22ª Imagem da Semana: Fotografia e radiografia da face Enunciado Paciente do sexo feminino, 34 anos. Diagnóstico de glomerulonefrite aos 12 anos de idade, em tratamento de substituição hemodialitica há 10 anos. Queixa-se de aumento significativo da mandíbula há um ano e de dor em coxa direita e no tórax à esquerda há 3 meses. Exames laboratoriais evidenciaram hiperfosfatemia (PO4-: 4,5 mg/dl) e hipocalcemia (Ca total 10,3 mg/dl). Com base nos dados clínicos e exames de imagem, qual a provável etiologia das queixas apresentadas? a) Hiperparatireoidismo primário. b) Hiperparatireoidismo secundário. c) Metástases ósseas. d) Acromegalia.
Análise da Imagem Imagem 4: Foto antiga à esquerda, e foto atual à direita, evidenciando aumento significativo da mandíbula. Imagem 5: Radiografia de face em perfil mostra lesão insuflativa heterogênea no aspecto anterior da mandíbula, predominantemente lítica, com áreas de acentuado afilamento cortical e comprometimento do osso alveolar adjacente a raízes dentárias. Essas alterações ósseas são compatíveis com a hipótese de hiperparatireoidismo secundário, porém não são específicas desta patologia.
Imagem 6: Cintilografia óssea (99mTc-MDP). Estudo realizado 4 horas após a administração do radiofármaco evidenciando hipercaptação anormal do material na projeção da mandíbula, diáfise do úmero D, corpo vertebral de T5 e 5º, 6º, 7º e 8º arcos costais. A atividade osteoblástica aumentada nas áreas descritas consiste em alteração inespecífica, porém compatível com a hipótese de hiperparatireoidismo secundário.
Diagnóstico Hiperfosfatemia e hipocalcemia em paciente com Doença Renal Crônica (DRC) leva à suspeita de hiperparatireoidismo secundário (HPT2o), que se desenvolve precocemente como mecanismo compensatório da hipocalcemia, redução dos níveis de 1,25-dihidroxivitamina D e hiperfosfatemia. Uma de suas graves complicações é o surgimento do tumor marrom, neste caso visto em topografia de mandíbula, úmero, vértebra torácica e arcos costais. O hiperparatireoidismo primário (HPT1o) é caracterizado pela hipersecreção de paratormônio (PTH), que em 85% dos casos é causado por adenoma da paratireoide. Ao contrário do HPT2o, cursa com hipofosfatemia e hipercalcemia. Metástases ósseas se expressam à cintilografia óssea (99mTc-MDP) como áreas de hipercaptação de intensidade elevada, em geral múltiplas e de distribuição assimétrica. Acomete especialmente o esqueleto axial em paciente com histórico de tumor capaz de estimular a resposta osteoblástica do osso, como o câncer de mama e de próstata. Nesses casos, o paciente pode ser assintomático uma vez que as alterações à cintilografia são precoces e habitualmente descritas seis meses antes das alterações radiológicas. A hipercalcemia pode estar presente, porém com níveis de PTH intacto baixos ou normais. Difere do HPT1o pelos níveis normais de PTH. A acromegalia resulta da secreção excessiva de hormônio do crescimento (GH) com consequente aumento dos níveis de fator de crescimento insulina símile 1 (IGF1). Caracteriza-se por crescimento exagerado de extremidades, partes moles e vísceras, que tem início na pessoa adulta. Discussão do caso Na DRC, a hiperfosfatemia associada à diminuição da produção renal de 1,25- dihidroxicolecalciferol (1,25[OH]2D3) produz um decréscimo do cálcio iônico sérico. Dessa forma, as glândulas paratireóides são estimuladas e há aumento dos níveis de PTH, caracterizando o HPT2o. Na ausência de tratamento adequado, surgem alterações osteoarticulares denominadas, em conjunto, de osteodistrofia renal (ODR), além de calcificação extra-esquelética e doença cardiovascular (DCV). Existem dois tipos principais de doença óssea na DRC: (1) Osteopatia de alto metabolismo ou osteíte fibrosa cística - aumento da absorção e reabsorção ósseas e formação de osso estruturalmente frágil e susceptível a fraturas;
(2) Osteopatia de baixo metabolismo ou doença óssea adinâmica - diminuição da mineralização óssea e da síntese de colágeno decorrente da diminuição da atividade celular. A apresentação clínica da ODR é variável, podendo cursar com fraturas patológicas, deformidades e dores ósseas. O aparecimento do tumor marrom constitui uma rara e grave complicação e caracteriza-se por surgimento de massas circunscritas de tecido com a presença de numerosas células gigantes osteoclásticas, separadas por tecido fibroso, ricamente vascularizado. Os arcos costais, clavículas e mandíbula são os ossos mais frequentemente acometidos. O diagnóstico é sugerido pela história clínica e confirmado por características bioquímicas, radiográficas e histológicas. A DCV, por sua vez, é responsável por mais de 40% das mortes de pacientes com doença renal em estágio terminal, sendo a mortalidade cerca de 10 a 70 vezes maior na população dialítica se comparada à população geral. As complicações cardiovasculares decorrentes do HPT secundário são: hipertrofia ventricular esquerda, calcificação visceral e vascular, doença arterial periférica, hipertensão arterial sistêmica e insuficiência cardíaca congestiva. O tratamento do HPT secundário envolve a adequada reposição de cálcio e metabólitos da vitamina D (colecalciferol e calcitriol), além da dieta com restrição protéica (hipofosfatêmica). Uma vez que a DRC é frequentemente descoberta tardiamente (estágios 3 e 4), muitos pacientes já possuem sequelas esqueléticas e cardiovasculares significativas ao diagnóstico. Aspectos relevantes - Cerca de 80.000 pessoas recebem o diagnóstico de DRC anualmente. - O HPT2º desenvolve-se precocemente na DRC, podendo levar à osteodistrofia renal e complicações cardiovasculares. - A morbimortalidade da DRC devem-se especialmente as co-morbidades decorrentes do HPT2º. - O tratamento do HPT2º consiste na reposição de cálcio e de metabólitos da vitamina D.
Referências - Outcomes of Secondary Hyperparathyroidism in Chronic Kidney Disease and the Direct Costs of Treatment - Journal of Managed Care Pharmacy,June 2007 Vol. 13, No. 5. - Current Medical DX TX 2009, Forty-Eeighth Edition, capítulo: Endocrine Disorders. - Chronic kidney disease mineral and bone disorder: a complex scenario - Nefrologia 2011;31(5):514-9. - Doença Renal Crônica (Pré-terapia Renal Substitutiva): Diagnóstico Projeto Diretrizes Responsável Camila Gomes de Souza Andrade Acadêmica 9º período de Medicina-UFMG. E-mail: camila-gomes[arroba]ufmg.br Orientadora Dra. Ana Lúcia Cândido Endocrinologista, Professora do Departamento de Clínica Médica da FM-UFMG. E-mail: acandido[arroba]medicina.ufmg.br Revisores Acadêmicas Fernanda Foureaux e Emília Valle; Profa. Viviane Parisotto Agradecimentos À Profa Anelise Impelizieri Nogueira, do Departamento de Clínica Médica da UFMG, que gentilmente cedeu este caso. À Profa Fabiana Paiva, Professora do Departamento de Propedêutica Complementar da FM -UFMG, que concedeu a análise da radiografia. Nota A paciente assinou termo de consentimento livre e esclarecido para publicação das imagens.