MÓDULO II Introdução ao Estatuto da Criança e do Adolescente AULA 04 Por Leonardo Rodrigues Rezende 1 1. Apresentação O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa 24 anos este ano, mas sua história é mais antiga, pois importantes discussões que levaram à sua elaboração tiveram início em meados dos anos 1980, juntamente com acontecimentos determinantes para mudanças de paradigmas em relação à infância e à adolescência. Dentre eles, destacam-se a realização das Semanas Ecumênicas do Menor, a criação do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua no Brasil, em 1985, a chacina da Candelária no RJ e a promulgação da Constituição Federal de 1988, cujo artigo 227 atribui à família, à sociedade e ao Estado a responsabilidade de se constituírem como um sistema responsável pela efetivação dos direitos das crianças e dos adolescentes. O ECA é composto por 267 artigos, divididos em dois livros: o primeiro, que corresponde do artigo 01 ao 85, tratando de questões gerais, ou seja, como a Lei deve ser entendida e qual é o alcance dos direitos que ela elenca. Esse livro também destaca os cinco direitos fundamentais da população infanto-adolescente. O segundo, conhecido como parte especial, que corresponde do artigo 86 ao 267, traz as normas gerais que regem a política de enfrentamento às situações de violação ou ameaça aos direitos da criança e do adolescente. 1 Bacharel em Ciências Sociais, ênfase em Sociologia Rural, Licenciatura Plena em Ciências Sociais, Especialista em Gestão, Educação e Política Ambiental e concluinte da Especialização em Direitos Humanos pela Universidade Federal de Pernambuco.
Nessa parte também estão descritas as diretrizes da política de atendimento, as medidas de proteção e socioeducativas, o acesso à justiça e os crimes e infrações administrativas. A partir do Estatuto, crianças e adolescentes brasileiros, sem distinção de raça, cor ou classe social, passaram a ser reconhecidos como sujeitos de direitos e deveres, considerados como pessoas em desenvolvimento a quem se deve prioridade absoluta do Estado. 2. O surgimento O Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA surgiu em 13 de julho de 1990, fruto das lutas dos movimentos da sociedade civil organizada que reivindicou com ações propositivas a cidadania de crianças e adolescentes. É instituído pela Lei 8069, que regulamenta os direitos das crianças e dos adolescentes, sendo inspirado pela Constituição Federal de 1988, no art. 227, a qual antecede a Convenção dos Direitos das Crianças (1990) pela Assembleia Geral da Nações Unidas com toda integralização no âmbito internacional. O seu objetivo principal é a proteção dos menores de 18 anos, proporcionando a eles um desenvolvimento físico, mental, moral e social condizentes com os princípios constitucionais da liberdade e da dignidade, preparando para a vida adulta em sociedade. Com a criação do ECA, as nossas crianças e adolescentes, passaram a ter seus direitos fortalecidos, independente de raça, classe social, melhorando todos os aspectos de discriminação, assim como outras relevâncias: A prioridade do direito à convivência familiar e comunitária e, consequentemente, o fim de abrigamento indiscriminado; a priorização das medidas de proteção sobre as socioeducativas.
A integração e a articulação das ações governamentais e não governamentais na política de atendimento; a garantia do devido processo legal e da defesa ao adolescente a quem se atribua a autoria de ato infracional; 3. Avanços O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) mudou a maneira como a sociedade brasileira lida com o público infanto-juvenil. Antes do ECA, nossas crianças e adolescentes eram considerados sujeitos menores de idade e menores também no acesso a direitos. O ECA trouxe diversos avanços para o Brasil dentre eles a criação dos conselhos tutelares, o qual, antes do estatuto, não existia na história brasileira. Atualmente, quase 100% dos municípios têm conselhos tutelares. Dentre tantas conquistas que nossas crianças e adolescente tiveram com o surgimento do ECA, uma das foi a modificação do termo "menor", pois o referido possuía uma conotação pejorativa, antes do advento da Lei, agora usa-se o termo criança e adolescente, no qual criança é até 12 anos (incompletos) e adolescente de 12 a 17 anos incompletos. Outras importantes conquistas do Estatuto da Criança e do Adolescente, que marcam a ruptura com o velho paradigma da situação irregular são: 1. O ECA tornou-se uma ferramenta de garantia de direitos e de mobilização de milhares de pessoas no país em favor das crianças e dos adolescente; 2. Foi criado uma rede social de defensores da criança e do adolescente que até então nunca havia existido no país; 3. Foi montado um sistema de garantia de direitos que foi constituído ao longo desse tempo. Ainda precisa ser complementado e melhorado, mas já é bastante significativo. Possuímos Conselhos Municipais em 92% dos municípios, temos Conselhos Tutelares em quase 100% dos municípios, dezenas de Defensorias
Públicas e Juizados da Infância, Coordenadorias de Infância e da Juventude e outras dezenas de Varas e gestores de fundações. Se por um lado esse sistema é motivo de comemoração, por outro, ele ainda precisa melhorar muito. Outro motivo que temos para comemorar é a redução do trabalho infantil. É um dos bons exemplos de que, quando um país assume a responsabilidade de enfrentar um problema social, mobiliza governo, sociedade e entidades internacionais, consegue um resultado expressivo. Desde a década de 1990, o trabalho infantil caiu 30%, resultado da mudança cultural, onde o trabalho infantil deixou de ser visto como uma virtude e recebeu o status de violação de direitos e do estabelecimento de políticas de transferência de renda, tais como o Bolsa Família e o Bolsa Escola. Passados cerca de 24 anos do ECA, a efetiva implementação do estatuto continua sendo uma questão pertinente. Para que isso aconteça, é preciso que haja um grau maior de diálogo e articulação entre os componentes do Sistema de Garantia de Direitos, responsável pela operacionalização e efetivação das políticas públicas para as crianças e os adolescentes. Um dos atores fundamentais desse sistema é o Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente, que deve atuar na formulação e no controle das políticas públicas ligadas à infância e à adolescência, incluindo os programas de proteção e os socioeducativos previstos no estatuto. O referido conselho é um espaço de articulação entre as diversas secretarias que tem programas voltados para o público infanto-juvenil, além de ser responsável pela gestão dos Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente, determinando as diretrizes para aplicação dos recursos. O Estatuto, tendo por fonte material o fenômeno da violência contra crianças e adolescentes e a chamada questão do menor, aparece como resposta humanitária à injustiça vivida por milhões de seres em situações de vulnerabilidade, pela precária situação da saúde, da educação, do desrespeito à liberdade, à dignidade e à convivência familiar e comunitária, possibilitando-lhes ascender ao status de cidadãos.
A partir dessa lei, foi estabelecido que todas as nossas crianças e adolescentes são sujeitos de direitos, dando a sociedade um olhar para a prioridade absoluta, pois considerando o artigo 4 do ECA É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, e à convivência familiar e comunitária. Defendemos o contínuo aperfeiçoamento do estatuto. Não o consideramos um marco legal "imexível". Várias alterações já foram feitas no ECA, tentando melhorar aquilo que se apresentava como lacuna ou até mesmo com uma certa impropriedade. Um exemplo concreto disso foi a Lei de Adoção, aprovada recentemente. Ela melhora o estatuto em vários pontos, tanto nos procedimentos de adoção quanto nos de acolhimento institucional. No que diz respeito ao sistema socioeducativo, temos hoje em tramitação no Congresso Nacional um projeto de lei que institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo. Ele aprimora várias coisas do estatuto, como o cumprimento de medida de internação. O único direito restrito ao adolescente é o de ir e vir. Ele tem que ter acesso à saúde, à educação, à profissionalização. O Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo SINASE 2 vai tornar mais concreto o que deve ser feito nos casos de aplicação de medidas socioeducativas, inclusive as responsabilidades que o gestor tem na oferta desses cuidados. 2 O Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo- SINASE representa um instrumento que norteia a aplicação e execução das medidas socioeducativas no Brasil, ao mesmo tempo em que indica a aplicação das medidas em meio aberto como a melhor alternativa para a inserção social dos adolescentes. O SINASE foi originalmente instituído pela Resolução nº 119/2006, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente - CONANDA, e foi recentemente aprovado pela Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012,
4. Dificuldades que o ECA enfrenta Apesar das recentes mudanças no estatuto aprovadas no Congresso, ainda falta efetivar as medidas na prática. Infelizmente, em muitos estados inclusive Pernambuco, as crianças e adolescentes ainda não são prioridades. Os conselhos tutelares ainda continuam abandonados e funcionam de forma precária, falta estrutura nas delegacias especializadas no atendimento de crianças e a pobreza decorrente da ausência de políticas públicas as colocam em situação de vulnerabilidade social. Muitas estão fora da escola e outras são exploradas para sustentar suas famílias, enquanto provedoras do lar. O Estatuto da Criança e do Adolescente ainda continua sofrendo uma série de críticas por parcela da sociedade que ainda resiste às mudança de paradigma em relação à criança e ao adolescente. Sem nunca terem lido o Estatuto, muitas pessoas falam frases do tipo: Por causa do Estatuto, o menor pode praticar crimes sem ser punidos. Depois do Estatuto, os pais perderam o poder sobre os filhos, dentre tantas outras. Desde a promulgação do ECA, um grande esforço para a sua implementação vem sido feito nos âmbitos governamental e nãogovernamental. A crescente participação do terceiro setor nas políticas sociais, fato que ocorre com evidência a partir de 1990, é particularmente forte na área da infância e da juventude. A constituição dos conselhos dos direitos, uma das diretrizes da política de atendimento apregoada na lei, determina que a formulação de políticas para a infância e a juventude deve vir de um grupo formado paritariamente por membros representantes de organizações da sociedade civil e membros representantes das instituições governamentais. No entanto, a implementação integral do ECA ainda representa um desafio para todos aqueles envolvidos e comprometidos com a garantia dos direitos da população infanto-juvenil.
Segundo Antonio Carlos Gomes da Costa em um texto intitulado O Desfio da Implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente, denomina de salto triplo os três pulos necessários à efetiva implementação da lei. São eles: 1. Mudanças no panorama legal: os municípios e estados precisam se adaptar à nova realidade legal. Muitos deles ainda não contam, em suas leis municipais, com os conselhos e fundos para a infância. 2. Ordenamento e reordenamento institucional: colocar em prática as novas institucionalidades trazidas pelo ECA: conselhos dos direitos, conselhos tutelares, fundos, instituições que executam as medidas sócio-educativas e articulação das redes locais de proteção integral. 3. Melhoria nas formas de atenção direta: É preciso aqui mudar a maneira de ver, entender e agir dos profissionais que trabalham diretamente com as crianças e adolescentes. Estes profissionais são historicamente marcados pelas práticas assistencialistas, corretivas e muitas vezes repressoras, presentes por longo tempo na historia das práticas sociais do Brasil. Com isto, há ainda um longo caminho a ser percorrido antes que se atinja um estado de garantia plena de direitos com instituições sólidas e mecanismos operantes. No entanto, pode-se dizer com tranquilidade que avanços importantes vêm ocorrendo nos últimos anos, e que isto tem um valor ainda mais significativo se contextualizado a partir da própria história brasileira, uma história atravessada mais pelo autoritarismo que pelo fortalecimento de instituições democráticas. Neste sentido, a luta pelos direitos humanos no Brasil é ainda uma luta em curso, merecedora da perseverança e obstinação de todos os que acreditam que um mundo melhor para todos é possível.
ATIVIDADE: 1. De acordo com o artigo 19 do ECA que diz: Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família solidária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes. Com relação a isso e a partir das suas perspectivas de atuação profissional, analise se em sua comunidade estão sendo efetivados/respeitados esse direito.
Referências: BRASIL, Presidência da Republica, Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à fome. Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária. Brasília, 2006. GOVERNO DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL, Secretaria de Estado de Trabalho e Assistência Social. Orientações Técnicas para o acolhimento Institucional e Familiar de Crianças e Adolescentes. Campo Grande MG, 2009. BRASIL, Estatuto da criança e do adolescente. Lei 8.069 de 13 de julho de 1990. COSTA, Antonio Carlos Gomes da. Texto intitulado O Desfio da Implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente. MOVIMENTO TORTURA NUNCA MAIS DE PERNAMBUCO, Experiência de Acolhimento em Família Solidária. Recife PE, 2013.