RAÇA E GÊNERO NA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR: UMA ANÁLISE DA PRODUÇÃO CIENTIFICA A PARTIR DA LEI 10.639/03



Documentos relacionados
Estado da Arte: Diálogos entre a Educação Física e a Psicologia

A Interdisciplinaridade e a Transversalidade na abordagem da educação para as Relações Étnico-Raciais

DIMENSÕES DO TRABAHO INFANTIL NO MUNICÍPIO DE PRESIDENTE PRUDENTE: O ENVOLVIMENTO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM SITUAÇÕES DE TRABALHO PRECOCE

SEMANA 3 A CONTRIBUIÇAO DOS ESTUDOS DE GÊNERO

OS CONHECIMENTOS DE ACADÊMICOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA E SUA IMPLICAÇÃO PARA A PRÁTICA DOCENTE

MAPAS CONCEITUAIS NAS PESQUISAS DO NÚCLEO DE ETNOGRAFIA EM EDUCAÇÃO

RELAÇÕES ÉTNICO RACIAIS: DESAFIOS NA IMPLEMENTAÇÃO DA LEI /03

UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS CENTRO DE ENSINO E PESQUISA APLICADA À EDUCAÇÃO ÁREA DE COMUNICAÇÃO PROGRAMA DE ENSINO DE EDUCAÇÃO FÍSICA

Plano de Aula As Ações Afirmativas Objetivo Geral: O objetivo da aula é demonstrar que as políticas de ação afirmativas direcionadas à população

PLURALIDADE CULTURAL E INCLUSÃO NA ESCOLA Uma pesquisa no IFC - Camboriú

CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES Niterói RJ: ANINTER-SH/ PPGSD-UFF, 03 a 06 de Setembro de 2012, ISSN X

Palavras-chave: Escola, Educação Física, Legitimidade e cultura corporal.

CONTRIBUIÇÕES PARA UMA ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA: ANALISANDO ABORDAGENS DA PRIMEIRA LEI DE NEWTON EM LIVROS DIDÁTICOS DE FÍSICA

Resgate histórico do processo de construção da Educação Profissional integrada ao Ensino Médio na modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA)

Anais do VII Seminário Fazendo Gênero 28, 29 e 30 de 2006

DA UNIVERSIDADE AO TRABALHO DOCENTE OU DO MUNDO FICCIONAL AO REAL: EXPECTATIVAS DE FUTUROS PROFISSIONAIS DOCENTES

A PESQUISA NO ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS: RELAÇÃO ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA DOCENTE DE ENSINO

A PRÁTICA PEDAGÓGICA DO PROFESSOR DE PEDAGOGIA DA FESURV - UNIVERSIDADE DE RIO VERDE

AÇÃO PEDAGÓGICA DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA NA ESCOLA, NOS PROJETOS ESPORTIVOS E NOS JOGOS ESCOLARES

A FORMAÇÃO DO PROFESSOR E A EDUCAÇÃO INCLUSIVA: UMA BARREIRA ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA

AS INTERFACES ENTRE A PSICOLOGIA E A DIVERSIDADE SEXUAL: UM DESAFIO ATUAL 1

REFLEXÕES PEDAGÓGICAS SOBRE A DANÇA NO ENSINO MÉDIO

A PRODUÇÃO CIENTÍFICA ACERCA DO ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Programa de Recreação Infantil Personal Kids

AS SALAS DE TECNOLOGIAS EDUCACIONAIS E A PRATICA DOCENTE.

A EDUCAÇÃO FÍSICA NAS ESCOLAS MUNICIPAIS DE PONTA GROSSA/PR: ANÁLISE DO ENCAMINHAMENTO METODOLÓGICO DAS AULAS

Educação Física: Mais do que um espaço de desenvolvimento físico, um espaço de possibilidade dialógica.

TRABALHANDO A CULTURA ALAGOANA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UMA EXPERIÊNCIA DO PIBID DE PEDAGOGIA

EDUCAÇÃO E CIDADANIA: OFICINAS DE DIREITOS HUMANOS COM CRIANÇAS E ADOLESCENTES NA ESCOLA

Aline de Souza Santiago (Bolsista PIBIC-UFPI), Denis Barros de Carvalho (Orientador, Departamento de Fundamentos da Educação/UFPI).

APONTAMENTOS CRÍTICOS SOBRE ATIVIDADE FÍSICA E SAÚDE

SAÚDE E EDUCAÇÃO INFANTIL Uma análise sobre as práticas pedagógicas nas escolas.

TUTORIA DE ESTÁGIO: CONTRIBUIÇÕES À FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES/AS

PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE PROFESSORES DE GEOGRAFIA DO ENSINO FUNDAMENTAL

TÍTULO: ALUNOS DE MEDICINA CAPACITAM AGENTES COMUNITÁRIOS NO OBAS CATEGORIA: CONCLUÍDO ÁREA: CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E SAÚDE

ESPORTE E GÊNERO NA ESCOLA: A VISÃO DOS PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA NA CIDADE DE PAU DOS FERROS/RN

EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA E POLÍTICAS PÚBLICAS SOCIAIS

Gênero no processo. construindo cidadania

O PERFIL DOS ALUNOS DO CURSO DE PEDAGOGIA DA FURG

DIDÁTICA e DOCÊNCIA Ensinar a Ensinar & Ensinar e Aprender

CURSO PRÉ-VESTIBULAR UNE-TODOS: CONTRIBUINDO PARA A EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA NA UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MATO GROSSO *

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS:

1.3. Planejamento: concepções

TÍTULO: A EXPECTATIVA DOS PROFESSORES COM A IMPLANTAÇÃO DAS LOUSAS DIGITAIS

CUIDAR, EDUCAR E BRINCAR: REFLETINDO SOBRE A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

O trabalho pedagógico da Educação Física no Ensino Médio profissionalizante no IFG-Uruaçu

NOTA TÉCNICA 11/2014. Cálculo e forma de divulgação da variável idade nos resultados dos censos educacionais realizados pelo Inep

A MODELAGEM MATEMÁTICA E A INTERNET MÓVEL. Palavras Chave: Modelagem Matemática; Educação de Jovens e Adultos (EJA); Internet Móvel.

PERFIL DOS DOCENTES DE PÓS-GRADUAÇÕES COM ENFOQUES EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA

José Fernandes de Lima Membro da Câmara de Educação Básica do CNE

RESENHA. Magali Aparecida Silvestre. Universidade Federal de São Paulo Campus Guarulhos

A CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTO EPISTÊMICO EM BIOLOGIA

Programa: Programa Interagencial para a Promoção da Igualdade de Gênero e Raça

O CONHECIMENTO E O INTERESSE PELA PESQUISA CIENTÍFICA POR PARTE DOS GRADUANDOS EM CIÊNCIAS CONTÁBEIS DO CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ CERES

Pesquisa com Professores de Escolas e com Alunos da Graduação em Matemática

EDUCAÇÃO FÍSICA NA ESCOLA

Psicopedagogia Institucional

PUBLICAÇÃO CIENTÍFICA RESULTANTE DAS DISSERTAÇÕES E TESES EM EDUCAÇÃO FÍSICA NO BRASIL

ESCOLA, LEITURA E A INTERPRETAÇÃO TEXTUAL- PIBID: LETRAS - PORTUGUÊS

A EXPERIÊNCIA DO CONTEUDO DANÇA NA INTERFACE E FORMAÇÃO CULTURAL NA EDUCAÇÃO FÍSICA A PARTIR DAS INTERVENÇÕES DO PIBID UFG/CAC

A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA AD NOS PROGRAMAS DE PÓS- GRADUAÇÃO DA PUC/RS E DA UFRGS

CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROCESSO DE ENSINO APRENDIZAGEM DO ESPORTE NA ESCOLA POR MEIO DE UM ESTUDO DE CASO

ITINERÁRIOS DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA: O ESTÁGIO SUPERVISIONADO E A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA

Estrutura do Trabalho: Fazer um resumo descrevendo o que será visto em cada capítulo do trabalho.

CULTURA ESCOLAR E FEMINALIDADE NO SÉCULO XX: O GÊNERO IMPRESSO NOS MANUAIS DIDÁTICOS

As pesquisas podem ser agrupadas de acordo com diferentes critérios e nomenclaturas. Por exemplo, elas podem ser classificadas de acordo com:

ALGUNS ASPECTOS QUE INTERFEREM NA PRÁXIS DOS PROFESSORES DO ENSINO DA ARTE

PLANO DE CURSO. Código: FIS09 Carga Horária: 60 Créditos: 03 Pré-requisito: Período: IV Ano:

JOGOS E BRINCADEIRAS NO ENSINO INFANTIL: RELATO DE EXPERIÊNCIA DOS PIBIDIANOS COM O TEMA GÊNERO E SEXUALIDADE

I Jornada de Humanidades - PROMOVENDO POSSIBILIDADES TEORIA E PRÁTICA NO ENSINO MÉDIO COLÉGIO SESI SUB SEDE I

Metodologia Resultado e Discussão

O DESAFIO DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM PATOS, PARAÍBA: A PROFICIÊNCIA DOS ALUNOS DE ESCOLAS PÚBLICAS DE PATOS

PROJETO DE EXTENSÃO FUTEBOL PARA TODOS EDUCANDO ATRAVÉS DO ESPORTE

* As disciplinas por ocasião do curso, serão ofertadas aos alunos em uma sequência didática.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO COORDENADORIA GERAL DE PESQUISA PROGRAMA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA

A EDUCAÇÃO QUILOMBOLA

CURSO: LICENCIATURA DA MATEMÁTICA DISCIPLINA: PRÁTICA DE ENSINO 4

ADMINISTRAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR: PERIÓDICOS NACIONAIS

ESTÁGIO SUPERVISIONADO EM GEOGRAFIA I CONTRIBUIÇÕES PARA A FORMAÇÃO DOCENTE

PLANO DE ENSINO E ESTRATÉGIAS

1 O CONTEXTO DO CURSO

A PERSPECTIVA DOS PROFESSORES DA ESCOLA BÁSICA SOBRE A EDUCAÇÃO FINANCEIRA INFANTIL

PROJETO DE INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA NA ESCOLA

VII E P A E M Encontro Paraense de Educação Matemática Cultura e Educação Matemática na Amazônia

A EXTENSÃO EM MATEMÁTICA: UMA PRÁTICA DESENVOLVIDA NA COMUNIDADE ESCOLAR. GT 05 Educação Matemática: tecnologias informáticas e educação à distância

Ministério da Educação. Universidade Tecnológica Federal do Paraná Reitoria Conselho de Graduação e Educação Profissional

CASTILHO, Grazielle (Acadêmica); Curso de graduação da Faculdade de Educação Física da Universidade Federal de Goiás (FEF/UFG).

A ASTRONOMIA E A EDUCAÇÃO: UMA MEDIDA

O CURSO DE EDUCAÇÃO FÍSICA NA UFBA; DA CRÍTICA A FORMAÇÃO À FORMAÇÃO CRÍTICA

AS NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS E A INCLUSÃO

O ENSINO DE EDUCAÇÃO FINANCEIRA NA EDUCAÇÃO DOS JOVENS E ADULTOS EM UMA ABORDAGEM CTS 1. Educação Matemática na Educação de Jovens e Adultos GT 11

A QUESTÃO ÉTNICO-RACIAL NA ESCOLA: REFLEXÕES A PARTIR DA LEITURA DOCENTE

PROJETO DE PESQUISA: passo a passo

Palavras-chave: Educação Física. Ensino Fundamental. Prática Pedagógica.

DIÁLOGO COM A CULTURA A PARTIR DO ENSINO SOBRE FITOTERAPIA PARA ACADÊMICOS DE ENFERMAGEM DE FACULDADES PARTICULARES

OS CONHECIMENTOS MATEMÁTICOS NO ENSINO SUPERIOR: OUTRAS POSSIBILIDADES PARA A PRÁTICA DO PROFESSOR

Revista Perspectiva. 2 Como o artigo que aqui se apresente é decorrente de uma pesquisa em andamento, foi possível trazer os

RESUMOS SIMPLES RELATOS DE EXPERIÊNCIAS RESUMOS DE PROJETOS...456

Transcrição:

RAÇA E GÊNERO NA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR: UMA ANÁLISE DA PRODUÇÃO CIENTIFICA A PARTIR DA LEI 10.639/03 Luciano Nascimento Corsino Mestrando em Educação e Saúde na Infância e na Adolescência UNIFESP Professor da rede municipal de São Paulo e de Guarulhos lucianocorsino@yahoo.com.br Daniela Auad Professora Adjunto III da Universidade Federal de São Paulo Docente da Pós-Graduação Educação e Saúde na Infância e na Adolescência auad.daniela@gmail.com Introdução Análises da produção científica no que diz respeito à Educação Física Escolar indicam que os estudos de gênero na área iniciaram-se, mais intensamente, a partir da década de 1980 (ALVES JÚNIOR, 2001; GOELLNER, 2001). Fato que é justificável com a premissa de que este foi o período em que houve determinada ênfase em pesquisas de mestrado e doutorado nessa área, apoiados em diferentes abordagens das Ciências Humanas e Sociais. Estes estudos (TANI et al., 1988; MARIZ DE OLIVEIRA, BETTI, MARIZ DE OLIVEIRA, 1988; FREIRE, 1989; BETTI, 1991; MEDINA, 1996; MOREIRA, 1992; SOARES et al.,1992; DAOLIO, 1995; MATOS e NEIRA, 1998; KUNZ, 1998; 2004; GHIRALDELLI JUNIOR, 2001) foram desenvolvidos por pesquisadores/as que objetivavam denunciar uma Educação Física Escolar baseada em preceitos médicos, militares e esportivos e que até aquele momento não poderia ser identificada como um componente curricular capaz de atingir os objetivos almejados pelas recentes teorias da educação 1. 1 Trata-se de teorias oriundas dos estudos clássicos da psicologia/psicomotricidade e do desenvolvimento motor, também é importante destacar as teorias críticas da educação, que contestaram as teorias anteriores, denominadas de teorias não críticas, e que na verdade tinham como papel principal resolver o problema da marginalidade, mas que não obtiveram êxito em momento algum. O objetivo principal das teorias críticas era de reivindicar uma educação que considerasse a necessidade de emancipação dos sujeitos de nossa sociedade capitalista. Do ponto de vista prático, trata-se de retomar rigorosamente a luta contra a seletividade, a discriminação e o rebaixamento do ensino das camadas populares (SAVIANI, 2001).

Este processo de transformação da área se prolongou por anos e ocorreu concomitantemente com a intensificação dos estudos de gênero em diversas áreas de pesquisa, inclusive no âmbito educacional e principalmente com a exímia contribuição dos Estudos Feministas, que foram ampliados e fortalecidos com a chegada do artigo intitulado: Gênero: uma categoria útil de análise histórica, desenvolvido pela historiadora americana Joan Scott, posteriormente traduzido pelas pesquisadoras brasileiras Christine Rufino Dabat e Maria Betânia Ávila e publicado na Revista Educação e Realidade em 1990. Nesse contexto, surgiram estudos (ROMERO, 1990; MOREIRA, 1992; SOUSA, 1994; DAOLIO, 1995; ALTMANN, 1998; SARAIVA, 2005; GOELLNER, 2008) que iniciaram questionamentos sobre o caráter biológico presente na Educação Física, ressaltando a polissemia do corpo, que até então era percebido como uma máquina possível de ser treinada na escola, e abrindo caminho para as reivindicações de uma Educação Física mais igualitária do ponto de vista de gênero. Por outro lado, é indispensável considerar o que alguns pesquisadores/as como Agripino da Luz Alves Júnior (2001) e Silvana Goellner (2001) vêm chamando atenção. Apesar do crescimento quantitativo de estudos que se debruçaram em perceber as relações de gênero na Educação Física Escolar, até a década de 1990 muitos deles utilizaram o conceito de forma equivocada 2, ou pelo menos não consideraram gênero como uma construção social e mantiveram as oposições binárias nos modos de perceber o feminino e o masculino, o que provocou algumas confusões em seu entendimento 3. Não obstante, não apenas a produção científica de gênero iniciou um processo de proliferação de abordagens igualitárias e questionadoras de inovadoras categorias. Esse fenômeno também se dá no que se refere à consideração da categoria raça. Como reflexo deste movimento surge no ano de 2003 a Lei 10.639/03 que altera a Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional 9.394/96 e dispõe que os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo 2 Em etapa posterior ao término da pesquisa de campo que desenvolvemos atualmente sobre Educação Física Escolar e Relações de Gênero, será realizado estudo sobre as diferentes apropriações da categoria gênero na produção de conhecimento no interior da área de Educação Física. 3 Tais confusões são identificadas por Silvana Goellner (2001) como: Gênero identificado como sinônimo de sexo; confusão conceitual entre identidade de gênero e identidade sexual; o estudo de estereótipos e papéis sexuais como uma possibilidade reduzida de abordar relações de gênero e a identificação entre estudo sobre mulheres e estudos de gênero. No entanto, a autora reconhece a importância e a necessidade de novas possibilidades de aprofundamento deste tema.

escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras. Ao considerar essa premissa, é possível elaborar estudos e pesquisas a partir dos seguintes questionamentos: O que diz a produção científica sobre o tratamento da História e Cultura Afro-Brasileira no que tange a Educação Física Escolar? Os estudos de gênero na Educação Física Escolar publicados em periódicos de destaque e legitimidade nacionais, a partir do ano de 2003, fazem intersecção com a categoria raça? Para responder esses dois questionamentos fundamentais realizou-se um levantamento inicial de dados no qual se buscou conhecer a produção científica no âmbito da Educação Física Escolar entre os anos de 2003 e 2011, a partir da Revista Motrivivência e da Revista Movimento. Cumpre destacar que o ano de 2003 foi escolhido como marco, pois nele se deu a promulgação e publicação da Lei 10.639/03. Como critério de seleção para escolha dos periódicos, foram delineados os que apresentaram maior interface entre a Educação Física Escolar e as Ciências Humanas e Sociais. Os artigos que abordaram as questões de gênero e/ou raça, mas não trataram da Educação Física Escolar foram excluídos da análise. A pesquisa baseia-se na necessidade de se considerar o que a pesquisadora feminista Mary Castro denomina de a alquimia das categorias de análise social na produção dos sujeitos políticos (1992), sobretudo no que diz respeito aos estudos acerca das questões de gênero e de raça. A Educação Física é considerada, nessa perspectiva de produção de conhecimento, componente curricular que corresponde, por excelência, a locus tanto de debate da temática raça, gênero e corpo quanto à construção de uma sociedade mais igualitária para mulheres, meninos, meninas e homens. Raça e Gênero na Revista Motrivivência Ao analisar a Revista Motrivivência, de 170 artigos encontrados entre os anos de 2003 e 2010, apenas um tratou da categoria raça na Educação Física escolar, dois abordaram a categoria gênero na Educação Física Escolar e não houve artigos que apresentaram intersecção entre as duas categorias.

Entre os anos de 2003 e 2007 e também no ano de 2010, foi concluído que não há estudos acerca das relações de gênero, raça e nem tampouco intersecção entre as duas categorias. No entanto, no ano de 2008 foi encontrado um artigo que abordou questões de raça na Educação Física Escolar. No artigo A dialética da teoria racialista como saber para problematizar em pesquisas sobre questões raciais no campo da educação física escolar, Marcelo Siqueira de Jesus inicia o texto apresentando fatos explícitos de racismo no esporte contemporâneo. Após a descrição dos fatos racistas, o autor aponta os seguintes questionamentos: Por que ainda presenciamos situações de racismo na sociedade? Por que apesar de todas as atrocidades que as teorias racialistas já promoveram para a humanidade, ainda são presentes e ressignificadas? Qual o papel do profissional de Educação Física sobre esse fato? Está sendo oferecido o conhecimento sobre cultura africana e afro-brasileira nas escolas básicas brasileiras? O currículo de Educação Física escolar atende as diretrizes da Lei 10.639/03? (JESUS, 2008, p. 172) Ao acreditar na possibilidade de professoras e professores de Educação Física contribuir com seus alunos/as, engendrando o debate acerca do racialismo 4 a partir da lei 10.639/03, que dá subsídios para isso, o autor apresenta a origem da teoria do racismo na sociedade francesa entre os séculos XVII e XIX (p. 172). Para ele é importante que os/as professores/as conheçam a história do pensamento sobre a diversidade humana, tendo em vista que até hoje há suas consequências. Em relação às questões de gênero, foram encontrados dois artigos, um no ano de 2008 e um no ano de 2009, intitulados Futebol feminino e as barreiras do sexismo nas escolas e Educação Física Escolar: reflexões sobre as aulas de exclusão. Estes artigos abordaram as relações de gênero nas aulas de Educação Física, o primeiro investigou as implicações da autorrepresentação de atletas do futebol feminino nas aulas de Educação Física e o segundo analisou os fatores de exclusão nas aulas de Educação Física de uma turma de 2º ano de Ensino Médio em uma escola privada situada em 4 O autor utiliza este conceito como uma teoria científica do racismo, salientando que para Todorov (1993) racismo é uma prática excludente, enquanto o racialismo se apresenta como teoria produzida a partir de diferenças constatadas. Nesse sentido o racismo, como prática excludente, pode gerar uma catástrofe (por exemplo: o holocausto), utilizando-se para isso do racialismo e de suas doutrinas, que classificam a humanidade a partir de suas características fenotípicas e pela frenologia (JESUS, 2008, p. 174).

Florianópolis/SC. Entretanto, os/as autores/as dos artigos apontados não se propuseram a relacionar o futebol feminino e os fatores de exclusão com questões de raça. De todo modo e apesar disso, os artigos encerram mérito inconteste, a partir da consideração das relações de gênero no âmbito da produção de conhecimento com vistas a práticas igualitárias. 1. Tabela contendo as categorias dos artigos analisados da Revista Motrivivência. Periódico Revista Motrivivência Ano 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Total Artigos 15 22 20 19 19 37 22 16 170 Raça/Lei 10.639/03 0 0 0 0 0 1 0 0 1 Gênero 0 0 0 0 0 1 1 0 2 Intersecção entre as categorias 0 0 0 0 0 0 0 0 0 Raça e Gênero na Revista Movimento Ao analisar a Revista Movimento foram encontrados 206 artigos entre os anos de 2003 e 2010. Dentre os artigos encontrados, nenhum tratou da categoria raça na Educação Física Escolar, nove abordaram a categoria gênero e não houve artigos que relacionassem as duas categorias. Nos anos de 2004, 2005 e 2009 também não foram encontrados estudos acerca das questões de gênero. No ano de 2003, foi encontrado um artigo que trata da categoria gênero, As relações de gênero no esporte por discentes da rede pública municipal de Juiz de Fora, um artigo no ano de 2006, Educação física escolar, coeducação e gênero: mapeando representações de discentes, três em 2007 Análise etnográfica das relações de gênero em brincadeiras realizadas por um grupo de crianças de pré-escola: contribuições para uma pesquisa em busca dos

significados, Representações de adolescentes femininas sobre os critérios de seleção utilizados para a participação em aulas mistas de educação física, O cuidado com o corpo como estratégia de sujeitos generificados, um artigo em 2008 Apresentação e análise de trabalhos acerca da distribuição dos alunos por sexo nas aulas de educação física escolar e três artigos em 2010 Educação Física, Gênero e Escola: uma análise da produção científica acadêmica, Jogando pela honra: corpo e masculinidade através do esporte, Percepção dos estudantes sobre comportamento no ensino do professor e satisfação com a educação física: uma questão de gênero? 2. Tabela contendo as categorias dos artigos analisados da Revista Movimento. Periódico Revista Movimento Ano 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Total Artigos 19 19 24 22 18 18 36 50 206 Raça/Lei 10.639/03 0 0 0 0 0 0 0 0 0 Gênero 1 0 0 1 3 1 0 3 9 Intersecção entre as categorias 0 0 0 0 0 0 0 0 0 Considerações Finais O conteúdo das publicações citadas no presente texto será objeto de análise aprofundada ao longo de pesquisa em desenvolvimento, assim como novas obras serão consideradas como corpus do estudo bibliográfico proposto. Para o inicial momento da pesquisa que aqui se noticia, vale notar que a totalidade analisada nas duas Revistas é de 376 artigos entre os anos de 2003 e 2010. Nessa amostra, dentre todos estes, apenas um abordou a categoria raça e onze trataram da categoria gênero na Educação Física Escolar. Nenhum dos artigos analisados apresentou relação entre as categorias gênero e raça na Educação Física Escolar. Os dados analisados indicam

evidente necessidade de realização de estudos que considerem as desigualdades raciais no âmbito das aulas de Educação Física, apoiando-se nas diretrizes de implantação da Lei 10.639/03, a qual fornece subsídios para o tratamento do tema. Diante dos dados inicialmente coletados, parece haver necessidade de estudos que contemplem a relação entre gênero e raça, considerando-se que a formação do sujeito político é permeada pelas categorias sociais em questão. Há de se conhecer eventual percurso de apropriação diferenciada das duas categorias. Por que parece se considerar menos raça do que gênero e, ainda assim, por que gênero é tão pouco adotado nos estudos? Há de se questionar os motivos da desconsideração de ambas as categorias, tanto em conjunto quanto isoladamente. Trata-se, portanto, de pesquisa a ser realizada em busca de conhecer as invisibilidades e suas múltiplas causas. E, nesse sentido, vale lembrar que o não dito, os silêncios, as lacunas guardam muitos objetos de pesquisa para se conhecer. Referências Bibliográficas ALTMANN, Helena. Rompendo fronteiras de gênero: Marias (e) homens da Educação Física. 1998. 110f. Dissertação (Mestrado em Educação) Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1998. ALVES JUNIOR, Agripino da Luz. Gênero e educação física: o que diz a produção teórica brasileira dos anos 80 e 90? Centro de Desportos. UFSC, 2001. (Dissertação de Mestrado). AUAD, Daniela. Relações de gênero nas práticas escolares: da escola mista ao ideal de co-educação. 2004. 232p. Tese (Doutorado em Educação: Sociologia da Educação) Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004. BETTI, Mauro. Educação Física e sociedade. São Paulo: Movimento, 1991.

BRASIL. Lei nº. 10.639 de 09 de janeiro de 2003. Inclui a obrigatoriedade da temática História e Cultrura Afro-Brasileira no currículo oficial da rede de ensino. Diário Oficial da União, Brasília, 2003 CASTRO, Mary Garcia. Alquimia de categorias na produção dos sujeitos políticos: gênero, raça e geração entre os líderes do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos em Salvador. Revista Estudos Feministas, Rio de Janeiro, n.º 0, 1992. Disponível em http://www.scielo.br. Acesso em: 16 dez. 2010. CHAN-VIANNA, Alexandre Jackson; MOURA, Diego Luz; MOURÃO, Ludmila. Educação Física, Gênero e Escola: uma análise da produção científica acadêmica. Revista Movimento, Porto Alegre, v. 16, n. 02, p. 149-164, abril/junho, 2010. Disponível em: http://seer.ufrgs.br/movimento/index. Acesso em: 02 abr 2011. DAMICO, José Geraldo Soares. O cuidado com o corpo como estratégia de sujeitos generificados. Revista Movimento, Porto Alegre, v.13, n. 01, p.93-117, janeiro/abril, 2007. Disponível em: http://seer.ufrgs.br/movimento/index. Acesso em: 02 abr 2011. DAOLIO, Jocimar. Da cultura do corpo. Campinas: Papirus, 1995. DEVIDE, Fabiano Pries; JESUS, Mauro Louzada de. Educação física escolar, coeducação e gênero: mapeando representações de discentes. Revista Movimento, Porto Alegre, v.12, n. 03, p. 123-140, setembro/dezembro, 2006. Disponível em: http://seer.ufrgs.br/movimento/index. Acesso em: 02 abr 2011. DUARTE, Catia Pereira; MOURÃO, Ludmila. Representações de adolescentes femininas sobre os critérios de seleção utilizados para a participação em aulas mistas de educação física. Revista Movimento, Porto Alegre, v.13, n. 01, p.37-56, janeiro/abril, 2007. Disponível em: http://seer.ufrgs.br/movimento/index. Acesso em: 02 abr 2011.

FREIRE, João Batista. Educação de corpo inteiro: teoria e prática da educação física. Campinas: Scipione, 1989. FURLAN, Cássia Cristina; SANTOS, Patrícia Lessa dos. Futebol feminino e as barreiras do sexismo nas escolas: reflexões acerca da invisibilidade. Motrivivência. Ano XX, n 30, Junho, 2008. Disponível em: http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/motrivivencia. Acesso em: 02 abr 2011. GHIRALDELLI JUNIOR, Paulo. Educação Física progressista: a pedagogia críticosocial dos conteúdos e a Educação Física brasileira. São Paulo: Loyola, 2001. GOELLNER, Silvana Vilodre. Gênero, educação física e esportes. In: VOTRE, Sebastião. Imaginário e representações sociais em educação física, esporte e lazer. Rio de Janeiro: Editora Gama Filho, 2001.. A produção cultural do corpo. In: LOURO, Guacira Lopes; FELIPE, Jane; GOELLNER, Silvana Vilodre (ORG.). Corpo, gênero e sexualidade: um debate contemporâneo na educação. 4ª ed. Petrópolis: Vozes, 2008. HERNÁNDEZ-ÁLVAREZ, Juan Luis et al. Percepção dos estudantes sobre comportamento no ensino do professor e satisfação com a educação física: uma questão de gênero? Revista Movimento, Porto Alegre, v. 16, n. 04, p. 209-225, outubro/dezembro, 2010. Disponível em: http://seer.ufrgs.br/movimento/index. Acesso em: 02 abr 2011. JESUS, Marcelo Siqueira de. A dialética da teoria racialista como saber para problematizar em pesquisas sobre questões raciais no campo da educação física escolar. Motrivivência. Ano XX, n 30, Junho, 2008. Disponível em: http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/motrivivencia. Acesso em: 02 abr 2011.

JESUS, Mauro Louzada de; DEVIDE, Fabiano Pries; VOTRE, Sebastião. Apresentação e análise de trabalhos acerca da distribuição dos alunos por sexo nas aulas de educação física escolar. Revista Movimento, Porto Alegre, v. 14, n. 02, p. 83-98, maio/agosto, 2008. Disponível em: http://seer.ufrgs.br/movimento/index. Acesso em: 02 abr 2011. KUNZ, Elenor et al. Didática da Educação Física I. Ijuí: Unijuí, 1998.. Didática da Educação Física II. Ijuí: Unijuí, 2004. LEAL, Eduardo Martinelli. Jogando pela honra: corpo e masculinidade através do esporte. Revista Movimento, Porto Alegre, v. 16, n. 02, p. 229-247, abril/junho, 2010. Disponível em: http://seer.ufrgs.br/movimento/index. Acesso em: 02 abr 2011. MARIZ DE OLIVEIRA, José Guilma; BETTI, Mauro; MARIZ DE OLIVEIRA, Wilson. Educação Física e o ensino de 1º grau: uma abordagem crítica. São Paulo: Editora Pedagógica; Editora da Universidade de São Paulo, 1988. MATTOS, Mauro; NEIRA, Marcos Garcia. Educação Física na adolescência: construindo o conhecimento na escola. São Paulo: Phorte, 1998. MEDINA, João Paulo. A Educação Física cuida do corpo... e mente bases para a renovação e transformação da Educação Física. 20. ed. Campinas: Papirus, 1996. MOREIRA, Wagner Wey. Educação Física escolar: uma abordagem fenomenológica. Campinas: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1992. ROMERO, Elaine. Estereótipos masculinos e femininos em professores de Educação Física. 1990. 407 f. Tese (Doutorado em Psicologia) Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade de São Paulo, 1990.

SARAIVA, Maria do Carmo. Co-educação Física e Esportes: quando a diferença é mito. 2. ed. Ijuí: Unijuí, 2005. SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. 34. ed. Campinas: Autores Associados, 2001. SCOTT, Joan Wallach. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade. Porto Alegre, nº 16, p. 5-22, 1990.. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade. Porto Alegre, v. 20, nº 2, p. 71-99, 1995. SOARES, Carmem Lucia et al. Metodologia do ensino da educação física. São Paulo: Cortez, 1992. SOUSA, Eustáquia Salvadora de. Meninos, à marcha! meninas, à sombra! a história do ensino da educação física em Belo Horizonte (1897 1994). 1994. 288f. Tese (Doutorado em Educação: Filosofia e História da Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1994. SILVA, Alan Marques da; DAOLIO, Jocimar. Análise etnográfica das relações de gênero em brincadeiras realizadas por um grupo de crianças de pré-escola: contribuições para uma pesquisa em busca dos significados. Revista Movimento, Porto Alegre, v.13, n. 01, p.13-37, janeiro/abril, 2007. Disponível em: http://seer.ufrgs.br/movimento/index. Acesso em: 02 abr 2011. TANI, Go et al. Educação Física escolar: fundamentos de uma abordagem desenvolvimentista. São Paulo: Editora Pedagógica e Universitária; Editora da Universidade de São Paulo, 1988.

TEIXEIRA, Fabiano Augusto: Educação física escolar: reflexões sobre as aulas de exclusão. Motrivivência, Ano XXI, n 32/33, junho e dezembro, 2009. Disponível em: http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/motrivivencia. Acesso em: 02 abr 2011. VERBETE, Eliete do Carmo da Silva; ROMERO, Elaine. As relações de gênero no esporte por discentes da rede pública municipal de Juiz de Fora. Revista Movimento. Porto Alegre, v. 9, n. 2, p. 113-125, maio/agosto, 2003. Disponível em: http://seer.ufrgs.br/movimento/index. Acesso em: 02 abr 2011.