POLÍTICAS DE FORMAÇÃO DOCENTE: UMA ABORDAGEM FAIRCLOUGHIANA

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Transcrição:

POLÍTICAS DE FORMAÇÃO DOCENTE: UMA ABORDAGEM FAIRCLOUGHIANA Andréa Villela Mafra da Silva av.mafra@hotmail.com http://lattes.cnpq.br/0155896273502933 RESUMO O texto examina as políticas de formação docente do atual governo, a partir de uma abordagem faircloughiana. Desse modo, este trabalho está sustentado pela Análise Crítica do Discurso (ACD), formulada por Norman Fairclough (1989, 2001, 2003, 2005). Tomo como referência no contexto das atuais políticas de formação docente o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, o Plano Nacional de Educação (2011-2020) e o documento Pátria Educadora: a qualificação do ensino básico como obra de construção nacional. Palavras-chave: Políticas de formação docente; análise crítica do discurso; linguagem. Norman Fairclough, linguista britânico, é professor Emérito da Universidade de Lancaster na Grã-Bretanha. Fairclough é reconhecido pela sua significativa contribuição ao estabelecer um quadro metodológico que permite investigar a relação entre o discurso e a mudança social. A teoria faircloughiana se propõe a analisar o papel da linguagem e outros elementos semióticos, tais como imagens, na reprodução das práticas sociais e das ideologias. A abordagem faircloughiana como uma análise crítica do discurso (ACD) se preocupa, especialmente, com as mudanças radicais na vida social contemporânea e com as práticas de produção de linguagem, dentro das quais a vida social é produzida, seja esta econômica, política ou cultural. Toda prática de produção de linguagem inclui os seguintes elementos: (a) a atividade produtiva; (b) os meios de produção; (c) as relações sociais; (d) as identidades sociais; (e) os valores culturais (FAIRCLOUGH, 2005). Na linguística, a noção de discurso é utilizada como referência a amostras ampliadas de linguagem falada ou escrita. O texto é considerado como uma dimensão do discurso que pode representar, constituir, posicionar e construir os indivíduos de diversas maneiras, como sujeitos sociais.

Historicamente, os discursos se combinam ou se modificam em condições sociais produzindo um novo discurso. Em última análise, discurso se refere a diferentes tipos de linguagem utilizada em diferentes tipos de situações sociais, como o discurso de sala de aula, o discurso da mídia ou o discurso da ciência médica. As práticas discursivas revelam tendências específicas, e algumas vezes contraditórias, na relação entre linguagem, discurso e poder (FAIRCLOUGH, 2001). Há várias definições do conceito de discurso elaboradas de diversas perspectivas teóricas. O conceito de discurso que utilizo é o mesmo adotado por Fairclough; no entanto, para conhecer outras descrições, transcrevo, a seguir, a definição de Teun Van Dijk, reconhecido por sua relevância nos trabalhos sobre racismo, imigração e mídia na Europa e na América Latina, dentro do campo da análise crítica do discurso: Debería entenderse discurso como uma forma de uso lingüístico y, de una forma más general, como un tipo de interacción social, condicionada por la cognición y socialmente contextualizada por los participantes, tomados como miembros sociales en situaciones sociales. El discurso, ya sea oral o escrito, se define, pues, como un evento comunicativo de un tipo especial, estrechamente relacionado con otras actividades comunicativas no verbales (tales como los gestos o el tratamiento de la imagen) y otras prácticas semióticas de significado, de significación y con los usos sociales de códigos simbólicos, como los de la comunicación visual (por ejemplo, los grá- ficos, la fotografía o el cine). Estas sucintas definiciones de discurso ya sugieren múltiples relaciones con la cognición y con la sociedad. Así, hoy se acepta comúnmente que más que decir que el discurso 'tiene' significados, hay que afirmar que los usuarios de las lenguas le 'asignan' significados. Estas asignaciones, tradicionalmente llamadas 'interpretaciones', son de naturaleza a la vez cognitiva y social (VAN DIJK, 1997, p. 68-69). Diane Macdonell, citada por Fairclough (2001), em seu estudo althusseriano intitulado Theories of discourse an introduction afirma que todos os discursos são ideologicamente posicionados; nenhum é neutro "(MACDONELL, 1986, p.59). Para Fairclough (2001), o discurso ao mesmo tempo em que é moldado pela estrutura social também lhe é constitutivo. A análise faircloughiana aborda os conceitos de linguagem e de globalização a partir de quatro referências: (a) objetivista que

compreende a globalização como um fato objetivo, no qual o discurso tanto pode representar quanto pode se omitir dessa função; (b) retoricista a forma como os discursos da globalização são utilizados sobre determinado assunto; (c) ideologicista a maneira como os discursos da globalização podem contribuir para legitimar uma ordem estabelecida, a qual incorpora assimetricamente as relações de poder que ocorrem entre e dentro de diversos países; e, (d) construtivista social - o discurso com significantes efeitos causais no processo de construção social. A abordagem faircloughiana considera discurso como forma de prática social ou a forma como as pessoas agem sobre o mundo e especialmente sobre os outros, como também um modo de representação. Para Fairclough (2001) a linguagem como prática social requer um modo de compreensão historicamente situado, dentro de uma construção social e constituído de identidades sociais, relações sociais e sistemas de conhecimento e crença. Na análise do discurso, Fairclough (2001) parte de três dimensões: a semântica (escolhas lexicais), a sintática (as relações entre as escolhas lexicais) e a pragmática (nas relações dos sujeitos com as formulações). Barreto (2009, p. 22) sintetiza a análise crítica do discurso como: [...] fundada nas relações entre discurso e mudança social, compreende a tentativa de dar conta da reinscrição dos exemplares de linguagem recortados (textos) no movimento dos sentidos, isto é, no processo histórico discursivo. O objetivo é a aproximação dos sentidos [...] postos em circulação, ultrapassando o conteúdo (claro ou oculto) do que é dito pela explicação de seus pressupostos e implícitos, buscando a compreensão dos efeitos de sentidos produzidos pelo dito em condições determinadas, por meio de marcas detectáveis nos modos de dizer, a partir de pistas encontradas na superfície linguística. A abordagem de Fairclough (2001) implica em uma relação dialética entre o discurso e a estrutura social. Discurso como prática, não apenas de representação do mundo, mas de significação do mundo, constituindo e construindo o mundo em significado (p.91).

A teoria de Fairclough (2001) tem como objetivo desenvolver uma análise do discurso capaz de investigar a mudança na linguagem como um método de estudo das mudanças sociais e culturais. E, ainda, tem como objetivo contribuir para o desenvolvimento de um modelo hegemônico da prática discursiva, especialmente em oposição ao modelo de código predominante (p. 273). Apresenta um modelo tridimensional de análise, cujos elementos se constituem de três níveis - os aspectos estruturais de textos, práticas discursivas e práticas sociais. Trata-se do discurso considerado como simultaneamente texto, prática discursiva e prática social. Os textos como elementos dos eventos sociais [...] causam efeitos isto é, eles causam mudanças. Mais imediatamente os textos causam mudanças em nosso conhecimento (podemos aprender coisas com eles), em nossas crenças, em nossas atitudes, em nossos valores, e assim por diante. Eles causam também efeitos de longa duração poderíamos argumentar, por exemplo, que a experiência prolongada com a publicidade e outros textos comerciais contribui para moldar as identidades das pessoas como consumidores, ou suas identidades de gênero. Os textos podem também iniciar guerras ou contribuir para transformações na educação, ou para transformações nas relações industriais, e assim por diante (FAIRCLOUGH, 2003, p. 8). Além disso, os textos produzem efeitos sobre as pessoas, e tais efeitos são determinados pela relação dialética entre texto e contexto social (idem). Fairclough (2001) acrescenta a função textual como as informações são trazidas ao primeiro plano ou relegadas a um plano secundário, tomadas ou dadas ou apresentadas como novas, selecionadas como tópico ou tema e como partes de um texto se ligam a partes precedentes e seguintes do texto, e à situação social fora do texto (p. 92). Na obra Language and Power, escrita em 1989, Fairclough afirma que as ideologias estão intimamente ligadas ao poder e, em particular, à linguagem como forma de comportamento social. Para o autor, o efeito ideológico do discurso está na manutenção ou na reestruturação das relações de poder:

[...] o poder no discurso é fazer com que os participantes poderosos controlem e restrinjam as contribuições de participantes não poderosos. É útil distinguir, em linhas gerais, os três tipos dessas restrições: (a) o conteúdo, sobre o que é dito ou feito; (b) as relações, as relações sociais que as pessoas inserem no discurso; (c) assuntos, ou as posições dos assuntos que as pessoas podem ocupar-se (FAIRCLOUGH, 1989, p. 46). Reporto-me, também, aos aspectos que levam Fairclough a pensar a linguagem mercadológica no contexto educacional. Nos termos do autor, um aspecto da mudança discursiva com constituição metafórica da educação e de outros serviços como mercados é um elemento potente na transformação não apenas do discurso, mas também do pensamento e da prática nessas esferas (FAIRCLOUGH, 2001, p. 241). Para Fairclough (2001), a análise do discurso deve focalizar a variabilidade, a mudança e a luta: variabilidade entre as práticas e heterogeneidade entre elas como reflexo sincrônico de processos de mudança histórica que são moldados pela luta entre as forças sociais (p. 58 59). Os efeitos do discurso estão relacionados às três funções da linguagem: identitária modos pelos quais as identidades sociais são estabelecidas no discurso ; relacional como as relações sociais entre os participantes do discurso são representadas e negociadas ; e ideacional modos pelos quais os textos significam o mundo e seus processos, entidades e relações (FAIRCLOUGH, 2001, p.92). O discurso deve ser compreendido como uma forma de ação historicamente situada, tendo em vista que as estruturas que organizam a produção discursiva nas sociedades produzem a cada novo enunciado uma ação que pode ter como objetivo a manutenção do status quo ou a transformação social. Como já comentado, uma das principais contribuições de Fairclough (2001; 2005) consiste na observação das características dos textos; ou melhor, na compreensão e na interpretação dos gêneros escritos e das outras formas simbólicas, como as imagens e textos que combinam palavras e imagens. Trata-se de verificar as propriedades

organizacionais do texto analisando como o discurso constrói os sujeitos e as relações de poder conferindo-lhes um significado. O discurso como prática política e ideológica estabelece, mantém e transforma as relações de poder. Assim, Fairclough propõe que se observe na análise do discurso as várias orientações que podem ser de natureza econômica, política, cultural e ideológica. Segundo o autor, pode-se afirmar que o discurso é um modo de prática econômica em proporções variáveis basicamente não-discursivas e discursivas. No discurso, a comodificação é um neologismo que exprime um conceito proposto por Norman Fairclough (2001) no contexto do problema da mercantilização de toda a atividade humana. Segundo o autor: A comodificação é o processo pelo qual os domínios e as instituições sociais, cujo propósito não seja produzir mercadorias no sentido econômico restrito de artigos para venda, vêm, não obstante a ser organizados e definidos em termos de produção, distribuição e consumo de mercadorias. [...] A comodificação não é um processo particularmente novo, mas recentemente ganhou novo vigor e intensidade como um aspecto da cultura empresarial. [...]. Em termos de ordens de discurso, podemos entender a comodificação como a colonização de ordens de discurso institucionais e mais largamente da ordem de discurso societária por tipos de discurso associados à produção de mercadoria (FAIRCLOUGH, 2001, p. 255). Fairclough (2001) fala de um discurso educacional comodificado, argumentando que os discursos são usados como meio para vender serviços, organizações, ideias e como estratégias de persuasão e convencimento. Na educação, a comodificação pode estar presente na organização da escola na medida em que sejam reconhecidas como indústrias destinadas a produzir, a comercializar e a vender mercadorias culturais e educacionais a seus clientes ou consumidores (FAIRCLOUGH, 2001, p. 255). No discurso educacional comodificado está presente um vocabulário de habilidades, que segundo Fairclough (2001), incluem não apenas a palavra habilidade e palavras associadas como competência, mas também uma lexicalização completa dos

processos de aprendizagem e ensino baseados em conceitos de habilidade, treinamento de habilidade, uso de habilidades, transferência de habilidades e outros (p. 257). Para o autor: Essas lexicalizações ajudam a comodificar o conteúdo da educação linguística, no sentido de que isso facilita sua divisão em unidades descontínuas que, em princípio, são ensinadas e avaliadas separadamente e podem ser compradas e vendidas como artigos distintos na variedade de mercadorias disponíveis no mercado educacional. [...]. Mas a comodificação do discurso educacional não é apenas uma questão de vocabulário; é também uma questão de gênero de discurso (FAIRCLOUGH, 2001, p. 258). Trago como exemplo o contexto das políticas de formação docente inscritas em um modelo de educação determinado pelos setores dominantes ao incluir, no Programa de Desenvolvimento da Educação (PDE), o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, do qual fazem parte grandes bancos, grupos siderúrgicos e corporações de comunicação, como a Rede Globo e o Grupo Abril. Embora o Todos Pela Educação seja formalmente uma iniciativa de classe, autônoma em relação ao Estado somente poderá atuar operando por meio dos governos. Por isso, constrói, em seus conselhos, articulações com os novos gestores da educação pública no Brasil, tanto no MEC, como nas secretarias de educação (EVANGELISTA, 2012). Por meio de suas representações, pactua uma agenda do capital para a educação com um discurso em defesa do eixo avaliação, metas e remuneração por desempenho revelando cinco grandes orientações no Plano Nacional de Educação (2011-2020): Meta 1: Universalizar, até 2016, o atendimento escolar da população de 4 e 5 anos, e ampliar a oferta de educação infantil de forma a atender a 50% da população de até 3 anos. Meta 2: Universalizar o ensino fundamental de nove anos para toda população de 6 a 14 anos. Meta 3: Universalizar, até 2016, o atendimento escolar para toda a população de 15 a 17 anos e elevar, até o final da década, a taxa líquida de matrículas no ensino médio para 85%, nesta faixa etária. Meta 4: Universalizar, para a população de 4 a 17 anos, o atendimento escolar aos estudantes com deficiência, transtornos globais do

desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação na própria rede regular de ensino. Meta 5: Alfabetizar todas as crianças até, no máximo, os oito anos de idade (BRASIL, 2010). Também o documento Pátria Educadora: a qualificação do ensino básico como obra de construção nacional pode ser um exemplo de discurso educacional comodificado desenvolvido na atual gestão da presidente Dilma Rousseff em torno das políticas educacionais (BRASIL, 2015). No documento Pátria Educadora, as ações de meritocracia, com base no conceito de qualidade, aparecem nos objetivos a serem alcançados tanto no curso de formação de professores como na atuação dos diretores nas escolas. Entre as propostas do documento estão as premiações das escolas e dos professores e diretores que alcançarem as metas pré-estabelecidas. As escolhas lexicais do referido documento submetem a educação à lógica do campo econômico ao utilizar ao longo do texto termos como eficiência empresarial, fixação de metas, métodos de cobrança, dentre outros. Na estruturação deste documento está presente uma concepção de discurso que, a priori, sustenta ou privilegia as formas pelas quais o professor é posicionado nas relações de trabalho e as possíveis implicações (destas relações) no processo de ensino e aprendizagem nas escolas. Nas palavras de Fairclough (2001), a modalidade pode ser subjetiva ou objetiva. No sentido subjetivo, o grau de afinidade selecionado com uma proposição pode ser explicitado. Na modalidade objetiva pode não ser indicado o ponto de vista representado e com frequência implica alguma forma de poder. Para o autor, a modalidade é uma importante dimensão do discurso. O autor destaca que, na modalidade, o falante ou o escritor demonstram comprometimento com suas proposições e que estas se realizam em múltiplos aspectos de um enunciado ou frase simples. Em qualquer enunciado proposicional, a modalidade se refere ao quanto os sujeitos se comprometem quando fazem afirmações, perguntas, demandas ou ofertas (FAIRCLOUGH, 2003). Existem ainda outras formas de manifestação de comprometimento e afinidade como indeterminações, padrões de entonação, hesitações e outros. Há várias maneiras

em que se pode afirmar que o discurso é um modo de prática econômica em proporções variáveis basicamente não-discursivas e discursivas (FAIRCLOUGH, 2001). A modalidade requer asserções positivas e negativas e pouco uso de elementos modalizantes - verbos nodais, advérbios, adjetivos, indeterminações, e assim por diante (idem, p. 94). Por exemplo, o discurso do Plano Nacional de Educação (2011-2020) posiciona as tecnologias (TIC) como sujeitos capazes de resolver questões educacionais. O Plano Nacional de Educação foi amplamente discutido no Coletivo de Estudos Marxistas em Educação (COLEMARX) da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Para o COLEMARX (2014, p. 06) a versão original do Plano Nacional de Educação, publicizada em 2010, marca um novo capítulo na história da destruição da educação pública, inaugurando um período de mercantilização sem precedentes da educação brasileira. Os estudos empreendidos pelo COLEMARX apontam que as políticas de formação de professores propagam as competências desejadas pelo capital, estabelecendo meios de controle e sistemas padronizados de educação. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARRETO, Raquel Goulart. Discursos, tecnologias, educação. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2009. BRASIL. Ministério da Educação. Estabelece o Plano Nacional de Educação - PNE para o decênio 2011-2020, e dá outras providências. Projeto de Lei nº de 2010. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=7116-pl-pne- 2011-2020&Itemid=30192> Acesso em 04 mai 2016. BRASIL. Pátria Educadora: a qualificação do ensino básico como obra de construção nacional. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Assuntos Estratégicos, 2015. COLEMARX. Plano Nacional de Educação 2011-2012: notas críticas. Encontro Nacional de Educação, 25 e 26 de julho de 2014. Rio de Janeiro, 2014. EVANGELISTA, Olinda. Políticas Públicas Educacionais Contemporâneas: Formação docente e impactos na escola. VI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas 2012. FAIRCLOUGH, Norman. Language and power. New York: Longman, 1989. FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e mudança social. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001.

FAIRCLOUGH, Norman. Analysing Discourse: textual analysis for social research. London: Routledge, 2003. FAIRCLOUGH, Norman. Methods of critical discourse analysis. Londres: Sage, 2005. MACDONELL, Diane. Theories of discourse: an introduction. Oxford: Basil Blackwell, 1986. VAN DIJK, Teun. Discurso, cognición y sociedad. Signos. Teoría y práctica de lo educación. Octubre-Diciembre de 1997. p. 66-74. SOBRE A AUTORA: Doutoranda em Educação na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, onde também cursou o Mestrado em Educação na linha de Subjetividade, Cultura e História da Educação. Especialista em Planejamento, Implementação e Gestão em Educação a Distância pela Universidade Federal Fluminense. Atualmente professora do Ensino Superior da FAETEC no Curso de Pedagogia e nas turmas do PARFOR no Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro. Coordenadora do grupo de pesquisa Formação de Professores e Tecnologias Educacionais/FAETEC/CNPq. Pesquisadora do grupo de pesquisa Educação e Comunicação/UERJ/CNPq.