Tradução e Espaço Social em La Pierre du Royaume



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Transcrição:

Tradução e Espaço Social em La Pierre du Royaume Fabiana Gabriela da Silva (USP) Resumo: A tradução enquanto troca cultural é uma atividade que envolve não só duas línguas e culturas, mas também dois espaços, o de produção e o de recepção. Este espaço pode ser estudado também como um espaço social, pois nele se dão relações políticas, mercadológicas e culturais. Ao analisar estas relações dentro do espaço editorial percebe-se que a tradução não é apenas um trabalho solitário do tradutor, mas também um trabalho de equipe. É nas relações que se estabelecem dentro deste espaço, bem como também no processo de tradução, que esta apresentação pretende focar-se, fazendo uma análise do espaço onde se encontra a tradução de La Pierre du Royaume - Version pour européen et brésilien de bon sens, traduzido de O Romance da Pedra do Reino de Ariano Suassuna, por Idelette Muzart, verificando a posição em que se encontra esta obra dentro do mercado editorial e do cânon literário francês. Palavras-chave: tradução, literatura, sociologia, Ariano Suassuna. Introdução A tradução é uma atividade que envolve não só duas culturas e línguas, mas também dois espaços diferentes, o de produção e o de recepção. Heilbron e Sapiro comentam que o espaço internacional é também um espaço social devido às relações que aí se dão (2002), portanto, como o texto traduzido passa de um país a outro, ela pode ser estudada do ponto de vista social também. Sobre esse espaço lemos que: Cet espace international, qui est um espace social comme um autre, est plus ou moins regi par trois príncipes logiques: celle des rélations politiques entre lês pays, celle du marche international du livre et celle des échanges culturels, au sein desquels les échanges littéraires peuvent jouir d une relative autonomie. (Heilbron, 2002, p.4)) 1 Para Bourdieu esse espaço é denominado de sistema de produção e circulação de bens simbólicos, sobre o qual o autor afirma: O sistema de produção e circulação de bens simbólicos define-se como o sistema de relações objetivas entre diferentes instâncias definidas pela função que cumprem na divisão do trabalho de produção, de reprodução e de difusão de bens simbólicos. (BOURDIEU, 1974, p.195) E sobre as relações que se dão nesse espaço, Bourdieu comenta ainda: Estas relações se dão entre os produtores de bens simbólicos, entre estes produtores e as 1 Este espaço social, que é também um espaço social como um outro, é mais ou menos regido por três princípios lógicos: o das relações políticas entre os países, o do mercado internacional do livro e o das trocas culturais...

diferentes instâncias de produtores de bens simbólicos, entre estes produtores e as diferentes instâncias de legitimação e relação entre estas diferentes instâncias. (BOURDIEU, 1974, p. 118 e 119). Na atividade tradutória essas relações se estabelecem entre autor, tradutor, editoras, agentes literários, governos, empresas, Fundações, etc. Assim, a tradução não se baseia somente no trabalho solitário do tradutor, mas também no trabalho de uma equipe, envolvendo contatos, criando uma rede de relacionamentos através da qual decisões serão tomadas. Os integrantes desta equipe estão em contato, possuem um certo poder de decisão dentro do grupo, estão localizados em determinadas regiões que podem não ser a de suas origens. A importância do trabalho dos agentes é como eles interagem trabalhando para colocar uma tradução em contato com outras línguas e culturas conforme comenta Jones: How people join and act togheter to produce translations, how they are motivated em generate motivations, and how they are influenced by end influence social groups outside the immediate production network. (Jones,s/d, p. 10). 2 Ainda sobre esta rede de trabalho Bourdieu comenta:...il faut appréhender les relations objectives entre les différents agents qui contribuent à la décision de publier, c est-á-dire, outre les commissions et les comitês, instances spécialemnet aménagées à cette fin, l éditeur lui même et ses proches, les directeurs de collection, les lecteurs, le personnel administratif, les conseillers influents qui peuvent agir comme des directeurs de collections officieux, et enfin, les traducteurs, qui dans plus d un cas, orientent la publication d auteurs étrangers. (Bourdieu, 1999, p. 3) 3 Bourdieu explica também. O que determina as interações entre esses agentes:...les interactions... sont déterminées par la structure de champ editorial dans son ensemble: c est elle, notamment, qui détermone la taille et la structure de l unité responsable de la décision (elle va du décideur unique, au moins en apparence, des petites maisons, jusqu au véritable champ de pouvoirs differenciés des grandes maisons); c est elle qui définit le poids relatif, dans les rapports entre les différents agents, des différents critères d évaluation qui les inclines à pencher du côté du littéraire ou du côté du commercial ou, selon la vielle opposition chère á Flaubert, à privilegié l art ou l argent.. (Bourdieu, 1999, p.3) 4 2 Como as pessoas se unem e atuam juntas para produzir traduções, como elas são motivadas e motivam, e como elas são influenciadas e influenciam o grupo social fora da imediata rede de produção. 3 È preciso apreender as relações objetivas entre os diferentes agentes que contribuem na decisão de publicar, quer dizer, além comissões e comitês, instancias especialmente organizadas para este fim, o próprio editor e seu grupo, os diretores de coleções, os leitores, o pessoal administrativo, os conselheiros influentes que podem agir como diretores de coleções oficiais, e enfim, os tradutores, que em mais de um caso orientam a publicação de autores estrangeiros. 4... as interações...são determinadas pela estrutura do campo editorial no seu conjunto: é ela, particularmente, que determina o tamanho e a estrutura da unidade responsável da decisão(ela vai de uma única pessoa que decide, pelo menos aparentemente, das pequenas editoras, até o verdadeiro campo de poder diferenciado das grandes editoras); é ela que define o peso relativo, nas relações entre os diferentes agentes, os diferentes critérios de avaliação que os inclina para o lado da literatura ou para o lado comercial ou, de acordo com a posição de Flaubert, a privilegiar a arte ou o dinheiro.

1 Trabalho Editorial A expressão spéculataire inspiré é a forma como Bourdieu define um editor. Esta expressão cabe bem para mostrar como o campo editorial é paradoxal, ficando entre os caminhos da arte e do mercado. Sophie Nöel comenta:...le livre est un objet hybride, tout à la fois support matériel reproductible destine à être vendu et donc à réaliser à sa valeur marchande( industrie de protypes). Il y a toujours eu de l ambigüité entre ces deux logiques, qui font coexiste une activité artisanale( principalement au niveau de la mise au point des contenus) et industrielle(impression, distribution.(nöel, 2006, p.2) 5 A tradução está ligada ao trabalho editorial, por isso, reforçamos a idéia de que a tradução pode ser vista tanto pelo seu valor simbólico como o de mercado. Bourdieu ao explicar o processo de autonomização da cultura, comenta que esta autonomia deveu-se à constituição de um público de consumidores, cada vez mais extenso, socialmente mais diversificado, à constituição de um corpo cada vez mais numeroso e diferenciado de produtores e empresários de bens simbólicos, multiplicação e diversificação das instâncias de consagração e difusão (1974). Toda essa diversidade de público consumidor e produtor, explica a diversificação do mercado editorial e o fato de existir vários tipos de publicação de traduções. 1.1 O Trabalho de edição na França Na França, o editor possui um certo prestígio como vemos nos comentários de Sophie Noel: Un élement essentiel tient au fait que le métier d éditeur exerce um prestige social marqué, notamment dans sa dimension engagé, qui renvoie à une tradition française encore vivace, même chez les éditeurs le plus jeunes, qui citent spontanément Maspero, Nadeau ou Bourgois comme figure de l éditeur de référence. (Nöel, 2006, p.5) 6 Dentro deste universo de certo prestígio figuram grandes, médias e pequenas editoras, cada uma com sua contribuição para o campo editorial. Em artigo intitulado Une révolution conservatrice dans l édition Bourdieu apresenta o ambiente das editoras francesas especificamente. Segundo o autor cada editora ocupa um lugar no campo editorial, que depende de sua posição na distribuição das fontes econômicas, simbólicas, técnicas, etc e do poder que ela confere ao campo editorial: C est cette position structurale qui oriente les prises de position de ses résponsables, leurs stratégies en matière de publications d ouvrage français ou 5 o livro é um objeto híbrido, ao mesmo tempo suporte material reproduzível destinado a ser vendido e portanto a se dar conta do seu valor comercial (indústria de protótipos). Sempre houve ambigüidade entre estas duas lógicas que fazem coexistir uma tarefa artesanal (principalmente quanto aos conteúdos) e industrial (impressão, distribuição). 6 Um elemento essencial se deve ao fato de que o trabalho do editor exerce um prestígio social marcado, principalmente na sua dimensão engajada, que remete a uma tradição francesa ainda viva, mesmo nos editores mais jovens, que citam espontaneamente Maspero, Nadeau ou Bourgois como exemplos de editores de referência.

étrangers. (Bourdieu, 1999, p. 3 e 4). 7 Sobre como as traduções são colocadas no mercado francês Bourdieu destaca duas posições. As grandes editoras que traduzem os best-sellers internacionais, freqüentemente anglo-saxões, comprados por um grande preço e que vêem a literatura mais como investimento econômico sem se preocupar tanto com o conteúdo. Essas editoras podem pagar direitos autorais elevados, contam com pessoas especializadas para colocar estas obras no mercado, contato com a mídia, já que há uma grande concorrência para colocar estas obras no mercado. Nas reuniões entre agentes a discussão se concentra mais em torno das vendas do que sobre o processo de tradução em si. E por outro lado estão as pequenas editoras que dispõem de um capital menor, que editam obras a maioria de línguas menos prestigiadas internacionalmente e de países menores, investindo na sua competência lingüística e cultural. Geralmente, essas editoras desenvolvem um trabalho de militância pelas culturas as quais traduzem, muitas vezes de engajamento contra a invasão anglo-americana. De acordo com Bourdieu os pequenos editores: se font les défenseurs des auteurs et des littéartures de recherche de tous les pays politiquement et/ou littérairement domines - cela, paradoxalement, sans pouvoir pratiquement compter sur l aide de l Ètat qui va aux entreprises éditoriales les plus anciennes et les plus dotées de capital économique et symbolique. (BOURDIEU, 1999, p. 26) 8 Bourdieu comenta também que há uma afinidade ligada à identidade das posições em campos diferentes (Bourdieu, 1990, p.iii), e que cada editora mostra sua identidade ou militância através de suas publicações, determinando qual sua posição no mercado: Faire publié ce que j aime, c est renforcer ma position dans le champ (Bourdieu, 1990, p.iii) 9. O autor ainda comenta que as escolhas acontecem sobre a base da homologia de posições em campos diferentes onde há os mesmos interesses, estilos parecidos, de partidos e projetos intelectuais. Assim, algumas editoras têm uma determinada marca: Métailie, traduz obras brasileiras, Jacqueline Chambon o catalão, Picquier literatura oriental. 2 A Recepção da Literatura Brasileira na França Pierre Rivas explica em seu texto A Recepção da Literatura Brasileira na França que as línguas do mundo constituem um sistema de comunicação hierarquizado, o que se verifica no fluxo das traduções. Existem línguas dominantes e línguas dominadas. A Língua Portuguesa está longe de ser uma língua central. O posicionamento geográfico, língua durante muito tempo não institucionalizada, fraca relação editorial 7 É esta posição estrutural que orienta as tomadas de posições de seus responsáveis, suas estratégias em matéria de publicação de obras francesas ou estrangeiras. 8 se fazem defensores dos autores e das literaturas de todos os países politicamente e/ou literariamente dominados isto, paradoxalmente, sem poder contar coma ajuda do Estado que vai para as empresas editoriais mais antigas e mais dotadas de capital econômico e simbólico 9 Publicar o que eu gosto, é reforçar minha posição no campo.

com a antiga metrópole, ausência de intermediários qualificados e de uma fraca política de auxílio à tradução por parte dos organismos oficiais ou estabelecidos, são explicações dadas por Pierre Rivas sobre o posicionamento da Língua Portuguesa dentro do contexto mundial das línguas (2008). Para Rivas no plano político algumas iniciativas foram tomadas como: as Belles Étrangères (1987), o Brasil no Salão do Livro (1998) e o ano do Brasil na França (2005), mas o autor lembra que é preciso uma continuidade a longo prazo para que haja resultado. Em seu trabalho Variations sur l étranger dans les lettres: cent ans de traductions françaises des lettres brésiliennes faz um panorama da tradução de autores brasileiros na França, explicando que o maior fluxo de traduções brasileiras é de romances regionalistas e que no final do século XX observa-se um crescente desenvolvimento da tradução do romance urbano, e também um crescente trabalho de traduções de romances de mulheres como: Maria José Fleury Monteiro, Rosalina Coelho, Raquel de Queirós, Nélida Pinõn e Clarice Lispector. A tradução brasileira na França conta também com reedições de traduções e retraduções de autores como Machado de Assis, por exemplo. Torres destaca algumas editoras que trabalham com traduções brasileiras como: Stock e Gallimard que são as editoras que traduzem constantemente romances brasileiros, Metailié que é a editora que mais publicou livros da literatura brasileira no fim do século XX, e Anne Carrière que publicou Paulo Coelho, sucesso de vendo na França. Dentre os autores brasileiros bem traduzidos estão: Jorge Amado, Clarice Lispector, Paulo Coelho, Machado de Assis. Geralmente o que as editoras mais levam em consideração é a expectativa do leitor, o que explica o desinteresse por Machado de Assis, o grande interesse por Jorge Amado que aparece como o mais conhecido na França devido ao seu exotismo e por apresentar mais ou menos aquilo que a França via no Brasil, e Paulo Coelho que pertence a uma literatura mais internacional, próxima dos best-sellers internacionais, onde há uma linguagem neutra sem traços de brasilidade. 3 A Tradução de Ariano Suassuna na França e seus agentes A tradução de A Pedra do Reino de Ariano Suassuna na França, conta com uma tradutora, espécie de agente, bem informada a respeito da obra e autor. Com um trabalho de mestrado e outro de doutorado ligado a Ariano Suassuna, e publicações em jornal e revistas especializadas, experiência profissional no ensino universitário brasileiro, Idelette Muzart é um agente bem articulado em termos de conhecimento sobre o autor e a cultura particular de O Romance da Pedra do Reino. Em artigo La Pierre du Royaume, version pour européen et brésilien de bon sens: a dupla tradução do romance de Ariano Suassuna, Muzart explica um pouco as várias tentativas de tradução desta obra e conta que principalmente o tamanho do romance e as várias referências culturais brasileiras, assustavam os editores. Após várias tentativas sem sucesso de tradução de A Pedra do Reino, Idelette Muzart procurou a editora Métailié devido ao seu catálogo de autores brasileiros: Em 1994, a França lia e a-do-ra-va um escritor brasileiro, que fazia um sucesso inacreditável e vendia até cinco edições paralelas de um

mesmo livro. Precisaria dizer o nome? Pois era mesmo aquele que vocês imaginam: Paulo Coelho. Esta situação me deu força para ir à luta novamente. Resolvi procurar desta vez uma pequena casa editorial que tinha 15 anos de existência e um invejável catálogo de autores brasileiros. Machado de Assis, Euclydes da Cunha, Guimarães Rosa, Cornélio Penna e Raquel de Queirós figuravam, entre outros, na sua Biblioteca brasileira. Não precisei de nenhum esforço ara convencer Anne-Marie Métailié da importância da Pedra do Reino: mencionei a Versão para Franceses e outros estrangeiros sensatos de 1976 e o Quaderna, O Decifrador, de 1978. Poucos meses depois, o contato estava assinado e Ariano me mandava a versão definitiva, corrigida e transformada em Versão para Europeus e Brasileiros sensatos. (MUZART, 2001, sem paginação) Anne-Marie Métailié, proprietária da editora que traduziu Ariano Suassuna na França, apresenta uma motivação particular para traduzir os brasileiros: estudou língua portuguesa, foi aluna de Antônio de Antônio Cândido na Sorbonne, conheceu pessoalmente alguns autores brasileiros como Carlos Drummond de Andrade e Raquel de Queirós. Assim, Métailié comenta: Os anos passaram e eu me dei conta de que não havia lugar onde a literatura brasileira era defendida. É uma literatura que tem características fortes e particulares. Então comecei a editá-la, primeiro Machado de Assis, em seguida Carlos Drummond de Andrade. (Torres, 2001, p. 621). Em uma entrevista que consta na tese de doutoramento de Marie-Hélène Torres, quando questionada sobre quem faz as escolhas quanto ao que será traduzido, Anne Marie Métailié responde que os próprios tradutores da casa propõem alguns trabalhos e ela lhes deposita inteira confiança. Em relação à tradução de Ariano Suassuna, a proposta foi levada por Idelette Muzart, e Anne- Marie Métailié gostou do romance apesar de achá-lo volumoso e complexo para ser publicado em francês, mas convenceuse ao Idelette Muzart mencionar outras tentativas de tradução no passado, momentos em que Suassuna tentou reescrever o livro para que ele fosse traduzido, 1976 e 1978. Ariano Suassuna não gostaria que O Romance da Pedra do Reino sofresse cortes significativos para o conjunto da obra, assim outro agente de grande responsabilidade para que tal tradução se realizasse, é o próprio Ariano Suassuna, que se dispôs a reescrever seu romance para que ele fosse traduzido. Conclusão Editado por uma empresa de pequeno porte que tem sua marca registrada por publicar traduções de obras brasileiras, apesar de não se encontrar em uma posição central dentro mercado editorial francês e do cânon literário desse país, a tradução de Suassuna ocupa um espaço que foi conquistado pelos seus agentes e pelas leis que regulam o mercado de bens simbólicos.

Referências Bibliográficas BOURDIEU, Pierre. Economia das trocas simbólicas. Ed. Perspectiva, São Paulo,1974.. Les Conditions Sociales de la Circulation Internationale des Idées. Cahier d histoire des littératures romanes, 14e année,1-2,p.1-10, 1990.Une Révolution Conservatrice dans l Èdition. Actes de la recherché en science socials, Vol. 126, nº 1, p. 3-28, 1999. BUZELIN, Hélène. Independent Publisher in the Networks of Translation.In: TTR, Ètudes sur le texte et ses transformations. Vol.XIX, nº1, 2006. HEILBRON, J. et SAPIRO G. La Traduction Littéraire, um objet sociologique.actes de la Rcherche em Science Sociales, p. 3-5, 2002. JONES, Francis R. Translating Post-war Bosnian Poetry into English.In: Agents of Translation, ed John Milton and Paul Bandia, Amsterdam: John Benjamins. MIMEO, New Castle Uni. s/d. MUZART, Idelette. La Pierre du Royaume version pour Européen. et Brésilien de bom sens: a dupla tradução do romance de Ariano Suassuna. Revista da Associação Internacional de Lusitânia, Coimbra, p. 117-131, 2001. NÖEL, Sophie. La Petite Èdition Indépandante face aux Grands Groupes ou le refus de l Uniformisation Culturelle: le cas des éditeurs engagés en science humaines. Cahier du Colloque International Mutations des Industries de la Culture, de l Information et de la Communication, 2006. PAES, José Paulo. TRadução a Ponte Necessária. Aspectos e Problemas da Arte de Traduzir. São Paulo:Atica,1990. RIVAS,Pierre,RIAUDEL,Michel.://www.culturesfrance.com/adpfpubli/folio/france_bre sil/bra/03. Site visitado em 06/06/2008. TORRES, Marie-Hélène C. Variations sur l étranger das les letters: cent ans de traductions françaises des letters brésiliennes.tese de Doutorado, Universidade de Leuven, 2001. VENUTI, Lawrence. The Scandals of Translation:Towards an ethics of difference. Ed. Routledge, London, 1998. Autor: Fabiana Gabriela SILVA, Mestranda Universidade de São Paulo (USP) Departamento de Letras Modernas biasilva@mail.com