Conclusões 136 PARTE V CONCLUSÕES 18. Principais Conclusões Procurámos com este trabalho determinar se existe ou não uma diferenciação no desenvolvimento da independência de mobilidade em crianças do género masculino e feminino de contextos sociais diferenciados do meio urbano. Para tal, analisámos as rotinas de vida, a autonomia de mobilidade, a percepção das possibilidades de acção, as competências sociais e as características dos pais/encarregados de educação de 42 crianças com idades compreendidas entre os 8 e os 10 anos de idade. Comparámos dois grupos opostos: 21 crianças de um meio mais diferenciado e 21 crianças de um meio menos diferenciado residentes em zonas periféricas da cidade de Lisboa. Os nossos resultados aparecem resumidos no quadro em baixo. Rotinas de vida De uma forma geral, as crianças do meio menos diferenciado realizam mais Trajectos trajectos. São as raparigas dos dois meios que realizam mais trajectos, quando comparadas com os rapazes do seu meio. As crianças do meio menos diferenciado realizam mais actividades do que as crianças do meio mais diferenciado. É da parte da tarde que as crianças do meio menos diferenciado realizam uma maior diversidade de Actividades actividades, enquanto que no meio mais diferenciado, é de manhã. As crianças do meio menos diferenciado realizam mais actividades de grupo e em espaços exteriores. As crianças do meio mais diferenciado realizam mais actividades formalmente organizadas/institucionalizadas. Autonomia de mobilidade Os rapazes do meio menos diferenciado realizam mais trajectos sozinhos do que as outras crianças. As raparigas do meio mais diferenciado realizam Rotinas diárias mais trajectos com adultos do que as outras crianças. As raparigas do meio
Conclusões 137 Autonomia nas actividades do dia-a-dia Autonomia nos trajectos casaescola Autonomia em situações do diaa-dia Preocupações dos pais com a autonomia de mobilidade dos filhos menos diferenciado realizam mais trajectos com pares do que as outras crianças. Foram encontradas diferenças significativas entre os dois grupos de crianças relativamente ao número de trajectos realizados sozinhos e com pares. As crianças do meio menos diferenciado são mais autónomas do que as outras crianças. A actividade onde se verifica mais autonomia para as crianças do meio menos diferenciado, é brincar sozinha fora de casa. A actividade em que se verifica mais autonomia para as crianças do meio mais diferenciado é andar de bicicleta na rua. Todas as crianças do meio menos diferenciado vivem a menos de 2 Km da escola. Quase todas vão a pé para a escola. Metade das raparigas vai acompanhada pelos irmãos. Os rapazes costumam ir para a escola com os pais, irmãos ou colegas da mesma idade/mais novos. A maior parte das crianças do meio mais diferenciado vive a mais de 2 Km da escola. Costumam ir para a escola de carro acompanhados principalmente pelos pais. As crianças do meio menos diferenciado tornam-se autónomas mais cedo do que as crianças do meio mais diferenciado para todas as situações do dia-a-dia: atravessar as ruas principais sozinha; andar sozinha de transportes públicos; brincar sozinha fora de casa e andar de bicicleta na rua. Para todas as situações (ir sozinho no percurso de ida e regresso da escola; brincar sozinho fora de casa; sair depois de escurecer; ir sozinho para actividades de lazer), os principais motivos de preocupação dos pais, são: - Nos rapazes do meio menos diferenciado, a criança ser muito pequena/pouco responsável; - Nas raparigas do mesmo meio, medo de assaltos ou de molestações por adultos; - Para as raparigas e rapazes do meio mais diferenciado, igualmente o medo de assaltos ou molestações por adultos e o perigo de tráfego.
Conclusões 138 Percepção das possibilidades de acção Em todas as crianças, verificamos uma maior percepção das possibilidades de acção em acções de jogo social. São as crianças do meio mais diferenciado (principalmente as raparigas) que possuem um maior espaço exterior de habitação proporcionador de um maior número de possibilidades de acção. Competências sociais As crianças do meio menos diferenciado demonstram mais competências sociais nos contextos onde existem actividades organizadas/institucionalizadas (ATL/colégio e sala de aula). Contudo, no contexto rua e casa, são as crianças do meio mais diferenciado que demonstram mais competências sociais. Características dos pais/encarregados de educação As crianças do meio menos diferenciado têm pais mais novos. Os pais das crianças do meio mais diferenciado possuem mais habilitações literárias. Quanto à situação profissional, a dos pais é mais estável do que a das mães, nos dois grupos, excepto para as mães das raparigas do meio menos diferenciado, onde encontramos mais mães empregadas a tempo inteiro. Todas as crianças do meio mais diferenciado vivem em casa própria enquanto que a maior parte das crianças do outro meio vivem emcasa alugada.
Conclusões 139 19. Sugestões Para Estudos Futuros Os resultados apresentados neste estudo para as crianças do meio mais diferenciado vão na sequência do que está descrito na literatura para a independência de mobilidade de crianças de meios urbanos. Contudo, os resultados apresentados para as crianças do meio menos diferenciado, dão-nos conta de uma nova realidade urbana, que apesar de sofrer as mesmas influências da urbanização e crescimento vertical e constante das cidades, apresenta-se diferente. As crianças têm muita independência de mobilidade e uma grande percepção de possibilidades de acção no seu espaço físico. Estes aspectos são condicionados essencialmente pela ausência de supervisão do adulto e pela vivência num meio degradado e casas sem condições de habitabilidade. A rua apresenta-se como o companheiro de brincadeiras para muitas destas crianças que pela ausência de alternativas, acabam por desenvolver grande parte das suas rotinas diárias neste espaço físico. Por outro lado, a maior quantidade de competências sociais verificada por parte destas crianças, aparentemente, parece ser um bom indicador. Contudo, sabemos que isso acontece porque há supervisão e controlo do adulto. Parece-nos que ao contrário do que foi dito em cima, estas crianças têm uma dependência de mobilidade relacionada com os aspectos mais intrínsecos do comportamento humano, ou seja, há neste grupo maior dificuldade de contenção e auto-controlo promovida pela ausência de regras e estrutura familiar estável e contentora. Assim, estas crianças têm mais dificuldades na aquisição da noção de limites e quando eles não existem ou dito de outra forma, quando a criança tem a percepção de que eles não existem, nota-se uma menor frequência na adopção dessas competências. Já as crianças do meio mais diferenciado, apresentam uma menor variação no uso das competências sociais nos diferentes contextos, ou seja, elas parecem não estar tão dependentes da supervisão do adulto para por em prática o comportamento socialmente esperado. Existe neste sentido, uma maior independência de mobilidade.
Conclusões 140 Também encontrámos grandes diferenças relativamente à forma como os pais nos dois meios percepcionam a autonomia de mobilidade dos filhos. Esta constitui por si só um factor condicionador da mesma. No meio menos diferenciado, apesar da preocupação demonstrada pelos pais, na realidade a criança continua sujeita aos perigos apontados pelos mesmos pela forma como se processam as suas rotinas diárias e mais uma vez, pela ausência de supervisão dos mesmos. Gostaríamos então de sugerir um aprofundar do estudo da independência de mobilidade em crianças de contextos sociais distintos através de amostras mais representativas, de forma a procurarmos verificar se as tendências encontradas neste estudo se mantêm. Pensamos também que seria importante a realização de estudos que diferenciassem para além dos meios sociais opostos, a independência de mobilidade de crianças de diferentes culturas e etnias dentro do mesmo país, principalmente quando essa diferença se acentua pela localização geográfica dessas etnias em bairros que funcionam de uma forma marginal e inadaptada. Por outro lado, parece-nos importante compreender a dimensão psicológica e emocional das crianças em relação ao modo como as mesmas percepcionam as possibilidades de acção no espaço físico. Isto poderia ajudar-nos a compreender as diferentes dimensões envolvidas na forma com construímos os nossos mapas mentais (representações do espaço físico) e a influência que os diferentes contextos da vida da criança têm nessas dimensões. Pensamos ainda que seria importante dar continuidade aos estudos feitos sobre as áreas em baixo descritas e a independência de mobilidade: - Educação para a saúde (fomentar estilos de vida saudáveis desde a infância);
Conclusões 141 - Interacção parental (criar condições de estimulação oferecidos pela intervenção directa dos pais); - Meio escolar (espaços de recreio existentes, educação física e desporto escolar); - Meio comunitário (existência de espaços pensados para a brincadeira, jogo e recreio, quer de uma forma livre quer de uma forma organizada); Esperamos que este estudo tenha contribuído para a compreensão de duas realidades urbanas opostas relativamente aos contextos sociais que dela fazem parte e impacto dos mesmos na autonomia de mobilidade das crianças.