Estudo da Fissura Labiopalatal. Aspectos Clínicos desta Malformação e Suas Repercussões. Considerações Relativas à Terapêutica



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Transcrição:

REVISÃO DA LITERATURA Estudo da Fissura Labiopalatal. Aspectos Clínicos desta Malformação e Suas Repercussões. Considerações Relativas à Terapêutica Study of Cleft Lip Palate. Clinical Aspects and Repercussion. Considerations Related to its Therapy Heleno AUGUSTO da Silva* Ana Keila Costa Barreira BORDON** Danilo Antonio DUARTE*** AUGUSTO, H. da S.; BORDON, A.K.C.B.; DUARTE, D.A. Estudo da fissura labiopalatal. Aspectos clínicos desta malformação e suas repercussões. Considerações relativas à terapêutica. J Bras Odontopediatr Odontol Bebê, Curitiba, v.5, n.27, p.432-436, set./out. 2002. As malformações de lábio e palato constituem grave problema odonto-médico-social, ocupando lugar de destaque dentre as malformações presentes no nascimento. A importância do acompanhamento precoce do fissurado por um odontopediatra fica evidenciada quando se analisam os problemas bucais decorrentes da presença de fissuras. O autor propõe-se a apresentar uma revisão de literatura em que realizou um estudo da fissura lábio palatal quanto aos seus aspectos clínicos e suas conseqüências para a criança e familiares, bem como a abordagem multidisciplinar necessária para o tratamento destes pacientes. PALAVRAS-CHAVE: Lábio fissurado; Fissura palatina; Anormalidades; Crianças; Reabilitação. Uma fissura é um espaço anormal, congênito, no lábio superior, no alvéolo ou no palato. A fissura labiopalatal é uma deformidade de grande complexidade, pois atinge várias estruturas faciais como: nariz, lábio, dentes, palato duro e mole (ELLIS, 2000). Segundo a Organização Mundial da Saúde, é necessário uma equipe multidisciplinar para uma reabilitação global do paciente (MOTOYAMA et al., 2000). A idéia e o conceito de equipe integrada para o tratamento de fissuras labiopalatais foram introduzidos e desenvolvidos a partir de 1930, quando se analisaram os problemas e as limitações destes pacientes. Embora o sucesso do tratamento seja freqüentemente alcançado em termos de INTRODUÇÃO função fisiológica e estética, a adaptação psicológica dos pacientes e o ajustamento nem sempre o são. A importância do acompanhamento precoce do fissurado por um odontopediatra fica evidenciada quando se analisam os problemas bucais decorrentes da presença de fissuras. Defeitos congênitos são extremamente mobilizadores de sentimentos intensos, tanto nos seus portadores como naqueles que com eles convivem. Do corpo humano, certamente, o rosto é um elemento dos mais importantes, o ponto de contato entre os indivíduos. Assim sendo, defeitos no rosto adquirem importância maior (VIANA et al., 1994). * Especialista em Odontopediatria FOA UNESP Araçatuba; Mestrando em Odontopediatria UNICASTELO Campinas; Professor-assistente de Odontologia Preventiva e Social FISA Santa Fé do Sul; Rua Dezesseis, 527, Centro CEP 17775-000, Santa Fé do Sul, SP; e-mail: heleno@melfinet.com.br ** Especialista em Odontopediatria FOA UNESP Araçatuba; Mestranda em Odontopediatria UNICASTELO Campinas; Professora-assistente de Odontologia Preventiva e Social FISA Santa Fé do Sul *** Especialista, Mestre e Doutor em Odontopediatria FOUSP; Professor Titular da disciplina de Odontopediatria UNICSUL, UNISA e UNICASTELO SP

O presente trabalho refere-se a uma revisão de literatura em que se verificou o renovado interesse nas malformações labiopalatinas, o que resultou em grande avanço na pesquisa quanto à incidência, etiologia, aspectos psicológicos/clínicos e tratamento. ETIOLOGIA A embriologia da face considera que durante a 6ª semana de vida intra-uterina, no aspecto lateral do segmento intermaxilar, existe inicialmente uma fissura que o separa dos processos maxilares laterais; a falta de fusão destes processos, nesta fase de desenvolvimento facial, determina a fissura labial e/ou palatal (MOORE, 1990; MATTOS & ANDRÉ, 1997; DI NICOLÓ et al., 2000; MONTANDON et al., 2001). Outra teoria citada por ALTMANN (1994), NUNES et al. (1998), diz que as fissuras seriam decorrentes de uma falta de penetração mesodérmica que acarretaria falta de nutrição vascular e, conseqüentemente, necrose, originando a fenda. Verificou-se neste estudo que os autores SOUZA (1985), NUNES et al. (1998), DI NICOLÓ et al. (2000), MOTOYAMA et al. (2000) e MONTANDON et al. (2001) consideraram como um dos fatores mais importantes das fissuras la biopalatais a hereditariedade. Entretanto, há e vidências de que fatores ambientais são importantes. Ao considerar os fatores ambientais, SOUZA (1985) e NUNES et al. (1998) citaram algumas drogas utilizadas no primeiro trimestre de gravidez como: corticóides, difenil-hidantoína, deficiência de vitamina A e ácido fólico, infecções virais (rubéola, toxoplasmose, varíola, varicela), radiação, ta bagismo, alcoolismo, drogas, fatores so cioeconômicos em geral. INCIDÊNCIA Estatisticamente a fissura labiopalatal é, dentre as malformações congênitas, uma das mais freqüentes no Brasil. FONSECA & REZEN- DE (1971), VIANA et al. (1994), OLIVEIRA et al. (1996), CARVALHO (2000) e MONTANDON et al. (2001) relataram que as estatísticas apontam para um taxa de 1 para cada 600 ou 700 nascimentos, sendo mais freqüente no sexo masculino, com lesão predominantemente do lado esquerdo. Segundo DI NICOLÓ et al. (2000), a incidência de fissuras labiopalatinas constitui cerca de 50% de todos os casos, sendo que a fissura labial e fissura palatina representam 25% cada. Há no Brasil, aproximadamente, 200 mil portadores, de fissuras labiopalatais cuja ocorrência varia com a raça e a nacionalidade dos indivíduos afetados, sendo que a raça negra é menos atingida (NUNES et al., 1998). ASPECTOS PSICOLÓGICOS Para VIANA et al. (1994), NUNES et al. (1998) e CARVALHO & TAVANO (2000), os pais, diante do nascimento de uma criança portadora de malformação, são tomados por grande choque emocional, em que os padrões mais comuns de reação são negação da realidade da deficiência, lamentações e comiseração dos pais com sua própria sorte, ambivalência em relação à criança ou sua rejeição, sentimentos de culpa, vergonha, depressão, tristeza. Gradativamente, chega-se ao equilíbrio e à reorganização, em que atenuam-se a ansiedade e as intensas reações emocionais e os familiares auxiliam-se para aceitar a criança. Quanto ao comportamento, à personalidade, à socialização dos fissurados, os autores RICHMAN (1978), SCHNEIDERMAN & AVER (1984), SOUZA (1995) e PRADA (2000) relataram que as crianças fissuradas só se percebem como diferentes após 4 a 5 anos de idade, e que o contato com outras crianças aumenta este estigma, sendo as mesmas mais inibidas que as outras crianças. Com o aumento da idade, atitudes relacionadas ao comportamento, imaturidade ou agressividade estavam mais presentes. A intervenção psicológica logo após o nascimento da criança é necessária e indispensável, devendo auxiliar os pais na compreensão de seus sentimentos e reorganização pessoal, a fim de aceitarem a criança real e as potencialidades que existem por trás da fissura e buscar meios para reabilitação global da mesma. Os pais representam o ponto principal de todo o tratamento, devendo receber informações corretas, perceber e sensibilizar-se da importância de sua postura participativa durante o mesmo (RICHMAN, 1978; TOBIASON, 1983; RICHMAN, 1983; SOUZA, 1985; PAYNTER et al., 1991; NUNES et al., 1998; PRADA et al., 2000; CARVALHO & TAVANO, 2000). ASPECTOS CLÍNICOS Várias são as classificações publicadas para identificar os diversos tipos de fissuras. SOUZA, em 1985, descreveu que a fissura pode se apresentar sob diversas formas clínicas, desde a forma cicatricial de Keith até a forma mais grave: fissura lábiopalatina bilateral completa ou fenda palatina. Em seu trabalho, SANTOS et al. (1999) citaram a classificação proposta por SPINA, com relação ao tipo de fissura: fissura pré-forame incisivo (envolve lábio e/ou palato primário); fissura transforame incisivo (envolve lábio, palato primário e palato secundário); fissura pós-forame incisivo 433

(envolve somente o palato secundário); fissuras raras da face (oblíquas, transversa, do nariz). As fissuras labiopalatais resultam numa série de seqüelas que podem acompanhar o portador durante toda sua vida: alterações estéticas; alterações funcionais na sucção, deglutição, mastigação, respiração, fonação e audição; e alterações emocionais. ALIMENTAÇÃO A dificuldade de amamentação no seio materno é a primeira restrição de relacionamento que a criança fissurada enfrenta. Os autores SOUZA (1985) e ELLIS (2000) enfatizaram que os bebês com fissuras palatinas podem deglutir normalmente, entretanto, a musculatura não é desenvolvida, ou propriamente orientada, para permitir uma sucção eficaz. Para a solução do problema devese utilizar bicos especialmente projetados, mais alongadas e que penetram mais profundamente na boca do bebê. ANOMALIAS DENTÁRIAS As fissuras labiopalatinas afetam com freqüência o desenvolvimento dos dentes decíduos e permanentes. Os problemas mais comuns podem estar relacionados com a ausência congênita de dentes e a presença de dentes supranumerários (OLIN, 1964; OLIVEIRA, 1996; ELLIS, 2000). MATTOS & ANDRÉ (1997) e MONTANDON (2001) relataram que as anomalias dentárias constituem 53% das doenças bucais de crianças fissuradas, e as anomalias mais freqüentes são: dentes ausentes, hipoplasia e giroversão, e as menos freqüentes: a microdontia e os dentes geminados, sendo aproximadamente 7 vezes mais prevalentes nos fissurados que na população em geral. A incidência de agenesias na área da fenda, na dentição permanente, é maior que a de dentes supranumerários e, na dentição decídua, ocorre o inverso, sendo o incisivo lateral o dente mais suscetível a danos na área da fissura (RANTA, 1986; OLIVEIRA, 1996). A cronologia de erupção apresenta-se atrasada nas crianças fissuradas e os distúrbios mais freqüentes atribuídos à erupção, segundo DALBEN et al. (2001), são: prurido, salivação aumentada, aumento da freqüência de sucção e irritabilidade. MALOCLUSÕES Os indivíduos afetados por fissuras, especialmente aquelas do palato, apresentam discrepâncias 434 esqueléticas entre o tamanho, formato e posição dos maxilares. Um achado comum é o prognatismo mandibular, causado mais pela retrusão da maxila do que pela protrusão da mandíbula. Dentre as doenças bucais mais prevalentes encontradas em crianças fissuradas, as maloclusões estão presentes em 86% dos casos, sendo a maloclusão mais freqüente a mordida cruzada, presente em 75% dos casos examinados (SANTOS et al., 1999; ELLIS, 2000; MONTANDON et al., 2001). PREVALÊNCIA DE CÁRIE Segundo LAGES et al. (2000), a prevalência e a atividade de cárie em crianças fissuradas foi relativamente maior, podendo as mesmas serem consideradas como grupo de risco para desenvolver cárie. Conclusões semelhantes foram apresentadas por JOHNSEN & DIXON (1984), PAUL & BRANDT (1998), DI NICOLÓ et al. (2000) e MONDAN- TON et al. (2001), que verificaram uma higiene bucal deficiente no segmento anterior reparado cirurgicamente, apresentando um aumento na porcentagem de placa bacteriana na superfície de todos os dentes. Portanto, estas crianças devem participar tão cedo quanto possível de programas preventivos com o objetivo de preservar a dentição saudável. ABORDAGEM DO PACIENTE FISSURADO A criança fissurada pode ser abordada de várias maneiras: cirúrgica, ortodôntica, fo noaudiológica, psicológica e social. Em uma coisa todos os profissionais concordam, há a necessidade de uma visão conjunta de uma filosofia de tratamento que atenda aos interesses imediatos e futuros do paciente (SOUZA, 1985). De acordo com CARVALHO & TAVANO (2000), a reabilitação global do paciente portador de fissura labiopalatal preconiza tratamento precoce, multidisciplinar e longitudinal, visando sua integração adequada no ambiente familiar e social, sendo necessário um acompanhamento periódico e constante preventivo/educativo. MONTANDON et al. (2001) sugeriram para o programa de atendimento aos fissurados: um odontopediatra e um ortodontista. O odontopediatra atuaria na ortodontia preventiva e abrangeria todo aspecto de prevenção, educação e intervenção nestas crianças em relação à cárie e à doença periodontal. No entanto, este contato precoce como odontopediatra não é freqüente, o que impede que os pais estejam cientes dos distúrbios que a erupção pode ou não causar, deve-se, portanto, atentar para que seja realizado um trabalho conjunto entre odon topediatra e médico pediatra.

Conclusões semelhantes foram apresentadas por GARDNER & DAVIS (1986), indicando o exame odontológico precoce e um programa preventivo precoce, multidisciplinar e longitudinal, visando à sua integração adequada ao ambiente familiar e social. e restaurador completo como parte da reabilitação A freqüência de agenesias dentais, bem total destas crianças. O tratamento cirúrgico e da fala dura de 12 a como de dentes supranumerários, é maior no lado da fissura. 15 anos, enquanto houver crescimento facial, sendo Os indivíduos fissurados apresentam concluído por volta dos 20 anos de idade. alto risco de desenvolver cáries. Família, amigos, níveis socioeconômicos, genes, A motivação para educação em saúde bucal etapas do desenvolvimento são alguns fatores que podem influir no tratamento (NUNES et al., 1998). deve ser iniciada em fases precoces da vida; no caso do paciente portador de fissura este é um dado ainda mais importante, pois os pais, preocupados com a reabilitação estética, relegam a segundo plano os cuidados odontológicos de suas CONSIDERAÇÕES FINAIS crianças. Há, portanto, grande necessidade da O nascimento de uma criança portadora participação de médicos pediatras no auxílio ao de fissura labiopalatal representa para os pais um grande impacto. odontopediatra, na conscientização para educação em saúde bucal. Há necessidade de atuação psicológica É indispensável um acompanhamento periódico precoce e sistemática junto aos pais de crianças fissuradas. e constante preventivo/educativo com o acompanhamento de, no mínimo, dois profissionais A reabilitação do paciente portador em um programa de atendimento aos fissurados: odontopediatra de fissura labiopalatal e um ortodontista, preconiza tratamento para que seja mantida a saúde bucal dos fissurados e para que um sejam minimizadas as alterações decorrentes do crescimento maxilar. AUGUSTO, H. da S.; BORDON, A.K.C.B.; DUARTE, D.A. Study of cleft lip palate. Clinical aspects and repercussion. Considerations related to its therapy. J Bras Odontopediatr Odontol Bebê, Curitiba, v.5, n.27, p.432-436, set./out. 2002. Lip and palate malformations are serious social, dental and medical problems. They are one of the most common congenital malformations. The importance of precocious dental assistance of patients with cleft lip/palate is noticed when all oral problems are observed with the presence of fissures. The authors present a literature review on cleft lip/palate regarding clinical aspects, consequences for child and family, as the necessary well as multidisciplinary approach necessary for the treatment of these patients. KEYWORDS: Cleft lip; Cleft palate; Abnormalities; Children; Rehabilitation. ALTMANN, E.B.C. Fissuras labiopalatinas. 3.ed. São Paulo: Prótono, 1994. CARVALHO, A.P.B. de; TAVANO, L.D. Avaliação dos pais diante do nascimento e tratamento dos filhos portadores de fissura labiopalatal, no Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo Bauru. Pediatr Mod, São Paulo, v.36, n.12, dez. 2000. DALBEN, G.S.; GOMIDE, R.M.; COSTA, B.; NEVES, L.T. das. Prevalência de distúrbios da erupção dentária em bebês portadores e fi ssuras labiopalatais opinião de médicos pediatras de Bauru, São Paulo. Pediatr Mod, São Paulo, v.37, n.4, p.116 124, abr. 2001. DI NICOLÓ, R.; NAKAIA, L.H.I.; SILVA, S.C.F.F da. Estudo da efi cácia da escova bitufo em pacientes fi ssurados. J Bras Odontopediatr Odontol Bebê, Curitiba, v.3, n.14, p.251-294, jul./ago. 2000. ELLIS, E. Tratamento de pacientes com fi ssuras orofaciais. In: PETERSON, L.J. Cirurgia oral e maxilofacial contemporânea. Tradução Wladimir Cortezzi. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000. Cap. 27, p.639-661. FONSECA, E.; RESENDE J. R. Incidência das malformações do lábio e palato. Rev Fac Odontol Univ São Paulo, São Paulo, v.9, p.45 58, 1971. GARNER, L.D.; DAVIS, W.B. A abordagem em equipe da fenda labial e palatina. In: McDONALD, R.E.; AVERY, D.R. Odontopediatria. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1986. Cap. 24, p.554 564. GNOINSK, W. Early maxillary orthopedics as a supplement to conventional primary surgery in complete cleft lip and palate cases. Long term results. J Maxillofac Surg, Stuttgard, v.10, n.3, p.165 172, Aug. 1982. 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