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Transcrição:

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gestão empresarial Conhecendo o conhecimento a noção de Estilo de Pensamento por Mauro Lúcio Leitão Condé, Maria Lúcia Goulart Dourado, Sônia Teresa Diegues Fonseca e Anderson Sant anna Vivemos em um mundo marcado pela complexidade. A múltipla tessitura de fatores sociais, culturais, políticos, econômicos, mercadológicos e ambientais tornam a sociedade contemporânea exponencialmente complexa. Consequentemente, para atender às suas demandas, ampliar os limites e lidar com os paradoxos que dela emergem, mais que ágeis, eficientes e criativas, suas instituições também devem ser complexas. Nesse contexto, um importante desafio está na capacidade das organizações interpretarem a sociedade, para produzir conhecimentos, produtos e serviços singulares e específicos, que colaborem para o seu próprio desenvolvimento e o da sociedade. Igualmente relevante é o desenvolvimento de um estilo de pensamento que permita às empresas compreender e participar da intricada rede que caracteriza o mundo contemporâneo. Dentre as transformações sociais, políticas, estéticas e econômicas observadas ao longo da história, algumas se configuraram como orientadoras do pensamento e das ações humanas, não apenas em seu próprio tempo, mas ao longo de muitas décadas. Em alguns casos, até séculos. Para compreender essas configurações, os pesquisadores criaram divisões históricas como Antiguidade, Renascimento, Modernidade, Contemporaneidade ou ainda conceituações filosóficas como Zeitgeist, Episteme, Projeto da Modernidade, Pós-modernidade, Paradigma, dentre uma série de outras. A configuração de épocas que promoveram grandes mudanças parece apresentar algumas características distintivas: grande necessidade e vontade de criação do novo, isto é, de avançar para limites nunca antes alcançados; grande empenho na demarcação de sua singularidade e diferenciação em relação a épocas precedentes; muitas vezes, a consciência do momento singular em que se vive. DOM 95

Os contemporâneos do Iluminismo, por exemplo, tiveram consciência do privilégio de viver aquele tempo. Dentre as épocas acima mencionadas, o Iluminismo talvez tenha sido a que mais fez ecoar, com entusiasmo e consciência, a afirmação de sua singularidade. A célebre proposição de Kant o Iluminismo é a passagem da humanidade para a maioridade reflete tanto a confiança na razão, quanto a consciência do privilégio de viver aquele tempo. A humanidade não apenas estaria emancipada, mas na rota do progresso e da solução racional de todos os seus problemas. Entretanto, de tempos em tempos, as verdades de cada época, como diria Nietzsche, transformam-se em moedas sem efígies, ou sem o vigor do valor simbólico que tinham quando foram cunhadas. Assim, quando uma configuração social está enfraquecida, emergem novas verdades atitudes e ideias sociais, políticas, ambientais e culturais. Para se constituírem, afirmando sua singularidade, essas verdades se apresentam como algo totalmente novo, em oposição ao antigo modo de pensar e atuar da época que a antecedeu. Embora, tenha se convencionado que a modernidade se instalou na cultura ocidental entre os séculos 17 e 18, o termo modernidade apareceu bem antes, por volta do século 12, associado à noção de novo ou inovador. Nesse sentido, as grandes transformações culturais, políticas e sociais anteriores seriam também modernidades, ainda que em graus diferenciados, na medida em que cada uma apresenta, ao seu tempo, suas inovações. Na verdade, a apresentação do inteiramente novo representa a busca pela afirmação da singularidade de uma época. Desse modo, cada modernidade, cada tempo novo para afirmar sua singularidade, tende à negação do passado e ao esquecimento do que foi feito antes. Os novos conceitos são criados não apenas para denominar o novo modo de agir e pensar, mas também para promover o esquecimento da antiga forma de agir e pensar. A nova configuração procura mostrar que o passado se tornou arcaico e obsoleto não precisamos mais dele. A ótica do paradigma Em nossa época, certamente nenhum conceito incorporou tanto a negação do passado ou procurou demarcar uma ruptura tão radical com outras configurações quanto o conceito de paradigma, criado pelo historiador e filosófo da ciência, Thomas Kuhn. Em seu livro A Estrutura das Revoluções Científicas, Kuhn nos ensina que o paradigma é um conjunto de realizações científicas, reconhecidas pela comunidade científica, que aponta padrões de comportamento ou soluções modelares a serem seguidas por essa comunidade. Um paradigma encerra em si um conjunto de valores historicamente situados, que regem a prática de um grupo de cientistas. Embora Kuhn estivesse abordando especificamente a Ciência, sua noção de paradigma foi estendida a diversos domínios do saber e fazer humano. Nossa época entendeu que uma configuração social, política ou estética seria, assim, o que Kuhn chamou de paradigma e que estrutura nossos pensamentos e rege nossas ações. Portanto, pelo paradigma percebe-se o mundo. Embora o conceito seja rico como modelo de explicação além de ter uma dimensão didática que certamente facilita seu uso em larga escala ele encerra uma série de problemas, sobretudo no que diz respeito à relação entre diferentes paradigmas. Parece, no entanto, que ainda não conseguimos nos livrar dessa condição de ver o mundo pela ótica do paradigma. Em consequência, temos dificuldade de entender muitos fenômenos que nos cercam. Contudo, a ideia de paradigma não parece mais explicar o que ocorre à nossa volta, já que vivemos num mundo de crescentes contrastes e múltiplas contradições, mas também de conexões. São inúmeras as possibilidades de convivência de diferenças, complementaridades, similaridades e convergências. Um mundo que mescla o local com o universal, em que a memória do passado adquire importância no presente e na formação do futuro. Nossa época se caracteriza por outro conjunto de mudanças que incorporam mutações e hibridismos. Ela afirma sua singularidade não pela negação do outro, mas pela necessária convivência em zonas de fronteira com a alteridade. Com efeito, não parece possível abraçar a ideia do paradigma, que surge como o oposto do que acontece em nossa época e à nossa volta, a todo o momento. Estilo de pensamento Este tempo em que vivemos talvez seja mais bem compreendido pelo que Ludwik Fleck chamou (em seu livro Gênese e Desenvolvimento de um Fato Científico) de Estilo 96 DOM

São inúmeras as possibilidades de convivência de diferenças, complementaridades, similaridades e convergências de Pensamento, e que afirma nossa identidade ou singularidade não pela exclusão, mas pela interação com a alteridade. Para Fleck, não há propriamente uma contradição entre os diferentes estilos de pensamento, ainda que haja dificuldades de linguagem ou de comunicação entre eles. Um estilo de pensamento pode ser afetado por outro, e com isso sofrer mutações, adaptando-se a partir das novas conexões. Ainda que interaja com estilos de pensamento diferentes, ele não perde sua identidade e nem deixa de afirmar sua singularidade. Embora cada ciência tenha sua própria lógica interna, ela está inserida no que Fleck denomina de coletivo de pensamento, formado pela cultura, estética, política, economia e modelos de gestão de uma época. Assim, nosso conhecimento seria, de certa forma, produto de uma cocriação. Existe um núcleo, um core da ciência (ou da gestão) que Fleck chama de círculo esotérico (saber especializado), mas existem também áreas de fronteiras da Ciência, que também influenciam o seu modo de ser ou o círculo exotérico (saber popular), na terminologia de Fleck. No entanto, a fluidez que existe num estilo de pensamento ou entre diferentes estilos de pensamento não caracteriza uma desarticulação lógica, uma anarquia de valores e práticas. Por mais que existam diferenças ou heterogeneidades em um estilo de pensamento, fatos, valores, posições complementares ou mesmo antagônicas não estão dispersos aleatoriamente. Existem articulações, passagens e conexões. O estilo de pensamento não é uma mera justaposição aleatória. Existe uma organicidade, uma lógica que forma o seu núcleo e articula sua DOM 97

a gestão não pode negar suas conexões com os vários campos do pensar e do fazer humano identidade, ainda que, para compor essa identidade, articule-se com a alteridade presente em suas bordas, no coletivo de pensamento, como explicitado por Fleck. Em diversos momentos, estilo de pensamento e coletivo de pensamento se interpenetram e se confundem. Na medida em que assume essa mutação ou hibridismo, um estilo de pensamento incorpora em sua própria identidade uma dinâmica que o ajuda a se constituir como sistema complexo e aberto. Ainda que preserve sua identidade, está em constante evolução. Nesse movimento, diferente de um paradigma que coage seus membros a sempre verem a mesma gestalt e negar outros paradigmas, o estilo de pensamento na medida em que agrega novos valores, sofre mutações que formam, gradativamente, o estilo de pensamento das próximas gerações. Como estilo de pensamento, a gestão se relaciona com os múltiplos saberes e fazeres de nosso tempo, isto é, com o coletivo de pensamento da nossa época, cultura e sociedade, com tudo de bom que se produziu e produz, mas também com seus dilemas e contradições. Embora tenha seu valor e estruturação em si mesma, a gestão não pode negar suas conexões com os vários campos do pensar e do fazer humano, como a política, a ciência, a arte, a literatura, etc. Assim, o estilo de pensamento procura perceber e estabelecer essas conexões: com o local e o universal, passando pelo regional; com o passado e o presente para formar o futuro; com as múltiplas conexões com outros estilos de pensamento. No entanto, a tarefa não é apenas colher dados e informações, ou protocolá-los num processo semelhante a um gabinete de curiosidades, onde 98 DOM

tudo está meramente justaposto, sem nenhum tipo de lógica que estabeleça uma relação entre esses múltiplos objetos expostos, a não ser a própria curiosidade das excentricidades trazidas por cada um dos colecionadores. Conhecer o conhecimento exige a realização de um registro, feito a partir de um ordenamento que, por sua vez, se constitui como uma rede conceitual que abraça o processo de produção do conhecimento. Essa rede nos revela as múltiplas relações e possibilidades de relações entre os diferentes elementos que compõem o conhecimento como sistema complexo. Esses elementos existiam no passado e estão no presente. O que também nos fornece vetores que indicam como esses elementos poderiam ser no futuro. Surge, assim, como fundamental, ter consciência dessa rede conceitual para se viabilizar o registro do passado não apenas como simples classificação contábil dos feitos realizados, mas como memória das experiências vividas no seu caminhar, conforme o próprio estilo do caminho, isto é, do pensamento. Portanto, o estilo de pensamento se diferencia da ideia de paradigma de Thomas Kuhn tão hegemônica em nosso tempo, por incorporar sistemicamente diferentes lógicas de atuação, articular tanto processos lineares quando complexos e reunir, em um mesmo conjunto, o tradicional e o inovador. Contrariamente, o paradigma insere a ideia de ruptura entre o tradicional e o novo. Em síntese, o paradigma é a concepção de como o passado foi superado por grandes transformações revolucionárias do presente. O estilo de pensamento, por sua vez, é a concepção de como essas ideias convivem no mesmo espaço e tempo. Para um novo paradigma, inventariar as ações e vivências do passado seria um mero anacronismo, diante das possibilidades apresentadas pela inovação. Para o estilo de pensamento, registrar o conhecimento produzido no passado é revelar a tessitura que fundamenta o próprio conhecimento do presente. Mais que um conjunto de práticas, o estilo de pensamento é a rede conceitual que permite o ordenamento do registro de uma trajetória orienta, indicando o que é importante registrar. Não se trata de fazer o registro, ou gestão do conhecimento, de um saber morto, como o que foi concebido pelo antigo paradigma, com resultados e produtos já superados. Mais que o registro dos produtos desenvolvidos e de resultados ainda que importantes a noção de estilo de pensamento traz à tona a relevância de se apreender o saber da vivência sobre os conhecimentos, atitudes, ações e percepções ligadas a esses produtos e resultados. Ele se constitui simultaneamente de uma reflexão sobre as práticas que levaram a essas inovações e resultados, como referência para o futuro. A partir da captura de seu estilo de pensamento, cada instituição ou organização deve avançar em sua trajetória singular, contribuindo para o desenvolvimento da sociedade. Mauro Lúcio Leitão Condé é professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), doutor em Filosofia pela UFMG e pós-doutor pela Universidade de Boston. Maria Lúcia Goulart Dourado é professora da Fundação Dom Cabral, doutora em Ciência da Informação pela UFMG. Sônia Teresa Diegues Fonseca é professora da Fundação Dom Cabral, bacharel e licenciada em Filosofia pela PUC-SP. Anderson Sant anna é professor da Fundação Dom Cabral, doutor em Administração pela UFMG. Para se aprofundar no tema FLECK, Ludwik, Gênese e desenvolvimento de um fato científico. Belo Horizonte: Fabrefactum, 2010. KUHN, Thomas, Estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 1998. 5ª. Ed. DOM 99