Estado de Minas - Política (10 de Março de 2003 Reportagem Especial) Mordomia Diárias dos deputados estaduais superam R$7.000,00, valor suficiente para cobrir despesas de viagens internacionais todos os meses, sem necessidade de apresentar os comprovantes. Auxiliomoradia realizaria o sonho da maioria dos brasileiros. Dinheiro de sobra para passear Hila Rodrigues Doze dias no Hilton Washington Dulles Hotel, em Washington DC, incluindo passagem, é o tipo de privilegio que um deputado estadual mineiro pode gozar. Todo mês, se quiser. As diárias de viagem, incluídas nos ganhos mensais de cada um dos 77 parlamentares, somam R$7.074. O dinheiro não só cobre a passagem de ida e volta para Washington pela American Airlines de aproximadamente R$2,7 mil, como a diária de cerca R$350, cobrada pelo hotel norte-americano. O governador Aécio Neves fez uma viagem parecida. Esteve em Washington, por menos tempo, onde retomou as negociações com o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento, buscando investimentos para o Estado. Qualquer deputado estaria apto a acompanhá-lo, bancando as despesas com pouco mais de um quarto de todos os seus rendimentos mensais. O hotel, que fica próximo ao aeroporto de Dulles, informa, por telefone, que, de fato, costuma ser procurado por autoridades de todos os cantos do mundo, com destaque para o Brasil. A equipe do Hilton se gaba de oferecer luxo e facilidades para executivos, tais como acesso a linhas telefônicas com informações de cunho econômico e político, além de correios de voz. Também garante que o conforto é garantido, enumerando várias formas de lazer, como academia de ginástica completa, imitando um spa, piscinas e quadras externas e internas, com iluminação especial. 1 Funcionários Não só o deputado tem direito às diárias de viagem. Seus subordinados também. Cada gabinete pode contar com verba de até R$ 4.080 mensais para despesas de deslocamento.
Pelo interior É certo, contudo, que a maior parte das viagens realizadas pelos deputados estaduais se dá em solo brasileiro, especialmente dentro do Estado. Reunioes com as bases eleitorais em municípios do interior, debates e eventos regionais ocupam grande parte da agenda. A julgar pelos cálculos da Associação Brasileira de Agências de Viagens (Abav), o total mensal das diárias de viagem pagas aos parlamentares é mais do que suficiente. Um deputado que tenha sua base eleitoral em Uberlândia, por exemplo, pode visitar a cidade por 12 vezes, de avião, incluindo aí uma diária no Parthenon Ilha Bela, um dos melhores hotéis da região, segundo a Abav. Se alugar um carro, o número de viagens até aumenta. Como o preço de mercado está em torno de R$320, incluindo as taxas adicionais, é possível fazer 15 viagens por terra. As despesas para outros lugares do Estado são similares. Com as diárias de viagens pagas num mês, os deputados mineiros também poderiam fazer 12 viagens para Uberaba, 13 para Montes Claros ou, ainda, 18 para Governador Valadares. De avião. Eventuais viagens para Brasília, para reuniões de bancada ou encontros com representantes do primeiro escalão do governo federal, também não custariam muito aos deputados estaduais mineiros. Com os R$7 mil, é possível ir e voltar do Planalto Central 11 vezes, com direito a hospedagem no Blue Tree Brasília, um dos hotéis mais procurados pelos políticos. Fica no Lago Paranoá, próximo ao Palácio da Alvorada. O mesmo número de viagens pode ser feito para o Rio de Janeiro, incluindo uma diária no Rio Othon Palace. Para São Paulo, um pouco menos: dez viagens, com direito a hospedagem no Maksoud Plaza. Detalhe: as despesas de viagem não precisam ser comprovadas na Assembleia Legislativa. 2 Bases poderiam ter muito mais atenção A julgar pelo dinheiro reservado a cada um dos 77 deputados estaduais para viagens pelo interior do Estado, as visitas às bases eleitorais oportunidade para ouvir a população, discutir problemas locais e buscar soluções poderiam ser praticamente triplicadas. Isso, sem considerar outra verba extra concedida a eles, de R$ 8 mil anuais, destinados apenas ao custeio de passagens. Em geral, os deputados aproveitam os finais de semana para visitar os municípios onde conquistaram votos. Costumam deixar a capital na quinta-feira à noite ou na sexta, retornando no
domingo à noite ou na segunda pela manhã. Para economizar tempo e dinheiro, a maioria escolhe uma região específica, com dois ou até quatro municípios próprios, onde os deslocamentos podem ser feitos em qualquer carro não raras vezes, cedido pelas autoridades locais. Seriam, portanto, quatro viagens por mês. Ou cinco, no máximo. Na ponta do lápis, só as diárias de viagem, sem contar os R$ 8 mil extra ao ano, bancariam, segundo a Associação Brasileira de Agências de Viagens (Abav), 12 viagens de avião para Uberaba ou Uberlândia, por exemplo, incluindo aí os custos das passagens de ida e volta, mais a estadia no município escolhido para pernoitar. De carro, o número de viagens sobe para 15. Mesmo nos casos em que o deslocamento demandar duas ou três diárias de hotel, o custo da viagem encarece muito pouco, uma vez que, no interior mineiro, elas variam entre R$ 55 a R$ 180. Em muitos casos, inclusive, o deputado acaba se hospedando na casa de alguma autoridade municipal ou de um cabo eleitoral. Neste caso, o custo é zero. Lealdade Deputado reeleito com 132.954 votos nas últimas eleições, liderando o ranking das urnas em Minas Gerais, o atual secretario de Desenvolvimento Social e Esportes, João Leite (PSB), diz que obteve o aval de eleitores de 691 municípios mineiros, embora seja majoritário na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Garante que as viagens são essenciais, mas reconhece que as despesas com os deslocamentos dos parlamentares precisam ser revistas. Sempre trabalhei fazendo questão de estar presente, seja viajando, seja recebendo eleitores em meu gabinete. O problema é que o Estado passa por um momento delicado de caixa, diz. Com a reeleição garantida pelo eleitorado do Norte do Estado, o deputado Elbe Brandão (PSDB) lamenta, inclusive, que tenha perdido as verbas relativas às diárias de viagem ao assumir seu mais novo cargo no governo Aécio Neves, de secretária extraordinária para Desenvolvimento dos Vales do Jequitinhonha, Mucuri e Norte de Minas. Não acho justo, porque não deixei de ser deputada ao me tornar secretária. Ainda trabalho junto aos diversos munícipios que me elegeram, argumenta. 3 Auxílio realizaria sonho da população A exemplo das diárias de viagem, o auxílio-moradia de R$ 2,25 mil, incluído nos rendimentos mensais dos deputados mineiros, garante a eles o sonho da maior parte dos cidadãos:
morar bem. Podem alugar um imóvel luxuoso, ou, até, comprar apartamento em bairro valorizado da capital. O presidente da Câmara do Mercado Imobiliário de Minas Gerais, Ivan Silva, afirma que a verba dá e sobra para proporcionar aos deputados um excelente teto casa ou apartamento. Segundo ele, o auxílio moradia paga, por exemplo, o aluguel de apartamentos de alto padrão, com quatro quartos, três vagas na garagem. Se eles (os deputados) quisessem, poderiam alugar até por menos. Com R$ 1,2 mil de aluguel, eles já conseguiriam um ótimo apartamento na zona sul da cidade e ainda teriam sobra, garante. O diretor da Sótão Imobiliária, Paulo Tavares, confirma. Diz que o valor do auxílio moradia é excepcional para a capital mineira. É até demais. Eles podem alugar apartamentos nas regiões mais nobres, como Lourdes, Santo Agostinho, Belvedere e Funcionários. E ainda podem arcar com despesas de IPTU e condomínio, afirma. Tavares cita, como exemplo, um dos apartamentos que tem para alugar no bairro Lourdes. O aluguel está na faixa dos R$ 2 mil e o imóvel tem quatro quartos, salão para três ambientes, um lavabo, dois banheiros uma suíte, com closet e duas vagas de garagem. Esse apartamento é assim, mas há muitos outros que contam, ainda, com piscina ou três vagas na garagem, descreve. 4 Casa própria Os corretores calculam que o valor do auxílio moradia também é bastante para que um deputado possa comprar um apartamento. Embora os financiamentos habitacionais variem entre 15 e 20 anos, as imobiliárias estimam que, em quatro anos de mandato, um parlamentar que pague prestação mensal de R$ 2,25 mil poderia adquirir um imóvel de aproximadamente R$ 108 mil. Neste valor, é possível, por exemplo, comprar um apartamento novo no Buritis, bairro cada vez mais procurado pela classe média alta. Um prédio de três andares, situado na rua Dr. Lucídio Avelar, faria o sonho de muita gente. Ele tem quatro quartos com armários, um deles com suíte, dois banheiros (um no quarto de empregada), sala para dois ambientes, cozinha de bom tamanho, duas vagas na garagem e salão de festas. São 120 metros quadrados.
Alternativa permitiria economia de R$ 1,2 mil O contribuinte mineiro sairia ganhando, caso a Assembleia Legislativa de Minas trocasse o auxílio-moradia concedido aos deputados pelo pagamento de estadias na rede hoteleira de Belo Horizonte. As despesas do Legislativo poderiam cair em até R$ 100 mil mensais, no mínimo. Ou seja, R$ 1,2 milhão/ano. Este seria o ganho, por exemplo, a partir da negociação de diárias com o San Francisco Flat Service, que fica no bairro Lourdes, a quatro quadras da Assembleia. O ESTADO DE MINAS entrou em contato com o hotel, afim de negociar 12 estadias por mês, nas terças, quartas e quintasfeiras de cada semana dias de pico do Legislativo, supondo que os 77 deputados morassem no interior e de fato necessitassem de estadia na capital mineira. A gerência do hotel solicitou mais informações: quantas pessoas ficariam hospedadas a por quanto tempo. Explicou que, quanto mais longo o período de estadia e maior o número de pessoas, maior poderia ser o desconto. A reportagem não fixou um número exato de hóspedes, mas informou que eles poderiam ser muitos, destacando que todos necessitavam da estadia para trabalhar na capital por pelo menos um ano. Assim a diária saiu a R$ 74,50. O desconto, segundo o hotel, foi de R$ 20, em princípio. Na ponta do lápis, portanto, a estadia de 12 dias ao mês para os 77 deputados significaria, neste caso, uma despesa total de R$ 68.838 mensais ao Legislativo, em vez dos R$ 173.250/mês autorizados pela Casa a título do auxílio-moradia, de R$ 2.250 para cada parlamentar que não o recusar. A economia chega a exatos R$ 104.412. O hotel garante que ofereceria aos hóspedes apartamentos com área aproximada de 35 metros quadrados, cozinha completa (incluindo vasilhames, fogão e forno micro-ondas), um banheiro confortável, café farto, TV a cabo, ar condicionado, piscina, sauna e quadras. O Legislativo ganharia até mesmo se investisse num dos maiores e mais luxuosos hotéis do Estado, o Mercure Apartments Belo Horizonte, também localizado no bairro Lourdes. Sem negociação, a diária sairia a R$ 135. Assim, a estadia dos 77 deputados, também por 12 dias num mês, representaria R$ 124.740. Ou seja, o Legislativo pouparia R$ 48.510. Num ano, essa economia chegaria a R$ 582.120. Em outras palavras, seria mais meio milhão de reais em caixa no ano. 5 Casa popular A economia que poderia ser feita pela Assembleia Legislativa, substituindo o auxíliomoradia dos deputados por estadias em hotéis, seria o suficiente para construir cerca de 60 mil
casas populares de dois quartos, pelo padrão da Cohab, que custa cerca de R$ 20 mil, incluindo o terreno. 6