EFEITO ESTRATÉGICO SOBRE OS LEILÕES DE LINHAS DE TRANSMISSÃO BRASILEIROS: O CASO DA INTERDEPENDÊNCIA

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Transcrição:

EFEITO ESTRATÉGICO SOBRE OS LEILÕES DE LINHAS DE TRANSMISSÃO BRASILEIROS: O CASO DA INTERDEPENDÊNCIA LUCAS VARJAO MOTTA (UFPE) lucasvmotta@gmail.com Francisco de Sousa Ramos (UFPE) fsr@ufpe.br O Brasil adotou o leilão como o mecanismo de alocação das linhas de transmissão, com o objetivo de obter a modicidade tarifária. Tais leilões têm se mostrado atrativos para os investidores, de forma que a grande concorrência tem sido citadaa como fator decisivo para o aumento dos deságios. Entretanto, alguns autores citam a existência de interdependência entre os objetos leiloados como fator principal. Este artigo utiliza o modelo de Gandal (1997) para avaliar a influência da interdependência entre as linhas sobre a estratégia dos concorrentes. Os resultados do modelo econométrico mostram que o número de concorrentes é um fator que contribui para a redução do lance vencedor, mas que a localização das linhas de transmissão leiloadas é relevante para a determinação do lance vencedor. Palavras-chaves: Leilões de transmissão. Sistema energético brasileiro. Comportamento estratégico

1. Introdução A reforma do setor energético brasileiro foi conduzida de forma que o governo tenha o papel de regulador e promotor de políticas públicas, enquanto a responsabilidade de realizar investimentos recai sobre a iniciativa privada. Porém, este papel não foi completamente repassado e o setor tem como característica a presença de agentes estatais e privados. A reestruturação do setor tem como principais objetivos a segurança no suprimento de energia elétrica, a promoção da modicidade tarifária e a universalização do acesso aos serviços de energia elétrica. Com vista em tais diretrizes, foram utilizados alguns mecanismos como a promoção de ambiente favorável aos investimentos, compra pela menor tarifa e incentivo aos programas de universalização do atendimento. Segundo Cezario (2007), houve uma segunda onde de reformas, buscando sanar os problemas surgiram na primeira fase das reformas. Particularmente no setor de linhas de transmissão, introduziu-se o leilão, com o objetivo de alocação entre as empresas interessadas. Conforme exposto em um trabalho de 1999, Klemperer registra que os leilões são ferramentas dinâmicas e eficientes, capazes de reger o comércio de bens em mercados complexos, sobretudo nos que não apresentam referenciais estáveis de preço. O autor define os leilões como um mecanismo formal caracterizado pela capacidade de alocação de recursos através de competição, no qual os agentes envolvidos focam maximizar seus benefícios. Já para Wolfstetter (1999) o leilão proporciona agilidade a uma negociação, gera informações acerca do valor do bem e, através da restrição a participação e da aceitação de lances, evita comportamento desonesto entre os agentes. Para o Setor de Transmissão foi adotado um modelo de leilão com duas fases e preços descendentes. Na primeira fase os concorrentes realizam lances em envelopes lacrados. Após a abertura dos envelopes, os lances são anunciados e o vencedor é o que apresentar a melhor (menor) proposta. Caso os melhores lances apresentem uma diferença de 5% ou menos, os concorrentes partem para a segunda fase, que é um leilão de lances abertos. Nesta etapa os lances partem do melhor lance realizado na etapa anterior e param quando nenhum concorrente deseja melhorar a proposta anterior. A empresa vencedora é responsável pela construção, operação e manutenção da linha. Segundo a ANEEL (2008), a possibilidade de ter a receita definida no momento da assinatura do contrato e a alta rentabilidade têm sido grandes atrativos do segmento de transmissão de energia. Diversos agentes nacionais e internacionais têm realizado investimentos: considerando apenas os empreendimentos leiloados em 2009, há investimento previsto de quase R$ 3 bilhões de reais. Nos diversos leilões realizados tem se verificado um aumento deságios (Figura 1). Alguns autores creditam isto justamente ao aumento da concorrência, em especial à concorrência de empresas espanholas. Francellino & Polito (2007) dizem que o motivo do comportamento agressivo de tais empresas não é simples, mas que, por outro lado, isto é resultado das vantagens que elas têm se beneficiado, que vão desde fácil acesso a crédito até benefícios fiscais. Bueno e De Castro (2006) apresentam um modelo para explicar esses deságios: os crescentes deságios estão relacionados com a redução do Risco Brasil, ou seja, da redução da percepção de risco do investimento nacional por investidores estrangeiros. Porém, segundo eles, isto não é suficiente para explicar o comportamento agressivo verificado nos leilões de 2

transmissão: deve-se considerar também o aumento do otimismo gerado pelo acréscimo do acesso ao crédito via BNDES e mercado de capital. Apesar dos grandes descontos observados, o mercado não acredita que os investidores irão reduzir seu interesse pelo setor de transmissão: pelo contrário, eles têm sido mais e mais numerosos. Essa aparente contradição menor taxa de retorno e longos termos de contratos é explicada pela estabilidade do setor, o qual apresenta claras e transparentes regras. A estabilidade regulatória é um dos principais atrativos para os investidores nesse segmento (Carlos & Saraiva, 2010). Figura 1 - Evolução dos deságios por ano. Fonte: Elaboração própria com dados da Aneel. Segundo Bueno & De Castro (2006) o principal indicador de avaliação dos resultados dos leilões é a razão entre a proposta vencedora (RAP) e o investimento necessário para construir a instalação. Tais valores têm decrescido: os primeiros leilões mostram que essa razão tinha uma média de cerca de 20% enquanto que no primeiro leilão de 2010 chegou ao nível de 5%. Hirota (2006) utiliza a hipótese de existência de economias de escala entre as instalações para explicar os aumentos dos deságios nos leilões. Carlos & Saraiva (2010) concluem que a existência de economias de escala é um fator que têm influenciado a redução da relação RAP/Investimento. Porém, tendo em vista os menores retornos admitidos pelos investidores, e como mecanismo para garantir uma boa qualidade do serviço de transmissão de energia, a Aneel adicionou à receita do prestador uma Parcela Variável (PV) que reduz a receita do prestador de serviço em caso de interrupção do serviço de transmissão. Tais interrupções podem ser ocasionadas por diversos fatores: desde desligamentos programados a eventos da natureza como chuvas e raios. Dessa forma, a PV introduzida pela Aneel ganha um caráter de incerteza e afeta diretamente a rentabilidade do concessionário. Além dessa variável, o concessionário é afetado por outras fontes de incerteza. Araújo (2008) fala da influência do financiamento sobre o lucro e disponibilidade de caixa de empresas de transmissão. Como outra fonte de incerteza, o concessionário pode, ainda, ser 3

afetado por uma mudança tecnológica imposta pelo regulador, reduzindo o tempo de vida útil de máquinas e equipamentos. Com o objetivo de garantir a maior rentabilidade possível ao empreendimento, e tendo em vista os fatores de risco, a empresa de transmissão desejaria realizar o maior lance possível, desde que seja menor que o melhor lance concorrente. O leilão de transmissão, então, é um ambiente de informação incompleta quanto aos concorrentes e seus comportamentos estratégicos. Este artigo tem como objetivo desenvolver um modelo que auxilie no estudo e avaliação do impacto da interdependência e sobre os resultados dos leilões de transmissão de energia, assim como a evolução dos resultados em forma de redução dos deságios ao longo do tempo. 2. Referencial Teórico Em 1997 Gandal analisou o leilão de licenças de televisão a cabo em Israel (leilão sequencial de objetos interdependentes). O formato do leilão atribuía ao vencedor o dever de desenvolver a infraestrutura e operar e manter a prestação do serviço, além disso, os concorrentes deveriam submeter lances informando o quanto estariam dispostos a receber para prestar o serviço. Segundo o autor, as licenças israelenses apresentaram interdependência devido ao fato de que não existia infraestrutura de televisão a cabo no país, ou seja, havia economia de escala no desenvolvimento da estrutura em áreas vizinhas, assim como na operação e manutenção do sistema. Em sua análise dos resultados do modelo, Gandal (1997) atribui a redução dos lances ao longo do tempo à existência de interdependência entre algumas licenças vizinhas, e descarta a hipótese de que essa redução seria efeito do aumento da competição. O setor de transmissão brasileiro e o formato do leilão se inclui nesta mesma modalidade. A Aneel exige que o vencedor construa, mantenha e opere instalação de transmissão. No Edital de licitação a Aneel relata também a obrigatoriedade de a concessionária considerar custos como o de liberação da faixa de terra necessária à passagem da linha de transmissão e o de interligação ao sistema existente. Dessa forma, possuir outra linha na mesma região pode ser um fator que adiciona valor ao objeto leiloado, tendo em vista a possibilidade de obter ganhos provenientes de uma possível economia de escala e/ou de informações mais precisas sobre as especificidades da região. Hirota (2006) utilizou uma adaptação do modelo de Gandal para os leilões de transmissão brasileiros e chegou à conclusão de que a interdependência, ou economia de escala, além dos próprios custos, é um fator determinante na avaliação da proposta quando comparado com variáveis de tipos de empresas e número de concorrentes. Carlos & Saraiva (2010) realizaram um estudo para avaliar as grandes diferenças entre o preço de reserva e os lances vencedores que ocorreram nos leilões de linhas de transmissão. Os autores utilizam modelos econométricos para testar a hipótese de que esses altos deságios sejam consequência da existência de interdependência entre as linhas. Como resultado eles perceberam que vários fatores impactam os lances vencedores, dentre eles, o número de competidores, o preço de reserva máximo, o investimento requerido e, principalmente, a localização das linhas. 4

Cezario (2007) chega à conclusão de que o mercado de transmissão não é concentrado. Rocha (2007) diz que o aumento dos deságios, em relação aos primeiros leilões, deve-se, entre outros fatores, à entrada de novos agentes e ao alto grau de liquidez do setor. Araújo (2010) faz uma análise dos riscos presentes num empreendimento de transmissão relacionados ao financiamento. Para o autor, a grande questão para tais empreendimentos é a grande competitividade, bem como os altos deságios praticados, reduzindo a taxa de retorno dos empreendimentos e assim, exigindo financiamentos mais baratos. Além disso, o investidor, por ter uma renda fixa durante 30 anos, pode ter o seu retorno em relação ao mercado alterado devido às oscilações macroeconômicas. Conforme dito antes, outra fonte de incerteza surgiu da adição da Parcela Variável, que reduz a receita do prestador de serviço sempre que ocorre uma interrupção da transmissão. A receita do concessionário é, portanto: (Pagamento anual) = (Pagamento base anual) - (Parcela Variável) onde a Parcela Variável é dada por: com Pagamento base anual, fixo, contratado pela prestação do serviço ($); Número de horas em um ano (h); Multiplicador do tempo de desligamento programado da instalação; Multiplicador do tempo de desligamento forçado da instalação; Duração do desligamento programado j associado à instalação i, em horas; Duração do desligamento forçado j associado à instalação i, em horas. Como mostra a equação, a Aneel pune o concessionário sempre que o serviço é interrompido, seja por um fator previsto (manutenções) ou imprevisto (danos causados por chuvas, raios etc.). Silva & Tondello (2006) atribuíram distribuições de probabilidade ao tempo de interrupção do serviço de transmissão e, utilizando a técnica de Simulação de Monte Carlo, definiram distribuições de probabilidade para as penalidades que seriam impostas, pela Aneel, sempre que houvesse interrupção do serviço. Segundo os autores, tendo posse dessa avaliação do risco de sofrerem uma punição, os concessionários podem se prevenir por meio de seguros. A penalidade aplicada ao concessionário depende também do multiplicador associado a cada tipo de interrupção. Puente & Ramos (2005), utilizando a Teoria Principal-agente, chegaram à conclusão de que esses parâmetros podem ser estabelecidos em patamares menores e resultar em maior eficiência econômica. Segundo os autores, um elevado nível desses multiplicadores pode levar a um desincentivo à entrada de empresas no setor enquanto o contrário pode resultar num incentivo à má prestação do serviço. 5

3. Efeito estratégico sobre os resultados dos leilões Seja, N={1,2,3...} o valor de deter n linhas interdependentes. A interdependência entre as linhas implica que. Dentre as empresas que concorrem às linhas de transmissão, três tipos principais podem ser percebidos: B1 Empresa que detém ao menos uma linha com interdependência com a linha a ser leiloada; B2 Empresa que não tem linha interdependente; B3 Empresa sem interdependência e de baixo custo. Dessa forma, os agentes que possuem linha(s) de transmissão interdependente(s) atribuirão à nova linha um valor, já os agentes que não possuem linhas interdependentes, avaliarão a linha como. As empresas podem se distinguir, ainda, com relação ao custo, dessa forma, será atribuído um índice i, I={l,h}, sendo l para empresas de baixo custo e h para empresas de alto custo. Assim, temos uma ordenação das avaliações: Em geral, as avaliações dos agentes de baixo custo são maiores que as avaliações dos agentes de alto custo. Além disso, avaliações que consideram interdependência, superam as avaliações sem interdependência. Supondo, então, que três linhas interdependentes são leiloadas, separadamente, e que os tipos de empresas possam participar de cada leilão de forma independente. Podemos iniciar nossa análise, sem prejuízos, no leilão da segunda linha interdependente. Nesse leilão, os agentes avaliam a linha de transmissão como o valor individual dela, somado ao valor esperado de se obter a próxima linha interdependente a ser leiloada. Logo, a avaliação dos agentes será: B1: B2: B3: Onde Estar só significa não haver concorrentes com uma avaliação igual ou superior no próximo leilão e é o preço de equilíbrio no leilão da terceira linha interdependente quando o agente Está só. Para agentes do tipo B1 e B2, isso significa não haver concorrentes de alto ou baixo custo com linhas interdependentes. Já para agentes do tipo B3, significa não haver concorrentes de baixo custo com linhas interdependentes. Então, se o agente Está só, as outras firmas só estarão dispostas a pagar um valor abaixo de sua avaliação, e assim, ele poderá obter um excedente na expansão do seu sistema. Sendo assim, o valor de obter a linha interdependente dependerá do valor da própria linha isoladamente e do excedente que pode ser obtido pelo concessionário e da probabilidade condicional de Estar só no leilão posterior, dado que venceu o leilão atual. Porém, para os agentes do tipo B1 e B2, essa probabilidade condicional de Estar só, é percebida como sendo baixa, devido ao seguinte motivo: muitas linhas leiloadas nos primeiros leilões encontram-se nas áreas mais populosas, as quais serão as regiões que 6

receberão linhas com maior frequência, visto o aumento da demanda por energia em tais regiões. Por consequência, é entendível que as avaliações desses agentes não superem em muito os valores relacionados às linhas individualmente, que nesse caso o é a avaliação de B1,. Por outro lado, a empresa do tipo B3 por perceber que há poucas concorrentes de baixo custo no mercado e, assim, ter uma maior avaliação da probabilidade de Estar só, devem realizar lances maiores que as avaliações das linhas individualmente, tendo em vista os ganhos com as linhas futuras. A recuperação desse investimento inicial, realizado pelo agente B3, dependerá, por sua vez, de quão mais eficiente ele é em relação aos agentes B2, ou seja, do excedente que ele obterá a cada leilão que for vencedor. Para a configuração do segundo leilão naquele formato era necessário que no leilão da primeira linha, a qual até então não apresentava interdependência com outra linha, só participassem agentes do tipo B2, cuja avaliação no momento do primeiro leilão é: B2: E, assim como no segundo leilão, as avaliações das probabilidades de Estar só nos leilões seguintes também podem ser vistas como baixas. Dessa forma, o preço de equilíbrio deve ser o da maior avaliação, a qual não deve superar em muito o valor de. Já no leilão da terceira linha interdependente, supondo a participação dos três tipos de agentes, e considerando que o agente B3 venceu o segundo leilão, as avaliações serão as seguintes: B1: B2: B3: Nesse caso, o preço de equilíbrio será a segunda maior avaliação,, e o vencedor será o agente B3, o qual vai capturar o excedente. Caso tivéssemos considerado um segundo agente do tipo B3 no leilão perceberíamos algumas mudanças no resultado desse terceiro leilão, nessa nova configuração o preço de equilíbrio seria e nenhum excedente seria capturado por parte dos concorrentes. Além disso, se tivéssemos suposto a participação de agentes do tipo B3 no primeiro e segundo leilão aqueles resultados também seriam alterados e um maior excedente teria sido destinado ao leiloeiro. Por fim, percebe-se que a participação dos agentes mais eficientes pode gerar mudança no resultado dos leilões e que sempre que agentes com a maior avaliação concorrem entre si, o excedente é capturado pelo leiloeiro. Também nota-se que a existência de interdependência é um fator que contribui para o aumento das avaliações das linhas de transmissão. 4. Base de Dados 7

Os dados utilizados para esta análise foram obtidos nos relatórios de resultados dos leilões e em nota técnica, todos publicados pela Aneel. Os dados referentes aos lances realizados na primeira e segunda fase dos leilões, assim como o número de concorrentes, foram obtidos no site da BM&FBOVESPA, instituição responsável pela condução do leilão. Os dados compreendem os leilões ocorridos entre 2000 e meados de 2010 - nesse período foram leiloados 125 lotes de linhas e/ou subestações. A tabela 1 contém as estatísticas descritivas dessas varáveis. Variáveis Média Des. Padrão Máximo Mínimo PROP 18.229,32 18.991,37 18.229,32 18.229,32 EXT 217,41 221,82 987,00 0,00 CONC 4,37 2,64 10,00 1,00 RAP 26.279,06 27.310,60 128.144,28 1.410,32 INVEST 161.749,10 161.871,77 766.569,42 10.479,27 TRIB 0,92 0,28 1,00 0,00 SUL 0,21 0,41 1,00 0,00 SE 0,27 0,45 1,00 0,00 NE 0,26 0,44 1,00 0,00 CONO 0,25 0,44 1,00 0,00 Tabela 1 - Estatística Descritiva A variável PROP é a proposta de receita anual, realizada pela empresa vencedora, no leilão de transmissão para a construção, operação e manutenção da linha ou conjunto de linhas. A proposta deve incluir ainda custos para atendimento da legislação ambiental, liberação da faixa de terra e interligações ao sistema existente. A variável EXT é a extensão total da linha (ou conjunto de linhas) de transmissão. No caso de se tratar de subestação a extensão é zero. A variável CONC é o número de concorrentes habilitados a participar do leilão que realizaram lances. A variável RAP é a Receita Anual Permitida anunciada em edital pela Aneel, é o valor de reserva do regulador. A variável INVEST é o investimento estimado, calculado pela Aneel, para construir, operar e manter o empreendimento. A variável TRIB é uma variável dummy que tenta capturar o comportamento estratégico do competidor de realizar lances abaixo de R$ 48 milhões para se beneficiar de um sistema de tributação mais vantajoso. As variáveis dummys SUL, SE, NE, CONO são variáveis que indicam a região geográfica onde vai ser construída a instalação. 5. Modelo Estatístico Nesta sessão utilizaremos o modelo proposto por Carlos & Saraiva (2010) para determinar o valor da proposta vencedora no leilão de transmissão brasileiro, e assim, testar os resultados do modelo teórico desenvolvido na seção 4, o qual prevê influência da interdependência e da concorrência sobre o lance vencedor. Uma prévia análise das variáveis permite a identificação de correlação entre as variáveis INVEST e RAP, como pode ser visto na Figura 4. Como as duas variáveis são provenientes de cálculos realizados pela Aneel, podia-se esperar a existência de correlação 8

entre elas. Para evitar a correlação utilizamos apenas a variável INVEST na análise da proposta vencedora. 800000 700000 600000 500000 400000 300000 200000 100000 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 INVEST RAP Figura 2 - Correlação entre INVEST e RAP O modelo proposto tem a seguinte especificação: Tendo em mente o modelo teórico proposto, uma redução da variável dependente PROP, resultante do aumento da concorrência, indica que o coeficiente deve ter um sinal negativo. Quanto às variáveis EXT e INVEST, seus aumentos indicam uma elevação dos custos e dessa forma, espera-se que seus coeficientes, e, respectivamente, tenham sinal positivo. Além disso, dado a existência de incentivos para que o lance se estabeleça abaixo de R$ 48 milhões espera-se que o coeficiente tenha sinal negativo. Como resultado da regressão, assim como pode ser visto na tabela 2, percebe-se que todos os coeficientes significantes ao nível de 0,01, com exceção dos coeficientes das variáveis EXT, que é significante ao nível 0,05, e TRIB que é significante ao nível de 0,10. Os resultados da regressão nos mostram também que os sinais obtidos para os coeficientes das variáveis são os mesmos que os esperados pelo modelo teórico. Além disso, o coeficiente de determinação R 2 nos permite concluir que o modelo é bastante eficaz na determinação do lance vencedor. As variáveis dummy de região apresentaram coeficientes significantes, e assim, mostraram-se influentes na determinação da proposta vencedora. Variável Dependente: PROPOSTA Método: Mínimos Quadrados Data: 04/28/11 Hora: 16:36 9

Amostra: 1 106 Observações Inclusas: 106 Variável Coeficiente Erro Padrão Estatística t Prob. EXT 7.856387 4.034247 1.947423 0.0543 CONC -1020.011 218.5828-4.666476 0.0000 INVEST 0.096775 0.007146 13.54274 0.0000 TRIB -7411.748 3106.986-2.385511 0.0190 SUL 13627.62 3670.814 3.712425 0.0003 SE 12166.48 3731.103 3.260826 0.0015 NE 11024.99 3564.691 3.092831 0.0026 CONO 11921.55 3866.239 3.083502 0.0027 R-squared 0.922037 Mean dependent var 18229.32 Adjusted R-squared 0.916469 S.D. dependent var 18991.37 S.E. of regression 5488.849 Akaike info criterion 20.13130 Sum squared resid 2.95E+09 Schwarz criterion 20.33231 Log likelihood -1058.959 Durbin-Watson stat 1.315784 6. Conclusão Tabela 2 - Resultado da Regressão Os resultados do modelo econométrico utilizado mostram que o número de concorrentes é um fator que contribui para a redução do lance vencedor. A localização das linhas de transmissão leiloadas também é relevante para a determinação do lance vencedor. Dessa forma, a ideia de que um concorrente previamente instalado em uma região irá competir mais agressivamente foi suportada. Além disso, os competidores parecem estar sendo influenciados a realizar lances abaixo de R$ 48 milhões, visando incluir-se numa tributação mais vantajosa. Conclui-se, então, que a redução dos lances não tem sido gerada nem apenas pelo aumento da competição, nem pela existência de interdependência entre as linhas. Na verdade esses dois fatores, atuando em conjunto conduzem a uma redução dos lances ao longo do tempo. A presença de concorrentes eficientes e com altas avaliações das linhas contribui para que os agentes realizem lances equivalentes às suas avaliações. Não obstante, a existência da interdependência contribui para que essas avaliações sejam cada vez maiores de acordo com o crescimento das economias de escalas. No caso dos leilões de linhas de transmissão brasileiros, os agentes durante o leilão têm, apenas, uma expectativa quanto às novas linhas interdependentes que podem ser leiloadas, reduzindo suas avaliações quanto a rendimentos futuros provenientes de tais linhas. Dessa forma, como sugestão, a Aneel deveria adotar uma política de planejamento que visasse divulgar as linhas interdependentes que seriam leiloadas futuramente, conduzindo o leilão para um formato sequencial. Tal política pode contribuir para que a existência da interdependência atue como fator de redução dos lances. Como sugestão para trabalhos futuros seria interessante analisar a influencia de restrições de capacidade sobre o resultado dos leilões, e se este não seria um fator que diferencia as empresas, caracterizando algumas como de baixo custo. 10

7. Referências XXXI ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO ANDERSON, J. A., Electricity Restructuring: A Review of Efforts around the World and the Consumer Response. The Electricity Journal, Vol. 22(3), pp 70-86, 2009. ANEEL Agência Nacional de Energia Elétrica. Atlas de energia elétrica do Brasil / 3. ed. Brasília : Aneel, 2008. ARAÚJO, J. V., Avaliação de risco no negócio de transmissão de Energia Elétrica: Uma avaliação de equivalência entre debêntures e ações ordinárias. Recife, 2008. 162p. (Mestrado Universidade Federal de Pernambuco). ATANASSOV, E., e Dimov, I.T., What Monte Carlo models can do and cannot do efficiently?, Applied Mathematical Modelling, Vol. 32, pp. 1477 1500, 2008. BUENO & DE CASTRO, "Leilões de Linhas de Transmissão e o Modelo de Parceria Estratégica Pública-Privada". Working Paper, UFRJ. 2006. CARLOS, A. P., e SARAIVA, J.C.D., Strategic Behaviour of Winning Bids in the Brazilian Transmission Auctions, 2010, s.l. s.ed. CEZARIO, A. P., Análise de Leilões no Setor Elétrico: Energia e Transmissão. Recife, 2007. 126p. (Mestrado Universidade Federal de Pernambuco), 2007. DE CASTRO, B, "Os leilões de linhas de transmissão e o Risco Brasil", working paper, UFRJ. 2006. FRANCELLINO & POLITO, O segredo flamenco, Brasil Energia, 2007. HIROTA, O Mercado de Concessão de Transmissão de Energia Elétrica no Brasil, dissertação USP. 2006. KLEMPERER, P. Auction Theory: A Guide to Literature. Journal of Economics Survey. Oxford, England, 13(3), pp 227-286, 1999. PUENTES, A.P., e RAMOS, F.S., Determinação de Parâmetros na Relação Entre o Regulador e os Concessionários de Transmissão de Energia Elétrica: Uma Abordagem Principal-Agente. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA, 33, 2005. Anais. SILVA, E.L. da, e TONDELLO, C.J., Assessing the transmission service risk, Electrical Power and Energy Systems, 28: p119 126, 2006. SPINNEY, P.J., e WATKINS, G. C., Monte Carlo simulation techniques and electric utility resource decisions, Energy Policy. Vol. 24, No. 2, pp. 155-163, 1996. WOLFSTETTER, E. Topics in Microeconomics. Industrial Organization, Auctions and Incentives. Cambridge University Press, Chinese Edition, Berlin, 1999. 11