cada base regional: além disso, a central tem um diretor responsável pela coordenação dos agentes, pelo planejamento e supervisão de suas funções. Em termos de garantias, o marco jurídico das cooperativas permite a uma instituição como a Cresol muito maior flexibilidade do que às OSCIPs e SCMs. Assim, as garantias aceitas pela instituição são: aval de terceiros, aval solidário 18, penhor e hipoteca. A avaliação da instituição é de que alguns agricultores não gostam de pedir aval a terceiros, então fazem penhor de máquina, de estruturas facilmente removíveis. Do bem penhorado tem que ser feito seguro, renovado durante toda a duração do empréstimo. A hipoteca, por sua vez, é feita sobre a terra nua (sem que se considerem as bem-feitorias realizadas nesta). A garantia real tem que ser de 1,3 vezes o valor do empréstimo (por exemplo: para um crédito de R$10.000,00, pede-se R$13.000,00 de garantia). No entanto, mesmo havendo alguma resistência ao aval de terceiros, o aval solidário ainda é a forma mais freqüente de garantia utilizada: somados os contratos que utilizam hipoteca e penhor, a avaliação é de que totalizem em torno de 17% do total no último ano. Considerações finais A experiência da Cresol reúne várias particularidades que a destacam das outras experiências relatadas. O fato de ser um sistema de coo- 18 O aval solidário é uma modalidade em que um grupo de agricultores dá o aval ao crédito de um deles: diferentemente do crédito solidário, não é necessário que o grupo inteiro seja tomador de crédito. 195

EXPANSÃO DO SETOR DE MICROFINANÇAS NO BRASIL perativas, cujo controle exclusivo é dos agricultores familiares, dá ao crédito realizado pela Cresol uma perspectiva de desenvolvimento local muito clara, que se reflete na sua organização e na sua estrutura, bem como na preocupação constante de formação e informação de todos os seus membros. A Cresol atingiu dimensões consideráveis, e conseguiu manter a proposta de descentralização de controle e decisões mesmo após a necessária criação da central de crédito que não centraliza o crédito, assim como uma intensa participação dos seus membros em cada um dos níveis de atuação, a partir de um planejamento estratégico cuidadosamente executado. Sem dúvida, a origem da instituição nos movimentos populares e a tradição de luta dos agricultores familiares da região Sul são fatores indissociáveis do sucesso obtido pela instituição até o momento; é uma questão em aberto a de se um sistema semelhante pode ser replicado para outras regiões e outras bases culturais do país. Por outro lado, apesar do incontestável sucesso obtido, os primeiros resultados da pesquisa de impacto realizada pela instituição trazem à baila a importância dos condicionantes externos ao crédito (preços dos produtos agrícolas, preços dos insumos) no que se refere ao objetivo de crescimento da pequena agricultura familiar, e mostram que se o acesso ao crédito impediu uma maior desestruturação da região, não foi suficiente para bloquear a perda de renda dos agricultores, o que pode colocar futuramente em risco a própria saúde financeira da instituição, permitindo reafirmar a necessidade e oportunidade de uma política integrada de desenvolvimento agrícola que tenha como um dos seus eixos a sustentação à agricultura familiar. 196

Considerações Finais A expansão do setor de microfinanças no Brasil recoloca as interrogações sobre as relações entre instituições financeiras e o chamado terceiro setor. A história das ONGs de crédito no Brasil não reproduziu o longo caminho percorrido pelas da América Espanhola, no qual o debate sobre capacitação e integração com o mercado financeiro foi muito mais intenso. O debate e a consolidação do marco regulatório impulsionaram nestes últimos anos a especialização do setor. As IOMs surgem hoje no Brasil com uma definição precisa enquanto instituições financeiras, tanto aquelas sem fins lucrativos, como é o caso das OSCIPs, quanto as com fins lucrativos, as SCMs, formadas a partir de um perfil próximo ao do sistema financeiro tradicional. Entretanto, a dubiedade nas mudanças mais recentes de regulamentação parece indicar o caminho de uma relação complementar e integrada. A formação das ONGs de crédito, nascidas no âmbito de projetos de economia solidária e desenvolvimento local, não pode ser entendida apenas como uma história de instituições informais que se formalizam no mercado. As OSCIPs não devem ser entendidas como formas de tercerização ou de incubadoras de experiências para as SCMs, mas reconhecendo que há um campo distinto, de missão e estratégias, que diferenciam a economia solidária da economia de mercado. 197

EXPANSÃO DO SETOR DE MICROFINANÇAS NO BRASIL Esta visão determina que instituições diferentes devem ser tratadas de forma diferente, sem que isso iniba a formas de integração ou seja entendida como uma visão que exclua algum destes setores. Do mesmo modo que se exige uma eficiência operacional das SCMs e OSCIPS, deve-se buscar respectivamente uma eficácia em termos de mercado e de objetivos sociais. Os estudos mais recentes sobre microcrédito têm acompanhado os indicadores financeiros e mergulhado pouco nos indicadores de impacto e nas estratégias diferenciadas destas instituições. A pesquisa qualitativa e quantitativa nos indica que há um deslocamento entre a história de formação das ONGs de crédito e o caminho atual impulsionado pelo marco regulatório. As ONGs de crédito, nascidas em sua maioria no interior de projetos de geração de trabalho e renda, transformam-se em OSCIPs e SCMs nas quais se constata a ausência de integração entre as ações de geração de trabalho e renda e o microcrédito. Esta parece ser uma questão limitante para o setor de microfinanças enquanto instrumento de desenvolvimento local. A exclusão econômica e social é também espacial. A ausência de parcerias e a necessidade de resultados operacionais expressivos para garantir a sustentabilidade influenciam evidentemente na construção de caminhos setoriais de mercado, perdendo uma dimensão necessária de identificação de demandas locais e de construção de uma articulação entre os atores locais, pois o aumento da demanda deve ser pensado a partir das estratégias de desenvolvimento local. Por outro lado, o microcrédito enquanto negócio ainda se encontra longe da maturidade. O mercado das microfinanças, mais difuso e não territorializado, leva as SCMs a optarem pelos formais e a ausência de agentes de crédito. Porém, o estudo mostra que no campo de políticas públicas algumas SCMs ainda precisarão de um apoio governamental mais sólido para conseguir criar estratégias que atendam à dupla função: rentabilidade para os sócios e atendimento ao microempreendedor. Esta visão, que diferencia distintos campos econômicos e mercados, não é recente no interior do debate econômico. No campo da economia popular, tem se procurado fazer distinções entre lógicas econômicas de economias familiares e aquelas empresariais presentes no mercado. O 198

próprio debate sobre micro e pequena empresa procura diferenciar os setores: aqueles mais ligados a um processo de sobrevivência econômica dos empreendimentos, os que têm capacidade de desenvolvimento e expansão e, por fim, os que podem agregar valor a partir de inovações tecnológicas ou se expandir a partir do aumento de escala. Deste modo, os caminhos da gestão estratégica nas microfinanças visivelmente se confundem com a trajetória de inserção das instituições em cada um destes mercados. Uma vez que as estratégias encontram-se profundamente vinculadas à natureza jurídica das instituições, não há como separar a evolução das relações político institucionais do setor das estratégias de consolidação destes distintos mercados. Esse debate inclui a proposta de compreender o papel desempenhado pelas IOMs no processo de desenvolvimento econômico local. Para tanto, pressupõe-se desenvolvimento econômico local como a constituição de uma ambiência produtiva inovadora, na qual se desenvolvem e se institucionalizam formas de cooperação e integração das cadeias produtivas e das redes econômicas e sociais, de modo a ampliar as oportunidades locais, gerar emprego, trabalho e renda, atrair novos negócios e criar condições para um desenvolvimento sustentável. O microcrédito se constitui no sistema de intermediação financeira dos processos de desenvolvimento econômico local. Nesta dimensão de novos atores locais de promoção do desenvolvimento econômico, é possível afirmar, como verificação da análise da inter-relação das experiências de desenvolvimento local com microcrédito, que: 1) não há um único modelo, mas um consenso de que a política de microcrédito não deve ser vista de forma isolada, e sim como um dos instrumentos de combate à exclusão de setores econômicos e sociais; 2) surge uma nova espacialidade ancorada na possibilidade de promoção do desenvolvimento econômico local. A este novo papel dos municípios se incorporam novos atores locais, como as IOMs, os Agentes de Crédito, as Câmaras Regionais, as Agências de Desenvolvimento e os Agentes de Desenvolvimento, que refletem a diversidade de experiências. A maioria destes atores se insere numa visão de organizações públicas não-estatais; 199

EXPANSÃO DO SETOR DE MICROFINANÇAS NO BRASIL 3) a experiência das IOMs hoje se diferencia dos fundos rotativos da década de 70, na medida em que incorpora uma especialização necessária e tecnologias creditícias adequadas ao microcrédito; 4) estas experiências de microcrédito devem estar articuladas à comercialização, capacitação, e a um sistema de informação e apoio ao associativismo. Como caminho de articulação, surgem como experiências inovadoras no Brasil a implantação das Agências de Desenvolvimento; 5) as experiências de microcrédito se potencializam quando articuladas a projetos de desenvolvimento local ou articuladas à gestão pública territorial; Neste sentido, este estudo permitiu o aprofundamento de questões que podem contribuir para a superação de alguns dilemas, tais como: 1) pensar a centralidade e o marco legal do desenvolvimento econômico local, já que políticas macro tributárias, fiscais, monetárias, de comércio exterior determinam hoje uma ambiência desfavorável ao desenvolvimento econômico local; 2) ainda que o modelo de ONG de crédito tenha se constituído em uma experiência que determina caminhos de institucionalização, refletida no incentivo à criação das SCMs, este não é um caminho único, exigindo maiores debates em torno dos desenhos institucionais possíveis de sistemas alternativos de financiamento, como tem sido feito através dos papéis desempenhados pelas ONGs de desenvolvimento e pelas OSCIPs; 3) o debate permite reconhecer experiências relacionadas IOMs mistas (Bancos do Povo), de Fundos de Crédito Municipais, de Fundos de Garantias e de Retrogarantias; 4) necessidade de ampliação das linhas de crédito de desenvolvimento institucional que permitam o surgimento de um maior número de IOMs; 5) integração ao mercado versus economia solidária como duas tendências que marcam hoje formatos institucionais e referências de políticas públicas de microcrédito. 200

A busca de novas alternativas para a formulação das políticas tem por pressuposto a existência de uma mudança de paradigmas no desenvolvimento econômico, e isto tem feito os estados e a sociedade civil procurarem novas formas ou modelos de desenvolvimento endogenamente orientados. Uma das possibilidades que vem sendo adotada para tratar do desenvolvimento endógeno é aproximá-lo ao desenvolvimento das micro e pequenas empresas. Esta estratégia se fundamenta no fato de que estas empresas são a base do emprego nacional, além de responderem por grande parte da massa salarial paga aos trabalhadores, o que constitui um percentual importante da demanda do país. Sob tal base é que se encontram os dilemas que permeiam o debate sobre políticas públicas na atualidade. As políticas de geração de trabalho e renda estão na ordem do dia para quaisquer dos governos públicos e são pleitos constantes das organizações da sociedade civil. Neste sentido, o setor de microfinanças vem se apresentando aos formuladores de políticas públicas, assim como aos grupos socialmente excluídos, como uma alternativa eficiente de redução da miséria, contribuindo para incluir parte desses grupos à sociedade pela via da concessão de crédito. Considerando os aspectos da gestão operacional, vale registrar que as dificuldades de expansão da demanda têm levado as IOMs ao aprimoramento dos processos e das rotinas operacionais. A escassez de recursos.e as dificuldades de captação, combinadas com a competição com outras alternativas de crédito, têm levado as IOMs a buscar novos caminhos para otimizar sua atuação, criando novos procedimentos gerenciais que resultem em redução dos custos, como a criação dos agentes independentes e dos recuperadores de crédito. A escassez de recursos para o desenvolvimento institucional, provocada por uma retirada dos financiamentos internacionais a fundo perdido e uma presença ainda moderada do BNDES e do SEBRAE na área, tem possivelmente inibido o processo de inovação nas práticas operacionais. A articulação entre as IOMs deverá ser decisiva para o aprimoramento dos processos, através da junção de forças e recursos, visando a construção de mecanismos de aperfeiçoamento operacional que resultem em uma melhora para a coletividade das instituições. 201

EXPANSÃO DO SETOR DE MICROFINANÇAS NO BRASIL Considerando este cenário, os estudos qualitativos realizados sugerem que: A dificuldade de captação de recursos tem funcionado como um fator limitante para as SCMs. A expectativa de obter financiamento do BNDES, o que não ocorreu, cria dificuldades para as SCMs operarem com a metodologia de microcrédito, levando muitas delas a dispensarem a figura do agente de crédito e dando preferência a negócios formais e empréstimos de maior valor. O modelo institucional das SCMs encontra-se sob um controle bem mais rígido, gerando com isso uma série de documentos e responsabilidades não existentes em outras instituições de microcrédito O marco legal criado para o setor ainda não surtiu o efeito que se esperava, sendo ainda possível atuar de forma eficiente sem a titulação. Os benefícios da titulação de OSCIP foram poucos e localizados. Embora um número considerável de ONGs de microcrédito tenha se transformado em OSCIP, elas significaram a adequação ao marco legal e não aparecem como uma necessidade real,. A relação de complementariedade ou transformação de OSCIPs em SCMs é algo controverso e não deve ser pensada apenas como uma forma de resolver problemas do marco regulatório, mas em função das missões a que estas instituições se destinam, enquanto ações de cunho social e filantrópico e atividades lucrativas para pessoas físicas. ONGs e OSCIPs possuem ainda uma função muito importante na expansão do microcrédito para localidades pequenas e públicos não rentáveis. A consolidação de parcerias com atores locais, sobretudo com as prefeituras municipais, resulta na redução dos custos e na viabilização das operações. A experiência das cooperativas com controle de produtores, articuladas ao desenvolvimento local, apresenta possibilidades de serem replicadas ainda que não estejam contempladas dentro do marco regulatório de microcrédito, 202

A experiência do CRESOL reafirma a existência da Cooperativa de crédito enquanto ator de microfinança, ofertando outros produtos financeiros além do crédito. O segmento das cooperativas de crédito é, no entanto, muito heterogêneo, sendo interessante encaminhar uma discussão acerca do que caracterizaria uma cooperativa como sendo de microcrédito. O processo de expansão de microfinanças no Brasil acompanha o que já vem se discutindo em diversos fóruns internacionais sobre as mudanças de estratégia de crédito voltado para enfrentar a ambiência de pobreza de populações locais. De algum modo, o marco regulatório não estimulou este debate e a própria experiência de microfinanças no Brasil ainda é muito incipiente. A demanda por este caminho não se restringe ao crédito, mas parte da premissa de que a atividade produtiva que se desenvolve diariamente procura satisfazer necessidades humanas, exigindo o acesso a outros produtos financeiros e não financeiros. No campo financeiro é no interior da economia solidária que novos produtos têm sido desenhados. Não se trata de ideologizar o debate mas de, necessariamente, reconhecer que são mercados, tecnologias creditícias e parcerias distintas. Enfrentar as condições de pobreza significa criar um ambiente de desenvolvimento humano, no qual indivíduos e famílias aspiram adquirir sua habitação, dotá-la de condições de habitabilidade, ampliar o nível de educação de seus filhos, consolidar uma poupança mínima que possa cobrir eventuais enfermidades ou uma calamidade imprevista, romper barreiras colocadas pela exclusão digital, e ter acesso à cultura e uma vida cidadã. Está claro que não caberá a uma instituição de microfinanças estabelecer estes serviços não financeiros, mas a visão estratégica de uma economia social permite afirmar que, se as instituições de apoio à indústria de microfinanças não se planejarem para oferecer diretamente ou através de alianças estratégicas com entidades especializadas a promoção destes serviços e desta ambiência local de desenvolvimento humano, dificilmente poderemos falar de um impacto exitoso do microcrédito. 203

204 EXPANSÃO DO SETOR DE MICROFINANÇAS NO BRASIL