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Transcrição:

O que a capa nos diz? Análise do Jornal O Globo sobre o dia seguinte ao impeachment da presidenta Dilma Rousseff Alexandro Kichileski 1 e Keltryn Wendland 2 Mestrandos do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo (POSJOR) da UFSC Universidade Federal de Santa Catarina Resumo: O artigo tem por objeto de estudo a análise da capa do jornal O Globo, de 1º de Setembro de 2015, data que marca o dia seguinte ao impeachment de Dilma Rousseff, presidente da República Federativa do Brasil. O fato, além de um importante acontecimento jornalístico, também marca a história democrática do país. Para a análise, recorremos aos fundamentos da estrutura e critérios de noticiabilidade da mídia impressa com os preceitos da Semiótica Discursiva. As análises constataram o intuito factual de O Globo de apresentar o Impeachment como algo positivo e ao tentar utilizar um tom objetivo, já impõe ao novo governo diversas realizações que eles julgam serem tão factuais quanto o acontecimento ocorrido no dia anterior. Dessa maneira a análise semiótica comprova o que diversos teóricos do Jornalismo apontam sobre a subjetividade existente no processo de noticiabilidade. Palavras-chave: Jornalismo, Acontecimento, Jornal, Discurso, Semiótica Discursiva. 1. Para início de conversa 1 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo (POSJOR) da UFSC, email alexandrokichileski@gmail.com 2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo (POSJOR) da UFSC, email: keltrynw@gmail.com 1

Um dos fatos mais marcantes no ano de 2016 no Brasil foi o impeachment da presidenta Dilma Rousseff. No dia seguinte, 1º de setembro, certamente esse acontecimento foi a principal notícia dos jornais impressos e demais veículos de comunicação do Brasil. Um acontecimento político-jurídico que ficará eternizado na memória coletiva e na história do país, também através das notícias produzidas pelos jornais. Considerando que a notícia é resultado de um conjunto amplo de ações e que o processo de noticiabilidade é influenciado por diversos fatores, o presente trabalho analisará a capa de um jornal tendo como metodologia de análise a Semiótica Discursiva. De acordo com Emerim (2016), a Semiologia/Semiótica surgiu, simultaneamente com Saussure na Europa e Peirce na América do Norte. Como desdobramento das prerrogativas do modelo saussuriano, Hjelmslev amplia o modelo criando a Glossemática e distinguindo Plano de Expressão e Plano de Conteúdo e, posteriormente, Greimas desenvolverá análise de textos de diferentes gêneros que 1 ampliará a noção de Semiótica, constatando a existência de três níveis de percurso gerativo de sentido, a saber: Nível fundamental, Nível Narrativo e Nível Discursivo. O trabalho tem como objetivo central elaborar uma análise da capa do jornal O Globo, 01 de setembro de 2016, referente ao dia seguinte ao impedimento da Presidente Dilma Rousseff. Essa análise visa a compreender quais informações foram expostas na capa, bem como analisar de que maneira o jornal procura construir um sentido ao enunciatário, constatando se o acontecimento foi visto pelo jornal como elemento eufórico e disfórico. Esse estudo se justifica na tentativa de compreender a posição deste jornal, que representa um veículo do maior conglomerado de comunicação do país, e a importância dada a esse acontecimento político-jurídico crucial em nossa democracia contemporânea, sobretudo diante dos projetos políticos que o Impeachment representa. 1. Estruturando O corpus principal a ser analisado se refere a capa do dia seguinte ao Impeachment da Presidente Dilma Rousseff, no dia 1 de Setembro de 2016, pelo Jornal O Globo. O artigo se estrutura em três pontos: Base conceitual, que apresentará as gramáticas que envolvem o jornalismo impresso e os principais conceitos operacionais da Semióti- 2

ca discursiva; Objeto analisado: que retratará do histórico do jornal O Globo, ligando-o com o grupo que constituiu posteriormente bem como a análise específica da capa, contendo os três níveis de percursos gerativos de sentido e, por fim, o E agora Jose? Oferecendo as considerações finais do trabalho. Implicações acerca do Jornalismo Em um universo midiático com múltiplas significações, o jornalismo se apresenta como uma forma de comunicação na sociedade que busca dar sentido ao real, a partir da narração dos fatos. É através dos meios de comunicação e dos processos de construção das notícias que conhecemos, interpretamos e compreendemos determinados fragmentos da realidade. Enquanto prática discursiva, mais do que contar histórias, o jornalismo difere-se dos demais discursos, pela busca constante da verdade, objetividade, pluralidade, isenção e noções de interesse público. Em Traquina (2012), vemos que o jornalismo que conhecemos hoje tem suas origens no século XIX, quando ocorre uma expansão vertiginosa dos jornais que passam a se dedicar a uma nova atividade além da propaganda: a produção da notícia. Um novo paradigma, baseado na busca da verdade, objetividade, independência e interesse público cria a visão do campo jornalístico, não mais baseado na opinião, mas na informação. Para Traquina, a notícia publicada é uma construção social, que resulta de um conjunto amplo de ações e interações, tomadas por diferentes autores ou agentes. São resultados de estratégias legítimas de comunicação que podem acontecem em três níveis, segundo o autor. Em um nível, os jornalistas interagem com diversas fontes de informação, que muitas vezes também estão interessadas em promover seus eventos ou gerar acontecimentos. Em outro nível de construção da notícia, os jornalistas interages dentro e fora das redações, partilhando da mesma rotina, identidade profissional, valores e cultura. Já num terceiro nível, as notícias possuem uma estrutura profunda de valores que os jornalistas partilham silenciosamente como membros da sociedade. Já do ponto de vista da estrutura, Lage (1987) aponta que, para produzir uma notícia não se trata exatamente de narrar os acontecimentos, mas a forma de expô-los. Significa dizer que os eventos ou elementos das sentenças de uma notícia não estão ordenados conforme sua sequência temporal, mas sim pelo interesse ou importância decrescente, na perspectiva 3

de quem conta, e sobretudo na suposta perspectiva do receptor. O autor aponta que o processo de produção da produto noticioso se constitui de três fases: primeiro da seleção, seguido pela ordenação dos eventos e nomeação das coisas. Portanto, para além do senso comum, informar, não significa simplesmente dizer algo. No sentido pragmático, a relação entre o jornalista e o público possui restrições específicas no código linguístico, pois existe uma linguagem jornalística. Uma delas, diz respeito à linguagem jornalística que impõe o uso de vocabulário e gramática coloquiais adequadas à abrangência ao público do veículo, com a padronização, ampliação e até mesmo redução de amplitude de códigos a serem comunicados. Essa codificação ocorre pelo (a) código semiológico ou linguístico; (b) pelas técnicas de nomeação, ordenação e seleção e (c) por um estilo. Obedecidas estas três ordens de restrições ao elenco de possibilidades do enunciado, a verdade se apresenta como conformidade do texto com o acontecimento aparente. (LAGE, 1981, p.80) O autor propõe um modelo elementar de comunicação, pelo qual uma mensagem é codificada e através do canal vai da fonte ao receptor. Sendo que o sistema produtor de notícias não é a fonte, mas um codificador inteligente, capaz de intervir e codificar uma mensagem que será recebida por um receptor plural, indefinido e atuante. Ao propor uma relação deste modelo com as funções da linguagem descritas por Roman Jackobson, Lage autor aponta que a notícia é uma construção retórica referencial, e a preocupação de quem escreve deve ser comprometida com a conformidade, interesse ou importância do fato. Já a decisão daquilo que será ou não publicado, dependerá de determinados interesses ou mecanismos de poder em que o veículo de comunicação está inserido. (LAGE, 1987). O mundo da Semiótica A Semiologia/Semiótica surgiu, de acordo com Emerin (2014), simultaneamente na Europa Ocidental, na América do Norte e também houve contribuição do Leste Europeu com o formalismo russo. Esse surgimento em locais diferentes, mas temporalmente sincronizados, confirma a hipótese, segundo Santaella (1983), de que os fatos concretos, ou seja, a proliferação histórica de linguagens e códigos, bem como meio de reprodução e difusão que se potencializou a partir da Revolução Industrial fez surgir uma consciência semiótica. 4

Semiótica e Semiologia referem-se ao mesmo estudo, o estudo do signo. Mas afinal, para além do jargão estudo do signo, o que semiótica? O campo semiósico parece adentrar nas demais áreas de saber, afinal há signos em todos os lugares, porém, para semiótica o que interessa são todas as possibilidades de signos verbais, não verbais e naturais, seu modo de significação e produção de sentido, denotação e informação e todo as propriedades de comportamento e produção. (SANTAELLA; NÖTH, 2004). Peirce e Saussure buscavam compreender os signos, ou seja, as formas de representação do homem e como elas se manifestam, porém, Saussure partia da língua e centrou o seu olhar sobre a fala e Peirce, enquanto fenomenólogo, buscou entender o ato de pensar o homem. Por partir da linguística, Saussure batiza de Semiologia uma ciência que englobaria a linguística mas que deveria dar conta das demais manifestações comunicativas, já Peirce denominou de Semiótica a ciência que busca compreender como a manifestação de pensamento do homem se organiza para produzir signos. A grande contribuição que Saussure deixará para a Semiótica está em sua estrutura diádica, aonde compreende o significante e o significado. Para ele o signo era a combinação de conceito e imagem acústica, o que existe estruturalmente é o significado, significante e a significação que media os dois elementos. (EMERIN, 2016). Um dos teóricos que aceitará e ampliará a dicotomia proposta por Saussure é Hjelmslev, readequando os termos Significante e Significado para Plano de Expressão e Plano de Conteúdo. O plano de expressão pode ser compreendido como a materialidade do texto, ou seja, a escolha de palavras, cenas, cores e outros elementos que irão organizar a manifestação de um conjunto de ideias. Já o plano de conteúdo é justamente esse conjunto de ideias que é organizado e escolhido diante de uma multiplicidade de possibilidades. Para Hjelmslev, só a relação de pressuposição recíproca (ou solidariedade) define respectivamente os dois termos em jogo significante e significado. Nesta direção, signo, para Hjelmslev, é uma unidade do plano da manifestação constituída pela função semiótica, isto é, pela relação de pressuposição recíproca (ou solidariedade) que se estabelece entre grandezas do plano da expressão (do significante) e do plano de conteúdo (do significado), no momento do ato de linguagem. Como definição operatória, o signo seria o material primeiro ou o suporte graças ao qual qualquer semiótica, enquanto forma, se encontra manifestada. E aqui, cabe ressaltar o conceito de semiose, que é o mesmo que função semiótica; é a operação que, ao instaurar uma relação de 5

pressuposição recíproca entre a forma da expressão e a do conteúdo produz signos. Qualquer ato de linguagem é, então, uma semiose. (EMERIN: 2014, p. 05, grifos da autora). Ainda segundo Emerin (2014), para Hjelmslev a língua é um sistema de figuras que ao se combinarem produzem signos e essa mobilidade está sempre aberto e em constante movimento. Outra grande colaboração do autor é o conceito de conotação, que é capaz de explicar os novos significados que os signos possuem, aderindo ao sentido original. Mas a Semiótica discursiva, método que usaremos nesse trabalho, se desenvolverá com mais efetividade com os trabalhos de Algirdas Julien Greimas, que (...) ampliou os estudos e análises de textos de diferentes gêneros e suportes materiais, tais como a arte, a imagem, a publicidade, a imprensa, a literatura, o discurso jurídico e o científico, estudos sobre a mitologia, a política, a música, etc. Também tratou outros aspectos os quais inseria numa Semiótica Sincrética que teria como objeto, por exemplo, os espetáculos em geral. O núcleo central da proposição de Greimas é o estudo do discurso com base na ideia de que uma estrutura narrativa se manifesta em qualquer tipo de texto. (...) Greimas tenta aplicar métodos de pesquisa da linguística estrutural à análise de textos que são, para ele, discursos. Postula uma proposta de que a semiótica não seja a teoria dos signos, mas, sim, da significação e desenvolve o que define como Percurso Gerativo do Sentido que tem como objetivo explicar a geração de discursos de qualquer sistema semiótico. (EME- RIN: 2014, p. 06-07, grifos da autora). Para melhor apreensão da análise feita subsequentemente da capa do jornal O Globo, faremos uma breve explanação conceitual envolvendo os três níveis do percurso gerativo de sentido, a saber, Nível Fundamental, Nível Narrativo e Nível Discursivo. Como nosso trabalho optou por fazer o percurso gerativo detalhadamente, se faz necessário associar os principais conceitos operatórios da Semiótica Discursiva utilizado em nossa pesquisa. Nível Fundamental É no nível fundamental, ou também chamado de estrutura profunda, que é determinado o mínimo de sentido de construção do discurso. (BARROS, 2000). É o nível mais elementar, o ponto de partida de geração de sentido. Segundo Fiorin (2006) no componente semântico é constatado as estruturas de significação e no componente sin- 6

táxico é conhecido as operações abstratas que permitem aprender o discurso em seu movimento sucessivo. A semântica em seu nível fundamental aparece através da oposição semântica, apresentando, por exemplo, oposições entre vida/morte, natureza/cultura, totalidade/parcialidade, esquerda/direita. Ao analisar o texto da capa do Jornal O Globo podemos constatar a oposição semântica política entre Esquerda e Direita apesar, de como foi alertado na análise, há diversos questionamentos sobre a dimensão e até a limitação conceitual de abrangência na contemporaneidade desses dois polos. Ainda no componente semântico é constatado a existência de valores que o discurso se inscreve. Todo discurso é marcado por uma oposição, como foi falado, e também manifesta positividade ou negatividade. A positividade é denominada de eufórica e é vista quando o elemento apresentado pelo texto representa algo bom e a negatividade é chamada de disfórica onde o acontecimento apresentado é visto como algo ruim. (FIORIN, 2006). O jornal apresentou o Impeachment, a queda da Esquerda, como algo eufórico. Já em sua sintaxe fundamental é preciso analisar as operações básicas que estão na base do discurso, havendo duas essenciais: a asserção e a negação. É uma operação onde determinada categoria semântica transita de um termo a outro. Por exemplo o termo Impeachment apresentado pelo jornal é um elemento euforizante para a queda da Esquerda no poder (representado pelo governo da Dilma Rousseff) e a possibilidade dos ajustes necessários representado pelo Temer. Essas operações são feitas através do que é o chamado quadrado semiótico, portanto o quadrado é uma forma lógica e econômica de representar o sentido em sua forma mais elementar. (BARROS, 2006). Para Emerin (2014, p. 07) o Quadrado Semiótico consiste na representação visual da articulação lógica de qualquer categoria semântica. Nível Narrativo O percurso gerativo de sentido consiste em sair do mais simples e abstrato ao mais complexo e concreto, passando dessa forma, como lembra Fiorin (1995), por um enriquecimento semântico. Saindo do nível fundamental, encontramos no nível narrativo a atualização das premissas do primeiro, ou seja, os níveis abstratos são atualizados e manifestado por um sujeito em relação a um determinado objeto, tornando-se objeto de 7

valor e construindo um simulacro da ação do homem no mundo. Tomando, por exemplo a oposição semântica entre Esquerda/Direita apresentada pela capa do jornal, podemos observar uma atualização desses termos no campo narrativo como a situação do país deixada pela Esquerda (representada pelo governo Dilma) e os desafios que a Direita (representada por Temer) tem para colocar o país em ordem e progresso. Na sintaxe narrativa há dois enunciados elementares bem claros, o enunciado de estado, representado pela junção do sujeito com o objeto, e o enunciado de fazer que é dinâmico e apresenta as transformações de um estado ao outro. Há dentro desses dois enunciados o esquema narrativo que compreende quatro fases ou quatro percursos narrativos, a saber manipulação, competência, performance e sanção. (BARROS, 2001).Na manipulação um sujeito leva o outro a desejar praticar ou ter uma determinada atitude. Já a competência é compreendida como a capacidade do sujeito de realizar determinada ação e subsequentemente a performance é a transformação central da narrativa, a realização. Por fim a sanção é o momento de perceber se a ação ocorreu ou não conforme o estabelecido e pragmaticamente também é o reconhecimento da performance sendo-a tanto positivo quanto negativo. Podemos dizer que os componentes semânticos do nível narrativo ocupam-se da modalização, que refere-se ao sujeito de estado e ao sujeito de fazer. Ou seja, como ressalta Fiorin (2000) a semântica do nível narrativo ocupa-se dos valores que circunscrevem o objeto. Os objetos modais são necessários para realizar uma performance principal, e os objetos de valor são os objetos que se entra em conjunção ou disfunção na performance principal. Importante lembrar que o Impeachment é um objeto modal. Por fim, é no nível narrativo que se estabelecem as disputas de poder entre os sujeitos do texto, adquirindo uma magnitude de maior de personificação e disputando objetosvalores que entram ou em conjunção ou em disjunção. Nível discursivo O nível discursivo é o momento mais concreto, complexo e onde o texto encontra sua superfície. É no nível discursivo que aparece a enunciação, ou seja, é operado a seleção de categorias disponíveis nos outros dois níveis e onde ocorre a conversão dessa seleção em acontecimento. O enunciado, como alimenta Barros (2001), apresenta as 8

marcas da enunciação e das operações que lhe são constituinte, essas marcas são importantes no processo analítico, por isso que recuperar o ato da enunciação se faz importante para compreender as marcas da geração de sentido. É importante sempre ter em mente que a produção do discurso se faz no tempo e no espaço, exigindo sempre a existência de um eu, aqui e agora ou ainda um ele, lá e então, ou seja, todo discurso parte da premissa da existência de um eu que será responsável pela enunciação, bem como um aqui e agora intrínsecos na construção do discurso. É importante ter consciência que as opções de aproximação ou distanciamento do enunciado propiciam alguns efeitos de sentido, sendo dois mecanismos comum que são denominados de debreagem e embreagem. Existem dois tipos de debragens, o primeiro é chamado de debreagens enunciativas que são aquelas que projetam no enunciado o eu-aqui-agora da enunciação, gerando efetivamente os efeitos de sentido de subjetividade, a chamada enunciaçãoenunciada. Diferente é a debreagem enunciva onde o caráter é mais objetivo e ocorre a projeção do ele-lá-então, muito comum no jornalismo. Por embreagem podemos compreender como um recurso capaz de neutralizar as oposições existentes entre as pessoas, tempos e espaço, tornando uma negação do enunciado, ou um retorno a enunciação pela suspensão das oposições entre as formas enuncivas e as enunciativa. (BARROS, 2001). Sabemos que a comunicação envolve manipulação, sobretudo para que o enunciatário busque persuadir e considerar verossímil tudo aquilo que transmite. Portanto, o enunciador utiliza de determinamos procedimentos buscando levar o enunciatário a crer que tudo o que diz é correto e verdadeiro. E é dentro desse contexto que Fiorin (2006) conceitua argumentação como conjunto de elementos linguísticos e lógicos que procuram convencer o enunciatário. Já a semântica discursiva procura examinar principalmente os temas e as figuras que concretizam as estruturas do nível anterior, o narrativo. Podemos conceituar temas como investimentos semânticos, que não se referem ao mundo natural, mas buscam, devido a sua natureza conceitual, interpretar a realidade e as figuras, por outro lado remetem aos elementos do mundo natural. Portanto, os temáticos procuram explicar, justificar a realidade e os figurativos tentam criar um simulacro produzindo efeito de realidade ou efeitos de referência (FIORIN 2006). Interessante observar que a capa do jornal O Glo- 9

bo utiliza desses dois procedimentos, principalmente trazendo um acontecimento dado, factual que é o Impeachment, mas por outro lado tematiza os problemas do país, trazendo à tona os desafios políticos do país. 2. Análise específica do objeto A primeira edição do jornal O Globo, fundada por Irineu Marinho, circulou no dia 29 de julho de 1925. Nesse dia foram lançadas duas edições do jornal, com um total de 33.435 exemplares 3. O parque gráfico do jornal O Globo, que está instalado em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, tem capacidade para imprimir 800 mil exemplares nos dias úteis e dois milhões aos domingos. Atualmente, é o segundo maior jornal em circulação impressa no país, com uma tiragem de 127.278 exemplares nos dias úteis e 166.682 exemplares aos domingos. 4 O perfil dos leitores, de acordo com o site institucional da empresa, é formado por 50% do público classe B, 15% classe A; 28% classe C e 6% classe DE. A maioria deles 52% são homens. Já a faixa etária dos leitores varia de 20% com idade de 60 anos ou mais; 19% tem idade entre 30 e 39 anos; 18% de 20 a 29 anos; 16% têm entre 40 a 49 anos e 12% do público tem idade entre 10 e 19 anos. Quanto à escolaridade, 39% dos leitores têm ensino superior; 22% ensino médio e 14% ensino fundamental. É parte integrante do grupo Globo, da família Marinho, que inclui a Rádio Globo e TV Globo. Por mais que atualmente o jornal impresso não seja o principal veículo de comunicação das organizações Globo, argumentamos que, devido a sua história, ele ainda é o carro chefe do grupo no que tange sua representação do bom jornalismo. As Organizações Globo também têm em seu histórico a marca de romper com sistemas políticos democráticos, apoiando a queda de governos eleitos democraticamente. Com uma linha política conservadora, no ano de 1984, Roberto Marinho, presidente das Organizações Globo, publicou um artigo declarando apoio ao Governo Militar 3 http://memoria.oglobo.globo.com/linha-do-tempo/o-globo-eacute-lanccedilado-9196292 4 https://www.infoglobo.com.br/anuncie/produtosdetalhe.aspx?idproduto=91 10

desde o seu início em 1964 até o processo de abertura política. Em agosto de 2013, o grupo reconheceu o erro ao apoio ao golpe militar de 1964 5. Deste modo, selecionamos a capa da edição do dia 01 de setembro de 2016, da edição impressa do jornal, como ilustra a Figura 1 5 https://oglobo.globo.com/brasil/apoio-editorial-ao-golpe-de-64-foi-um-erro-9771604 11

Figura 1 Capa do Jornal O Globo Edição Impressa 1º de Setembro de 2016 12

Nível Fundamental Em sua forma mais elementar, no nível fundamental, é possível constatar que a capa de O Globo tem sua oposição semântica um espectro político que poderíamos delimitar como Esquerda x Direita. Obviamente que em uma discussão mais aprofundada no campo da Ciência Política os limites de apreensão dessas terminologias são questionáveis e/ou demonstram limites dentro da dinâmica política contemporânea. Mas aqui, para fins de análises só detectamos essa oposição semântica para estruturar e compreender o percurso gerativo de sentido. Para fins analíticos, partiremos do princípio que o governo Dilma representa o espectro político da esquerda e seu impeachment representa a chegada da direita ao poder com Michel Temer. Importante observar que o elemento Impeachment (ou seja a queda da Esquerda) é visto como elemento eufórico dentro do discurso da capa. Portanto a queda da Esquerda no poder é dada como positiva, sobretudo diante dos compromissos que o Temer terá que cumprir. Dentre algumas considerações iniciais da página podemos observar que: 1º O impedimento ocorreu porque Dilma não cumpriu os compromissos e Temer tem os desafios pela frente; 2º Ocorreu o Impeachment porque Dilma não tinha condições de administrar o país; 3º Se não ocorresse o impeachment os problemas continuariam e se Temer (cujo destaque já se faz mais enfático, porque na chamada do jornal seu nome está numa letra maior que o de Dilma) não cumprir os compromissos ele também pode sofrer o impedimento; 4º O não Impeachment levaria o governo a não cumprir os compromissos; Ainda no nível fundamental, podemos observar que em sua sintaxe a transição se faz como um percurso euforizante, sobretudo da negação da Esquerda e o Impeachment representando uma nova fase para o cumprimento dos compromissos políticos. Dessa forma, o elemento Impeachment é o que nega a Esquerda para a chegada do governo Temer ao poder, tal governo tem que aprovar o ajuste fiscal, as reforças da Previdência e trabalhista, reduzir o desemprego, atrair o investimento, apoiar a Lava-Jato, enfrentar o Congresso e as ruas, entre outros pontos. Por fim, o enfoque visual da capa se faz com Temer e alguns congressistas e curiosamente a imagem da Dilma, em menor tamanho, encontra-se na parte mais baixa do jornal. 13

Nível Narrativo A capa do O Globo apresenta sua sintaxe narrativa de forma que o enunciado de estado é o impedimento da presidente Dilma e o enunciado de se fazer são os desafios que o Temer tem pela frente. Já o esquema narrativo canônico compreende quatro fases, que veremos a seguir A manipulação é o primeiro elemento do Percurso Narrativo e ao observar os quatro tipos de manipulação mais recorrentes podemos constatar na capa que: a Tentação se faz quando apresenta o Impeachment como o valor correto da nossa democracia, capaz de tirar o país dos problemas aos quais se encontrava. Já a Intimidação se manifesta quando a capa dá a entender que o caos continuaria reinando se Dilma não saísse, afinal os compromissos não foram cumpridos e o Temer necessita cumpri-los. A Provocação se faz ao constatar que não basta Dilma sair, é preciso que Temer cumpra os objetivos nos dois anos de mandato restante. Por fim, a Sedução é apresentada quando o jornal constata que a saída dos problemas sociopolíticos brasileiro passam pela efetivação do ajuste fiscal, reforma trabalhista, redução do desemprego, busca de investimentos, apoio a Lava-Jato, enfrentamento das ruas, etc. Em sua Competência, o elemento Impeachment apresenta-se como um estado da arte ao qual o governo da Dilma não consegue mais administrar o país e o elemento de mudança perpassa na figura do Temer. Ou seja, a Performance é manifestada na capacidade do Impeachment ser o evento que fará com o que o novo governo cumpra uma agenda governamental dada, ao qual o governo passado não cumpriu. Por fim, a Sanção não apresenta um resultado definitivo, deixa em aberto o desfecho da Performance, ou melhor, apresenta o Impeachment como resultado da não capacidade de seguir determinada agenda, porém não se tem a certeza que o novo governo, sancionado pelo impedimento da presidenta Dilma, de fato cumpra a agenda capaz de tirar o país da crise. Em sua semântica do nível narrativo podemos observar que o elemento Impeachment é um objeto modal cuja performance final é a aprovação de reformas e a aplicação de um modelo político defendido pelo jornal e julgado como o mais competente 14

para tirar o país da crise. Por isso que o Impeachment não é o resultado final de um projeto, mas um meio de levar a cabo um projeto de governo que o governo da presidenta Dilma não se comprometeu e/ou não realizou em seu mandato. Nível Discursivo Sabemos que todo sujeito produtor de discurso, o enunciador, procura persuadir o enunciatário procurando explicitar e transmitir o que é considerado como verdadeiro/possível ou ainda falso/enganoso. A partir da sintaxe discursiva, podemos perceber que a capa parte da desembreagem procurando um distanciamento da enunciação, para transmitir um acontecimento de forma objetiva. Na relação enunciador e enunciatário, podemos observar que a construção do discurso utiliza de dispositivo veridictório, ou seja, além de expressar um acontecimento objetivo - o Impeachment - ele ainda ressalta, com o mesmo tom de objetividade, os desafios e as necessidades que o novo governo tem nos próximos anos. Ele transmite com o mesmo grau de 'objetividade' o acontecimento factual e também subentende-se que as reformas fiscais, presidenciais, entre outros, são necessidades irreversíveis. Obviamente o enunciatário não é um mero passivo, mas se não for um leitor atento acaba naturalizando essa percepção como a única forma possível de sair da crise e conduzir a sociedade politicamente. Dentro da relação enunciador-enunciatário é preciso observar que o jornal fez a manipulação através do contrato, onde o leitor deve interpretar, deve ler "a verdade". Importante ressaltar que o enunciador não produz discursos verdadeiros, mas cria efeito de verdade (ou falsidade). Ou seja, a capa conseguiu transmitir um acontecimento público e emendar, no mesmo tom de objetividade e criação de verdade, o projeto político verdadeiro para o país. Interessante constatar que o enunciado deixou vago os motivos reais da queda, mas já se propôs a pensar o futuro incontestável que virá. No campo da semântica discursiva é possível constatar que a capa utilizou de recurso argumentativo uma pergunta retórica e agora Temer? E posteriormente afirmações disfarçadas de questões essenciais. Junto com a pergunta retórica, a capa trouxe para si questões de dever, como se ali estivesse contidas as fórmulas rápidas para solucionar o problema enfrentado pelo governo Dilma que deve ser resolvido, nos próximos dois anos, pelo governo Temer. 15

Observando especialmente a construção da chamada da capa, podemos constatar que ela se faz por meio da tematização, onde apresenta a realidade dada (Impeachment) e tenta explicar conceitualmente os desafios do país após esse acontecimento. E dentro desse espectro podemos ver que, pela perspectiva ideológica, o Impeachment representa um trunfo de um modelo político que é racional e correto, contra o que estaria dando errado até então. É importante situar aqui que, por mais que o grupo tente sobrepor objetividade na chamada, os desafios traçados ao novo governo são ideológicos por excelência, buscando uma naturalização no seio da sociedade. 3. E agora, José? Após percorrermos a análise é possível constatar que o tema é abrangente e que essas linhas são apenas o pontapé inicial de um debate polêmico e profícuo. É importante voltar a percepção que Lage traz ao perceber que o jornalismo é uma forma de narrar os acontecimentos e não simplesmente uma construção objetiva, ou seja, as escolhas das formas de narrar influenciam a maneira como o receptor observa o acontecimento noticiado. Na esteira dessa percepção o legado da Semiótica Discursiva é justamente detalhar como as escolhas discursivas são estruturadas para influenciar ao máximo o receptor. É analisar não somente o produto final, mas de onde parte o texto estudado. Como observa Emerin (2014) a analise Semiótica tem uma forte vertente interdisciplinar, e daí sai sua eficiência de análise no campo das ciências humanas e nas ciências sociais. E de fato a análise da capa comprovou tal prerrogativa. Ao analisar os três níveis do percurso gerativo de sentido conseguimos constatar o intuito factual do O Globo de apresentar o Impeachment como algo positivo, sobretudo para que as mudanças políticas tenham determinado projeto político como a única saída para o País. Ao apresentar como eufórica a saída da Dilma, O Globo, tentando utilizar seu tom objetivo, já impunha ao novo governo diversas realizações que eles julgam serem tão factuais quanto o acontecimento ocorrido no dia anterior. Dessa maneira a análise semiótica só comprovou o que diversos teóricos do jornalismo apontam sobre a subjetividade existente no processo de noticiabilidade. 16

Portanto, a Semiótica discursiva como método mostrou-se eficaz na análise de comprovar aquilo que diversos autores apresentam sobre o intuito político das organizações Globo, aqui representado pelo seu Jornal Impresso. Neste trabalho iniciamos com uma revisão conceitual envolvendo conceitos operacionais do Jornalismo e apresentando brevemente o histórico da Semiótica e detalhando as principais características do percurso gerativo de sentido e posteriormente analisamos dentro dos três estratos do percurso gerativo de sentido o que a capa do jornal o globo diz. Nesse artigo apenas esboçamos os conceitos centrais utilizados para analisar a capa do jornal, não esgotando em detalhes e densidade as inúmeras aplicações e desdobramentos que a teoria semiótica possui, bem como os diversos conceitos que existem em cada um dos percursos gerativo de sentido. Por fim, deixamos em aberto um questionamento: será que da mesma forma que reconheceu o equívoco em apoiar o regime militar, décadas depois, as Organizações Globo reconhecerão possíveis exageros nesse acontecimento político jurídico? REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARROS, Diana Luz Pessoa de. Teoria semiótica do texto. 4. ed. São Paulo: Ática, 2000. BARROS, Diana Luz Pessoa de. Teoria do discurso: fundamentos semióticos. 3. ed. São Paulo: Humanitas; FFLCH/USP, 2001. EMERIM, Cárlida. Telejornalismo e Semiótica Discursiva. In: VIZEU, Alfredo; MELLO, Edna; PORCELLO, Flavio; COUTINHO, Iluska (orgs.). Telejornalismo em questão. Coleção Jornalismo Audiovisual. V.3. Florianópolis: Insular, 2014. EMERIM, Cárlida. Semiótica discursiva: aplicações na pesquisa em jornalismo. (159-184). In: SCÓZ, Murilo; VANDRESEN, Monique; OLIVEIRA, Sandra Ramalho e (orgs.). Proposições interativas: modos de produzir sentidos. Florianópolis: Ed. UDESC, 2016. FIORIN, José Luiz. A noção de texto em Semiótica. Organon, Porto Alegre, v. 9, n. 23, p. 163-173, 1995. FIORIN, José Luiz. Elementos de análise do discurso. São Paulo: Contexto, 2006. LAGE, Nilson. Ideologia e Técnica da Notícia. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 1981. 17

LAGE, Nilson. Estrutura da Notícia. 2 ed. São Paulo: Ática, 1987 TRAQUINA, Nelson. Teorias do Jornalismo Porque as notícias são como são. 3 ed. Florianópolis: Insular, 2012. TRAQUINA, Nelson. O Estudo do Jornalismo no Século XX. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2002. SANTAELLA, Lúcia. O que é Semiótica. São Paulo: Brasiliense, 1983. SANTAELLA, Lucia; NÖTH, Winfried. Comunicação e semiótica. São Paulo: Hacker Editores, 2004. SILVA, Rodrigo Carvalho da. História do Jornalismo: evolução e transformação. Recife: Revista Temática. Ano VIII, n. 07 Julho/2012. 18