Aranhas associadas à planta Cyperus sp. (Cyperaceae) preferem inflorescências mais altas para construção de teias INTRODUÇÃO. Marcos Costa Vieira

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Transcrição:

Aranhas associadas à planta Cyperus sp. (Cyperaceae) preferem inflorescências mais altas para construção de teias Marcos Costa Vieira RESUMO: A seleção de micro-habitats que maximizem a captação de alimento é um componente fundamental das estratégias de forrageamento. Em aranhas orbitelas, a eficiência na captura de presas depende, dentre outros fatores, do tamanho e da posição da teia, de modo que a escolha dos pontos de fixação está relacionada ao sucesso do forrageamento. Testei a hipótese de que aranhas associadas à planta Cyperus sp. constroem teias nas inflorescências mais altas. Uma vez que distância entre as inflorescências aumenta conforme a altura, essa estratégia deveria permitir a construção de teias maiores. Observações em campo mostraram que a altura do ponto de fixação das teias é maior do que a altura média das inflorescências. Em um experimento de campo, as aranhas selecionaram pontos de fixação elevados para a construção das teias. Assim, meu estudo fornece evidências da influência da estrutura física do habitat sobre a seleção de sítios de construção de teias em aranhas orbitelas. PALAVRAS-CHAVE: seleção de habitat, aranhas orbitelas, teoria do forrageamento ótimo, teias orbiculares, interação aranha-planta INTRODUÇÃO As estratégias de forrageamento ótimo empregadas pelos animais maximizam a captação de energia por unidade de tempo, dado um conjunto de restrições relacionadas ao orçamento energético disponível e ao custo da localização e manipulação do recurso (Maier, 1998). Um componente fundamental das estratégias de forrageamento ótimo é a escolha do habitat e do micro-habitat onde o animal procura pelo alimento (Romero & Vasconcellos- Neto, 2007). Quando o alimento está distribuído de maneira heterogênea no espaço, os indivíduos forrageiam preferencialmente onde a taxa de captação do alimento é mais alta. Essa eficiência depende de muitos fatores, tais como a disponibilidade de presas e a densidade de competidores (Fretwell & Lucas, 1970). Em muitas espécies de aranhas, as estratégias de forrageamento estão associadas à construção de teias (Viera et al., 2007). Dentre as teias empregadas para captura de presas, as teias orbiculares, produzidas pelas famílias do grupo Orbiculariae (e.g., Araneidae, Tetragnathidae), são as mais comuns (Viera et al., 2007). Aranhas construtoras de teias orbiculares, conhecidas como aranhas orbitelas, exploram o ambiente em busca de pontos de fixação para a moldura da teia antes da construção da espiral pegajosa (Foelix, 2011). Em razão do investimento em energia envolvido na construção da teia, a escolha de um local inadequado e o eventual abandono da teia são custosos para as aranhas. Assim, após a etapa exploratória, a aranha deve posicionar a teia em sítios com alta probabilidade de captura de presas (Foelix, 2011). A estrutura das teias orbiculares, assim como seu desempenho, estão relacionados à estrutura do habitat onde elas ocorrem (Foelix, 2011). Em particular, a arquitetura da vegetação, ao determinar a disponibilidade de pontos de fixação para as teias, é uma característica estrutural importante na seleção de habitats pelas aranhas (Pékar, 2005). Indivíduos da aranha orbitela Micrathena gracilis (Araneidae), por exemplo, retornam a ambientes de floresta decídua, estruturalmente complexos, após serem liberados experimentalmente em plantações do pinheiro Pinus, estruturalmente mais simples (Hodge, 1987). Além da disponibilidade de pontos de fixação, a arquitetura da vegetação estabelece o intervalo de altura em que as aranhas são capazes de forragear e, consequentemente, a identidade e a disponibilidade das presas (e.g., Hénault et al., 2006). Assim, as propriedades estruturais da cobertura vegetal influenciam a seleção de sítios para construção de teias pelas aranhas orbitelas. Neste estudo, investiguei o efeito da estrutura do habitat sobre a seleção de pontos de fixação de teias em aranhas orbitelas associadas a plantas graminoides do gênero Cyperus em uma área de dunas. Touceiras de Cyperus sp. (daqui em diante referidas apenas pelo nome genérico) ocorrem em grande abundância em cordões arenosos nas restingas da costa brasileira. Aranhas de diferentes 1

espécies constroem teias orbiculares usando as extremidades das inflorescências dessa espécie como pontos de fixação. As inflorescências consistem em hastes brotando do solo em direções divergentes, de maneira que a distância entre as hastes de uma mesma touceira de Cyperus aumenta em função da altura. Assim, pressupondo que a distância entre os pontos de fixação da teia limita o diâmetro da área de captura, as aranhas deveriam ser capazes de produzir teias de maior diâmetro ao selecionar pontos de fixação mais elevados. Por sua vez, teias com maior diâmetro da área de captura deveriam ter maior probabilidade de capturar presas, dado que as teias são geralmente simétricas. Assim, usando observações e um experimento de campo, testei a hipótese de que as aranhas selecionam as inflorescências mais altas como pontos de fixação das teias orbiculares. MATERIAL & MÉTODOS Amostragem em campo Conduzi o estudo em uma faixa de duna localizada na praia do Guarauzinho, na Estação Ecológica Juréia-Itatins (24 32 S; 47 15 O), município de Peruíbe, São Paulo. Estabeleci 30 parcelas em um transecto de cerca de 90 m ao longo de uma faixa de vegetação com predomínio de Cyperus. As parcelas tinham 1,5 x 1,5 m, e a distância entre elas foi de 1,5 m. O comprimento de 1,5 m escolhido para os lados da parcela excede a distância entre os pontos de fixação das teias observadas em campo. Assim, a maioria das teias observadas encontrava-se claramente dentro de uma única parcela. Verifiquei a ocorrência de teias orbiculares associadas a inflorescências de Cyperus em cada parcela, quantificando o diâmetro da área de captura e altura do ponto de fixação mais alto para cada teia encontrada. Considerei como altura do ponto de fixação a distância entre a adesão do fio de seda e a base da inflorescência em que teia estava ancorada. Com base na hipótese de que as aranhas selecionam as inflorescências mais altas, previ que a altura média do ponto de fixação seria maior do que a altura média das inflorescências de Cyperus. Para estimar essa altura média, coletei inflorescências em um quadrante de cada parcela, escolhido aleatoriamente. Em laboratório, sorteei cinco inflorescências por parcela e quantifiquei a altura de cada inflorescência com base na distância entre a base da haste e a extremidade da inflorescência. Para testar a previsão de que a altura média do ponto de fixação das teias é maior do que a altura média das inflorescências de Cyperus, construí um modelo nulo aleatorizando os valores de altura entre os dois grupos: inflorescências com teias orbiculares e inflorescências sem teias amostradas aleatoriamente em cada parcela. Após cada aleatorização, calculei a diferença entre as médias do primeiro e do segundo grupos como estatística de interesse. Comparei a diferença observada com a distribuição de diferenças produzida em 10.000 aleatorizações. De acordo com a hipótese de que as aranhas selecionam as inflorescências mais altas como ponto de fixação das teias, previ que a diferença observada estaria entre as 5% maiores diferenças produzidas pelo modelo nulo. Para testar a premissa de que pontos de fixação mais altos permitem a construção de teias com maior diâmetro, construí um modelo nulo aleatorizando 10.000 vezes os valores de diâmetro da área de captura em relação à altura do ponto de fixação. Em cada aleatorização, construí uma reta de regressão considerando a altura do ponto de fixação como variável preditora e o diâmetro da área de captura como variável resposta. Comparei a inclinação da reta de regressão dos valores observados com a distribuição de inclinações produzida pelo modelo nulo. Previ que a inclinação observada estaria entre as 5% maiores inclinações produzidas pelo modelo nulo. Experimento de campo Estabeleci sete parcelas experimentais de 1,5 x 1,5 m sobre a cobertura de Cyperus. Em cada parcela, removi todas as touceiras de Cyperus, bem como outros possíveis pontos de fixação, tais como plântulas de arbustos e ramos de outros graminoides). Em seguida, posicionei touceiras artificiais, cada uma composta por duas estruturas (de agora em diante suportes ) análogas às inflorescências de Cyperus. Cada suporte consistiu em uma haste de madeira, com 25 cm de comprimento, sobre a qual posicionei inflorescências naturais de Cyperus perpendicularmente ao solo. Cada suporte tinha 50 cm de altura. Cada parcela continha cinco touceiras artificiais, sendo quatro posicionadas nos cantos da parcela e uma no centro. As touceiras artificiais variavam na altura e na separação dos suportes. Para criar dois níveis de altura, enterrei na areia diferentes proporções da haste de madeira: 6 cm ( 24%) e 25 cm (100%), o que resultou em suportes com 44 ( alto ) e 25 cm ( baixo ) de altura. Para criar diferentes níveis de separação, posicionei os suportes de cada touceira em diferentes distâncias um do outro: 25 cm ( separado ) e 5 cm ( junto ). Posicionei paralelamente ao eixo da praia as quatro touceiras representando as combinações de altura e separação. Em função de um outro estudo 2

(Maia, 2012), estabeleci uma touceira artificial com suportes altos e separados, mas posicionada perpendicularmente ao eixo da praia. Posicionei as demais touceiras paralelamente ao eixo da praia Alternei a posição de cada tipo de touceira entre as parcelas. Observei a ocorrência de aranhas nas touceiras artificiais 72 h após colocar as touceiras nas parcelas. O objetivo original do experimento de campo era avaliar a preferência das aranhas pelas touceiras artificiais em função da altura e da separação entre os suportes das touceiras. Entretanto, a maior parte das aranhas estabeleceu teias envolvendo um dos suportes de uma touceira artificial e um ponto de apoio externo, ora na vegetação circundante, ora em suportes de outras touceiras artificiais. Assim, não foi possível avaliar a preferência pelas touceiras artificiais em função da altura e da separação de suas inflorescências. Por outro lado, foi possível avaliar a preferência das aranhas pela altura dos pontos de apoio disponíveis. Nesse sentido, com base na hipótese de que as aranhas selecionam as inflorescências mais altas para a construção das teias, previ que a aranhas usariam preferencialmente suportes altos (i.e. 44 cm) em detrimento dos suportes baixos (i.e. 25 cm) na construção de teias orbiculares nas parcelas experimentais. Para testar a preferência das aranhas pela altura dos suportes nas touceiras artificiais, construí um modelo nulo com base no número observado de eventos de colonização por aranhas nas touceiras artificiais. Em cada aleatorização, distribuí os eventos de colonização entre as duas categorias de altura dos suportes. A probabilidade de um evento de colonização por aranhas ocorrer sobre um suporte de determinada categoria de altura foi idêntica à proporção de suportes com aquela categoria de altura nas parcelas. Uma vez que cada parcela continha seis suportes altos e quatro baixos, as proporções de colonização de suportes altos e baixos esperadas pelo modelo nulo eram de 0,6 e 0,4, respectivamente. Em cada aleatorização, calculei a proporção de suportes altos colonizados em relação ao total de colonizações em todas as parcelas. Previ que a proporção observada de suportes altos em relação ao total de suportes colonizados estaria entre as 5% maiores proporções produzidas pelo modelo nulo. RESULTADOS Amostragem em campo A maioria das teias encontradas pertencia a aranhas do gênero Eustala (Araneidae), as quais geralmente estavam presentes nas teias. Ocasionalmente, observei teias de aranhas da família Tetragnathidae. A altura média do ponto de fixação das teias orbiculares foi 22,8% maior do que a altura média das inflorescências da população de Cyperus (p < 0,001). A altura média (± desvio padrão) do ponto de fixação das teias foi de 30,8 ± 6,8 cm (n = 31, min. máx. = 36 cm), enquanto a altura média das inflorescências foi de 25,1 ± 7,9 cm (n = 150; min. máx. = 32 cm). Aranhas que utilizaram pontos de fixação mais altos construíram teias com maior diâmetro da área de captura (p = 0,004; R² = 0,216; Figura 1). Essa relação se manteve depois que repeti a análise excluindo três valores extremos de diâmetro e altura detectados em uma inspeção visual dos dados (p = 0,004; R² = 0,246). Figura 1. Relação entre a altura do ponto de fixação das teias orbiculares e o diâmetro de sua área de captura. A linha sólida representa a reta de regressão obtida com todos os dados (diâmetro = 2,11 + 0,39 x altura), enquanto a linha tracejada indica a reta obtida excluindo-se os valores extremos destacados pelos círculos (diâmetro = 3,12 + 0,33 x altura). Experimento de campo Ao todo, observei 23 teias orbiculares construídas nas touceiras artificiais. Dezenove (82,6%) dessas teias estavam ancoradas em suportes altos, enquanto quatro (17,4%) tinham como ponto de ancoragem um suporte baixo. As aranhas selecionaram preferencialmente suportes mais altos na construção das teias nas touceiras artificiais (p = 0,002). DISCUSSÃO Encontrei evidências observacionais e experimentais de que a estrutura do hábitat influencia 3

a seleção de sítios de forrageamento por aranhas orbitelas, pois os indivíduos claramente selecionaram pontos de fixação elevados para construção das suas teias. Dada a geometria das touceiras de Cyperus, que faz com que a distância entre duas inflorescências seja maior em alturas maiores, essa preferência deve estar associada à possibilidade de utilizar pontos de fixação mais distantes entre si, o que permitiria a construção de teias com áreas de captura maiores. De fato, observei que teias posicionadas em pontos de fixação mais elevados tinham áreas de captura com maior diâmetro. Além desse efeito relacionado ao diâmetro, é possível que as escolha de pontos de fixação mais elevados diminua as chances de que a construção da teia seja interrompida pela presença de obstáculos. Próximo ao solo, as folhas ou hastes de Cyperus, além de outras plantas herbáceas, podem se entrepor a pontos de fixação em potencial. Nessas condições, a escolha de um ponto de fixação elevado no início da construção da teia pode permitir que as aranhas construam teias posicionadas acima de eventuais obstáculos. A seleção de microhabitats mediada pela altura das teias já foi demonstrada para aranhas orbitelas. Em um estudo com aranhas da família Theridiidae associadas a girassóis, Pékar (2005) mostrou que indivíduos de Neottiura bimaculata selecionam partes mais baixas das plantas, enquanto indivíduos de Theridion impressum constroem teias em sítios mais elevados. Alguns estudos sugerem que a variação na altura das teias pode estar associada a diferenças na identidade e abundância das presas (Foelix, 2011). Por exemplo, Hénault et al. (2006) mostraram que teias da aranha Leucage venusta em posição mais elevada capturam moscas maiores, mas em menor quantidade, do que teias menos elevadas de indivíduos da mesma espécie. Teias de Araneus marmoreus capturam principalmente dípteros de pequeno porte, enquanto as teias de Argiope bruennichi, mais próximas ao solo, capturam gafanhotos (Pasquet, 1984). Assim, é possível que a preferência das aranhas por sítios mais altos observada nesse estudo esteja relacionada também à preferência por um determinado conjunto de presas. Outra possível explicação para a preferência pelos sítios de fixação mais elevados está relacionada à probabilidade de ocorrência de dano nas teias. Animais de grande porte, os quais as aranhas são incapazes de predar, podem provocar dano ao colidirem com a teia (Foelix, 2011). Nesses casos, os indivíduos podem abandonar o sítio onde haviam construído suas teias (Enders, 1976), o que sugere que eles podem selecionar microhabitats onde a probabilidade de ocorrência de dano é menor. Na área deste estudo, observei gafanhotos se deslocando em saltos próximos ao solo. Uma vez que esses animais parecem maiores do que as presas que observei nas teias orbiculares presentes, é possível que eles não estejam entre as presas habituais das aranhas. Além disso, é possível que o impacto de um gafanhoto ao colidir com a teia durante um salto seja capaz de danificá-la. Nesse caso, a seleção de sítios de fixação elevados pelas aranhas diminuiria a probabilidade de ocorrência de dano nas teias. Em conclusão, a seleção de microhabitats pelas aranhas orbitelas pode estar relacionada tanto a restrições impostas pela estrutura física do habitat sobre a geometria das teias quanto a interações com presas ou outros organismos. Tais possibilidades, entretanto, não são mutuamente excludentes e é possível que a seleção de sítios de construção de teias pelas aranhas orbitelas seja determinada por diferentes mecanismos atuando simultaneamente. Se esse for o caso, estudos futuros deveriam investigar a contribuição relativa de restrições geométricas e interações interespecíficas na seleção de sítios para construção de teias orbiculares. AGRADECIMENTOS Agradeço à equipe de professores e monitores, especialmente ao Glauco e ao Paulo Inácio, pelas sugestões durante a execução do projeto, a Maya, pela companhia, pelo apoio e pelas conversas de bar mantidas durante longas sessões de capinagem debaixo de um sol abominavelmente quente, a Isa Isa, pela ajuda na mensuração das inflorescências. ao Ernesto e mais uma vez ao Glauco, pelas sugestões feitas ao manuscrito, e aos outros amigos que eu fiz durante o curso de campo, pela galhofância geral e irrestrita, presente mesmo nos momentos de maior intensidade de borrifo marinho. REFERÊNCIAS Enders, F. 1976. Effects of prey capture, web destruction and habitat physiognomy on web-site tenacity of Argiope spiders (Araneidae). Journal of Arachnology, 3:75-82. Foelix, R.F. 2011. Biology of spiders. 3ª Edição. Oxford University Press, New York. Fretwell, S.D. & H.L. Lucas. 1970. On territorial behaviour and other factors influencing habitat distribution in birds. Acta Biotheoretica, 19:16 36. 4

Hénault, Y.; J.A. Garcia-Ballinas & C. Alauzet. 2006. Variation in web construction in Leucauge venusta (Araneae, Tetragnathidae). Journal of Arachnology, 34:234-240. Hodge, M. 1987. Macrohabitat selection by the orb weaving spider, Micrathena gracilis. Psyche, 94:347-361. Pasquet, A. 1984. Proies capturées et strategies prédatrices chez deux espèces d araignées orbitèles: Argiope bruennichi et Araneus marmoreus. Entomologia Experimentalis et Applicata, 36:177-184. Pékar, S. 2005. Horizontal and vertical distribution of spiders (Araneae) in sunflowers. Journal of Arachnology, 33:197-204. Maia, M. R. 2012. Orientação de teias orbiculares em relação a direção do vento em dunas costeiras. Em: Livro do curso de campo Ecologia da Mata Atlântica (G. Machado; P.I.K.L. Prado & A.M.Z. Martini, eds.). Universidade de São Paulo, São Paulo. Maier, R. 1998. Comparative animal behavior: an evolutionary and ecological approach. Allyn & Bacon, Needham Heigths. Romero, G. & J. Vasconcellos-Neto. 2007. Aranhas sobre plantas: dos comportamentos de forrageamento às associações específicas, pp. 67-87. Em: Ecologia e comportamento de aranhas (M.O. Gonzaga; A.J. Santos & H.F. Japyassú, eds.). Editora Interciência, Rio de Janeiro. Viera, C.; H.F. Japyassú; A.J. Santos & M.O. Gonzaga. 2007. Teias e forragemento, pp. 45-65. Em: Ecologia e comportamento de aranhas (M.O. Gonzaga; A.J. Santos & H.F. Japyassú, eds.). Editora Interciência, Rio de Janeiro. 5