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Transcrição:

cadernos Saúde Coletiva Relacionamento de Bases de Dados em Saúde EDITORES CONVIDADOS Claudia Medina Coeli Kenneth Rochel de Camargo Jr. NESC UFRJ

Catalogação na fonte Biblioteca do CCS / UFRJ Cadernos Saúde Coletiva / Universidade Federal do Rio de Janeiro, Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva, v.xiv, n.2 (abr. jun 2006). Rio de Janeiro: UFRJ/NESC, 1987-. Trimestral ISSN 1414-462X 1.Saúde Pública - Periódicos. I I.Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva/UFRJ.

ASSOCIAÇÃO ENTRE PESO AO NASCER E MORTALIDADE INFANTIL NO MUNICÍPIO DE CAMPOS DOS GOYTACAZES - RJ Association between birth weight and infant mortality in Campos dos Goytacazes Municipality - RJ Elizabeth Passebon 1, Katia Vergetti Bloch 2, Pauline Lorena Kale 3, Claudia Medina Coeli 4 RESUMO Introdução: A Organização Mundial da Saúde identifica o peso ao nascer como o mais importante fator de risco isolado a influenciar a sobrevivência infantil, devido à evidência da associação entre baixo peso ao nascer e morbi-mortalidade infantil. Objetivo: Estimar o coeficiente de mortalidade infantil de uma coorte de nascidos vivos em 1999 e sua associação com o baixo peso ao nascer em Campos de Goytacazes. Métodos: Utilizou-se como fonte de dados o Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC) e o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM). A população do estudo foi constituída de 7785 nascidos vivos de mães residentes no Município de Campos dos Goytacazes e cujos nascimentos ocorreram no mesmo município, no período de 01/01/1999 a 31/12/1999. Os recém-nascidos foram classificados como tendo baixo peso (peso ao nascer < 2500g) ou não (peso ao nascer 2500g). Foi empregada uma técnica de relacionamento probabilístico de bancos de dados para identificação dos óbitos no SIM (1999 e 2000) dos nascidos vivos do SINASC de 1999. A associação entre o peso ao nascer e mortalidade foi investigada estimando-se a razão de incidências, utilizando-se um modelo de regressão de Poisson. Resultados: A prevalência de baixo peso ao nascer foi de 7,5%. O relacionamento das bases de dados resultou na identificação de 265 pares. O coeficiente de mortalidade infantil foi de 34/1000 nascidos vivos. Nascidos vivos com baixo peso ao nascer têm um risco 4,7 vezes maior de morrer do que os nascidos vivos com peso igual ou superior a 2500g (IC 95%: 3,3 7,1), controlando-se por índice de Apgar no 1º minuto, duração da gestação e número de consultas pré-natais. Conclusão: Em Campos dos Goytacazes existe uma forte associação entre baixo peso ao nascer e mortalidade infantil independente de variáveis ligadas à gestação e à assistência. PALAVRAS-CHAVE Mortalidade infantil, baixo peso ao nascer, linkage 1 Mestre em Saúde Coletiva. Faculdade Medicina de Campos. End.: Rua Rodrigues Peixoto 106, apto 501 - Campos dos Goytacazes, RJ - CEP: 28035-060 - e-mail: epassebon@uol.com.br 2 Doutora em Saúde Pública. Professora Adjunta do Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva NESC/UFRJ. 3 Doutora em Engenharia Biomédica. Professora Adjunta de Epidemiologia do Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva NESC/UFRJ. 4 Doutora em Saúde Coletiva. Profª. Visitante do Departamento de Epidemiologia. Instituto de Medicina Social IMS/UERJ e Pesquisadora Visitante da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio/FIOCRUZ. C ADERNOS SAÚDE COLETIVA, RIO DE JANEIRO, 14 (2): 283-296, 2006 283

E LIZABETH PASSEBON, KATIA VERGETTI BLOCH, P AULINE LORENA KALE, CLAUDIA MEDINA COELI ABSTRACT Introduction: The World Health Organization identifies birth weight as the main isolated factor associated with infant s survival based on the fact that there is evidence of an association between low birth weight and infant morbidity and mortality. Objective: The objective of the study is to estimate the probability of infant mortality in a live born cohort in 1999 and to analyze the association between low birth weight and infant mortality in Campos dos Goytacazes Municipality. Methods: The data were obtained from the birth and death certificates. A live born cohort of 7785 children from Campos dos Goytacazes Municipality (from 01/01/1999 to 31/12/1999) whose mothers were living in this area was studied. The live born were classified as low birth weight (birth weigth < 2500g) or not (birth weigth 2500g). The records from the two information systems were linked using a probabilistic method. The association between infant mortality and birth weight was estimated using Poisson regression. Results: The prevalence of low birth weight was 7.5%. The linkage identified 265 pairs. The infant mortality was 34/1000 live births. Poisson regression showed that low birth weight live births had a risk to die 4.7 (95% CI: 3.2-7.1) higher than live births with normal weight, independently of Apgar score in 1 st minute, gestation duration and number of pre-natal visits. Conclusion: In Campos dos Goytacazes Municipality there is a strong association between low birth weight and infant mortality that is independent of gestational and assistance factors. KEY WORDS Infant mortality, low birth weight, linkage 1. INTRODUÇÃO A mortalidade infantil refere-se aos óbitos ocorridos ao longo do primeiro ano de vida. É vista hoje como um evento quase sempre evitável e é um indicador da qualidade de vida e da qualidade e cobertura dos serviços de saúde. Nas últimas décadas, tem havido um decréscimo acentuado da mortalidade infantil em todo o mundo, como demonstra o relatório da Unicef (Brasil, 1998). Este decréscimo deve-se, principalmente, à redução do componente pós-neonatal, que é mais suscetível às ações preventivas, como as campanhas de vacinação, estímulo ao aleitamento materno e controle da doença diarréica. Atuam ainda neste período os fatores ambientais, particularmente os de natureza nutricional e os agentes infecciosos. Embora a mortalidade infantil tenha apresentado tendência declinante, em nível mundial, esse fenômeno vem se processando de forma desigual e com determinantes específicos, de acordo com o nível de desenvolvimento de cada área. Atualmente, dois terços dos óbitos infantis ocorrem no período neonatal, sendo que a maior parte da mortalidade infantil ocorre no primeiro mês de vida, 50% desta na primeira semana e metade desses óbitos ocorrem nas primeiras 24 horas após o nascimento. Considerando que o maior risco de morte é no momento do parto, a boa qualidade da assistência no pré-natal, parto e nascimento é fundamental, sem a qual muitas crianças serão perdidas (Araújo et al., 2000). 284 CADERNOS SAÚDE COLETIVA, RIO DE JANEIRO, 14 (2): 283-296, 2006

A SSOCIAÇÃO ENTRE PESO AO NASCER E MORTALIDADE INFANTIL NO MUNICÍPIO DE CAMPOS DOS GOYTACAZES - RJ No Brasil, tivemos uma redução acentuada e constante do coeficiente de mortalidade infantil (CMI) nos últimos anos: 118/1000, 85,6/1000, 37,5/1000 e 29,6/1000 nascidos vivos para os anos 1960, 1980, 1996 e 2000, respectivamente (IBGE, 2002). Apesar do decréscimo importante da mortalidade infantil, ainda estamos distante da realidade de países com menos desigualdades sociais, e, pior, ainda temos um grande diferencial interno. Nas últimas duas décadas, o coeficiente de mortalidade infantil também apresentou decréscimo no Estado do Rio de Janeiro, acompanhando a mesma tendência das outras regiões brasileiras. Atualmente, a mortalidade no período neonatal se constitui no componente de maior expressão quantitativa da mortalidade infantil no estado. Segundo Leal e Szwarcwald (1996), entre 1979 e 1993, foi observada uma queda três vezes maior para a mortalidade infantil no período pós-neonatal em comparação ao período neonatal. Campos dos Goytacazes é um município localizado na região Norte do Estado do Rio de Janeiro com população de 406.989 habitantes (IBGE, 2002). Segundo dados do Ministério da Saúde, o coeficiente de mortalidade infantil de Campos dos Goytacazes declinou de 45,3/1000 nascidos vivos em 1989 para 35,3/1000 nascidos vivos em 1998 (Brasil, 1998). O estudo do peso ao nascer pode mostrar evidências da atuação de fatores ambientais sobre o potencial genético individual, sendo sua distribuição diferente e específica para populações distintas, em função principalmente das condições de vida, podendo ser considerado um bom indicador da qualidade de vida. É função da massa corpórea, cuja constituição é o resultado de um processo complexo para o qual concorrem inúmeros fatores de origem biológica, social e psicológica. O método probabilístico de relacionamento de registros permite que, através da construção de uma combinação de variáveis de identificação, sejam identificados indivíduos presentes em diferentes bases de dados. Essa importante ferramenta viabiliza a construção de bases de dados que resultem da combinação de diferentes sistemas de informação, mesmo na ausência de um identificador único. O objetivo do estudo foi estimar o coeficiente de mortalidade infantil de uma coorte de nascidos vivos em 1999, segundo idade e causa, e sua associação com o baixo peso ao nascer (BPN) em Campos de Goytacazes. 2. MÉTODOS O desenho do estudo é o de coorte não-concorrente e a população é composta pelos nascidos vivos cujos nascimentos ocorreram em Campos de Goytacazes em 1999 e cujas mães residiam neste município. Utilizou-se como fonte de dados os bancos do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC) e do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM). C ADERNOS SAÚDE COLETIVA, RIO DE JANEIRO, 14 (2): 283-296, 2006 285

E LIZABETH PASSEBON, KATIA VERGETTI BLOCH, P AULINE LORENA KALE, CLAUDIA MEDINA COELI Os recém-nascidos foram classificados como tendo baixo peso ao nascer (peso ao nascer < 2500g) ou não. Os óbitos de interesse foram todos os óbitos registrados no SIM, que ocorreram em 1999 ou em 2000, de crianças com menos de 365 dias de vida que nasceram em 1999 em Campos de Goytacazes. Para identificação dos óbitos infantis no banco de dados do SIM, foi empregado um sistema de relacionamento de bases de dados, fundamentado na técnica de relacionamento probabilístico de registros (probabilistic record linkage), empregando a segunda versão do programa RecLink (Camargo Jr. & Coeli, 2002). O relacionamento probabilístico de registros baseia-se em três processos: padronização, blocagem e pareamento de registros. Na padronização busca-se preparar ou estruturar os campos dos bancos a serem relacionados com o objetivo de minimizar a ocorrência de erros no processo de pareamento dos registros. O processo de blocagem consiste na criação de blocos lógicos de registros dentro dos arquivos que serão relacionados, indexados segundo uma chave formada por um campo ou por uma combinação de campos, como, por exemplo, nome da mãe e sexo. O processo de pareamento baseia-se na construção de escores para os diferentes pares possíveis de serem obtidos a partir de determinada estratégia de blocagem. Esses escores sumarizam o grau de concordância global entre registros de um mesmo par. Através da definição de um limiar, os pares são classificados em três categorias: verdadeiros, falsos e duvidosos, quanto à probabilidade do par tratar do mesmo indivíduo. Após a realização de cada passo, é gerado um arquivo com os pares formados e respectivos escores. Os registros não pareados na primeira etapa foram, então, novamente comparados, empregando-se para tanto uma nova chave (por exemplo, data de nascimento e sexo). Por último, foi feita a revisão manual do arquivo para a identificação de pares verdadeiros com escores limítrofes, ou seja, registros pertencentes ao mesmo indivíduo, mas com informações parcialmente discordantes nos dois bancos. Essa confirmação é executada comparando outros campos da declaração de nascido (DN) e da declaração de óbito (DO). Outras variáveis utilizadas na análise foram: índice de Apgar no 1º e no 5º minuto (> 7 ou 7), sexo, duração da gestação (pré-termo < 37 semanas, a termo de 37 a 41 semanas e pós-termo 42 ou mais semanas completas de gestação); tipo de parto (espontâneo ou operatório); número de consultas de pré-natal (nenhuma, 3, 4 a 6, 7), idade materna (< 20, 20-34, 35 anos), escolaridade materna (nenhuma, 0 a 7 anos, 8-11 anos, 11 anos); paridade ( 4 filhos, > 4 filhos) e tipo de gestação (única, múltipla). Foi estimada a prevalência de baixo peso ao nascer e do respectivo intervalo de confiança de 95%, assim como a razão de prevalência e o coeficiente de 286 CADERNOS SAÚDE COLETIVA, RIO DE JANEIRO, 14 (2): 283-296, 2006

A SSOCIAÇÃO ENTRE PESO AO NASCER E MORTALIDADE INFANTIL NO MUNICÍPIO DE CAMPOS DOS GOYTACAZES - RJ mortalidade infantil. A associação entre o peso ao nascer e o óbito foi investigada estimando-se a razão de incidência através do ajuste de um modelo de regressão de Poisson (Barros & Hirakata, 2003) com a finalidade de controlar o possível efeito de confundimento por outras variáveis. Foram consideradas para a análise multivariada as variáveis que, na análise bivariada, mostraram-se associadas tanto à mortalidade infantil quanto ao peso ao nascer com valores de p < 0,20. Foram retidas no modelo final as variáveis cuja saída do modelo causaram uma variação da razão de incidências da associação de interesse maior que 10%. As análises foram realizadas utilizando-se os programas Epi Info 6.04 e Stata 7.0. 3. RESULTADOS O número de nascimentos de mães residentes no município em 1999 foi de 7785 e 99,8% dos partos foram hospitalares. A distribuição dos nascidos vivos por sexo foi semelhante para masculino (50%) e feminino (49,9%) com apenas seis declarações sem informação (0,1%). O índice de Apgar apresentou valor médio de 8 no primeiro minuto e 8,7 no quinto minuto. O peso médio ao nascer foi de 3247g (desvio padrão de 568g) e a prevalência de baixo peso ao nascer foi de 7,5% (IC 95%: 7,1-8,2). O tipo de gravidez foi único em 98,3% dos nascimentos. Observou-se maior concentração de nascidos vivos com idade gestacional de 37 a 41 semanas, sendo que apenas 5,2% dos nascimentos ocorreram com menos de 37 semanas de gestação. A ocorrência de nascimentos pós-termo foi 0,7% do total. Apesar da predominância de parto espontâneo, 61,2%, a proporção de parto operatório foi elevada, 38,8%. Na distribuição dos nascimentos segundo a idade materna, observou-se um elevado percentual de mães adolescentes (22,9%); as mães com 35 anos ou mais contribuíram com 8,9% dos nascimentos, e o grupo de mães entre 20 e 34 anos de idade, considerado na faixa etária adequada do ponto de vista reprodutivo, contribuíram com a maioria dos nascimentos (70,2%). Os nascidos vivos de mães sem nenhuma escolaridade ou com escolaridade menor ou igual a 7 anos corresponderam a 45,1% dos nascimentos. Em relação ao número de consultas realizadas no pré-natal, 9,9% das mães fizeram de uma a seis consultas e 80,5% fizeram mais de 6 consultas. O percentual de nascidos vivos com baixo peso ao nascer e a associação de características do nascido vivo, da gestação e do parto e características da mãe com peso ao nascer estão apresentadas na Tabela 1. O total de óbitos de menores de um ano identificados no SIM foi de 288, sendo 74% no período neonatal e 26% no período pós-neonatal. Foi possível identificar, através do relacionamento probabilístico, 265 pares de declarações de nascidos vivos e óbitos, que representam 92% dos óbitos do SIM de C ADERNOS SAÚDE COLETIVA, RIO DE JANEIRO, 14 (2): 283-296, 2006 287

E LIZABETH PASSEBON, KATIA VERGETTI BLOCH, P AULINE LORENA KALE, CLAUDIA MEDINA COELI recém-nascidos em 1999. O CMI foi de 34/1000 nascidos vivos, sendo o CMI neonatal de 25/1000 nascidos vivos e o CMI pós-neonatal de 9/1000 nascidos vivos. Tabela 1 Distribuição dos recém-nascidos, da prevalência de BPN e das razões de prevalência (RP) e respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%), segundo características dos nascidos vivos, do parto, da gestação e maternas. Campos de Goytacazes, 1999. BPN baixo peso ao nascer. 288 CADERNOS SAÚDE COLETIVA, RIO DE JANEIRO, 14 (2): 283-296, 2006

A SSOCIAÇÃO ENTRE PESO AO NASCER E MORTALIDADE INFANTIL NO MUNICÍPIO DE CAMPOS DOS GOYTACAZES - RJ Na Figura 1, é apresentada a mortalidade proporcional segundo peso ao nascer. Na Tabela 2 são apresentadas as taxas de mortalidade infantil segundo causa e peso ao nascer e respectivas razões de taxas e intervalos de confiança (IC) de 95%. Figura 1 Mortalidade por grupo de causas em menores de um ano, segundo peso ao nascer. Campos de Goytacazes, 1999. Tabela 2 Taxas de mortalidade/1000 nascidos vivos, segundo causa do óbito em recém-nascido com peso normal (PN) e com baixo peso ao nascer (BPN) e razões de taxas (RT) com respectivos IC95%. Campos de Goytacazes, 1999. C ADERNOS SAÚDE COLETIVA, RIO DE JANEIRO, 14 (2): 283-296, 2006 289

E LIZABETH PASSEBON, KATIA VERGETTI BLOCH, P AULINE LORENA KALE, CLAUDIA MEDINA COELI As variáveis incluídas no modelo de regressão foram: peso ao nascer, índice de Apgar no 1º minuto, duração da gestação, tipo de gravidez, tipo de parto e número de consultas realizadas no período pré-natal. Além destas variáveis, foram incluídos os termos de interação que tiveram nível de significância estatística inferior a 0,10 na análise estratificada: peso ao nascer com o índice de Apgar no 1º minuto, peso ao nascer com o tipo de gravidez e peso ao nascer com o tipo de parto. As razões de incidência brutas e ajustadas (índice de Apgar no 1º minuto, duração da gestação e número de consultas pré-natais) entre peso ao nascer e óbito infantil, total e por período neonatal ou pós-neonatal são apresentados na Tabela 3. Observa-se que a associação é muito mais forte entre os óbitos no período neonatal do que entre os do período pós-neonatal. Sabendo-se que em alguns casos o índice de Apgar pode ser uma variável intermediária entre peso ao nascer e mortalidade infantil, foram ajustados modelos sem incluí-lo, obtendo-se razões de incidências de magnitude intermediária entre as brutas e as ajustadas incluindo-se o índice de Apgar no modelo. Tabela 3 Riscos relativos (RR) da associação entre peso ao nascer e mortalidade infantil e respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%). Campos de Goytacazes, 1999. RR b = risco relativo bruto; RR a = risco relativo ajustado por Índice de Apgar, duração da gestação e número de consultas no pré-natal. 4. DISCUSSÃO No presente estudo, utilizaram-se duas bases de dados de abrangência nacional, o SIM e o SINASC, cuja qualidade já foi aferida em diferentes estudos para investigar uma importante questão de saúde pública, a mortalidade infantil (Mello Jorge et al., 1993). O relacionamento de bancos de dados vem sendo crescentemente empregado na pesquisa em saúde. Exemplos de seu uso incluem estudos etiológicos, estudos sobre migrantes, vigilância em saúde e avaliações sobre serviços de saúde (Coeli & Camargo Jr., 2002). Essa técnica vem sendo utilizada para a condução de estudos 290 CADERNOS SAÚDE COLETIVA, RIO DE JANEIRO, 14 (2): 283-296, 2006

A SSOCIAÇÃO ENTRE PESO AO NASCER E MORTALIDADE INFANTIL NO MUNICÍPIO DE CAMPOS DOS GOYTACAZES - RJ sobre a saúde infantil em vários países do mundo. No Brasil, entretanto, o número de estudos ainda é pequeno, sendo que poucos deles empregaram o método do relacionamento probabilístico (Machado, 2004). Embora esteja em curso uma proposta para que se adote no Brasil o número único no SUS, esses bancos de dados ainda não apresentam nenhum campo identificador unívoco. Nesse contexto, o emprego do método probabilístico, que leva em consideração possíveis erros nos campos usados no processo de relacionamento, traz como vantagens a agilização e o aumento da acurácia deste processo. Segundo dados da Unicef, a proporção de BPN em paises desenvolvidos situa-se entre 4% e 6% (Brasil, 1998). Na coorte estudada, observou-se uma prevalência um pouco maior, de 7,5%. Estudos brasileiros sobre a distribuição do peso ao nascer, como o de Barros et al. (1996), em Pelotas, analisando todos os nascidos vivos do ano de 1993, e o de Mello Jorge et al. (1993), para um conjunto de cinco municípios do Estado de São Paulo, apontaram proporções de BPN superiores às do município estudado, 9,8% e 8,5%, respectivamente. Porém, o valor encontrado nesse estudo se aproxima da prevalência divulgada pelo Ministério da Saúde, 7,8%, para todo o Brasil, valor que deve ser avaliado com cuidado, considerando que o nível de preenchimento e captação de dados do SINASC não apresenta a mesma qualidade em todo território nacional (Brasil, 1998). Outro dado a ser avaliado é que, para o Estado do Rio de Janeiro (IDB-RJ, 2002), foi relatada uma prevalência de BPN no ano de 1997 de 8,7%, e, de acordo com a mesma fonte, o município de Niterói, com um número de nascidos vivos próximo ao de Campos (7595 nascidos vivos no ano de 1997), mostrou prevalência de 9,5%, sendo que, no município estudado, no mesmo ano, a freqüência divulgada foi de 7,3%. Há que ser ressaltado, porém, que os trabalhos citados referem-se a estimativas obtidas através de metodologias diferentes às empregadas no presente estudo. Verificou-se que nas gestações pré-termo a ocorrência de nascimentos com baixo peso ao nascer foi 7,4 vezes maior que nas gestações a termo, os chamados pequenos para idade gestacional. A Organização Mundial da Saúde preconiza como volume ideal de partos operatórios apenas 15% do total de partos em qualquer região. Nesse estudo, os achados são semelhantes aos divulgados pelo Ministério da Saúde para os nascidos vivos de todo o país no ano de 1998, no qual a proporção de partos normais correspondeu a 60,1% do total de nascidos vivos e a proporção de partos operatórios correspondeu a 38,1% (Brasil, 1998). É importante lembrar que o parto operatório é uma cirurgia, e, como tal, está associada a uma maior morbimortalidade materna e infantil, devendo ser, portanto, evitado sempre que possível. C ADERNOS SAÚDE COLETIVA, RIO DE JANEIRO, 14 (2): 283-296, 2006 291

E LIZABETH PASSEBON, KATIA VERGETTI BLOCH, P AULINE LORENA KALE, CLAUDIA MEDINA COELI Os resultados referentes à idade materna mostram que 22,9% dos nascidos vivos eram filhos de mães adolescentes, taxa considerada alta, configurando uma situação de risco para a saúde das adolescentes e de seus filhos. O valor médio brasileiro em 1998 foi 22,3% (Brasil, 1998). Encontrou-se uma taxa de nascidos vivos de mães na faixa etária maior ou igual a 35 anos de 7,4%, inferior à encontrada no Brasil em 1998, que foi de 8,1%. O nível educacional da mãe tem se mostrado um indicador importante do status socioeconômico e constitui-se em um dos fatores com maior influência no peso ao nascer (Barros et al., 1996). Observou-se que o percentual de nascidos vivos com baixo peso ao nascer foi decrescente com o aumento da escolaridade materna, voltando a crescer para os filhos das mulheres com nível de escolaridade superior, acredita-se que, devido ao fato de mães com maior escolaridade habitualmente adiarem sua gestação, tendo filhos em uma faixa etária na qual os riscos de BPN são maiores. O pré-natal é amplamente reconhecido como um dos principais determinantes da evolução gestacional normal. A Organização Mundial de Saúde preconiza que o número total de consultas realizadas no pré-natal não deve ser inferior a seis. Segundo Gama et al. (2002), conforme aumenta o número de consultas prénatais, diminuem os resultados negativos da gestação, tais como a prematuridade, o baixo peso ao nascer e o óbito perinatal. Os resultados desta pesquisa mostraram uma cobertura de pré-natal bastante alta no município estudado no ano de 1999, sendo que 80,5% das mães tiveram mais de seis consultas no período pré-natal. Resultados comparáveis com os de Halpern et al. (1998), em Pelotas, em 1992. Chama a atenção a proporção ainda relativamente elevada de gestações que não tiveram qualquer assistência pré-natal (6,1%), enquanto que Halpern et al. (1998) referiram 5%. Encontrou-se associação inversa entre peso ao nascer e o número de consultas realizadas no pré-natal, ou seja, à medida que aumenta o número de consultas no período pré-natal a prevalência de BPN diminui. Mães que tiveram mais de seis consultas apresentaram uma prevalência de BPN de apenas 5,2%, enquanto que, para as mães com três consultas ou menos, a prevalência foi de 21,9%. O meio mais eficaz para reduzir o número de casos de BPN é a atenção pré-natal com qualidade, pois, durante esse acompanhamento, fatores específicos de risco à gestante podem ser identificados e tratados (Gama et al., 2002). A distribuição dos óbitos infantis em Campos dos Goytacazes não foi diferente de outras regiões, revelando uma predominância de óbitos no período neonatal (73,6%), e, dentre esses, uma maior proporção de óbitos no período neonatal precoce (55,8%), em concordância com estudos anteriores (Mello Jorge et al., 1993). 292 CADERNOS SAÚDE COLETIVA, RIO DE JANEIRO, 14 (2): 283-296, 2006

A SSOCIAÇÃO ENTRE PESO AO NASCER E MORTALIDADE INFANTIL NO MUNICÍPIO DE CAMPOS DOS GOYTACAZES - RJ O conhecimento das causas de morte é importante, pois permite traçar diretrizes específicas para reduzir a mortalidade, ao revelar melhor as mortes que poderiam ser evitadas se houvessem mudanças na conduta preventiva e assistencial, assim como reorganizar os serviços de assistência ao binômio mãe-filho. Segundo Leal e Szwarcwald (1996), as causas básicas de morte referidas na DO não correspondem muitas vezes à realidade por falta de preenchimento adequado. O preenchimento da DO é feito por profissionais que nem sempre identificam corretamente as causas básicas do óbito, classificando-a na categoria sintomas, sinais e achados anormais de exames clínicos e laboratoriais, classificados em outra parte, ou seja, causas mal definidas, e nem mesmo valorizam a DO como fonte importante de dados para avaliar a mortalidade de uma população. Nesse estudo, cinco grupos de causas foram responsáveis por 94% dos óbitos de menores de um ano. A análise desses óbitos mostrou uma predominância das afecções originadas no período perinatal, resultado esperado, considerando a maior proporção de óbitos no período neonatal, particularmente no período neonatal precoce. Os percentuais de afecções originadas no período perinatal (64,9%) encontrados na coorte de Campos foram maiores que os encontrados em outros estudos brasileiros (Halpern et al., 1998). No Brasil, um estudo de revisão feito por Victora e Barros (2001) para os anos de 1995-1997 mostrou que as causas perinatais foram responsáveis por 56,8% de todas as mortes infantis enquanto as malformações congênitas foram responsáveis por 11,2% dessas mortes. As causas perinatais têm distribuição diferente nos países desenvolvidos quando comparadas com a dos países em desenvolvimento: as malformações congênitas ocupam o primeiro lugar nos países desenvolvidos e ficam entre as causas de menor importância nos países em desenvolvimento (Ocampo et al., 1994). Cabe ressaltar que foram observados 10,2% de óbitos infantis decorrentes de anomalias congênitas, sendo que as anomalias congênitas são causas de óbitos mais importantes no período neonatal que no período pós-neonatal. É possível também que os óbitos por anomalias congênitas possam estar subestimados em Campos dos Goytacazes, pois supõe-se que, freqüentemente, apenas as anomalias congênitas com sinais clínicos mais evidentes são registradas como tal. Quanto aos óbitos infantis, devido aos sintomas, sinais e achados anormais de exames clínicos e laboratoriais, não classificados em outra parte, que representam a fração das mortes em que não houve definição da causa básica de óbito, e expressa, geralmente, a carência de assistência médica, observou-se um percentual de 6,4%, enquanto que no Estado do Rio de Janeiro, para o mesmo ano, o percentual foi de 4,6% (Brasil, 2001). C ADERNOS SAÚDE COLETIVA, RIO DE JANEIRO, 14 (2): 283-296, 2006 293

E LIZABETH PASSEBON, KATIA VERGETTI BLOCH, P AULINE LORENA KALE, CLAUDIA MEDINA COELI Estudos recentes no país sobre a mortaliadde infantil no período perinatal e neonatal constataram um excesso de mortalidade considerada evitável pelo adequado controle da gravidez, adequada atenção ao parto e diagnóstico e tratamento precoce dos recém-nascidos (Leal & Szwarcwald, 1996). A diminuição da mortalidade infantil depende não só da assistência básica à gestante, como também da estruturação da assistência médica hospitalar, da existência de uma rede de maternidades, serviços pediátricos e neonatais com variados níveis de complexidade e com qualidade de atendimento, o que além de exigir pessoal tecnicamente habilitado e qualificado, faz uso de moderna tecnologia. O fato da maior parte dos óbitos (55,8%) terem ocorrido antes dos recémnascidos completarem sete dias de vida sugere que essas crianças devem ter morrido, provavelmente, no próprio hospital onde ocorreu o parto, ou em alguma outra unidade de saúde. Provavelmente, encontram-se nesse grupo os recém-nascidos de risco que, ao menos teoricamente, poderiam ter recebido algum tipo de cuidado neonatal intensivo, mas que não conseguiram sobreviver. As taxas de mortalidade infantil mostram que os recém-nascidos com baixo peso têm maior risco de morrer por praticamente todas as causas do que os recém-nascidos com peso normal. Na coorte de nascidos vivos em Campos dos Goytacazes, a magnitude da associação entre peso ao nascer e óbito infantil foi acentuada, mostrando que o risco de óbito infantil foi aproximadamente 15 vezes maior nos recém-nascidos com BPN quando comparados aos recém-nascidos com peso ao nascer igual ou maior que 2500g. A magnitude dessa associação foi muito maior entre os óbitos no período neonatal do que entre os do período pós-neonatal. O resultado da análise multivariada mostrou que a associação persistiu quando controlada para o efeito das demais variáveis. Os nascidos vivos com BPN apresentaram um risco quase cinco vezes maior de morte infantil do que aqueles que não apresentam baixo peso ao nascer. O índice de Apgar é uma variável intermediária entre o baixo peso ao nascer e a mortalidade infantil, o que tornaria impróprio o ajuste dessa associação por essa variável. Por outro lado, ele pode estar associado ao baixo peso ao nascer por refletir outras condições de saúde, relacionadas à saúde da mãe, por exemplo, o que justificaria o ajuste por essa variável. A análise de modelos incluindo ou não o índice de Apgar refletiu essa situação. Morais Neto e Barros (2000) encontraram resultados semelhantes ao investigar fatores de risco para mortalidade neonatal e pós-neonatal em uma coorte de nascidos vivos em Goiânia GO, utilizando como potenciais fatores de risco as variáveis presentes na DN. Concluiu-se que em Campos dos Goytacazes existe associação entre BPN e mortalidade infantil, que é forte e independente de variáveis ligadas à gestação e à assistência. Estudos que avaliam a qualidade da assistência pré e perinatal são 294 CADERNOS SAÚDE COLETIVA, RIO DE JANEIRO, 14 (2): 283-296, 2006

A SSOCIAÇÃO ENTRE PESO AO NASCER E MORTALIDADE INFANTIL NO MUNICÍPIO DE CAMPOS DOS GOYTACAZES - RJ fundamentais para subsidiar estratégias de redução da ocorrência de baixo peso. Os recém-nascidos com baixo peso ao nascer constituem grupo de risco para mortalidade infantil nos período neonatal ou pós-neonatal, e a atenção a eles deve ser priorizada pelos serviços de saúde, por meio de ações e intervenções que reduzam o impacto desse agravo na saúde e na qualidade de vida das crianças, evitando intercorrências, seqüelas e morte no primeiro ano de vida. R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARAÚJO, B. F.; BOZZETTI, M. C.; TANAKA, A. C. A. Mortalidade neonatal precoce no município de Caxias do Sul: um estudo de coorte. Jornal de Pediatria. v. 76, n. 3, p. 200-206, 2000. BARROS, F. C.; VICTORA, C. G.; TOMASI, E.; HORTA, B.; MENEZES, A. M.; CÉSAR, JÁ.; HALPERN, R.; OLINTO, M. T.; POST, C. L.; COSTA, J. S. D.; MENEZES, F. S.; GARCIA, M. M.; VAUGHAN, J. P. Saúde materno-infantil em Pelotas. Rio Grande do Sul, Brasil: principais conclusões da comparação dos estudos das coortes de 1982 a 1993. Cadernos de Saúde Pública. Rio de Janeiro, v. 12, supl. 1, p. 87-92, 1996. BARROS, A. J. D.; HIRAKATA, V. N. Alternatives for logistic regression in cross-sectional studies: an empirical comparison of models that directly estimate the prevalence ratio. BMC Medical Research Methodology. v. 3, n. 21, 2003. BRASIL. Ministério da Saúde. Unicef. A mortalidade perinatal e neonatal no Brasil. Brasília, 1998.. Ministério da Saúde. Informações em Saúde. Mortalidade infantil. Disponível em: <http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/mortinf/mibr.htm>. Acesso em: jul. 2001. CAMARGO JR, K. R.; COELI, C. M. Programa Reclink II, manual, arquivos do tutorial de uso do programa. Versão atual: 2.1.6.150. Disponível em: <http://planeta.terra.com.br/educacao/kencamargo/reclinkii.html>. Acesso em: mar. 2002. COELI, C. M.; CAMARGO JR, K. R. Avaliação de diferentes estratégias de blocagem no relacionamento probabilístico de registros. Revista Brasileira de Epidemiologia. v. 5, n. 2, p. 185-196, 2002. GAMA, S. G. N.; SZWARCWALD, C. L.; LEAL, M. C.; THEME FILHA, M. M. Experiência de gravidez na adolescência. Fatores associados e resultados perinatais em puérperas de baixa renda. Cadernos de Saúde Pública. Rio de Janeiro, v. 18, n. 1, p. 153-161, 2002. C ADERNOS SAÚDE COLETIVA, RIO DE JANEIRO, 14 (2): 283-296, 2006 295

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