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GUIMARÃES, Eduardo. História da Semântica. Sujeito, Sentido e Gramática no Brasil. Campinas, Pontes, 2004, 142 p. Maurício da Silva *

Transcrição:

UM ESTUDO DA ORTOGRAFIA UTILIZADA NAS PROPAGANDAS DO ALMANACK CORUMBAENSE Luciene Cristina Paredes (UEMS) lucristina_@hotmail.com Nataniel dos Santos Gomes (UEMS) natanielgomes@uol.com.br RESUMO A língua portuguesa é base de estudos de muitos teóricos, suas mudanças e as influências sofridas ao longo do tempo, despertam interesses principalmente na área da linguística histórica, que busca apresentar as mudanças ocorridas em determinada língua, principalmente em documentos escritos, desde sua origem até os dias atuais, respeitando sua cultura, geografia e território. Neste artigo, é apresentado um recorte da análise das ortografias utilizadas no Almanack Corumbaense, do século XIX, importante documento histórico que trazia em seu conteúdo o desenvolvimento da cidade de Cuiabá, do estado de Mato Grosso e, sobretudo, do Brasil. Nesse período, foi observada a forte influência latina nas palavras, por isso pretende-se redigi-las fielmente, como estão no almanaque, fazendo um paralelo com a forma que são escritas hoje, demonstrando ao final o significado e as mudanças ocorridas. Serão tomados como base os acordos ortográficos da língua portuguesa e a metodologia sugerida pela historiografia linguística, embasados pelos princípios defendidos por Koerner (1996). Palavras-chave: Ortografia. Propaganda. Almanack Corumbaense. Documento histórico. Historiografia linguística 1. Introdução A ortografia da língua portuguesa, da sua origem até os dias atuais, apresenta diversas modificações em sua estrutura, sejam elas por influências estrangeiras, indígenas, regionais ou até mesmo no falar popular. Com esse intuito, este artigo apresenta o resultado da pesquisa sobre a ortografia utilizada nas propagandas do Almanack Corumbaense, bem como, elenca algumas palavras na maneira como eram redigidas naquela época, fazendo um paralelo a como elas estão atualmente, após as mudanças do novo Acordo Ortográfico. Tomemos como base os acordos ortográficos que influenciaram a nossa ortografia e a metodologia sugerida pela historiografia linguística, entendida como atividade investigativa pluridisciplinar, que trata da história da língua de uma sociedade, utilizando-se de análises de documentos, levando o homem a compreender fatos passados e presentes e, a par- Revista Philologus, Ano 19, N 57 Supl.: Anais da VIII JNLFLP. Rio de Janeiro: CiFEFiL, set./dez.2013 955

tir disso, estar preparado para enfrentar o futuro, fatos esses defendidos pelos princípios de Koerner (1996). No ano de 1904 é lançada a Ortografia Nacional, com o intuito de unificar a ortografia e suas regras nos países que falam a língua portuguesa. Após esse período, em 1931 há uma acordo entre a Academia Brasileira de Letras e a Academia das Ciências de Lisboa, que resulta na publicação do Pequeno Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, vigente até o ano de 2008, pois, em 2009, no Brasil, ocorre a implantação do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990. Silva (2010, p. 99) prescreve a reforma ortográfica como: Proscrição absoluta e incondicional de todos os símbolos da etimologia grega: th, ph, ch (k), rh e y. Redução das consoantes dobradas a singelas, com exceção de rr e ss, mediais que têm valores peculiares. Eliminação das consoantes nulas, quando não influenciem na pronúncia da vogal que as precede. Regularização da acentuação gráfica. Podemos perceber no Almanack Corumbaense um campo ortográfico diversificado, em que as palavras estão redigidas seguindo formas latinas, com algumas influências de outras línguas, utilizando formas arcaicas na sua escrita. Nesse sentido, temos a linguística histórica, que trata da interpretação das mudanças fônicas, mórficas, sintáticas e semântico-lexicais, ao longo do tempo, por que passa determinada língua ou um conjunto de línguas ao serem usadas, respeitando sua cultura, geografia e território. Mattos e Silva (2008, p. 10) elenca que: A linguística histórica no sentido estrito depende, diretamente, da filologia, uma vez que tem como base de análise inscrições, manuscritos e textos impressos no passado, que, recuperados pelo trabalho filológico, tornam-se os corpora indispensáveis a análises das mudanças linguísticas de longa duração. Por isso pesquisar a ortografia nesse importante documento é adentrar na cultura, na sociedade do século XIX e nas mudanças que ocorreram nas nossas palavras, bem como, compreender os acontecimentos que ocorriam no Brasil na época citada. 956 Revista Philologus, Ano 19, N 57 Supl.: Anais da VIII JNLFLP. Rio de Janeiro: CiFEFiL, set./dez.2013.

2. O Almanack Corumbaense O Almanack Corumbaense é datado em 31 de dezembro de 1898, mas sua publicação ocorreu no ano de 1899, por seu editor Ricardo D Elia. É composto de 115 páginas, com várias edições reunidas. Trazia em seu contexto informações úteis à população corumbaense e à região de Mato Grosso, como propagandas das riquezas naturais do Estado, sobre o comércio, as indústrias da cidade e também, publicações de poesias. O Almanack Corumbaense apresenta um histórico da cidade de Corumbá, a qual foi fundada em 21 de setembro de 1776, pelo então Governador Capitão General Luiz de Albuquerque Velho, homenageando a cidade com seu nome, Albuquerque Velho. Até o ano de 1810, Corumbá era uma fazenda; na data de 11 de abril de 1853, por meio de um decreto, passou a ser habitada visando o comércio. Já no ano de 1865, houve uma invasão paraguaia, que durou até 1867, quando o exército brasileiro recuperou, honrosamente, o seu território. Desse período em diante houve prosperidade; e com a Lei de 21 de maio de 1873 tornou-se comarca, passando a ser cidade em 15 de novembro de 1878. O porto de Corumbá começou então, a receber várias embarcações que traziam muitas pessoas à nova terra. No almanaque encontramos várias citações sobre as ruas, as praças, o serviço postal da cidade, destacando que os principais edifícios do período eram o Quartel do 2º Batalhão de Artilharia de Posição, a Alfândega, o Depósito de artigos bélicos, a Igreja de Nossa Senhora da Candelária e a Cadeia Pública. Descreve o regime administrativo da cidade, como também, as escolas de poder do Estado, que eram duas, uma para cada sexo. Na época havia na cidade seis ações: Itália, Portugal, República Oriental, Bolívia, República Argentina e Paraguai. Ricardo D Elia, historiador e geógrafo, por meio do Almanack Corumbaense, objetivava apresentar ao Brasil essa cidade tão promissora e repleta de riquezas que tinha muito a oferecer ao nosso país. 3. O corpus Temos como base o Almanack Corumbaense, especificamente, a propaganda do Hotel Globo, página 9, em que foram selecionadas 5 pa- Revista Philologus, Ano 19, N 57 Supl.: Anais da VIII JNLFLP. Rio de Janeiro: CiFEFiL, set./dez.2013 957

lavras e posteriormente, analisada a ortografia utilizada no século XIX. Dessa maneira, relacionamos a ortografia com a proposta apresentada por Koerner (1996), que divide o fazer historiográfico em três princípios: Contextualização diz respeito ao clima de opinião, o momento, o pensamento da época; Imanência trabalha a língua por meio de documentos históricos, num determinado momento, dessa forma temos a sincronia, que se refere à língua em um dado momento do seu percurso histórico; e, por último, temos a Adequação entendida como a aproximação ou o distanciamento temporal e cultural de um determinado momento histórico, entendemos esse momento como diacronia, que estuda a língua através do tempo. Apresentamos a seguir a propaganda do Almanack Corumbaense, de onde foram retirados os vocabulários analisados. 4. Análise Para auxiliar e dar apoio à análise sobre a ortografia utilizada na 958 Revista Philologus, Ano 19, N 57 Supl.: Anais da VIII JNLFLP. Rio de Janeiro: CiFEFiL, set./dez.2013.

propaganda do Almanack Corumbaense, vamos nos basear em Coutinho (2011) e Pereira (1957). Para Coutinho (2011, p. 71), a história da ortografia está dividida em três períodos: Período Fonético: inicia-se com os primeiros documentos redigidos em português até o século XVI. Período Pseudoetimológico: ocorre a partir do século XVI até o ano de 1904. Esse período é marcado pelo uso de consoantes geminadas e insonoras, de letras como o y, k e w. Período Simplificado: inicia-se em 1904, com a publicação da Ortografia Nacional de Gonçalves Viana e perpetua até os dias atuais. O Almanack Corumbaense está inserido no período Pseudoetimológico, pois o mesmo foi publicado no ano de 1898, no século XIX, ficando evidente a influência do latim em nossa língua. O Romantismo surge trazendo com ele um novo surto etimológico, o qual não se preocupava mais com a etimologia latina, e sim com a francesa. Uma preocupação sobre esse período recaía sobre os escritores, pois tinham que ter um largo conhecimento de vários idiomas, já os leitores, nesse processo, pareciam estar fora de seu tempo, principalmente ao pronunciar certas palavras. Pereira (1957, p. 26) afirma que: Ortografia é a parte da fonologia que trata da escrituração correta das palavras. Escrevem-se umas palavras conforme a pronúncia, e a ortografia se diz, então, sônica ou fonética; em outras, além da pronúncia, atende-se à origem, isto é, a sua etimologia ou forma primitiva na língua donde eles provêm e a ortografia, neste caso, se diz etimológica. É em razão desta ortografia etimológica que em muitas palavras há letras consoantes agrupadas insonoras, representantes de sons que existiram na forma originária, como: acto, escripto, approvar, grammmatica. Para nossa análise apresentamos o fragmento da propaganda do Hotel Globo, retirado do Almanack Corumbaense: Excellentes accomodações para viajantes solteiros ou com familia. Optimo serviço de meza. (p. 9) A seguir analisamos, brevemente, 5 vocábulos extraídos da propaganda citada e como se apresentam hoje. excellentes: derivada do latim vulgar, as consoantes eram geminadas, no interior das palavras. Já de acordo com Pereira (1957), Revista Philologus, Ano 19, N 57 Supl.: Anais da VIII JNLFLP. Rio de Janeiro: CiFEFiL, set./dez.2013 959

Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos não se duplicam mais consoantes com exceção de r e s, por força da pronúncia. Atualmente sua grafia é registrada da seguinte forma, excelente. accomodações: derivada do latim vulgar, as consoantes eram geminadas, no interior das palavras. A questão das geminadas é a mesma apresentada na palavra acima, como afirma Pereira (1957). Sobre o ç, ele diz: O c tem som acidental de s antes de e e i (ce, ci), e adquire êsse som diante de a, o, u, quando cedilhado (ça, ço, çu). (p.18) Em seguida, ele acrescenta certas notações ortográficas, como sinais que auxiliam a representação de determinados sons: A cedilha (,), que indica o abrandamento do c em s antes de a, o, u: ça, ço, çu. (p. 27) Atualmente, escreve-se acomodação. Bechara (2005) silencia sobre a explicação da cedilha. familia: é derivado do latim famulus, que significa escravo doméstico. De acordo, com a ortografia em vigor a palavra passa ser grafada como família, porque todas as paroxítonas terminadas em ditongo recebem acento. optimo: consoantes impróprias, latinas ou românicas, há também, a assimilação do p ao t e depois a simplificação das duas consoantes. Atualmente é grafado como ótimo. Para Bechara (2005, p. 86), proparoxítonos: o acento tônico recai na antepenúltima sílaba. O outro caso é do vocábulo meza, oriundo do latim mensa, que passa ao português atual como mesa. No período do Almanack pode-se notar uma clara influência fonética na escrita, já que o s tinha som de z. 5. Conclusão Observamos por meio da análise da ortografia utilizada no Almanack Corumbaense, a forte influência de outras línguas, como indígenas, latinas etc., que predominaram e, ainda, predominam na escrita da língua portuguesa. O Almanack é um importante documento histórico do estado de Mato Grosso no século XIX e traz em seu conteúdo marcas e visões 960 Revista Philologus, Ano 19, N 57 Supl.: Anais da VIII JNLFLP. Rio de Janeiro: CiFEFiL, set./dez.2013.

do mundo dos falantes, como o percurso e modificações sofridos pela nossa língua. Pesquisar o momento histórico de uma língua, no caso, a ortografia do século XIX, nos fez refletir acerca da cultura, das imigrações, das conquistas dos brasileiros naquele tempo, sua maneira de agir e ver o mundo, entre tantos outros fatores importantes. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005. COUTINHO, Ismael de Lima. Gramática histórica. Rio de Janeiro: Imperial Novo Milênio, 2011. HOUAISS, A. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa, versão 1.0, Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. IWASSA, Hiroco Luiza Fujii; ALMEIDA, Miguél Eugenio. Princípios metodogológicos da historiografia linguística: uma abordagem de Koerner (1996). In. Ave Palavra. N. 14. Disponível em: <http://www2.unemat.br/avepalavra/atual/artigos/iwassa.pdf>. Acesso em: 15-10-2013. MATTOS E SILVA, Rosa Virgínia. Caminhos da linguística histórica: ouvir o inaudível. São Paulo: Parábola, 2008. PEREIRA, Eduardo Carlos. Gramática expositiva: curso elementar. São Paulo: Cia. Ed. Nacional, 1957. SILVA, José Pereira da. Gramática histórica da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Ingráfica, 2010. SOUZA, Fabiana Ferreira de. A ortografia em Almanack Corumbaense: uma perspectiva da historiografia na língua portuguesa. Dissertação de Mestrado. Campo Grande: UEMS, 2013. Revista Philologus, Ano 19, N 57 Supl.: Anais da VIII JNLFLP. Rio de Janeiro: CiFEFiL, set./dez.2013 961