Sobrecarga de familiares de alcoolistas: uma revisão teórica

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Transcrição:

Sobrecarga de familiares de alcoolistas: uma revisão teórica Felipe Augusto Carbonário (Bolsista de Iniciação Científica - PIBIC/CNPQ/UFSJ felipecarb@yahoo.com.br) Hellen Albuquerque (Mestranda em Psicologia - PPG/UFSJ hellen albuquerque@gmail.com) Ana Maria de Oliveira Cintra (Orientadora e docente do DPSIC/UFSJ deusadia@yahoo.com.br) RESUMO: Este trabalho se propõe realizar uma revisão teórica à cerca da sobrecarga de familiares de alcoolistas, visto que pesquisas nesta área são escassas principalmente no Brasil e necessitam de um olhar crítico para que políticas de saúde pública possam ser elaboradas para alcançar as necessidades de suporte aos familiares, coadjuvantes no tratamento do alcoolista. Palavras- chave: Alcoolismo, Familiares, Sobrecarga Introdução Esta revisão é fruto de uma pesquisa de iniciação científica em andamento realizada no Laboratório de Pesquisa em Saúde Mental (LAPSAM) do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São João Del Rei (DPSIC/UFSJ), e pertence ao Grupo de Pesquisa em Saúde Mental e Reinserção Social da linha de pesquisa Saúde Mental e Dependência Química vinculados ao Mestrado em Psicologia. Este trabalho consiste em uma revisão teórica à cerca da sobrecarga familiar no âmbito da dependência química. Durante várias décadas o tratamento psiquiátrico, inclusive para o alcoolismo, foi caracterizado por longos períodos de internação e conseqüente afastamento do doente mental de sua família (Waidman, Jouclas e Stefanelli, 1999). Este quadro começou a mudar somente a partir de 1950, quando os serviços psiquiátricos da Europa e dos Estados Unidos iniciaram um processo de modernização com a finalidade de reduzir o número de internações em hospitais psiquiátricos, de prover um tratamento psiquiátrico com bases menos restritivas e custos mais reduzidos. No Brasil, a Reforma Psiquiátrica somente ocorreu décadas mais tarde, em meados de 1970, sendo inicialmente influenciada pela Psiquiatria Preventiva Americana e, posteriormente, pela Psiquiatria Democrática Italiana (Lougon, 2006). Com a desinstitucionalização psiquiátrica houve uma mudança na forma de tratar o doente mental e sua família. Os serviços prestados pelos hospitais psiquiátricos, com longas internações, passaram a ser realizados pelos serviços comunitários de saúde mental, com atendimento ambulatorial e, quando necessário, períodos curtos de internação. O tratamento oferecido por estes serviços passou a priorizar a reinserção social e a promoção da qualidade de vida dos pacientes (Bandeira, Lesage e Morissete, 1994; Bandeira, Gelinas e Lesage, 1998; Lougon, 2006). Esta situação contribuiu para uma mudança positiva de atitude em relação às famílias, que passaram a ser consideradas aliadas potenciais no cuidado aos pacientes psiquiátricos, sejam estes esquizofrênicos ou alcoolistas (Yacubian e Neto, 2001; Pereira e Pereira Jr., 2003). No entanto, pesquisas apontam que as dificuldades enfrentadas pelos familiares no desempenho do papel de cuidador têm contribuído para um sentimento de sobrecarga desses familiares (Maurin e Boyd, 1990; Loukissa, 1995; Rose, 1996). Esta sobrecarga é ainda mais pesada devido à falta de um apoio eficiente dos serviços de saúde mental e dos profissionais da área. Loukissa (1995) destaca que as famílias foram incluídas no processo de desinstitucionalização como fonte essencial de suporte dos pacientes, sem terem, no entanto, nem o conhecimento nem a preparação necessária para este papel. Na literatura internacional foram realizados diversos estudos visando um melhor entendimento dos fatores que contribuem para uma maior ou menor sobrecarga sentida pelos familiares de pacientes psiquiátricos e do impacto desta sobrecarga na saúde mental dos familiares, utilizando instrumentos de

medida válidos e fidedignos para medir a sobrecarga familiar, em suas diversas dimensões. Nessas pesquisas vários fatores foram investigados, tais como o tipo de diagnóstico do paciente, o número e a gravidade dos seus comportamentos problemáticos, a presença ou não de co-residência, dentre outros. Além de escassas pesquisas qualitativas, foram encontradas, nas bases de dados indexadas, apenas duas revisões de literatura sobre sobrecarga familiar publicadas em periódicos especializados. Estas revisões de literatura apresentam, através da análise critica de vários artigos relacionados ao tema, a experiência e as dificuldades enfrentadas pelos familiares cuidadores de pacientes psiquiátricos (Garrido e Almeida, 1999; Bandeira e Barroso, 2005). Também foram encontradas pesquisas que investigaram as qualidades psicométricas da Escala de Sobrecarga dos Familiares de Pacientes Psiquiátricos-FBIS-BR ( Family Burden Interview Schedule-FBIS ) (Bandeira, Calzavara e Varella, 2005; Bandeira, Calzavara, Barroso e Freitas, 2007). No que se refere aos estudos empíricos sobre sobrecarga familiar, foram encontradas apenas seis pesquisas nacionais especificamente sobre o tema. Duas pesquisas avaliaram a sobrecarga de familiares cuidadores de idosos com diagnóstico de demência (Garrido e Menezes, 2004) e depressão (Scazufca, Menezes e Almeida, 2002), uma pesquisa avaliou o impacto financeiro de cuidar de um portador de psicose funcional (Soares e Menezes 2001), uma avaliou a sobrecarga subjetiva de pacientes com esquizofrenia (Koga e Furegato, 2002), uma investigou os fatores associados à sobrecarga de familiares cuidadores de pacientes psicóticos (Barroso, 2006) e uma pesquisa avaliou a influência do grau de parentesco na sobrecarga de familiares cuidadores de pacientes psiquiátricos (Albuquerque, Bandeira e Calzavara, 2007). Estudos sobre a sobrecarga sentida por familiares de pacientes diagnosticados com alcoolismo não foram encontrados. Segundo Silva (2003) embora o alcoolismo seja reconhecido na área da saúde como uma doença, a saúde da família que convive com o alcoolista é, geralmente, ignorada, uma vez que é vista apenas como mera coadjuvante do tratamento. Segundo a autora, a assistência fundamentada num modelo que privilegia a pessoa alcoolista, esquecendo-se das outras que também sofrem ao seu redor, contribui, de forma decisiva, para que no futuro os próprios familiares possam se tornar pacientes deste modelo de assistência. Um estudo realizado com esposas de portadores da Síndrome de Dependência do Álcool apontou a presença de um alto índice de stress patológico na maioria das mulheres. Como fontes externas de stress, foram identificadas a sobrecarga por assumir todas as responsabilidades na família, a falta de apoio em relação à dependência do marido e as agressões verbais sofridas pelas esposas por parte dos maridos alcoolizados. Além disso, a pesquisa indica que as fases de stress em que a maioria das esposas se encontrou, justifica uma preocupação, não apenas com o estado de saúde, física e psíquica, dessas esposas, mas também com as repercussões do stress em todo o ambiente familiar, principalmente sobre os filhos (Lima, Amazonas e Motta, 2007). Revisão bibliográfica Até 1980, as famílias foram radicalmente banidas do tratamento do doente mental, as visitas eram proibidas e as cartas enviadas por familiares e pacientes eram avaliadas e, na maioria das vezes, vetadas pelos profissionais. Além de serem afastadas, as famílias também eram apontadas como causadoras da doença, na medida em que eram responsáveis pela educação falha dos pacientes. Neste contexto, os asilos e o poder médico teriam a função de reeducar os pacientes e eram considerados os únicos capazes de curá-los (Moreno e Alencastre, 2003). No Brasil, somente em 1980, com a Reforma Psiquiátrica, esse quadro começou a mudar e a família voltou a fazer parte do cenário de assistência ao paciente psiquiátrico (Moreno e Alencastre, 2003; Moreno e Alencastre, 2004; Waidman et al., 1999). Essa mudança marcou uma alteração histórica na forma como a família vinha participando do cuidado ao doente mental, onde deixou de ser

culpabilizada pela doença e passou a ser considerada uma importante aliada no processo de reabilitação do paciente (Yacubian e Neto, 2001; Pereira e Pereira Jr., 2003). No entanto, essa nova situação não contribui somente para uma mudança positiva de atitude em relação às famílias, pois elas foram incluídas no processo de desinstitucionalização como fonte essencial de suporte dos pacientes sem terem, nem o conhecimento nem a preparação necessária para este papel (Waidman et al., 1999; Loukissa, 1995). O doente mental foi entregue as famílias sem haver a preocupação em se conhecer suas necessidades materiais, psicossociais, de saúde e qualidade de vida (Gonçalves e Sena, 2001). Assim, a Reforma Psiquiátrica também refletiu sobre os cuidadores ocasionando problemas de ordem emocional, social, relacional, econômica e materiais (Gonçalves e Sena, 2001). Segundo Waidman et al. (1999) entre as principais dificuldades enfrentadas pelas famílias estão a falta de informação sobre a doença, dificuldades de relacionamento com o paciente, carência de medicamento, alimentação e vestimenta, condições de moradia inadequadas e insuficiência de atividade para o paciente. Outras dificuldades enfrentadas pelas famílias estariam relacionadas com o preconceito, o desprezo e o desrespeito em relação aos portadores de transtornos mentais. Em decorrência dessas dificuldades, as famílias enxergariam no hospital psiquiátrico a única alternativa de atendimento possível para o paciente. Atualmente, as Políticas Públicas de diversos países em que vem avançando o processo de desinstitucionalização, têm feito tentativas para garantir uma convivência saudável entre familiares e pacientes, como a criação de residências terapêuticas que proporcionam uma reaproximação gradativa entre o familiar e o paciente, e não a imposição da presença do paciente. No entanto, no Brasil ainda não existe um enfrentamento desta questão (Moreno e Alencastre, 2003). Em algumas famílias a convivência com o paciente psiquiátrico é tão difícil que acaba acarretando sucessivas reinternações do paciente. Neste contexto, é inegável a sobrecarga que a volta do paciente para casa acarreta ao núcleo familiar (Moreno e Alencastre, 2003). Esta sobrecarga é ainda maior devido à falta de um apoio eficiente dos serviços de saúde mental e dos profissionais da área. Mesmo com as modificações que vêm ocorrendo na assistência psiquiátrica nas ultimas décadas, ainda são poucos os serviços de saúde mental no Brasil que, além de tratarem o doente, também oferecem às famílias o apoio e o cuidado necessários. Na maioria das vezes, o papel destinado aos cuidadores ainda é o de agente custodial, e não de aliado do tratamento (Yacubian e Neto, 2001; Waidman et al., 1999). Diante desse quadro, várias pesquisas têm ressaltado a importância da implementação de serviços que garantam suporte, assistência e orientação aos familiares (Waidman et al., 1999; Pereira e Pereira Jr., 2003; Moreno e Alencastre, 2003; Moreno e Alencastre, 2003; Yacubian e Neto, 2001; Barroso, 2006). Segundo Pereira e Pereira Jr. (2003), as famílias dos pacientes demandam escuta, acolhimento e ajuda para amenizar as dificuldades encontradas no convívio com a doença mental. Informações sobre a doença e sobre o tratamento podem melhorar a estabilidade emocional dentro da família, enquanto que, a falta de orientação pode gerar conflitos entre o paciente e a dinâmica familiar, refletindo negativamente sobre o processo terapêutico, acarretando aumento da sobrecarga familiar. A orientação dos familiares sobre os sintomas, curso e tratamento da doença é fundamental para que eles se tornem capazes de monitorar as manifestações da doença e de avaliar a eficácia da terapêutica. Somente assim, esses familiares se tornarão menos dependentes do monitoramento profissional, havendo uma diminuição dos custos e da sobrecarga, tanto para os familiares, quanto para os serviços de saúde mental (Yacubian e Neto, 2001). Conceituação da sobrecarga familiar A sobrecarga é definida como as conseqüências negativas resultantes especificamente do papel de cuidador, que podem atingir várias dimensões da vida familiar como saúde, lazer, trabalho, bem-estar físico e psicológico, e seus relacionamentos (Maurin e Boyd, 1990). Por envolver conseqüências

concretas e emocionais, o conceito de sobrecarga foi diferenciado em duas dimensões: o aspecto objetivo e o aspecto subjetivo da sobrecarga. O aspecto objetivo se refere às conseqüências negativas concretas e observáveis resultantes do papel de cuidador de um paciente psiquiátrico como, perdas financeiras, perturbações na rotina da vida familiar, dificuldades do paciente no desempenho de papéis, excesso de tarefas decorrentes do cuidado do paciente e ocorrência de comportamentos problemáticos com os quais o familiar tem que lidar. (Maurin e Boyd, 1990; Rose, 1996; Loukissa, 1995). A sobrecarga subjetiva envolve a percepção ou avaliação pessoal do familiar de sua situação e seus sentimentos em relação às responsabilidades originadas da tarefa de cuidar do paciente. Refere-se ao grau em que eles percebem a presença, os comportamentos ou a dependência dos pacientes como fonte de desconforto, preocupação ou tensão psicológica (Maurin e Boyd, 1990). Alcoolismo e familia Cada teoria psicológica procura explicar o desenvolvimento da dependência do álcool através de seu referencial teórico. Há também, uma determinação sócio-cultural, onde os fatores interpessoais, como a influência dos pares e o comportamento da família, também são muito importantes na determinação do padrão do uso de álcool. Essa observação levou a crescente valorização dos fatores sociais na gênese do alcoolismo sendo destacado o fato de que a ênfase dada às causas individuais minimiza a participação dos fatores sociais na determinação do alcoolismo, permitindo que a sociedade e a família, propriamente dita, não assuma a sua parcela de responsabilidade (Roebuck, 1983). O uso e abuso do álcool progridem de forma lenta e insidiosa evoluindo para cronificação acarretando imensuráveis problemas no processo saúde-doença do indivíduo, da família e da sociedade. Nesta perspectiva, os efeitos psicológicos, sociais, culturais, jurídicos, políticos e econômicos da dependência do uso e abuso do álcool acarretam prejuízos incalculáveis com redução das condições e qualidade de vida constituindo num ônus direto para o próprio usuário e familiares (Miranda, Simpson, Azevedo e Costa, 2006). Freqüentemente os serviços de urgência e emergência psiquiátrica atendem casos de alcoolismo (Miranda, Simpson, Azevedo e Costa, 2006) Os transtornos provocados pelo alcoolismo são responsáveis pela maioria das internações psiquiátricas não só no Brasil como nos EUA (Guzman e cols 2000). O álcool se constitui na segunda causa mais freqüente de internações psiquiátricas e representa a causa de 32% dos leitos ocupados em hospitais gerais. O alcoolismo é o quinto responsável por consultas ambulatoriais (Vaisman, 1998 apud Miranda Et al., 2006). Freqüentemente, a admissão dos casos de uso e abuso de álcool é marcado por forte carga emocional, insultos, choros, desabafos e atitudes coercitivas, além de agressividade verbal e física que se inicia no domicílio ou na via pública até a formalização da admissão e início do tratamento. O alcoolista, embora reconheça minimamente que tem um problema, se recusar realizar um tratamento num hospital considerado de tratamento para loucos. Além disso, geralmente atribui a culpa da sua condição à família. Esta, por sua vez, representada por um membro familiar que assume a condição de cuidador, busca apoio e tanta defender os interesses da família, embora carregue o peso e o ônus da situação (Miranda et al., 2006). Filizola et al.(2006) realizou uma pesquisa com o objetivo de identificar a estrutura, as relações, a rede de suporte e a vivência de famílias de usuários de álcool. Ao analisar os problemas enfrentados pelas famílias, os autores constataram que, embora apresentem dificuldades financeiras, o alcoolismo representava o maior problema para a maioria das famílias. Em decorrência do alcoolismo, graves problemas foram relatados pelos familiares. Entre eles destacase a violência sofrida por alguns familiares. Esposas de alcoolistas relatam que sofreram agressões físicas e constantemente consideravam a separação como forma de solução do problema. Os familiares também relatam preocupação com as repercussões do alcoolismo na vida dos filhos, principalmente

quando eles eram menores de idade (crianças com dificuldades na fala, de aprendizagem e relacionamento). Os filhos, por sua vez, se afastavam dos pais alcoolistas por medo e vergonha devido a atitudes constrangedoras e imorais dos pais, como o roubo de dinheiro para o consumo de bebida. Além disso, estava presente nesses familiares a frustração e o desgaste emocional decorrentes da constante busca em convencer o familiar alcoolista a se tratar, sendo que nenhum familiar estava em tratamento e a maioria deles não aceitava qualquer tipo de ajuda. Filizola et al.(2006) verificaram também, que as famílias demonstravam pouco conhecimento sobre o alcoolismo, desconhecendo conceitos importantes para a compreensão deste problema de saúde e do seu tratamento, o que aponta para a necessidade dos serviços de saúde oferecerem maior apoio e informação para estes familiares. Discussão Com o aumento crescente da incidência de dependência do álcool e percebendo que seus efeitos prejudicam não apenas o sujeito que bebe, mas também a sua família como um todo, fazem-se necessários estudos abrangendo não apenas o usuário dependente do álcool, como também os outros membros da família (Lima e cols., 2007). No contexto brasileiro, existe uma carência de estudos de avaliação sistemáticos da sobrecarga sentida por familiares de alcoolistas que utilizem escalas padronizadas de medida, a fim de conhecer o impacto da doença na vida do familiar. Informações sobre os fatores associados à sobrecarga de familiares de pacientes alcoolistas podem ser úteis para indicar quais são os grupos mais vulneráveis. Esta informação pode servir para orientar os serviços de saúde mental a dirigir os seus esforços para intervenções focalizadas para estes grupos Na atualidade, há um entendimento de que as questões de álcool e outras drogas se constituem num problema de saúde pública e uma prioridade para as políticas públicas. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, em 2004, 2 bilhões de pessoas consumiam bebidas alcoólicas no mundo. O uso indevido do álcool é um dos principais fatores que contribuem para a diminuição da saúde mundial, a ponto de, na América Latina, cerca de 16% dos anos de vida útil perdidos neste continente estarem relacionados ao uso indevido dessa substância. Este índice é quatro vezes maior que a média mundial. Pesquisa realizada pela Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP, divulgada em 2003, revelou que 11,2% dos brasileiros que moram nas 107 maiores cidades do País são dependentes de álcool, corroborando consistentemente a equivalência entre esta realidade nacional e a apontada pela OMS. No triênio 2001/2002/2003, ocorreram 246.482 internações para o tratamento de problemas relacionados ao uso do álcool, que correspondem a 82% do total de internações decorrentes do uso de álcool e outras drogas, no período mencionado (DATASUS, 2004). Estatísticas da Associação Brasileira de Álcool e Drogas (ABEAD) relatam que a associação álcool e alcoolismo são responsáveis por 75% dos acidentes de trânsito com mortes; 39% das ocorrências policiais, e constitui-se na 3ª causa de absenteísmo, respondendo por 40% das consultas psiquiátricas no Brasil (ABEAD, 2008). Além disso tudo, dados do Ministério da Saúde do Brasil, demonstram que os Transtornos Mentais foram a 4ª causa de internação hospitalar, sendo suplantada apenas pelas internações por problemas respiratórios, circulatórios e dos partos, sendo o álcool a razão principal em 20,6% dos casos (Datasus, 2004). Tendo em vista todos estes dados, o governo brasileiro editou a Portaria 2.197/GM em 14 de outubro de 2004 que redefine e amplia a atenção integral para usuários de álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS, e dá outras providências, considerando as determinações do documento A Política do Ministério da Saúde para a Atenção Integral a Usuários de Álcool e outras Drogas que prioriza que as ações de caráter terapêutico, preventivo, educativo e reabilitador, direcionadas a pessoas que fazem uso de álcool e outras drogas (e seus familiares) sejam realizadas na comunidade. Referências Bibliográficas

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