Artigos Proposta pedagógica: o que vem a ser? Pedagogical proposal: what is this? Profª. Dra. Rinalva Cassiano Silva Vice-Reitora Acadêmica da UMESP (São Bernardo do Campo SP) Resumo O artigo discute a proposta pedagógica que parta de dentro das escolas metodistas, de forma a criar um ambiente adequado de estudo, possibilitando um trabalho sério, de verdadeiro aprendizado e de construção da cidadania. O projeto pedagógico tem por função determinar quais são os objetivos da escola em seu trabalho. Ela deve ser elaborada pelos professores em conjunto, a fim de promover a melhoria do ensino dentro da instituição. Ele chama a atenção para a reflexão dos professores para uma questão que ultrapassa a responsabilidade do governo, ficando nas mãos do corpo docente, mostrando, além de tudo, o significado da proposta pedagógica para a escola. Unitermos: sistemas de ensino; proposta pedagógica; cidadania; aprendizagem Synopsis The article considers a pedagogical proposal that comes from inside the Methodist schools, in order to create an appropriate study atmosphere, making it possible to develop serious work of real learning and the construction of citizenship. The pedagogical project should determine the school s aims. It should be designed by the teachers and lead to the improvement of the teaching inside the institution. The article calls the teachers to reflect on an issue that surpasses the Government s responsibility; an issue that is on their hands. Moreover, it shows the meaning of the pedagogical proposal of the school. Terms: educational systems; pedagogical proposal; citizenship; learning Resumen El artículo discute la propuesta pedagógica que parta de dentro de las escuelas metodistas, de forma a criar un ambiente adecuado de estudio, posibilitando un trabajo serio, de verdadero aprendizaje y de construcción de la ciudadanía. El proyecto pedagógico tiene como función determinar cuales son los objetivos de la escuela en su trabajo. Ella debe ser elaborada por los profesores en conjunto, con el fin de promover la mejoría de la enseñanza dentro de la institución. Él llama la atención para la reflexión de los profesores para una cuestión que ultrapasa la responsablidad del gobierno, quedando en las manos del cuerpo docente, mostrando, más que todo, el significado de la propuesta pedagógica para la escuela. Términos: sistemas de enseñanza; propuesta pedagógica; ciudadanía; aprendizaje 83
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira prevê em seu art. 12, inciso I, que os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino terão a incumbência de elaborar e executar sua proposta pedagógica. Assim, compete a cada escola apresentar sua proposta pedagógica construída coletivamente e que servirá de carta magna ou, no mínimo, as intenções de construção de trabalho coletivo em busca de uma qualidade de ensino. Essa é, sem dúvida, uma novidade na vida das escolas brasileiras, principalmente nas redes públicas. As escolas sempre receberam as propostas de trabalho bem como as normas a serem seguidas no seu dia a dia, por meio de atos administrativos vindos das Secretarias de Educação ou das antigas Delegacias de Ensino. A partir de 1996, com a promulgação da Lei 9394/96, e mais precisamente nesses últimos anos da década de 90, as escolas tomaram consciência da grande responsabilidade, senão um grande privilégio, da construção coletiva de sua proposta de trabalho. Mas o que vem a ser proposta pedagógica para uma escola? O presente artigo, sem pretensões de esgotar o assunto, pretende trazer à reflexão dos educadores especialmente daqueles que trabalham no ensino fundamental e básico o que pode ser uma proposta pedagógica e o que significa para a vida de uma escola. Proposta Pedagógica: em busca de uma definição A leitura do livro organizado pela eminente educadora Ilma Passos intitulado Escola: Espaço do Projeto Político-Pedagógico, nos ajuda em muito a refletir o que significa Compete a cada escola apresentar sua proposta pedagógica uma proposta pedagógica para uma escola. Antes de mais nada, devemos por princípio admitir que a proposta, construída coletivamente, deve ser instrumento que sensibilize para uma melhoria na qualidade do ensino, na construção de um projeto de trabalho para uma coletividade que terá tudo para ser bem sucedida em seus objetivos. Voltando à educadora acima citada, embora trabalhe mais com a expressão projeto político-pedagógico, podemos afirmar que são expressões sinônimas citadas na Lei, e que deixam transparecer a necessidade de se construir coletivamente um documento que dê à unidade escolar uma forma eficiente do trabalho na escola na construção da cidadania. Vale citar aqui a expressão de Ilma: É necessário que se afirme que a discussão do projeto político-pedagógico exige uma reflexão acerca da concepção da educação e sua relação com a sociedade e a escola, o que não dispensa uma reflexão sobre o homem a ser formado, a cidadania e a consciência crítica. E continua a autora: O projeto político-pedagógico, ao dar uma nova identidade à escola, deve contemplar a questão da qualidade de ensino, entendida aqui nas discussões indissociáveis: a formal ou técnica e a política. Uma não está subordinada à outra; cada uma delas tem perspectivas próprias. Definir uma proposta pedagógica é, antes de tudo, dizer o que a escola pretende como objetivo primeiro de seu trabalho pedagógico. O pedagógico, nesse caso, é amplo, não se referindo apenas ao repasse de informações ou construção de conhecimento. Vai muito além: significa criar uma escola cidadã. 84
Por escola cidadã entendemos aquela que trabalha sua identidade a partir da construção de uma cidadania consciente, baseada nos direitos sociais e políticos de seus usuários, ou seja, de seus alunos, professores, funcionários enfim, da comunidade ali postada, que deseja seus direitos protegidos e resguardados, em especial do corpo discente em formação. Sabemos que um dos problemas cruciais do Brasil nos dias de hoje é da construção de uma cidadania. É preciso, contudo, saber que a proposta pedagógica não termina ou começa no que dissemos até agora. Seria uma opinião reducionista. A proposta pedagógica é, antes de tudo, uma tomada de decisão política da unidade escolar e traz implícitos ou explícitos seus objetivos. Dentre esses objetivos podemos destacar: - Zelar pela aprendizagem de seus alunos; - Potencializar o desenvolvimento de todas as pessoas que trabalham na unidade; - Construir individualidades autônomas e solidárias; - Preparar indivíduos para um mundo competitivo sem, entretanto, leválos à ganância da lógica do mercado de hoje; - Garantir acesso de todos à escola e não permitir a exclusão; - Desenvolver consciência crítica da realidade. São princípios básicos, que praticamente formam a missão de uma instituição que procura construir uma escola cidadã, no intuito de educar indivíduos para uma cidadania completa. Para uma escola metodista que prima pela educação como princípio Sabemos que um dos problemas cruciais do Brasil nos dias de hoje é da construção de uma cidadania A proposta pedagógica é, antes de tudo, uma tomada de decisão política da unidade escolar É necessário que toda a comunidade trabalhe no coletivo herdado de João Wesley, nada mais confortante do que poder refletir nesses princípios acima descritos, os quais estão sintetizados na frase transcrita do Plano de Desenvolvimento Institucional da UMESP (documento aprovado recentemente pelo Conselho Universitário da Instituição): a formação da pessoa humana como ser integral, o desenvolvimento de sua qualidade de vida, a preservação do meio ambiente, o desenvolvimento do seu espírito crítico e a sua participação social e política Nesse sentido, somente com ação coletiva se organizará o trabalho de uma proposta pedagógica. Não pode ser trabalho solitário ou muito menos centralizador, vindo de cima para baixo. É necessário que toda a comunidade trabalhe no coletivo, refletindo, construindo, revendo, discutindo a respeito de como construir uma proposta levando-se em consideração alguns itens como compromisso, gestão, proposta, de currículo e permanente avaliação. Tentemos situar cada um deles, embora saibamos que não são os únicos, como começo de uma reflexão. Compromisso Percebe-se muito facilmente entre os educadores uma noção muito forte de que compete ao governo resolver todas as mazelas da educação. Esse é, em nosso ponto de vista, um conceito equivocado. Se afirmarmos que o governo tem obrigação de cuidar da educação, não menor é a responsabilidade do professor ou educador. O compromisso é de todos. Se nas décadas de 70 e 85
80 as ordens emanavam de cima para baixo, hoje a escola tem a seu favor a possibilidade de criar e estabelecer sua proposta de ação, e assim, passa a ser tão responsável quanto os órgãos governamentais que vão propiciar as condições para realização da proposta. Cabe à escola ser competente e comprometida com o seu querer fazer. E quanto mais capaz for de desenvolver sua proposta construída no coletivo, mais autonomia ela terá. Gestão O termo tem sido usado em substituição à administração, embora, em sentido amplo, configure a mesma coisa. O que se pretende, de fato, é o ato de se gerenciar a instituição. Na gestão da escola podem ser delineadas as formas mais amplas de organização do trabalho no interior da instituição ou, ao contrário, o uso da auto-gestão. Procedimentos administrativos, definição de papéis, controle e acompanhamento, mecanismos de participação, fazem parte da trama da gestão. Talvez o ponto mais confuso, quando se trata de gestão na escola, é o de se definir quem é quem. Na maioria das vezes, duas classes distintas aparecem: os que administram e os que ensinam. Não existe dicotomia mais nefasta no trabalho escolar, numa comunidade na qual os ideais são comuns e o diretor é um entre seus pares. Não se discute aqui se o gestor ou diretor tem responsabilidade quanto a administrar a unidade. Ele é o líder por excelência, mas nenhuma administração poderá ter sucesso se não for compartilhada e criada coletivamente e, nesse caso, os docentes têm tanta responsabilidade quanto o diretor. Hoje a escola tem a seu favor a possibilidade de criar e estabelecer sua proposta de ação Compete à instituição, na aceitação da estrutura básica dada pelo Estado, criar sua proposta de currículo Não existe dicotomia mais nefasta no trabalho escolar, numa comunidade na qual os ideais são comuns e o diretor é um entre seus pares Enquanto este leva externamente a imagem da escola no fazer político, os demais constróem o dia-a-dia no trabalho responsável do ensino, na disciplina da construção da cidadania e no exercício da democracia nas decisões. O papel é de todos: diretores, funcionários, professores e alunos. O diretor tem a prerrogativa de responder pela unidade mas, sozinho, jamais terá sucesso. O encaminhamento do afastamento da organização da gerência escolar distinta da prática pedagógica que delimita campos de ação administrativa, e do exercício da docência levará, sem dúvida, à dicotomia tão combatida por todos que desejam a construção coletiva de uma proposta pedagógica para a escola. Proposta de Currículo Apesar dos órgãos oficiais, ainda que disfarçando, queiram definir currículos para as escolas, compete à instituição, na aceitação da estrutura básica dada pelo Estado, criar sua proposta de currículo. Sua elaboração define aspectos voltados diretamente para a prática pedagógica a que se propõe, marcando o espaço e o papel exercido pelos diferentes elementos envolvidos com o processo educativo. As peculiaridades de cada unidade precisam ser levadas em consideração. A flexibilidade no permitir um maior ou menor número de disciplinas e habilidades não pode ser esquecida. A articulação entre as aéreas de saber deve estar presente na proposta curricular. Não se trata de desobediência ao que vem emanado dos órgãos oficiais, mas sim de ser capaz de acrescentar àqueles princípios os que lhe são peculiares e necessários, dentro de sua realidade. 86
Bernstein entende que a maneira como se combinam os diferentes elementos citados resulta em duas formas básicas de organização do currículo: a primeira, denominada de currículocoleção, tem seus conteúdos organizados distinta e isoladamente, baseados em orientações didáticas rígidas. A segunda, o currículo-integração, apresenta conteúdos subordinados a uma idéia central que agrega a um todo mais amplo. Nesse caso, integração é a palavra-chave. E por integração, de novo, a participação é a mola-motriz. Avaliação A escola é o lugar por excelência onde a avaliação está presente. Deturpada por muito tempo, e tendo sentido pejorativo, auto-regulador, punitivo. Hoje, mais do que nunca, se percebe que a avaliação, como também autoavaliação, é o ato de se construir. Tanto a avaliação institucional quanto a avaliação de unidade isolada assume um papel especial na construção de uma proposta pedagógica, se levarmos em conta que proposta não tem ponto final, ao contrário ela se faz e refaz, e somente por meio da avaliação esse refazer para melhor torna-se possível. Exercitada periodicamente, ela serve de termômetro e enseja a revisão das ações, viabiliza a análise do percurso e a identificação de problemas que, A escola só se constrói a partir do momento em que dirigentes e dirigidos têm em comum os mesmos ideais reconduzidos pela equipe, reafirmam os objetivos que se pretende alcançar. No lugar de elemento punitivo, passa a ser elemento de renovação de propósitos ou de afirmação do que se quer. A escola só se constrói a partir do momento em que dirigentes e dirigidos têm em comum os mesmos ideais. A formação do cidadão comprometido consigo mesmo, refletindo esse compromisso na construção de uma sociedade mais justa, mais humana, mais digna. Considerações Finais O texto, sem pretensões maiores, pretendeu analisar o que vem a ser uma proposta pedagógica e sua articulação com a avaliação numa escola metodista. A proposta pedagógica é a peça mais importante para a vida de uma unidade escolar. Sua avaliação formativa aliada à auto-avaliação como um dos seus procedimentos, são condições imprescindíveis para um bom desenvolvimento e para o alcance de seus objetivos. A autonomia da escola para planejar seu trabalho sem interferências no seu cotidiano e a capacidade de trabalho de sua comunidade interna podem contribuir para mostrar que é possível se desenvolver um trabalho sério e comprometido com a sociedade, pela implementação de um programa de educação cidadã. Referência Bibliográfica VEIGA, Ilma P. A. e RESENDE, Lúcia M. G. (Orgs). ESCOLA: Espaço do Projeto Político-Pedagógico. Campinas: Papirus Editora, 1998. 87