ARTIGO OPINIÃO Infecção Associada aos Cuidados de Saúde Autores: Franco, Luís José Gonçalves (luisjgfranco@sapo.pt) 2010 Enfermeiro Especialista em Enfermagem Médico-cirúrgica Bloco Operatório Central Mestrando em Enfermagem Médico-cirúrgica Resumo Abstract As Infecções Associadas aos Cuidados de Saúde (IACS) são para os profissionais uma realidade para a qual cada vez mais devem dirigir o olhar, tendo em conta as suas implicações na segurança dos doentes. Sendo uma área de interesse para o grupo profissional a que pertenço considerei que poderia dar o meu contributo formativo ao sensibilizar os profissionais de enfermagem para aspectos essenciais que se prendem com a importância de prevenir as IACS. Este artigo é constituído por uma parte inicial que inclui a definição de IACS e as suas implicações para o doente, reforçada pela epidemiologia que tem em todo o mundo um impacto assustador, tanto pela mortalidade como pela morbilidade e, o grande peso económico que assume nos cuidados de saúde. Após estas reflexões é feita uma curta abordagem da forma como são transmitidos os microrganismos durante a prestação dos cuidados de saúde e a tónica final relativamente à prevenção como melhor arma para combater o problema, através de programas de controlo de infecção. A título de conclusão é dado ênfase ao envolvimento dos profissionais de enfermagem, tendo em conta a defesa da pessoa que ocorre aos serviços de saúde. The Associated Infections Healthcare (IACS) are a reality for practitioners to which increasingly must turn our gaze, bearing in mind the implications for patient safety. Being an area of interest for the professional group to which I belong I found that could make my contribution to the training to sensitize professionals to essential aspects which relate to the importance of preventing associated infections healthcare. This article consists of an initial portion that includes the definition of associated infections healthcare and its implications for the patient, reinforced by epidemiology which has a worldwide impact scary, both the morbidity and mortality as by the great economic importance it assumes in health care. After these reflections is made a short approach of how microorganisms are transmitted during the provision of health care and the final focus on prevention as the best weapon to combat the problem through programs of infection control. In conclusion emphasis is given to the involvement of nurses, taking into account the protection of the person who happens to health services.
INFECÇÃO ASSOCIADA AOS CUIDADOS DE SAÚDE (IACS) O que é a Infecção Associada aos Cuidados de Saúde e qual o seu impacto na segurança dos doentes? A Infecção Associada aos Cuidados de Saúde (IACS), anteriormente denominada de infecção nosocomial ou hospitalar é definida como uma infecção que ocorre num doente durante a prestação de cuidados num hospital ou outra instituição prestadora de cuidados de saúde que não existia nem estava em incubação na altura da sua admissão. Inclui também infecções adquiridas no decurso da prestação de cuidados, mas que se manifestam após a suspensão dos mesmos, assim como infecções de natureza ocupacional que surgem nos profissionais da instituição. Esta designação (IACS) é mais envolvente e abrangente, no sentido em que engloba não só as infecções adquiridas em meio hospitalar (vulgo nosocomial), mas também todas as infecções que surgem em consequência da prestação de cuidados de saúde, onde quer que os doentes se encontrem (lar, cuidados continuados, domicilio, etc.). O aparecimento da infecção está ligado à prestação dos cuidados de saúde podendo surgir, embora nem sempre, como consequência da falha de sistemas e processos da prestação de cuidados, bem como do comportamento humano (profissionais, doentes e visitas). Deste modo, representa um problema maior da segurança dos doentes. (Direcção Geral dos Hospitais, 2008) A Infecção Associada aos Cuidados de Saúde ocorre em todo o mundo, atingindo países desenvolvidos como países em desenvolvimento. O impacto das IACS é enorme, com centenas de milhares de doentes afectados anualmente em todo o mundo. Estas infecções contribuem para a morte e incapacidade dos doentes e levam á utilização de antibióticos de largo espectro, podendo contribuir para o aumento da resistência aos antibióticos. A cada momento, mais de 1,4 milhões de pessoas sofrem infecções adquiridas no hospital. Estima-se que, nos países desenvolvidos, 5 a 10% dos doentes admitidos em hospitais de cuidados agudos vêm a adquirir uma infecção; a proporção de doentes afectados pode ultrapassar os 25% nos países em desenvolvimento. Em locais de elevado risco, como unidades de cuidados intensivos, mais de um terço 1
dos doentes pode ser afectado e a mortalidade atribuível pode atingir 44%. Nos EUA, as IACS são causa directa de aproximadamente 80 000 mortes por ano. Como consequências das IACS observa-se agravamento do estado de saúde, aumento do tempo de internamento, sequelas e morte, custos económicos adicionais elevados no sistema de saúde, custos pessoais e sofrimento físico e emocional nos doentes e famílias. Como são transmitidos os microrganismos durante a prestação de cuidados de saúde? As Infecções Associadas aos Cuidados de Saúde podem ser causadas por bactérias, vírus, fungos e parasitas. No entanto, a maioria das infecções são causadas por bactérias e vírus. Os microrganismos encontram-se no ambiente das unidades de saúde e nos próprios doentes, na pele, vias respiratórias e tracto gastrointestinal. Estes microrganismos são considerados parte da sua flora normal. Assim, a roupa dos doentes e da cama, o mobiliário e outros objectos no ambiente envolvente do doente ficam contaminados com a sua flora. As infecções podem ser causadas tanto por microrganismos que fazem parte da flora da pele e mucosas do doente (endógenas), como por microrganismos transmitidos por outro doente ou do ambiente envolvente (exógenas). Os profissionais de saúde podem actuar como veículo transmissor. As IACS surgem essencialmente como complicações decorrentes de um desequilíbrio entre a flora microbiana, considerada normal, e os mecanismos de defesa. A transmissão dos microrganismos pode ocorrer através de contacto (directo e indirecto), via aérea (gotículas) e veículos comuns e vectores. A transmissão por contacto ocorre quando o doente contacta com a fonte e pode acontecer por: Contacto directo - Contacto físico directo entre a fonte e o doente, por exemplo, contacto pessoa-pessoa. Contacto indirecto - A transmissão do agente infeccioso da fonte para o doente ocorre de modo passivo através de um objecto (habitualmente inanimado), por exemplo, transferência de microrganismos entéricos para um hospedeiro susceptível através de um endoscópio que foi previamente contaminado por um doente colonizado/infectado. A transmissão por via aérea refere-se a microrganismos cuja disseminação passa pela suspensão no ar e que então podem ser inalados por um hospedeiro susceptível dentro da mesma sala ou a longa distância do doente contaminado. A passagem transitória do agente infeccioso acontece através de gotículas (partículas com dimensões superiores a 5µm) quando a fonte e o doente estão próximos, por exemplo, por espirros e tosse. 2
Na transmissão por veículos comuns, um material contaminado, por exemplo, alimentos, água ou medicamentos, pode ser o ponto de partida para a transmissão do agente microbiano aos doentes. A transmissão por vectores, como por exemplo mosquitos, pulgas, ratos, carraças, não tem grande expressão nas IACS. O risco de transmissão existe em todos os momentos da prestação de cuidados, especialmente em doentes imunodeprimidos e/ou na presença de dispositivos invasivos (como catéter vesical, catéter intravenoso, tubo endotraqueal, etc.). Nos hospitais concentram-se doentes infectados e colonizados por microrganismos, que são fontes de infecção e que podem contaminar outros doentes e profissionais. Entre os factores que contribuem para o desenvolvimento de infecções, incluem-se a sobrelotação, a não afectação de profissionais exclusivos para cuidar dos doentes infectados e colonizados, transferências frequentes de doentes de uma enfermaria para outra e a aglomeração de doentes imunodeprimidos em unidades específicas (unidades de cuidados intensivos e intermédios). Na maioria dos casos, as mãos dos profissionais de saúde constituem o veículo mais comum para a transmissão de microrganismos da pele do doente para as mucosas (como no tracto respiratório) ou para locais do corpo habitualmente estéreis (sangue, líquido céfalo-raquidiano, líquido pleural, etc.) e de outros doentes ou do ambiente contaminado. É importante referir que as mãos dos profissionais são progressivamente colonizadas durante a prestação de cuidados com microrganismos, incluindo agentes potencialmente patogénicos (colonização transitória). Na ausência de cuidados de higiene das mãos, quanto maior a duração da prestação de cuidados, maior o grau de contaminação das mesmas. É possível prevenir a Infecção Associada aos Cuidados de Saúde? Vários estudos demonstram claramente que a implementação de programas de controlo de infecção bem estruturados reduz as IACS e é uma medida custo-efectiva. Um estudo realizado entre 1974 e 1983, nos Estados Unidos estudo SENIC conclui que é possível prevenir cerca de 30% de todas as infecções nosocomiais. As bases do controlo de infecção assentam em precauções simples e bem estabelecidas, comprovadamente eficazes e globalmente aceites. As Precauções Básicas, implementadas em 1988, pelo CDC (Centers for Disease Control), englobam todos os princípios essenciais de controlo de infecção que são obrigatórios em qualquer estabelecimento de prestação de cuidados de saúde. Estas aplicam-se a todos os doentes hospitalizados, 3
independentemente do seu diagnóstico, factores de risco e presumível estado infeccioso, de modo a diminuir o risco tanto de doentes como de profissionais de contraírem uma infecção. A higiene das mãos está no cerne das Precauções Básicas e é indiscutivelmente a medida isolada mais eficaz no controlo de infecção. Na presença de doentes com suspeita ou confirmação de infecção ou colonização por agentes patogénicos altamente transmissíveis, ou epidemiologicamente significativos, os cuidados requerem a implementação de medidas especiais baseadas nas vias de transmissão. As precauções baseadas nas vias de transmissão incluem precauções relativas à transmissão por via aérea, por gotícula e por contacto. Além das Precauções Básicas e das baseadas na transmissão, foi demonstrado que algumas medidas específicas são muito eficazes na prevenção de infecções específicas de um local, ou relacionadas com dispositivos, nomeadamente infecções do tracto urinário, infecções do local cirúrgico, pneumonia e infecção da corrente sanguínea. Assim, devem ser tomadas medidas para criar e implementar orientações de boas práticas, de modo a minimizar o risco de desenvolver infecção relacionada com procedimentos ou dispositivos invasivos. Segundo as Precauções Básicas todos os doentes devem ser considerados como potencialmente infecciosos, assumir que todo o sangue e outros fluidos corporais podem estar contaminados e assumir que todos os objectos cortantes, usados, estão contaminados. Assim as estratégias de prevenção das IACS, baseadas nas Precauções Básicas, devem constar de: Higiene das mãos; Boas práticas nos procedimentos invasivos, como utilização de técnica asséptica; Limpeza, desinfecção e esterilização dos dispositivos médicos; Uso racional de antimicrobianos; Administração segura de injectáveis; Descontaminação dos equipamentos; Higiene ambiental hospitalar; Uso racional do equipamento de protecção individual; Uso correcto e rejeição de cortantes e ou perfurantes; Encaminhamento correcto após exposição; Correcto programa de vacinação; Boas práticas no transporte de espécimes; 4
Precauções com doentes com infecções epidemiologicamente importantes; Isolamento e colocação dos doentes colonizados / infectados conforme a via de transmissão. Higiene respiratória / etiqueta da tosse. Dentro das medidas específicas, salienta-se as recomendações no uso correcto e na utilização de cateter intravascular, cateter vesical e de outras medidas invasivas, nomeadamente a ventilação mecânica. A sua utilização deverá ser criteriosa e retirados logo que possível, respeitando sempre e rigorosamente, os cuidados específicos de utilização / manutenção e a técnica asséptica. Todos os profissionais de saúde devem cumprir as normas e orientações, na sua prática, de forma a prevenir e reduzir a incidência de infecções. Devem conhecer as Precauções Básicas de prevenção e controlo de infecção a serem aplicadas em todas as situações. Da intervenção correcta dos profissionais depende a real prevenção das IACS e a segurança dos doentes. A informação e a formação aos profissionais de saúde são fundamentais para esse efeito. Segundo Ferreira, citado por Rebelo (2007), a ignorância obstaculiza e bloqueia o desenvolvimento de estratégias e medidas racionais e eficazes no combate das infecções hospitalares. O profissional de saúde deve saber avaliar os riscos para os doentes e para si próprio sobre a transmissão das IACS e actuar de acordo. A par do rápido desenvolvimento técnico e farmacológico e de ferramentas importantes para o entendimento das IACS, é o elemento fundamental na prevenção e controlo deste tipo de infecção. A prevenção é sem dúvida, a melhor forma de combater este problema! O envolvimento dos Profissionais de Enfermagem é crucial e decisivo. No decorrer da sua actividade diária, detêm imensa responsabilidade para evitar as Infecções Associadas aos Cuidados de Saúde, implementando procedimentos adequados, que minimizem a disseminação de microrganismos. Desempenham assim papel chave na prevenção e controlo de infecção. Neste sentido o objectivo será caminhar para a excelência na prestação de cuidados e ter sempre em conta a pessoa que ocorre aos serviços de saúde, que tem direito a ser protegida e defendida na sua integridade. Referências: Direcção Geral dos Hospitais (www.dgs.pt), (Microsite do controlo de infecção). www.who.int/gpsc/en/index.html www.npsf.org/html/preventinfections.html www.cdc.gov Rebelo, Susana et Valente, João Infecções Hospitalares, uma realidade actual, Revista Sinais Vitais, n.º 70, Janeiro 2007, p. 27 a 29. 5