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Transcrição:

Rua Vinte e Três de Maio, nº 107, Vila Tereza, São Bernardo do Campo-SP CEP 09606-000 Telefone (11) 4122-4622 EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(A) DE DIREITO DA ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE SÃO BERNARDO DO CAMPO-SP 1 O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, por meio da Promotoria de Justiça do Consumidor de São Bernardo do Campo, vem perante Vossa Excelência, com supedâneo no art. 129, inciso III, da Constituição Federal, no art. 82, inciso I, da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), no art. 25, inciso IV, da Lei nº 8.625/93 e no art. 5º, caput, da Lei nº 7.347/85, propor AÇÃO CIVIL PÚBLICA, com pedido de antecipação dos efeitos da tutela, a ser processada pelo rito ordinário, em face de SILVERSTONE EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS SPE LTDA., inscrita no CNPJ/MF sob nº 13.921.025/0001-70, INSIDE PARTICIPAÇÕES S.A., inscrita no CNPJ/MF sob nº 11.990.155/0001-39, ambas com sede na Avenida Brigadeiro Faria Lima, nº 2.012, 5º andar, CEP 01451-919, São Paulo-SP, e DELFORTE EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA., inscrita no CNPJ/MF sob nº 08.674.607/0001-69, com sede na Rua Estados Unidos, nº 1765, Jardim Paulista, CEP 01427-002, São Paulo-SP, em razão dos fatos e fundamentos jurídicos a seguir deduzidos.

2 I DOS FATOS Consta dos anexos autos de inquérito civil, instaurado mediante representação do consumidor Eduardo Salum Faria, que as acionadas SILVERSTONE e INSIDE atuam no ramo da construção e incorporação imobiliária, promovendo a venda direta de bens imóveis no mercado de consumo, inclusive mediante financiamento do preço ao consumidor final. A requerida DELFORTE, por sua vez, foi contratada pelas outras acionadas para promover a divulgação e a comercialização das unidades habitacionais do empreendimento abaixo discriminado. No ano de 2012, as três demandadas efetuaram o lançamento do empreendimento imobiliário denominado Condomínio Priori Angeli, situado na Rua Cristiano Angeli, nº 765, São Bernardo do Campo-SP, adotando, na ocasião, maciça campanha publicitária, inclusive com anúncio de que a realização do sonho da casa própria contaria com financiamento pelo programa habitacional Minha Casa Minha Vida da Caixa Econômica Federal (fl. 37 do anexo IC). Em razão disso, foram rapidamente comercializadas as 200 (duzentas) unidades do empreendimento, mediante adesão, pelos consumidores, aos contratos de promessa de compra e venda elaborados pelas requeridas. Na oportunidade, os adquirentes receberam a informação de que as obras teriam início em 1º de junho de 2013 (cláusula IV, letra a, do

3 quadro-resumo do contrato fl. 54), bem assim que a data estipulada para entrega das chaves era 30 de junho de 2015, conforme retratam os relatórios de compra e venda de unidade anexados a fls. 77, 413, 476, 513, 530 e 566, confeccionados pela ré DELFORTE. Certo é, contudo, que a despeito da informação (escrita e verbal) de que a entrega das chaves ocorreria em 30 de junho de 2015, as acionadas SILVERSTONE e INSIDE inseriram em seus contratos de adesão cláusula que, na verdade, condiciona a entrega das unidades a um evento futuro e incerto. De fato, diz a cláusula IV, letra b, do quadro-resumo do contrato que a data para entrega das chaves está prevista para 24 meses após a assinatura do contrato de financiamento com a Caixa Econômica Federal CEF, prorrogável por 180 (cento e oitenta) dias. (fl. 55). Vale dizer, então, que a prevalecer essa disposição, apenas se e quando as requeridas conseguirem o financiamento com a Caixa Econômica Federal terá início o lapso de 24 meses (prorrogável por 180 dias) para conclusão das obras, o que torna absolutamente indefinida a data de recebimento das chaves pelos adquirentes. Agrava-se a situação dos consumidores quando se constata, ademais, que conforme última resposta enviada pela Caixa Econômica Federal, o financiamento ainda não havia sido aprovado para o empreendimento em questão (ofício nº 29/2014, de 05-03-2014 fl. 543). Mas além do expressivo atraso na obtenção do financiamento, as requeridas SILVERSTONE e INSIDE não comprovaram, até o momento, nem

4 mesmo o efetivo início das obras do empreendimento, o que deveria ter ocorrido, conforme disposição contratual expressa, em 1º de junho de 2013. E a despeito desses atrasos, as demandadas continuam recebendo regularmente dos consumidores os valores pactuados, inclusive corrigindo mensalmente o débito dos adquirentes pelo INCC Índice Nacional de Custo da Construção, que já acumula, no último ano, um percentual de 7,94% (fl. 592/4). Ou seja, enquanto as requeridas SILVERSTONE e INSIDE descumprem, impunemente, a previsão contratual que estabelecia o início das obras em 1º de junho de 2013, os adquirentes continuam honrando suas obrigações, até mesmo porque, se não o fizerem, ficarão sujeitos às sanções estabelecidas unilateralmente pelas rés, além, é claro, da resolução do ajuste. Nota-se, a propósito, que em virtude do inadimplemento das obrigações e descumprimento das promessas feitas pelas três acionadas, alguns consumidores chegaram a pleitear o desfazimento do negócio. As requeridas, no entanto, condicionaram o distrato à devolução de apenas 10% (dez por cento) do montante pago pelos adquirentes, argumentando com uma suposta previsão contratual nesse sentido. É o caso, p. ex., das consumidoras Joyce Beltran da Costa (fl. 409) e Luciene das Dores Papini (fl. 472) Frise-se, por fim, que diante das ilegalidades acima mencionadas, o autor propôs às requeridas SILVERSTONE e INSIDE a celebração de um termo de ajustamento de conduta (TAC) visando à solução do impasse, o que, entretanto, foi por elas rechaçado (fls. 290 e 316).

5 II DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS DOS PEDIDOS 1. Da vulnerabilidade do consumidor (CDC, art. 4º, I) e da necessidade de observância dos princípios da boa-fé e da função social do contrato (CC, arts. 421 e 422). Estabelece o artigo 4º, inciso I, da Lei nº 8.078/90, que A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria de sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: I o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; (destaquei) Em perfeita sintonia com o nosso cotidiano, assim, o texto legal em apreço dispõe que o consumidor deve merecer tratamento compatível com a sua condição de elo mais frágil nas relações de consumo. Tratando-se de matéria contratual, nomeadamente dos chamados contratos de adesão, como é o caso, o desequilíbrio afigura-se patente em desfavor do consumidor. Nas palavras de Cláudia Lima Marques,... no caso dos contratos, o problema é o desequilíbrio flagrante de forças dos contratantes. Uma das partes é vulnerável (art. 4º, I), é o polo mais fraco da relação contratual, pois não pode discutir o conteúdo do contrato: mesmo que saiba que determinada cláusula é abusiva, só tem uma opção, pegar ou largar, isto é, aceitar o

6 contrato nas condições que lhe oferece o fornecedor ou não aceitar e procurar outro fornecedor. Sua situação é estruturalmente e faticamente diferente da do profissional que oferece o contrato. Este desequilíbrio de forças entre os contratantes é a justificação para um tratamento desequilibrado e desigual dos cocontratantes, protegendo o direito aquele que está na posição mais fraca, o vulnerável, o que é desigual fática e juridicamente. (Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 6 ed. São Paulo: RT, 2011, p. 321). Especialmente na hipótese sub judice, portanto, o ditame ganha altíssima relevância, pois se está a tratar de contratos de adesão volvidos à aquisição de casa própria pelo consumidor final. Em muitos casos, inclusive, essa aquisição ocorre ou deveria ocorrer por intermédio de programas governamentais de estímulo à compra da casa própria, como revela, aliás, a publicidade promovida pelas próprias rés em relação ao programa Minha Casa Minha Vida. Cuida-se, assim, de segmento extremamente sensível da atividade econômica, diretamente implicado com o direito fundamental de acesso à moradia (CF, art. 6º), o que reclama do intérprete, por isso mesmo, exegese compatível com a condição de vulnerabilidade do consumidor. Forçoso reconhecer, ademais, que a postura adotada pelas rés SILVERSTONE, INSIDE e DELFORTE revela grave menoscabo aos princípios da boafé e da função social do contrato, notadamente porque se cogita, na hipótese, de contratos imobiliários, volvidos à aquisição de casa própria e, como visto, a assegurar o exercício do direito constitucional à moradia.

7 Daí porque, alinhado aos novos paradigmas mundiais em matéria de interpretação de contratos, dispõe o Código Civil de 2002 que: Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e boa-fé. Nesse panorama, por conseguinte, impõe-se assegurar aos consumidores lesados e que são manifestamente vulneráveis a devida preservação de seus direitos na forma adiante articulada. 2. Do inadimplemento das requeridas e do direito à rescisão do contrato pelos consumidores Como destacado, toda a publicidade em torno do empreendimento, bem assim as informações escritas e verbais prestadas pelas requeridas e seus prepostos, incutiram nos consumidores a crença de que, para a aquisição da casa própria, poderiam eles contar com financiamento pela Caixa Econômica Federal, seja pelo chamado crédito associativo, seja pelo Programa Minha Casa Minha Vida. Por outro lado, com o início das obras estabelecido para 1º de junho de 2013 (cláusula IV, letra a, do quadro-resumo), a previsão de entrega

8 das chaves foi fixada em 30 de junho de 2015, conforme relatórios de compra e venda de unidade anexados a fls. 77, 413, 476, 513, 530 e 566 e depoimentos colhidos no curso do incluso inquérito civil. Note-se que esses dados, concernentes ao modelo de financiamento e data de início e conclusão das obras, dizem respeito a aspectos essenciais do negócio e foram decisivos para que muitos consumidores fizessem a opção pela compra do imóvel com as demandadas. É bem verdade que, como antes assinalado, as acionadas SILVERSTONE e INSIDE inseriram em seus contratos de adesão, maliciosamente, disposição que condiciona o cumprimento da obrigação a evento futuro e incerto (cláusula IV, letra b, do quadro-resumo), segundo a qual a entrega das chaves está prevista para 24 meses após a assinatura do contrato de financiamento com a Caixa Econômica Federal CEF, prorrogável por 180 (cento e oitenta) dias. (fl. 55). Trata-se de previsão, contudo, que além de violar frontalmente o art. 39, inciso XII, do CDC, não pode prevalecer diante do prazo certo e definido constante dos documentos juntados a fls. 77, 413, 476, 513, 530 e 566 e das informações prestadas aos consumidores pela ré DELFORTE nos estandes de vendas, conforme depoimentos anexos. De fato, assim rezam os seguintes dispositivos do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8078/90): Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos

9 ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado. Art. 48. As declarações de vontade constantes de escritos particulares, recibos e pré-contratos relativos às relações de consumo vinculam o fornecedor, ensejando inclusive execução específica, nos termos do art. 84 e parágrafos. Dessa forma, e tendo em vista ainda que as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor (CDC, art. 47), entende-se que o único prazo a ser considerado para a entrega das chaves somente pode ser 30 de junho de 2015, conforme divulgado pelas rés e por seus prepostos aos adquirentes das unidades. Nada obstante a aproximação dessa data (faltam cerca de 15 meses), o que gerou justas expectativas nos adquirentes, certo é que, até a última resposta enviada ao Ministério Público pela Caixa Econômica Federal, datada de 05-03-2014, o financiamento para o empreendimento nem sequer havia sido aprovado (ofício nº 29/2014 fl. 543). E além do expressivo atraso na obtenção do financiamento, as requeridas não comprovaram nos autos do anexo inquérito civil nem mesmo o efetivo início das obras do empreendimento, o que deveria ter ocorrido, conforme disposição contratual expressa, em 1º de junho de 2013. O que se vê, portanto, é que as demandadas já descumpriram a publicidade e a disposição contratual que estabelecia o início das obras em 1º

10 de junho de 2013, o que, inexoravelmente, também conduzirá à mora na entrega das unidades habitacionais, prometida para 30 de junho de 2015. Vale notar, nesse sentido, que o retardo no início das obras e na obtenção do financiamento - imputável apenas às requeridas, e não aos adquirentes já alterou por completo o panorama existente na época da comercialização dos imóveis. Mas além de terem o valor do contrato aumentado mês a mês pela utilização do INCC (que foi o escolhido pelas rés), os adquirentes das unidades também passaram a conviver com as incertezas decorrentes da ausência de financiamento e modificação de datas e fluxos de pagamento veiculados na época da contratação, de modo a frustrar todo o planejamento financeiro-orçamentário anteriormente estabelecido. Tudo isso sem mencionar, naturalmente, outros abalos de ordem moral e patrimonial, como, p. ex. retrataram os consumidores Ronaldo Leite Venuto e Patrícia Nascimento Cardoso, que aguardam a entrega do apartamento para que possam celebrar seu casamento (fl. 503/4). Nesse trilhar, à vista do atraso no início das obras que repercutirá, inexoravelmente, no prazo de entrega das unidades da incerteza, até o momento, da obtenção de financiamento para o empreendimento e para os adquirentes, bem como da constante elevação do valor a ser financiado já que as acionadas continuam reajustando, mês a mês, o saldo devedor alguns consumidores, como acima observado, procuraram as

11 demandadas solicitando a rescisão do pacto, uma vez que as promessas efetuadas quando da venda das unidades não foram cumpridas. Surpreendentemente, no entanto, esses adquirentes foram informados de que um distrato somente seria possível se os consumidores subscrevessem o instrumento anexado a fls. 482/485, que prevê a perda de 90% (noventa por cento) do montante pago em prol das incorporadoras. Certo é, porém, que não se cuida de distrato, mas sim de rescisão por descumprimento da publicidade e das obrigações contratuais assumidas pelas requeridas, o que impõe assegurar aos adquirentes das unidades habitacionais o que prescreve o art. 35, inciso III, do CDC, in verbis: Art. 35. Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha: I - exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade; II - aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente; III - rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos. Assim, aliás, também dispõe o art. 475 do Código Civil:

12 A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos. Com efeito, tratando-se de rescisão por culpa das incorporadoras e seus prepostos, não se há falar em qualquer percentual de retenção do montante pago pelos adquirentes. No caso, o que deve haver é o ressarcimento integral do numerário pago pelo consumidor, devidamente corrigido, sem prejuízo das perdas e danos, para todos aqueles que optarem pela extinção do ajuste. Confira-se, nessa linha, o teor de recentes julgados do E. TJSP: COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA Ação de rescisão contratual c.c. restituição de quantias pagas e indenização por danos materiais e morais Atraso na entrega do imóvel Obra não concluída no prazo contratual Força maior e caso fortuito não demonstrado Fortuito interno, integrado ao risco da atividade, que não descaracteriza o inadimplemento da promitente vendedora Álea negocial Precedentes do TJSP Obrigação da promitente vendedora à restituição integral e de uma só vez das quantias pagas pelos promitentes compradores (...). (Apelação 0029095-11.2010.8.26.0007, 3ª Câm. Direito Privado, rel. Alexandre Marcondes, j. 25-03-2014).

13 APELAÇÃO. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. ATRASO INJUSTIFICADO NA CONCLUSÃO DAS OBRAS. INADIMPLEMENTO. CULPA EXCLUSIVA DA COMPROMISSÁRIA VENDEDORA. RESOLUÇÃO. DEVOLUÇÃO INTEGRAL E IMEDIATA DOS VALORES PAGOS. 1. Ação de resolução de contrato de compromisso de compra e venda por atraso na entrega da unidade. A ré confirmou o atraso alegado e tentou justificar o inadimplemento em razão da rigorosa fiscalização exercida pela Administração Pública, o que não representa, objetivamente considerado, fortuito ou força maior. Define-se como fortuito interno que não desobriga a ré de fazer a entrega do bem que vendeu no prazo avençado. 2. A rescisão do contrato de compromisso de compra e venda por culpa exclusiva do compromissário vendedor implica na devolução integral e imediata dos valores pagos pelos compromissários compradores. 3. Sentença bem lançada que deve ser ratificada, nos termos do art. 252 do RITJ/SP. Sentença mantida. Recurso não provido. (Apelação nº 0279839-81.2009.8.26.0000, 10ª Câm. de Direito Privado, rel. Carlos Alberto Garbi, j. 11-06- 2013). Desse modo, uma vez reconhecida a inadimplência das acionadas, impõe-se a condenação de todas à restituição integral do montante pago pelos adquirentes que fizerem a opção pela rescisão contratual (incluindo comissões de corretagem e supostos serviços de assessoria técnico-imobiliária), devidamente corrigido pelo mesmo índice contratual (INCC) e de uma só vez,

14 nos termos do enunciado da Súmula nº 02 do TJSP 1, sem prejuízo de eventual reparação de danos. 3. Do congelamento do saldo devedor afastamento da incidência do INCC, multa e juros Em relação aos adquirentes que, nada obstante a inadimplência das requeridas, optarem pela manutenção do contrato, impõe-se, como forma de assegurar-lhes o equilíbrio na relação contratual (CDC, art. 51, IV), o congelamento do saldo devedor desde a data em que as obras deveriam ter sido iniciadas (01-06-2013) até o momento em que as rés demonstrarem nos autos, de forma cabal, o efetivo cumprimento desta obrigação, ou seja, o início da construção do empreendimento. Isso porque, como acima apontado, os adquirentes têm visto o saldo devedor aumentar mensalmente, já que as demandadas INSIDE e SILVERSTONE, embora inadimplentes, continuam a aplicar o INCC Índice Nacional de Custo da Construção, que já acumula, no último ano, um percentual de 7,94%, sem prejuízo de multa e juros moratórios por qualquer atraso no pagamento da prestação pelo consumidor. 1 A devolução das quantias pagas em contrato de compromisso de compra e venda de imóvel deve ser feita de uma só vez, não se sujeitando à forma de parcelamento prevista para a aquisição.

15 Dessa forma, à luz do art. 476 do Código Civil 2, e com o propósito de estabelecer o equilíbrio na relação contratual, requer-se que as acionadas sejam condenadas à obrigação de fazer consistente em congelar o saldo devedor dos adquirentes e absterem-se de aplicar multas e juros moratórios, desde 1º de junho de 2013 até a data em que se comprovar o inequívoco início das obras. Registre-se, a propósito, recentíssimo aresto do E. TJSP, com julgamento ocorrido em 01-04-2014: Agravo de instrumento. Decisão que deferiu pedido de tutela antecipada, determinando, sob pena de multa diária de R$5.000,00, o congelamento do saldo devedor do financiamento bancário. Natureza dúplice da antecipação de tutela. Providência acautelatória e antecipatória. Não há que se falar, apesar dos argumentos trazidos pela parte recorrente, que a concessão da liminar pode trazer prejuízos irreparáveis aos futuros empreendimentos e parceiras comerciais. Na verdade, a medida apenas visa a resguardar eventuais direitos dos autores mediante congelamento do saldo devedor do financiamento, sem maiores prejuízos às partes envolvidas. Cerceamento de defesa. Inocorrência. Litigância de má-fé não configurada. Recurso improvido. (Agravo nº 2027120-2 Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.

16 96.2014.8.26.0000, rel. Beretta da Silveira, j. em 01-04- 2014, v.u.). 4. Da fixação de prazo certo e da imposição de penalidade pela mora das requeridas na entrega das unidades habitacionais Como já consignado, o contrato de adesão elaborado pelas rés INSIDE e SILVERSTONE não contempla prazo certo e determinado para entrega do imóvel, o que viola o art. 39, XII, do CDC, in verbis: Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (...) XII - deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério. Essa regra imposta ao fornecedor implica dizer que a fixação do prazo para entrega do produto é um direito do consumidor. O Código impõe a obrigatoriedade de prazo determinado porque sem ele não se pode falar em vencimento da obrigação, que é o termo final do prazo, a partir do qual a obrigação passa a ser exigível. Assim, não basta saber que ao devedor cumpre entregar a sua prestação, mas imprescindível saber quando deve fazê-lo.

17 Na sempre oportuna lição de ORLANDO GOMES, a determinação do momento em que a obrigação deve ser cumprida é de fundamental importância, atenta à circunstância de a dívida só se tornar exigível quando se vence. A esse momento chama-se vencimento. 3 Sem a fixação do prazo e seu termo final o vencimento não se pode apreender a caracterização da mora do devedor, no caso o fornecedor de consumo. Por isso, o mesmo doutrinador adverte que para se determinar o exato momento em que o devedor incorre em mora, é da maior importância saber quando ocorre o vencimento. 4 Enfim, afigura-se intolerável que as rés deixem de estipular prazo certo e claro para o cumprimento de suas obrigações, notadamente a obrigação principal do contrato, consistente na entrega do imóvel ao adquirente. Certo é, todavia, que nada obstante essa deliberada e maliciosa indefinição, traduzida na cláusula IV, letra b, do quadro-resumo, é possível inferir dos documentos de fls. 77, 413, 476, 513, 530 e 566, bem como dos depoimentos anexos, um termo certo e definido para a entrega das chaves, qual seja, 30 de junho de 2015, afastado qualquer prazo de tolerância, o que há de ser reconhecido e declarado por sentença. Não se trata, aqui, de escolha aleatória de uma data, mas sim de fixação lastreada em robusta prova documental e testemunhal colhida no incluso inquérito civil, como anteriormente mencionado nesta petição (item 2). 3 GOMES, ORLANDO. Obrigações, 16ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 118. 4 GOMES, ORLANDO. Ob.cit, p. 199.

18 4.1 A necessidade de fixação de multa moratória Entretanto, de nada serve ao consumidor ter um prazo fixado para cumprimento da obrigação pelo fornecedor, se o desrespeito a esse prazo não resultar em consequência efetiva e simétrica às sanções previstas para as faltas do consumidor. A obrigação de adimplir pontualmente o pagamento está prevista no art. 394 do Código Civil: considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer. Segundo CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, uma das circunstâncias que acompanham o pagamento é o tempo. A obrigação deve executar-se oportunamente. Quando alguma das partes desatende a este fator, falta ao obrigado ainda quando tal inadimplemento não chegue às raias da inexecução cabal. Há um atraso na prestação. Esta não se impossibilitou, mas o destempo só por si traduz uma falha daquele que nisto incorreu. A mora é este retardamento injustificado da parte de algum dos sujeitos da relação obrigacional no tocante à prestação. 5 A inexistência de multa moratória, vista de ótica paralela, também se contrapõe ao princípio do equilíbrio contratual. É que não se conhece contrato de consumo em que a mora do consumidor não seja evento 5 Instituições de Direito Civil, Rio de Janeiro: Forense. 7ª. ed., 1984, vol. II, p. 209.

19 sujeito a multa moratória que, nos termos do art. 52, 2, do CDC, tem o teto de 2% do valor da obrigação em atraso. 6 De outro lado, a inexistência de qualquer sanção para o fornecedor desidioso constitui inegável contribuição para o seu desinteresse pelo cumprimento dos prazos de entrega. Essa é, aliás, a ratio legis da Portaria SDE nº 4, de 13.03.1998, da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça (DOU 16.03.1998), que prevê serem nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam sanções em caso de atraso ou descumprimento da obrigação somente em desfavor do consumidor (item 6 da Portaria). Para que exista equilíbrio entre as obrigações do fornecedor e do consumidor, de rigor que se estabeleça multa moratória para a mora do primeiro, segundo idênticos critérios adotados para a mora do segundo. A propósito, vale notar entendimento firmado pelo E. Superior Tribunal da Justiça acerca da matéria: CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL. INADIMPLÊNCIA DA CONSTRUTORA RECONHECIDA PELO TRIBUNAL ESTADUAL. RECURSO ESPECIAL. PROVA. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7-STJ. JUROS MORATÓRIOS, MULTA E HONORÁRIOS. APLICAÇÃO EM CONSONÂNCIA COM A PREVISÃO CONTRATUAL, POR EQUIDADE. CORREÇÃO MONETÁRIA DAS PARCELAS A SEREM RESTITUÍDAS. INCC INCIDENTE ATÉ O AJUIZAMENTO DA AÇÃO, POR VINCULAÇÃO À CONSTRUÇÃO. INPC APLICÁVEL A PARTIR DE ENTÃO. I. (...) 6 CDC, art. 52, 1º: As multas de mora decorrentes do inadimplemento de obrigações no seu termo não poderão ser superiores a dois por cento do valor da prestação.

20 II. Multa compensatória, juros e honorários estabelecidos de conformidade com a previsão contratual, por aplicação da regra penal, a contrario sensu, por equidade. III. (...) V. Recurso especial conhecido em parte e parcialmente provido. (...) Igualmente sem nenhuma razão a apelante principal quando pleiteia que seja eliminada da condenação a parcela relativa ao pagamento da multa convencional no percentual de 0,5% sobre o valor do imóvel, pois, apesar de não existir previsão contratual desse pagamento em caso de inadimplemento da obrigação por parte da construtora, a solução encontrada na sentença monocrática é justa, pois contempla o promissário comprador - reafirmo, parte mais fraca na relação contratual - com o direito ao recebimento de multa no mesmo percentual devido à apelante principal se se tratasse de mora do adquirente do bem. (...) (STJ 4ª Turma - Recurso Especial Nº 510.472 / MG Relator: Ministro Aldir Passarinho Junior Julgado em 02/03/2004 - DJ 29/03/2004 p. 247).... DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. RESCISÃO POR CULPA DA CONSTRUTORA (VENDEDOR). DEFEITOS DE CONSTRUÇÃO. ARBITRAMENTO DE ALUGUÉIS EM RAZÃO DO USO DO IMÓVEL. POSSIBILIDADE. PAGAMENTO, A TÍTULO DE SUCUMBÊNCIA, DE LAUDO CONFECCIONADO EXTRAJUDICIALMENTE PELA PARTE VENCEDORA. DESCABIMENTO. EXEGESE DOS ARTS. 19 E 20 DO CPC. INVERSÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL QUE PREVIA MULTA EXCLUSIVAMENTE EM BENEFÍCIO DO FORNECEDOR, PARA A HIPÓTESE DE MORA OU INADIMPLEMENTO DO CONSUMIDOR. POSSIBILIDADE. (...)

21 Seja por princípios gerais do direito, seja pela principiologia adotada no Código de Defesa do Consumidor, seja, ainda, por comezinho imperativo de equidade, mostra-se abusiva a prática de se estipular penalidade exclusivamente ao consumidor, para a hipótese de mora ou inadimplemento contratual, ficando isento de tal reprimenda o fornecedor em situações de análogo descumprimento da avença. Assim, prevendo o contrato a incidência de multa moratória para o caso de descumprimento contratual por parte do consumidor, a mesma multa deverá incidir, em reprimenda ao fornecedor, caso seja deste a mora ou o inadimplemento. Assim, mantém-se a condenação do fornecedor construtor de imóveis em restituir integralmente as parcelas pagas pelo consumidor, acrescidas de multa de 2% (art. 52, 1º, CDC), abatidos os aluguéis devidos, em vista de ter sido aquele, o fornecedor, quem deu causa à rescisão do contrato de compra e venda de imóvel. (REsp 955.134/SC, 4ª T., rel. Min. Luís Felipe Salomão, v.u., j. 16-08-2012) No caso da venda e compra (ou promessa dela) de imóvel, o valor da obrigação de entrega é o valor do próprio imóvel, sobre o qual deve então ser calculada a multa e demais ônus resultantes da mora: 2% (dois por cento) do valor da obrigação em atraso, além de juros de mora de 1% ao mês ou fração, mais correção monetária pro rata die. Enfim, verificada a mora do fornecedor na entrega do imóvel, a par de responder pela reparação plena dos prejuízos do consumidor, materiais e/ou morais (CC, art. 395 caput), deve ele sujeitar-se também ao pagamento de multa moratória, em importância equivalente a 2% do valor do imóvel, com atualização monetária e acréscimo dos juros moratórios de 1% ao mês.

22 Trata-se, assim, de fixar às requeridas, por isonomia, a mesma sanção por elas imposta quando há mora por parte dos consumidores (cláusula VI.1 do contrato fl. 63). 5. Da antecipação parcial dos efeitos da tutela (CPC, art. 273; Lei nº 8.078/90, art. 84, 3º) Depreende-se do cenário acima descrito, por conseguinte, a plausibilidade e a relevância dos fundamentos jurídicos invocados, que revelam, de forma cristalina, a inadimplência das requeridas e o descumprimento da publicidade veiculada aos consumidores quando da oferta dos futuros imóveis no mercado de consumo. Do outro lado da relação contratual, os adquirentes das unidades comercializadas continuam sendo onerados com a constante elevação do saldo devedor, sem prejuízo da incidência de multas e juros em caso de atraso no pagamento das suas prestações. Além disso, os que desejam, legitimamente, a rescisão do ajuste, somente conseguem fazê-lo mediante assinatura de instrumento, indevidamente denominado distrato pelas rés, pelo qual os consumidores concordam em ver restituídos apenas 10% do valor pago. Daí, inclusive, o periculum in mora a justificar a concessão da tutela de urgência, uma vez que a prática comercial em questão continua sendo reiteradamente perpetrada pelas acionadas, o que está a reclamar

23 pronta resposta do Poder Judiciário diante do fundado receio de danos irreparáveis ou de difícil reparação aos consumidores. Requer-se, pois, com espeque no artigo 273 do CPC e no artigo 84, 3º, da Lei nº 8.078/90 (CDC), seja concedida antecipação dos efeitos da tutela para o fim de determinar às requeridas: (i) que se abstenham de aplicar ao saldo devedor a incidência do INCC ou de qualquer outro índice de correção, bem como multa e juros de mora, desde 1º de junho de 2013 até a data que for comprovado nos autos o efetivo início das obras, sob pena de multa de R$10.000,00 (dez mil reais) por consumidor em que se verificar o descumprimento da ordem; (ii) que promovam, em 30 dias a contar do pedido formalizado pelo consumidor, a rescisão e a restituição integral do montante pago pelo adquirente, devidamente corrigido (incluindo comissão de corretagem e supostos serviços de assessoria imobiliária), de uma só vez, sob pena de multa diária de R$10.000,00 (dez mil reais) por consumidor em que se verificar o descumprimento da ordem.

24 III - DOS PEDIDOS Requer-se, ainda: a) seja determinada a citação das rés, nas pessoas de seus representantes legais, a fim de que, advertidas dos efeitos da revelia, a teor do artigo 285, última parte, do Código de Processo Civil, apresentem, querendo, resposta à presente ação; b) seja determinada a publicação do edital previsto no art. 94 do Código de Defesa do Consumidor para que os eventuais interessados possam intervir no processo como litisconsortes; c) sejam os pedidos julgados procedentes para: c.1) reconhecer e declarar que o termo final para entrega das unidades habitacionais do empreendimento denominado Condomínio Priori Angeli é 30 de junho de 2015, desprezado qualquer prazo de tolerância; c.2) declarar a nulidade, nos termos do art. 51, 4º, da Lei nº 8.078/90, da cláusula IV, letra b, do quadro-resumo, segundo a qual a entrega das chaves está prevista para 24 meses após a assinatura do contrato de financiamento com

25 a Caixa Econômica Federal CEF, prorrogável por 180 (cento e oitenta) dias ; c.3) condenar as acionadas, solidariamente, ao pagamento de multa, no valor de 2% (dois por cento) do valor do imóvel, além de juros de mora de 1% ao mês, mais correção monetária, a cada consumidor a quem tenha efetuado a entrega de imóvel ( entrega das chaves ) depois do prazo estipulado no item c.1, desprezada qualquer previsão de tolerância para essa mora; c.4) condenar as requeridas, solidariamente, à obrigação de não fazer consistente em se absterem de aplicar ao saldo devedor a incidência do INCC ou de qualquer outro índice de correção, bem como multa e juros de mora, desde 1º de junho de 2013 até a data que for comprovado nos autos o efetivo início das obras, sob pena de multa de R$10.000,00 (dez mil reais) por consumidor em que se verificar o descumprimento da ordem; c.5) decretar a rescisão do contrato por culpa das rés, com fundamento no art. 35, inciso III, do CDC, em relação aos consumidores que manifestarem essa intenção, condenando-se as requeridas, solidariamente, à restituição integral do montante pago pelo adquirente, devidamente corrigido (incluindo comissão de corretagem e supostos

26 serviços de assessoria imobiliária), de uma só vez e em 30 dias, sob pena de multa diária de R$10.000,00 (dez mil reais) por consumidor em que se verificar o descumprimento da ordem, sem embargo de eventual reparação por perdas e danos; c.6) condenar as rés a publicarem em jornais de grande circulação (p.ex. O Estado de São Paulo, Folha de São Paulo ou Diário do Grande ABC ), para conhecimento geral, a íntegra da sentença proferida, após o seu trânsito em julgado; c.7) condenar as requeridas ao pagamento das custas e despesas processuais, observado o disposto no artigo 18 da Lei nº 7.347/85 e no artigo 87 da Lei nº 8.078/90. Requer-se, por fim, que as intimações ao autor sejam feitas pessoalmente, mercê do disposto no art. 236, 2º, do Código de Processo Civil, no art. 41, inc. IV, da Lei nº 8.625/93 e no art. 224, inc. XI, da Lei Complementar Estadual nº 734/93 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo). Provar-se-á o alegado por todos os meios de prova admitidos em direito, especialmente pela produção de prova documental, testemunhal e pericial, sem prejuízo da incidência do artigo 6º, inciso VIII, do Código de

27 Defesa do Consumidor, no que tange à inversão do ônus da prova em favor da coletividade de consumidores substituída pelo autor. Acompanham esta petição inicial os autos do Inquérito Civil nº 14.0167.0006321/2013-1, com três volumes contendo 595 folhas numeradas. Atribui-se à causa o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais). São Bernardo do Campo, 14 de abril de 2014. MARCELO SCIORILLI Promotor de Justiça (IC 14.0167.0006321/2013-1)