UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS DEPARTAMENTO DE DIREITO



Documentos relacionados
ANEXO PROPOSTA DE REFORMA TRIBUTÁRIA

REPARTIÇÃO DE RECEITA TRIBUTÁRIA

PREPARATÓRIO RIO EXAME DA OAB COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA RIA DIREITO TRIBUTÁRIO. RIO 2ª parte. Prof. JOSÉ HABLE

PRINCIPAIS TRIBUTOS PÁTRIOS E SEUS FUNDAMENTOS

DIREITO TRIBUTÁRIO Parte II. Manaus, abril de 2013 Jorge de Souza Bispo, Dr. 1

Tributos em orçamentos

CÂMARA DOS DEPUTADOS Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira

Finanças Públicas. Aula 1

ENTENDA OS IMPOSTOS. Impostos Diretos ou Indiretos, Progressivos ou Regressivos

Módulo Contábil e Fiscal

Direito Tributário Espécies de Tributos Contribuições de Melhoria, Empréstimos Compulsórios e Contribuições Especiais

Aula 04 IMPOSTOS FEDERAIS

RESENHA TRIBUTÁRIA ATUALIZADA

REPARTIÇÃO DE RECEITAS

Tributos

Maratona Fiscal ISS Direito tributário

Administração Pública. Prof. Joaquim Mario de Paula Pinto Junior 1

Tributos em espécie. Impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições especiais

Quadro-Resumo da Competência Privativa

II - Fontes do Direito Tributário

CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA. Cuida, primeiramente, destacar que não há um consenso, entre os autores, para essa

Cartilha. Perguntas e respostas Decreto regulamentando a Lei n

ENTENDENDO A PREFEITURA

PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº, DE As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal promulgam a seguinte emenda constitucional:

ECONOMIA E GESTÃO DO SETOR PÚBLICO MÓDULO 7 O SISTEMA TRIBUTÁRIO BRASILEIRO

CONTABILIDADE E PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO

- Imposto com função regulatória, também chamado de imposto aduaneiro de importação.

O IMPACTO DOS TRIBUTOS NA FORMAÇÃO DO PREÇO DE VENDA

QUAIS AS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DOS IMPOSTOS MAIS IMPORTANTES - PARTE IIl

Investimento Direto Estrangeiro e Tributação de Bens e Serviços no Brasil. Setembro 2015

Planejamento Tributário Empresarial

PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR Nº 171, DE 2000

PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL Nº DE 2012

CONTRIBUIÇÕES ESPECIAIS OU PARAFISCAIS (Art.149 c/c 195, CF)

Área Técnica: Equipe responsável pelo SIOPS Área de Economia da Saúde e Desenvolvimento Secretaria Executiva Ministério da Saúde.

Receita Orçamentária: Conceitos, codificação e classificação 1

Transferência da Cota-Parte dos Estados e DF Exportadores na Arrecadação do IPI (CF, Art. 159)

SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS CÃMPUS JATAÍ PLANO DE ENSINO

PEC 31: Apresentação Sintética de seus Fundamentos Básicos. 1 Criação do Sistema de Integração Tributária - SIT

FORMAÇÃO DE PREÇO DE VENDA MÓDULO 9

NÃO CUMULATIVIDADE: DO MITO TEÓRICO À OPERACIONALIZAÇÃO CONCRETA

Receita Orçamentária: Conceitos, codificação e classificação 1

Sumário. Coleção Sinopses para Concursos Guia de leitura da Coleção Apresentação Prefácio Parte I TRIBUTOS EM ESPÉCIE

Governo do Estado do Piauí Secretaria da Fazenda Unidade de Gestão Financeira e Contábil do Estado Gerência de Controle Contábil

AGENDA DE OBRIGAÇÕES - 30/03 A 05/04/2014

I SEMANA DE ATUALIZAÇÃO FISCAL Direito Tributário e Legislação Tributária - Aula 01 Alan Martins. Posicionamento Clássico do STF

PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR Nº, DE 2012

Atividade de Verificação: Direito Tributário Capítulo 16

Agenda Tributária: de 12 a 18 de fevereiro de 2015

Trataremos nesta aula das contribuições destinadas ao custeio da seguridade social

Atividade Financeira do Estado

Questão 3. A analogia constitui elemento de

Art. 3º A informação a que se refere o art. 2º compreenderá os seguintes tributos, quando influírem na formação dos preços de venda:

CAPÍTULO 1 - TRIBUTOS 1.1 CONCEITO DE TRIBUTO ESPÉCIES DE TRIBUTOS COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA...22

O REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA SOCIAL DO MUNICÍPIO DE TAQUARITINGA

O futuro da tributação sobre o consumo no Brasil: melhorar o ICMS ou criar um IVA amplo? Perspectivas para uma Reforma Tributária

Gastos Tributários do governo federal: um debate necessário

Avaliação do Plano de Desenvolvimento Produtivo Departamento de Competitividade DECOMTEC / FIESP

A OBRIGATORIEDADE DE APLICAÇÃO DO REGIME DE APURAÇÃO DA CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE A RECEITA BRUTA, QUANDO DESFAVORÁVEL AO CONTRIBUINTE

ESTUDOS TRIBUTÁRIOS 13

Direito Tributário Toque 1 Competência Tributária (1)

Prestação de serviço de assessoria em importação. Regime tributário Lucro Presumido Lucro Presumido Serviços 32,00% 0,65%

Contabilidade Pública. Aula 1. Apresentação. Aula 1. Conceitos e definições. Bases legais. Contabilidade Pública.

PERGUNTAS E RESPOSTAS SOBRE RPPS

Simulado Super Receita 2013 Direito Tributário Simulado Rafael Saldanha

ASSESPRO/NACIONAL DESONERAÇÃO DA FOLHA DE PAGAMENTO - PROJETO DE LEI DE CONVERSÃO DA MP 540/2001

IMPOSTOS SOBRE O LUCRO! Imposto de Renda e Contribuição Social! As alterações mais recentes da legislação da Contribuição Social

ESTUDOS FISCAIS: ESTIMATIVAS DA PARTICIPAÇÃO DOS ENTES DA FEDERAÇÃO NO BOLO TRIBUTÁRIO

Unidade I DIREITO NAS ORGANIZAÇÕES. Prof. Luís Fernando Xavier Soares de Mello

TRIBUTAÇÃO DA CARTEIRA DO FUNDO

Comentários da prova ISS-SJC/SP Disciplina: Direito Tributário Professora: Aline Martins

ASPECTOS GERAIS DO SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL

Direitos Humanos - Direitos Econômicos e Sociais -

PROGRAMA DE DISCIPLINA IV - OBJETIVOS ARTEC. I Curso DIREITO. II Disciplina DIREITO E LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA I (D-53) III.

Receita Orçamentária: conceitos, codificação e classificação 1

CONCEITO DE RENDA DO PONTO DE VISTA JURÍDICO-TRIBUTÁRIO, PRESSUPÕE SER RENDA;

ESCLARECIMENTOS E ORIENTAÇÕES AOS PARTICIPANTES DO PLANO DE CONTRIBUIÇÃO DEFINIDA SISTEMA FIEMG

IRPJ. Lucro Presumido

NBC TSP 10 - Contabilidade e Evidenciação em Economia Altamente Inflacionária

DEMONSTRAÇÃO DO VALOR ADICIONADO - DVA

Parecer Consultoria Tributária Segmentos Crédito diferencial de alíquota no Ativo Imobilizado - SP

PERGUNTAS FREQUENTES NOVO REGIME DE TRIBUTAÇÃO DE IMPOSTO DE RENDA:

A Reforma Tributária e o Desenvolvimento

Direitos Humanos - Direitos Econômicos e Sociais -

Dando prosseguimento à aula anterior, neste encontro, encerraremos o

TRIBUTAÇÃO DO SETOR IMOBILIÁRIO E DA CONSTRUÇÃO CIVIL. Martelene Carvalhaes

Previdência Complementar

Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira

IRPF 2014 CARTILHA IR 2014

Imposto sobre a Renda. Profª. MSc. Maria Bernadete Miranda

Super Simples Indícios da Reforma Tributária Brasileira

Programa Saúde da Família - PSF

Financiamento da Saúde

PREPARATÓRIO RIO EXAME DA OAB

O que é Substituição Tributária de ICMS e sua contabilização

Imposto de Renda sobre o Ganho de Capital

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO ESCOLA DE DIREITO E RELAÇÕES INTERNACIONAIS COORDENAÇÃO DO CURSO DE DIREITO

CUSTEIO DA SEGURIDADE SOCIAL


PROJETO DE LEI N o 4.970, DE 2013.

Transcrição:

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS DEPARTAMENTO DE DIREITO IMPOSTO ÚNICO FEDERAL ANÁLISE DA PEC N.º 474-A ACADÊMICO: FERNANDO LUIZ GOMES DE MATTOS ORIENTADOR: PROF. DR. CARLOS ARAÚJO LEONETTI FLORIANÓPOLIS 2003 FERNANDO LUIZ GOMES DE MATTOS

IMPOSTO ÚNICO FEDERAL ANÁLISE DA PEC N.º 474-A Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito. ORIENTADOR: PROF. DR. CARLOS ARAÚJO LEONETTI FLORIANÓPOLIS 2003 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS DEPARTAMENTO DE DIREITO

A presente monografia final, intitulada Imposto Único Federal - Análise da PEC 474-A, elaborada por Fernando Luiz Gomes de Mattos e aprovada pela banca examinadora composta pelos membros abaixo assinados, obteve a aprovação com nota xx,xx (xis inteiros e xis décimos), sendo julgada adequada para o cumprimento do requisito legal previsto no art. 9 da Portaria n 1.886/94/MEC, regulamentado na UFSC pela Resolução n 003/95/CEPE. Florianópolis (SC), 17 de fevereiro de 2003. Dr. Carlos Araújo Leonetti (Professor Orientador) Dr. Humberto Pereira Vecchio (Membro da Banca) Bel. Antonio Masayuki Massuyama (Membro da Banca)

Nada é tão poderoso quanto uma idéia cuja hora chegou. Vitor Hugo AGRADECIMENTOS

Aos meus pais Fernando e Elizabeth, pela demonstração de amor incondicional. Ao meu filho Pedro, pela oportunidade de vivenciar o outro pólo deste sentimento. A Carla, pela amizade sincera, carinho e compreensão permanentes. RESUMO O presente trabalho analisa a Proposta de Emenda Constitucional n.º 474-A, de 2001 (PEC 474-A), em tramitação no Congresso Nacional, a qual introduz no sistema tributário nacional a figura do imposto único federal e da contribuição social única para financiamento da seguridade social, ambos incidentes sobre movimentações e transações financeiras.

Inicialmente são estudadas as bases do sistema tributário nacional vigente, no que tange à repartição de competências tributárias e de receitas tributárias entre os três níveis de governo. Após, apresenta-se uma descrição pormenorizada, artigo por artigo, das mudanças no texto constitucional, previstas pela PEC 474-A. A seguir, procede-se uma análise de todos os argumentos contrários à PEC 474-A, que puderam ser identificados na literatura especializada, com destaque para a regressividade e cumulatividade do novo imposto, o incentivo à verticalização das cadeias produtivas, a indução à importação, o risco de exportação de tributos e o estímulo à desintermediação bancária, eventualmente provocadas pela adoção do imposto único federal. Por fim, analisam os dois principais argumentos favoráveis à PEC 474-A: sua compatibilidade com a nova realidade da era da informação e seu grande potencial de redução dos custos operacionais tributários. SUMÁRIO INTRODUÇÃO 09 1 SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL 11 1.1 Repartição de competências tributárias 12 1.2 Repartição de receitas tributárias 17

1.3 Resultados da arrecadação e análise da carga tributária efetiva 21 1.4 Análise crítica do sistema tributário nacional vigente 28 2 A PROPOSTA DO IMPOSTO ÚNICO FEDERAL 36 2.1 O mito do imposto único 36 2.2 Adoção das movimentações financeiras como hipótese de incidência tributária 38 2.3 A experiência brasileira 39 2.4 Noções gerais sobre a PEC 474-A 44 3 ARGUMENTOS CONTRÁRIOS À PEC 474-A 53 3.1 Ineditismo da proposta, em escala mundial 53 3.2 Incompatibilidade com os processos de globalização e harmonização tributária 55 3.3 Regressividade e injustiça fiscal 56 3.4. Cumulatividade e oneração da produção 59 3.5 Incentivo à verticalização 63 3.6 Indução à importação 64 3.7 Exportação de tributos 66 3.8 Estímulo à desintermediação bancária 66 3.9 Esvaziamento da política fiscal 68 3.10 Inaptidão para servir como instrumento interventivo no domínio econômico 70 3.11 Rigidez prejudicial à tomada de medidas emergenciais 71 3.12 Benefício tributário para os proprietários 73

4 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À PEC 474-A 76 4.1 Compatibilidade com a nova realidade da era da informação 76 4.2 Redução dos custos operacionais tributários 79 CONSIDERAÇÕES FINAIS 82 INTRODUÇÃO Poucas matérias no Brasil são tratadas de forma tão superficial, tão epidérmica e tão contraditória quanto reforma tributária e matéria tributária. Geralmente, o que se entende como reforma tributária é algum pedaço de idéia sobre matéria tributária que está na cabeça de alguém, faltando algum sentido de consistência, de harmonia, de algo que não tem fórmula estabelecida em lugar algum do mundo. Não existe um sistema tributário que seja bom e adequado para qualquer país do mundo. Esta é a opinião de Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal, em palestra proferida na Federação das Indústrias de Brasília, em 07 de agosto de 2001. O presente trabalho tem como tema a reforma tributária, e se propõe a analisar a Proposta de Emenda Constitucional n.º 474-A, de 2001 (PEC 474-A), que atualmente tramita no Congresso Nacional.

A PEC 474-A foi formulada com o objetivo de introduzir no sistema tributário nacional a figura do imposto único federal e da contribuição social única para financiamento da seguridade social, ambos incidentes sobre movimentações e transações financeiras. De acordo com essa proposta, o novo imposto e a nova contribuição sobre movimentações e transações bancárias substituirão todos os atuais impostos federais de caráter arrecadatório, bem como as contribuições sociais para o financiamento da seguridade social, atualmente cobradas dos empregadores. Ao final do presente estudo, espera-se que seja possível identificar se a PEC 474-A é apenas mais um pedaço de idéia sobre matéria tributária, sem consistência ou harmonia, conforme os dizeres de Everardo Maciel, ou se esta proposta efetivamente constitui um projeto viável e consistente de reforma tributária, capaz de reduzir ou quase eliminar a sonegação e a evasão, universalizar a base tributária nacional, reduzir os elevados custos administrativos e eliminar os custos de conformidade vinculados às chamadas obrigações acessórias do sistema tributário nacional. O conhecimento da realidade é essencial para a análise de qualquer proposta que vise modificá-la. Por esta razão, as bases do vigente sistema tributário nacional são analisadas logo no primeiro capítulo. Com esta finalidade, apresenta-se um estudo descritivo das regras constitucionais sobre a repartição de competências tributárias, sobre a composição da carga tributária líquida por nível de governo e sobre as regras constitucionais relativas à repartição de receitas tributárias. Ao final deste capítulo inicial, apresenta-se uma análise crítica do sistema tributário nacional vigente, no tocante à distribuição de bases tributárias e de receitas tributárias entre os três níveis de governo, à diversidade de órgãos responsáveis pela administração tributária e à distribuição de competências para realização de gastos públicos. O segundo capítulo busca descrever, com riqueza de detalhes, a proposta de criação do imposto único federal, contida na PEC 474-A. Inicialmente são abordados alguns temas estritamente teóricos, tais como o mito do imposto único, as idéias sobre a adoção das movimentações financeiras como hipótese de incidência tributária e a rica experiência brasileira neste campo. Finaliza-se o capítulo com uma descrição pormenorizada, artigo por artigo, das mudanças no texto constitucional, preconizadas pela PEC 474-A. No terceiro capítulo, procede-se uma análise de todos os argumentos contrários à PEC 474-A, que puderam ser identificados na literatura especializada, com

destaque para: a) ineditismo da proposta, em escala mundial; b) incompatibilidade da proposta com os processos de globalização e de harmonização tributária; c) regressividade e cumulatividade do novo imposto; d) incentivo à verticalização, indução à importação, exportação de tributos e estímulo à desintermediação bancária, provocadas pela adoção do imposto único federal; e) esvaziamento da política fiscal; f) inaptidão para servir como instrumento interventivo no domínio econômico e rigidez do novo modelo tributário, prejudicial à tomada de medidas emergenciais; g) benefício tributário para os proprietários. O quarto capítulo é dedicado à análise dos dois principais argumentos favoráveis à PEC 474-A: a) a compatibilidade do modelo tributário proposto com a nova realidade da era da informação; b) o grande potencial de redução dos custos operacionais tributários, capaz de reduzir significativamente os custos privados e públicos relacionados com o fenômeno tributário, sem reduzir o montante da arrecadação tributária federal. 1 SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL O pacto federativo constitui uma das cláusulas pétreas da vigente Constituição brasileira. Isso equivale a dizer que a Federação não pode ser abolida, nem mesmo por meio de Emenda Constitucional, uma vez que o legislador constituinte elevou a forma federativa de Estado à condição de elemento indispensável para a estabilidade da nação. A Constituição Federal estabelece a autonomia política, administrativa e financeira dos entes federativos. A concessão destas três autonomias pressupõe a atribuição de competências tributárias privativas para os três níveis de governo (União, Estados/Distrito Federal e Municípios), a instituição de princípios tributários e de limitações ao poder de tributar, bem como a adoção de regras sobre a repartição de receitas tributárias.

O conjunto de regras constitucionais que atribuem competências tributárias aos diversos entes federativos, estabelecem princípios tributários, limitam o poder de tributar, e dispõem sobre repartição de receitas tributárias constituem a base do Sistema Tributário Nacional. Sobre o tema, ensina Sacha Calmon Navarro Coelho: Podemos estudar a Constituição Tributária em três grupos temáticos: a) o da repartição das competências tributárias entre a União, os Estados e os Municípios; b) o dos princípios tributários e das limitações ao poder de tributar; c) o da partilha direta e indireta do produto da arrecadação dos impostos entre as pessoas políticas da Federação (participação de uns na arrecadação de outros). Nestes três grupos estarão inseridos, induvidosamente, os regramentos constitucionais [...]. 1[1] Ao longo do presente estudo, maior atenção será dispensada às questões relativas à repartição das competências tributárias e à repartição das receitas tributárias, temas diretamente afetados pela Proposta de Emenda Constitucional n.º 474-A, de 2001 (PEC 474-A). Os princípios constitucionais tributários e as limitações ao poder de tributar somente serão considerados no momento em que se proceder à análise dos argumentos contrários e favoráveis à PEC 474-A. 1.1 Repartição de competências tributárias No Brasil, cada nível de governo tem o direito de instituir os impostos e contribuições que lhe são constitucionalmente atribuídos e que pertençam à sua competência tributária privativa. 2[2] A Constituição Federal define claramente as competências tributárias de cada esfera de governo não havendo, em princípio, possibilidade de sobreposição de competências em relação aos impostos e à maioria das contribuições. 3[3] 1[1] COÊLHO, Sacha C. N.. Curso de direito tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 46. 2[2] Constituição Federal, arts. 149, 153, 155 e 156. 3[3] A única exceção a esta regra encontra-se no art. 154, II da Constituição Federal, que admite a instituição, pela União, de impostos extraordinários, compreendidos ou não em sua competência tributária, na iminência ou no caso de guerra externa. Em outras palavras, a invasão de competência de Estados ou Municípios, por parte da União, é permitida em casos de guerra externa ou sua iminência.

Por outro lado, é comum às três esferas de governo a competência para instituir taxas (pelo exercício do poder de polícia e pela utilização de serviços públicos), contribuição de melhoria e contribuição para custeio da previdência e assistência social de seus servidores. 4[4] Compete à União, com exclusividade, o direito de instituir empréstimos compulsórios, bem como o de instituir outros impostos, expressamente não compreendidos em sua competência tributária, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados pela Constituição. 5[5] Sacha Calmon Navarro Coelho assim descreve a estrutura normativa brasileira em matéria tributária: Temos então, como ápice do sistema tributário, a Constituição. A partir dela, de cima para baixo, os entes normativos extraem os seus respectivos fundamentos de validez. O sistema é piramidal. União, Estados e Municípios recebem diretamente da Constituição as suas competências e as limitações a tais competências e exercitam-nas mediante a emissão de leis ordinárias (a União, em certas circunstâncias, mediante leis complementares tópicas). Todos, porém, devem obedecer às normas gerais veiculadas pelo Código Tributário Nacional e leis complementares subseqüentes. As leis complementares da Constituição condicionam as leis federais, estaduais e municipais nas matérias versadas pelas normas gerais. 6[6] Uma das principais singularidades da Constituição brasileira é a atribuição de significativa parcela de competência tributária para o nível local de governo, representados pelos Municípios. Sobre o assunto, comenta Andréa Teixeira Lemgruber: A atribuição de competências tributárias privativas para o nível local de governo representados pelos municípios (pois esse possui status de ente federativo, à semelhança dos Estados e da União) e a expressiva participação desses governos nas receitas públicas fazem do Brasil uma das mais abertas e 4[4] Constituição Federal, arts. 145 e 149, parágrafo único. 5[5] Constituição Federal, arts. 148 e 154, I 6[6] COÊLHO, Sacha C. N. Op. cit., p. 378.

descentralizadas federações do mundo, sobretudo se comparado com outros países em desenvolvimento. 7[7] No mesmo sentido, ensina Sacha Calmon Navarro Coêlho: A Constituição Federal inclui no pacto federativo os Municípios e o Distrito Federal, petrificando a fórmula de maneira inusitada, porquanto o federalismo, em sua formação clássica, envolve apenas a União dos Estados-Membros (federalismo dual). Entre nós o Município ostenta dignidade constitucional, mormente em matéria tributária. Cada Estado Federal tem feições próprias. Uma das nossas acabou de ser exposta no que tange aos partícipes do pacto federal 8[8]. Como se vê, a Constituição brasileira atribui de forma clara as competências tributárias aos diversos entes federativos. Por outro lado, a responsabilidade pelos gastos públicos entre as três esferas governamentais não se encontra perfeitamente delineada. Sobre o assunto, afirma Andréa Teixeira Lemgruber: [...] a responsabilidade pelos gastos públicos entre as esferas governamentais não se encontra bem definida no texto constitucional. Isso porque a descentralização de receitas ocorrida nas últimas décadas, e em especial na Reforma Constitucional de 1988, não possuiu a necessária contrapartida no que se refere ao disciplinamento dos gastos públicos. Há subjacente uma questão quanto à repartição das despesas públicas, enquanto está perfeitamente definida, em nível constitucional, as receitas tributárias e suas competências ao nível de fatos economicamente tributáveis. 9[9] Percebe-se, portanto, que a consolidação do modelo descentralizado de governo ainda carece, no Brasil, de um importante ajuste, representado pela definição mais precisa das responsabilidades cada ente federativo na realização das despesas públicas. 1.1.1 Competências tributárias da União (Governo Federal) Competem à União os impostos sobre Importação (II), Exportação (IE); Renda e Proventos de Qualquer Natureza (IR); Produtos Industrializados (IPI); 7[7] LEMGRUBER, Andréa T. Federalismo fiscal no Brasil: evolução e experiências recentes. Disponível em: <www.receita.fazenda.gov.br/esttributarios/palestrasciat/1997/portugues/federalismo.htm>. Acesso em 03 nov. 2002. 8[8] COÊLHO, Sacha C. N. Op. cit., p. 59. 9[9] LEMGRUBER, Andréa T. Op. cit..

Operações de Crédito, Câmbio e Seguro ou relativas a Títulos ou Valores Mobiliários (IOF); Propriedade Territorial Rural (ITR) e sobre Grandes Fortunas (IGF). 10[10] Esse último ainda não se encontra instituído, embora sua instituição esteja prevista pela Constituição. A União pode, também, instituir outros impostos, expressamente não compreendidos em sua competência tributária, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados pela Constituição. 11[11] Além dos impostos acima relacionados, a União tem competência exclusiva para instituir empréstimos compulsórios, contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse de categorias profissionais ou econômicas. 12[12] As contribuições sociais destinadas à seguridade social podem ser cobradas do empregador ou empresa, do empregado e demais segurados da previdência social e sobre a receita de concursos de prognósticos. As contribuições sociais cobradas do empregador ou empresa podem ter as seguintes bases de cálculo: folha de pagamentos, lucro e receita ou faturamento. 13[13] Convém frisar que as contribuições sociais são receitas vinculadas, isto é, sua arrecadação só pode ser direcionada às áreas de saúde, previdência e assistência social. O mesmo se verifica em relação às contribuições de intervenção no domínio econômico, cuja arrecadação deve ser aplicada exclusivamente para as finalidade que motivaram sua criação. As principais contribuições sociais instituídas pela União são as seguintes: Contribuição Previdenciária sobre a Folha de Pagamentos dos Empregados; Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social sobre o faturamento das empresas (COFINS); Programa de Integração Social (PIS); Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP); Contribuição sobre o Lucro Líquido das Empresas (CSLL); Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras (CPMF), Contribuição Social para o Salário-Educação e Contribuições para o Sistema "S" (SESI, SESC, SENAI, SENAC, SENAR, SEBRAE etc.). Dentre as contribuições de intervenção no domínio econômico, destaca-se a contribuição incidente sobre a 10[10] Constituição Federal, art. 153. 11[11] Constituição Federal, art. 154. 12[12] Constituição Federal, arts. 148 e 149. 13[13] Constituição Federal, art. 195.

importação e a comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados, e álcool etílico combustível. 14[14] 1.1.2 Competências tributárias do Estados e Distrito Federal (Governos Intermediários) Os Estados e o Distrito Federal têm competência para instituir impostos sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicações (ICMS); Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) e Transmissão Causa Mortis de Bens Imóveis e Doação (ITCD) de qualquer bem ou direito. 15[15] Os Estados e o Distrito Federal também podem instituir contribuição para o custeio da previdência social de seus funcionários. 16[16] 1.1.3 Competências tributárias dos Municípios (Governos Locais) Competem aos Municípios os impostos incidentes sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU); Serviços de Qualquer Natureza (ISS) e Transmissão Inter Vivos de Bens Imóveis (ITBI). 17[17] Os Municípios também podem instituir contribuição para o custeio da previdência social de seus funcionários. 18[18] A Tabela 1, apresentada a seguir, sintetiza as competências tributárias por categoria de tributo e por nível de governo (tabela restrita aos impostos e contribuições sociais). TABELA 1 - REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS TRIBUTÁRIAS CATEGORIA GOVERNO TRIBUTO OU CONTRIBUIÇÃO Comércio Exterior União Imposto sobre Importação - II Imposto sobre Exportação - IE União Imposto sobre a Renda IR Imposto Territorial Rural - ITR Patrimônio e Renda Estados Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores - IPVA Municípios Imposto Predial e Territorial Urbano - IPTU União Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI 14[14] A CIDE - Combustíveis foi instituída pela Lei nº 10.336, de 19.12.2001 e regulamentada pelo Decreto nº 4.066, de 27.12.2001 e pela Instrução Normativa SRF nº 107, de 28.12.2001. 15[15] Constituição Federal, art. 155. 16[16] Constituição Federal, art. 149, parágrafo único. 17[17] Constituição Federal, art. 156. 18[18] Constituição Federal, art. 149, parágrafo único.

Produção e Circulação Contribuições Sociais Imposto sobre Operações Financeiras - IOF Estados Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS Municípios Imposto sobre Serviços - ISS Imposto sobre Transmissão Inter Vivos - ITBI União Estados e Municípios Sobre Folha de Pagamentos - Empregado/ Empregador Financiamento da Seguridade Social - COFINS Programa de Integração Social - PIS Patrimônio do Servidor Público - PASEP Movimentação Financeira - CPMF Lucro Líquido CSLL Previdenciária do Servidor Público Previdenciária do Servidor Público 1.2 Repartição de receitas tributárias O mecanismo de repartição de receitas tributárias ou de transferências intergovernamentais tem por objetivo básico corrigir os desequilíbrios verticais e horizontais em matéria tributária, existentes em qualquer federação. Desequilíbrios verticais referem-se a descompassos entre a capacidade de tributar e as responsabilidades por gastos públicos dos diversos níveis de governo. Tais desequilíbrios decorrem do fato de que alguns tributos são melhor administrados em nível central, enquanto que algumas despesas são melhor administradas em nível local. Conforme Andréa Teixeira Lemgruber, "de um modo geral, a política de gastos é melhor desenhada e controlada pelos governos locais, pois estão mais próximos dos cidadãos e de suas necessidades básicas" 19[19]. Por sua vez, os desequilíbrios horizontais referem-se a governos situados no mesmo nível de hierarquia, refletindo as diferenças inter-regionais de renda. Dessa forma, regiões mais ricas e com uma base econômica mais desenvolvida deverão ter maior arrecadação, a qual será parcialmente repassada para regiões com menor potencial econômico. Um estudo recente, publicado pela Secretaria da Receita Federal, identifica com precisão a natureza destes dois conflitos básicos em matéria de tributação: 19[19] LEMGRUBER, Andréa T. Op. cit..

Esses conflitos podem ser classificados em verticais e horizontais. Os verticais seriam aqueles que ocorrem entre o governo e os contribuintes: o primeiro, em geral, busca a manutenção ou o aumento da carga tributária, enquanto os últimos lutam pela minimização de seu ônus tributário. Os horizontais podem ocorrer tanto dentro do governo como no âmbito da sociedade (contribuintes): o conflito horizontal governamental seria aquele que envolve a disputa da repartição da carga tributária pelas diversas esferas e unidades de governo caso típico de países federativos, ao passo que o conflito horizontal social ocorre devido à divisão do peso da carga tributária entre os diversos grupos de contribuintes (setores econômicos, regiões geográficas, pequenas e grandes empresas, trabalhadores e capitalistas, etc.) 20[20]. O Brasil, em função de sua grande extensão territorial e diversidade regional, possui sérios desequilíbrios verticais e horizontais. No entanto, o mecanismo de partilha tributária realiza as transferências necessárias ao maior equilíbrio de receitas e despesas na federação. Há basicamente dois tipos de transferências possíveis: as constitucionais (que são automaticamente realizadas após a arrecadação dos recursos) e as não-constitucionais (que dependem de convênios ou vontade política entre governos). As transferências tributárias constitucionais entre a União, Estados e Municípios podem ser classificadas em transferências diretas (repasse de parte da arrecadação para determinado governo) ou transferências indiretas (mediante a formação de fundos especiais). No entanto, independentemente do tipo, as transferências sempre ocorrem do governo de maior nível para os de menores níveis, quais sejam: da União para Estados; da União para Municípios; ou de Estados para Municípios. 1.2.1 Transferências constitucionais diretas As transferências diretas são as seguintes: a) Pertencem aos Estados e aos Municípios o total da arrecadação do Imposto de Renda Retido na Fonte, sobre rendimentos pagos a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem; 20[20] SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL. Condicionantes e perspectivas da tributação no Brasil. Disponível em: <www.receita.fazenda.gov.br/esttributarios/topicosespeciais/condicionantes.htm>. Acesso em 04 nov. 2002.

b) Pertencem aos Municípios 50% da arrecadação do Imposto Territorial Rural, relativo aos imóveis neles situados; c) Pertencem aos Municípios 50% da arrecadação do Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores licenciados em seus territórios; d) Pertencem aos Municípios 25% da arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias (3/4, no mínimo, na proporção do valor adicionado nas operações realizadas em seus territórios e até 1/4 de acordo com a Lei Estadual); e) O IOF - Ouro (ativo financeiro) será transferido no montante de 30% para o estado de origem e no montante de 70% para o município de origem. Observe-se que este tributo é instituído e cobrado pela União. A Tabela 2, apresentada a seguir, sintetiza as transferências tributárias diretas, por nível de governo arrecadador e receptor. TABELA 2 - TRANSFERÊNCIAS CONSTITUCIONAIS DIRETAS Governo Arrecadador Governo Receptor Imposto União Estados Produto da arrecadação do imposto da União sobre renda e proventos de qualquer natureza, incidente na fonte sobre rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem; União Municípios Produto da arrecadação do imposto da União sobre renda e proventos de qualquer natureza, incidente na fonte sobre rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem; União Estados Produto da arrecadação do imposto que a União vier a instituir, desde que sejam não cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados na Constituição;. União Estados Municípios Operações Financeiras sobre o Ouro (ativo financeiro) Repasse 100% 100% 20% 30% 70% União Municípios Territorial Rural 50%

Estados Municípios Circulação de Mercadorias e Serviços 25% Estados Municípios Propriedade de Veículos Automotores 50% 1.2.2 Transferências constitucionais indiretas Os fundos mediante os quais se realizam as transferências indiretas tem como base a arrecadação do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e/ou do Imposto sobre a Renda (IR). São eles: a) Fundo de Compensação de Exportações (FPEx): constituído por 10% da arrecadação total do IPI. É distribuído aos Estados. Sua distribuição é proporcional ao valor das exportações de produtos industrializados, sendo a participação individual limitada a 20% do total do fundo; b) Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal (FPE): 21,5% da arrecadação do IPI e do IR, distribuídos de acordo com a população e a superfície e inversamente proporcional à renda per capita da unidade federativa; c) Fundo de Participação dos Municípios (FPM): composto por 22,5% da arrecadação do IPI e do IR, com uma distribuição proporcional à população de cada unidade, sendo que 10% do fundo são reservados para os Municípios das Capitais; d) Fundos Regionais: para o financiamento de projetos na região Norte e Centro-Oeste - 1,2% da arrecadação total do IPI e do IR, respectivamente. Para o financiamento da região Nordeste - 1,8% da mesma base. A crescente descentralização de receitas ocorrida nas últimas décadas pode ser verificada a partir da evolução dos percentuais dos fundos de participação. Entre 1969 e 1975, esses percentuais eram de 5% tanto para o FPE como para o FPM. Esses índices tiveram tendência ascendente em todo o período subseqüente, atingindo 14% (FPE) e 17% (FPM) antes da Constituição de 88, que os elevou para 21,5% e 22,5%, respectivamente.

A Tabela 3, apresentada a seguir, sintetiza as transferências tributárias indiretas, entre os diversos níveis de governo. TABELA 3 - TRANSFERÊNCIAS CONSTITUCIONAIS INDIRETAS Tributo Federal Partilhado Fundo IR IPI Participação dos Estados e DF 21,5 21,5 Participação dos Municípios 22,5 22,5 Compensação das Exportações - 10,0 Financiamento da Região Norte 0,6 0,6 Financiamento da Região Nordeste 1,8 1,8 Financiamento da Região Centro-Oeste 0,6 0,6 TOTAL 47,0 57,0 Como se vê, as transferências indiretas destinam 47% e 57% do IR e do IPI, respectivamente, aos governos subnacionais. O Fundo de Participação dos Estados destina 85% de seus recursos às Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e 15% às Regiões Sul e Sudeste. O Fundo de Participação dos Municípios fornece 10% de seus recursos aos Municípios de Capitais de Estados, 86,4% aos Municípios de Interior e 3,6% aos Municípios com mais de 156 mil habitantes. Ademais, cada Estado ou Município recebe as dotações em função direta de sua área geográfica e de sua população e em função inversa de sua renda per capita. A participação de cada região no FPE é a seguinte: Norte (25,37%), Nordeste (52,46%), Centro-Oeste (7,17%), Sul (6,52%) e Sudeste (8,48%). No caso do FPM, a distribuição é dada da seguinte forma: Norte (8,52%), Nordeste (35,30%), Centro-Oeste (7,46%), Sul (17,54%) e Sudeste (31,19%). 1.3 Resultados da arrecadação e análise da carga tributária efetiva 1.3.1 Arrecadação tributária por nível de governo A análise da composição da carga tributária bruta brasileira, no período compreendido entre 1997 e 2001, consta da Tabela 4.

TABELA 4 - CARGA TRIBUTÁRIA BRUTA - 1997 a 2001 ( R$ MILHÕES DE MOEDA CORRENTE ) continua ANO (PIB) UNIÃO 1997 (870.743) % (R$) PIB 171.08 19,6 2 5 1998 (913.735) 1999 (960.858) 2000 (1.086.700) (R$) % PIB (R$) % PIB (R$) % PIB 186.56 20,4 215.91 22,4 247.27 22,7 1 2 5 7 6 5 2001 (1.184.000) % (R$) PIB 279.58 23,6 1 1 Orçamento Fiscal 64.752 7,44 74.542 8,16 84.787 8,82 90.448 8,32 101.31 6 8,56 - IR 38.676 4,44 47.724 5,22 55.215 5,75 59.696 5,49 68.803 5,81 IRPF 2.644 0,30 2.826 0,31 3.048 0,32 3.383 0,31 3.724 0,31 IRPJ 12.222 1,40 12.058 1,32 12.842 1,34 16.634 1,53 16.232 1,37 IRRF 23.810 2,73 32.840 3,59 39.325 4,09 39.679 3,65 48.847 4,13 - IPI 16.605 1,91 16.097 1,76 16.275 1,69 18.689 1,72 19.317 1,63 - IOF 3.768 0,43 3.521 0,39 4.844 0,50 3.096 0,28 3.559 0,30 - II / IPI-V / IE 5.108 0,59 6.504 0,71 7.860 0,82 8.443 0,78 9.104 0,77 - ITR 242 0,03 206 0,02 243 0,03 231 0,02 191 0,02 - IPMF 0 0,00 0 0,00 0 0,00 1 0,00 0,1 0,00 - Taxas 353 0,04 490 0,05 350 0,04 292 0,03 342 0,03 Orç. Seguridade 87.072 10,0 0 89.395 9,78 106.82 1 11,1 2 131.74 4 12,1 2 149.65 7 12,6 4 - Contr. Previdenc. 44.148 5,07 46.641 5,10 47.425 4,94 55.715 5,13 61.060 5,16 - COFINS 18.325 2,10 17.664 1,93 30.875 3,21 38.494 3,54 45.436 3,84 - CPMF 6.910 0,79 8.113 0,89 7.949 0,83 14.395 1,32 17.157 1,45 - CSLL 7.214 0,83 6.542 0,72 6.767 0,70 8.716 0,80 8.985 0,76 - PIS, PASEP 7.264 0,83 7.122 0,78 9.491 0,99 9.531 0,88 11.148 0,94 - Cont.Seg.Ser.Púb. 2.595 0,30 2.483 0,27 3.151 0,33 3.619 0,33 3.813 0,32 - Outras (1) 616 0,07 830 0,09 1.163 0,12 1.273 0,12 2.058 0,17 Demais 19.258 2,21 22.624 2,48 24.308 2,53 25.084 2,31 28.609 2,42 - FGTS 12.925 1,48 16.782 1,84 17.408 1,81 18.709 1,72 21.074 1,78 - Contrib. 916 0,11 935 0,10 1.250 0,13 939 0,09 1.176 0,10 Econôm. - Salário- Educação 2.775 0,32 2.460 0,27 2.353 0,24 2.791 0,26 3.123 0,26 - Sistema "S" (2) 2.641 0,30 2.448 0,27 3.297 0,34 2.646 0,24 3.235 0,27 TABELA 4 - CARGA TRIBUTÁRIA BRUTA - 1997 a 2001 ( R$ MILHÕES DE MOEDA CORRENTE ) conclusão ANO (PIB) 1997 (870.743) % (R$) PIB 1998 (913.735) (R$) 1999 (960.858) 2000 (1.086.700) % PIB (R$) % PIB (R$) % PIB 2001 (1.184.000) % (R$) PIB

ESTADOS 68.930 7,92 71.142 7,79 78.516 8,17 94.678 8,71 109.03 9 9,21 - ICMS 59.575 6,84 60.886 6,66 67.885 7,07 82.279 7,57 94.267 7,96 - IPVA 3.841 0,44 4.451 0,49 4.481 0,47 5.294 0,49 6.287 0,53 - ITCD 266 0,03 318 0,03 301 0,03 329 0,03 339 0,03 - Taxas 1.347 0,15 1.398 0,15 1.353 0,14 1.569 0,14 1.659 0,14 - Previd. Estadual 3.559 0,41 3.780 0,41 4.025 0,42 4.886 0,45 6.112 0,43 - Outros 341 0,04 309 0,03 471 0,05 322 0,03 375 0,03 MUNICÍPIOS 12.801 1,47 14.049 1,54 14.484 1,51 16.063 1,48 18.244 1,54 - ISS 5.067 0,58 5.521 0,60 5.401 0,56 5.923 0,55 6.786 0,57 - IPTU 3.955 0,45 4.238 0,46 4.514 0,47 4.519 0,42 5.367 0,45 - ITBI 820 0,09 793 0,09 715 0,07 950 0,09 981 0,08 - Taxas 2.547 0,29 2.580 0,28 2.748 0,29 3.239 0,30 3.426 0,29 - Previd. Municipal 369 0,04 774 0,08 1.025 0,11 1.055 0,10 1.253 0,11 - Outros (3) 43 0,00 143 0,02 81 0,01 377 0,03 432 0,04 TOTAL 252.81 29,0 271.75 29,7 308.91 32,1 358.01 32,9 406.86 34,3 3 3 2 4 5 5 7 5 5 6 FONTE: SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL NOTAS: (1) Inclui: Contr. sobre a Receita dos Concursos de Prognósticos, Contr. para Custeio de Pensões Militares, Contr. FUNDESP, Contr. FUNPEN e outras. (2) Contribuição aos seguintes órgãos: SENAR, SENAI, SESI, SENAC, SESC, INCRA, SDR, SEST, SENAT, SEBRAE, Fundo Aeroviário e Ensino Prof. Marítimo (DPC); (3) Inclui: IVVC e Contribuições de Melhoria. A análise destes dados revela que, em 2001, a União arrecadou 23,61% do PIB ou R$ 279,6 bilhões, o que correspondeu a 68,7% da carga tributária total. Deste volume, apenas cerca de 36% referem-se ao orçamento fiscal, sendo que os demais 64% corresponderam ao orçamento da seguridade. Dentre as receitas da União, destacam-se o Imposto de Renda (incidente sobre pessoas físicas e jurídicas) e a Contribuição sobre Folha de Pagamentos, que representaram 24,6% e 21,8% da arrecadação federal, respectivamente. Em terceiro lugar encontra-se a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), representando 16,2% das receitas da União. Os dados da Tabela 4 revelam, também, uma forte tendência ascendente do orçamento da seguridade nos últimos anos, especialmente das receitas incidentes sobre o faturamento das empresas.

A explicação para esse fato pode ser encontrada nas modificações realizadas pela Constituição de 1988, que determinou uma maior descentralização de receitas a Estados e Municípios, sem repassar os respectivos encargos. Em decorrência, a União passou a privilegiar as receitas que não são repassadas aos governos subnacionais (como as contribuições, por exemplo) em detrimento daquelas que são compartilhadas com Estados e Municípios. Os Estados são responsáveis pela arrecadação de 27% da carga tributária total, principalmente em decorrência de possuírem sob sua competência a administração do ICMS, o imposto de maior arrecadação do País. O ICMS responde por cerca de 86% da arrecadação dos Estados e 23% das receitas totais dos três níveis de governo. Os Municípios, por sua vez, arrecadam menos de 5% da arrecadação total. O principal imposto do nível local de governo é o ISS, participando com 37% da arrecadação municipal. A partir dos dados da Tabela acima, pode-se elaborar o Gráfico I (ver página seguinte), no qual são consolidados os resultados da arrecadação tributária (carga tributária bruta), por nível de governo, para o período compreendido entre 1997 e 2001. GRÁFICO 1 - PARTICIPAÇÃO RELATIVA NA ARRECADAÇÃO DA CARGA TRIBUTÁRIA - 1997 a 2001 1.3.2 Carga tributária líquida por nível de governo

O mecanismo de transferências de receitas tem por objetivo promover um equilíbrio financeiro nas distintas esferas de governo, assim como possibilitar ações intergovernamentais conjuntas. Por meio deste mecanismo, procura-se prover os governos subnacionais (Estados, Distrito Federal e Municípios) de recursos adicionais aos de suas competências tributárias, de modo a possibilitar sua manutenção e o provimento dos serviços públicos a eles atribuídos. As transferências intergovernamentais, embora não constituam fonte primária de receita, alteram a receita disponível (carga tributária líquida) do tesouro nacional e dos governos subnacionais. Conforme a natureza jurídica, as transferências podem ser classificadas como constitucionais ou voluntárias. As transferências constitucionais são aquelas expressamente previstas na Constituição Federal, que obrigam alguns entes federativos (União e Estados) a efetuar repasses parciais de determinados tributos. As transferências voluntárias são os recursos financeiros repassados pela União aos Estados, Distrito Federal e Municípios em decorrência da celebração de convênios, acordos, ajustes ou outros instrumentos similares cuja finalidade seja a realização de obras e/ou serviços de interesse comum às três esferas de Governo 21[21]. A demonstração do montante das transferências constitucionais das receitas tributárias, entre os três níveis de governo, no período compreendido entre 1997 e 2001, consta da Tabela 5. A Tabela 6, por sua vez, apresenta uma análise da composição da carga tributária líquida de cada esfera de governo, após as transferências constitucionais. A análise da composição final da carga tributária mostra que, na prática, há uma significativa transferência de receitas da União para os Estados e para os Municípios. Verifica-se, mediante o uso da Tabela 5, que pelo próprio desenho do mecanismo de transferências constitucionais, toda a arrecadação disponível da União vem de suas receitas próprias. Os Estados, por sua vez, arrecadam cerca de 79% de suas 21[21] Conforme a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000), entende-se por transferência voluntária "a entrega de recursos correntes ou de capital a outro ente da Federação, a título de cooperação, auxílio ou assistência financeira, que não decorra de determinação constitucional, legal ou os destinados ao Sistema Único de Saúde." Neste trabalho, somente as transferências constitucionais serão consideradas para fins de se determinar a receita disponível em cada esfera de governo. As transferências voluntárias, por não estarem diretamente relacionadas à receita tributária e em razão de seu caráter discricionário, não são computadas na obtenção da receita tributária disponível.

receitas disponíveis, enquanto que, para os Municípios, esta relação é de 31%, conforme ilustrado na Tabela 6. TABELA 5 - TRANSFERÊNCIAS CONSTITUCIONAIS DE RECEITAS TRIBUTÁRIAS - 1997 a 2001 - R$ MILHÕES 1997 1998 1999 2000 2001 (R$) % (R$) % (R$) % (R$) % (R$) % UNIÃO ARREC. PRÓPRIA 171.082 67,7 186.561 68,7 215.915 69,9 247.276 69,1 279.581 68,7 TOTAL - TRANSF. P/ ESTADOS (15.064) 6,0 (14.288) 5,3 (17.010) 5,5 (19.397) 5,4 (21.977) 5,4 - TRANSF. P/ MUNICÍPIOS (11.262) 4,5 (11.393) 4,2 (13.223) 4,3 (14.387) 4,0 (16.165) 4,0 = RECEITA DISPONÍVEL 144.755 57,3 160.880 59,2 185.682 60,1 213.491 59,6 241.439 59,3 ARREC. ESTADOS PRÓPRIA 68.930 27,3 71.142 26,2 78.516 25,4 94.678 26,4 109.039 26,8 TOTAL - TRANSF. P/ MUNICÍPIOS (16.814) 6,7 (17.447) 6,4 (19.212) 6,2 (23.217) 6,5 (23.217) 5,7 + TRANSF. DA UNIÃO 15.064 6,0 14.288 5,3 17.010 5,5 19.397 5,4 21.977 5,4 = RECEITA DISPONÍVEL 67.180 26,6 67.983 25,0 76.314 24,7 90.859 25,4 107.800 26,5 ARREC. MUNICÍPIOS PRÓPRIA 12.801 5,1 14.049 5,2 14.484 4,7 16.063 4,5 18.244 4,5 TOTAL + TRANSF. DA UNIÃO 11.262 4,5 11.393 4,2 13.223 4,3 14.387 4,0 16.165 4,0 + TRANSF. DE ESTADOS 16.814 6,7 17.447 6,4 19.212 6,2 23.217 6,5 23.217 5,7 = RECEITA DISPONÍVEL 40.878 16,2 42.889 15,8 46.919 15,2 53.667 15,0 57.626 14,2 TOTAL 252.813 100,0 271.752 100,0 308.915 100,0 358.017 100,0 406.865 100,0 FONTE: SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL NOTA: Consideradas apenas as transferências constitucionais. TABELA 6 - COMPOSIÇÃO DA CARGA TRIBUTÁRIA LÍQUIDA APÓS TRANSFERÊNCIAS CONSTITUCIONAIS - 1997 a 2001 1997 1998 1999 2000 2001 U N I Ã 0 RECEITA DISPONÍVEL ARRECADAÇÃO PRÓPRIA TRANSF. DE ESTADOS VALOR (R$) % VALOR (R$) % VALOR (R$) % VALOR (R$) % (R$) % 144.755 100,0 160.880 100,0 185.682 100,0 213.491 100,0 241.439 100,0 144.755 100,0 160.880 100,0 185.682 100,0 213.491 100,0 241.439 100,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0

TRANSF. DE MUNICÍPIOS 0 0,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 E S T A D O S M U N I C Í P I O S RECEITA DISPONÍVEL ARRECADAÇÃO PRÓPRIA TRANSF. DA UNIÃO TRANSF. DE MUNICÍPIOS RECEITA DISPONÍVEL 67.180 100,0 67.983 100,0 76.314 100,0 90.859 100,0 107.800 100,0 52.116 77,6 53.695 79,0 59.305 77,7 71.461 78,7 85.822 79,6 15.064 22,4 14.288 21,0 17.010 22,3 19.397 21,3 21.977 20,4 0 0,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 40.878 100,0 42.889 100,0 46.919 100,0 53.667 100,0 57.626 100,0 ARRECADAÇÃO PRÓPRIA 12.801 31,3 14.049 32,8 14.484 30,9 16.063 29,9 18.244 31,7 TRANSF. DA UNIÃO 11.262 27,6 11.393 26,6 13.223 28,2 14.387 26,8 16.165 28,1 TRANSF. DE ESTADOS 16.814 41,1 17.447 40,7 19.212 40,9 23.217 43,3 23.217 40,3 TOTAL 252.813 - - - 271.752 - - - 308.915 - - - 358.017 - - - 406.865 - - - FONTE: SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL 1.4 Análise crítica do sistema tributário nacional vigente 1.4.1 Distribuição de bases tributárias entre os três níveis de governo Uma vez apresentada a repartição de competências tributárias segundo a vigente Constituição Federal, pode-se realizar uma análise sobre os critérios utilizados para distribuição das bases tributárias entre os diversos níveis de governo. A teoria econômica sugere alguns critérios básicos que servem para orientar a atribuição de receitas entre os diversos níveis governamentais. Conforme Andréa Teixeira Lemgruber, o objetivo básico destes critérios é o de "se buscar os maiores níveis possíveis de eqüidade e de eficiência, entendidos, respectivamente, como a adequação entre receitas e gastos e a minimização do custo de arrecadação dos tributos". 22[22] 22[22] LEMGRUBER, Andréa T. Op. cit..

De uma forma geral, sugere-se que sejam administrados centralizadamente (ou seja, pela União), os seguintes impostos: a) impostos progressivos com finalidade redistributiva; b) impostos com objetivos de estabilização ou de caráter regulatório da atividade econômica; c) impostos que incidam sobre bases distribuídas bastante irregularmente pelo território nacional ou sobre fatores extremamente móveis. Por outro lado, podem ser administrados pelos níveis de governo subnacionais (Estados, Distrito Federal e Municípios) os impostos incidentes sobre fatores imóveis e os impostos sobre consumo geral ou sobre bens específicos (tipo excise tax). Analisando a realidade do nosso Sistema Tributário, à luz da teoria econômica, pondera Andréa Teixeira Lemgruber: A prática brasileira de atribuição de receitas não diverge muito em relação à teoria econômica. O imposto sobre a renda, as contribuições e os impostos regulatórios (sistema financeiro - IOF - e comércio exterior - II e IE) estão sob competência federal. Os estados arrecadam o imposto geral sobre consumo e os municípios arrecadam impostos sobre serviços e sobre parte do patrimônio - imóveis urbanos. O Imposto sobre Propriedade Territorial Rural - ITR, incidente sobre um fator de natureza imóvel, que tradicionalmente tem sido cobrado pelos governos locais, no Brasil a competência para a sua instituição e cobrança foi atribuída à União. A razão pela qual esse imposto encontra-se sob administração central é a de usá-lo como instrumento de incentivo à utilização produtiva da terra e para fins de reforma agrária. Outra característica importante do Brasil que foge à tradição internacional é o fato de existirem dois impostos sobre produção e circulação, do tipo Imposto sobre Valor Agregado (IVA), cada um sendo administrado por um nível distinto de governo. O IPI e o ICMS encontram-se sob competências federal e estadual, respectivamente. Em verdade, as bases desses dois impostos são muito semelhantes, bem como seus métodos de apuração, o que permitiria uma consolidação de modo a obter maior racionalidade econômica e menor custo administrativo, tanto para os fiscos como para o contribuinte. Nesse sentido, é natural a dificuldade política que surge em relação a qualquer proposta que vise a alterar a atual estrutura tributária da federação,

envolvendo o ICMS. De fato, a arrecadação desse imposto é hoje imprescindível para o equilíbrio das finanças estaduais. 23[23] Como se vê, o Brasil possui a característica única de possuir dois impostos sobre o consumo e a circulação (IPI e ICMS), do tipo valor agregado, com bases que às vezes se sobrepõem. Tais impostos são administrados por diferentes níveis de governo. Tal constatação também pode ser parcialmente estendida ao ISS, que muitas vezes se confunde com o ICMS. Convém ressaltar que o ICMS, que representa cerca de 28% da carga tributária, nas últimas tem adquirido objetivos extrafiscais de extrema relevância, especialmente no que tange à atração de investimentos. Em relação a este tema, a quase totalidade das propostas tradicionais de reforma tributária preconiza a consolidação dos três impostos em uma única base, possivelmente administrada pelo governo federal, mas cuja arrecadação deveria ser transferida para os demais governos, na mesma proporção das suas atuais receitas atuais com esses impostos. Sobre o assunto, comenta Andréa Teixeira Lemgruber: Na prática, o Governo Federal enviou para o Congresso Nacional a Proposta de Emenda Constitucional 175 (PEC 175) que, dentre outras coisas, propõe a extinção do IPI e a criação do ICMS federal em seu lugar. Assim, existiria uma única base de consumo (a do atual ICMS) e sobre ela incidiriam duas alíquotas: uma de competência federal e, a outra, estadual. Essa modificação visa apenas a um caráter qualitativo do sistema tributário nacional, buscando ser neutra em termos de receitas arrecadadas. Além disso, a alíquota do imposto (ou seja, a soma das alíquotas federal e estadual) deve ser uniforme por mercadoria ou serviço em todo o País, o que visaria a diminuir a atual prática de competição tributária entre os Estados. 24[24] Esta autora, no mesmo trabalho, comenta que "uma estrutura mais racional de tributação sobre o consumo seria bastante desejável para a facilitação da harmonização tributária entre o Brasil e seus principais parceiros de comércio, especialmente os do Mercosul". 25[25] 1.4.2 Repartição das receitas tributárias 23[23] LEMGRUBER, Andréa T. Op. cit.. 24[24] LEMGRUBER, Andréa T. Op. cit.. 25[25] LEMGRUBER, Andréa T. Op. cit..

O Brasil, em função da adoção do sistema federativo, de sua grande extensão territorial e de sua intensa diversidade regional, apresenta sérios desequilíbrios verticais e horizontais em matéria tributária. Conforme anteriormente mencionado, o mecanismo de partilha tributária procura realizar as transferências necessárias ao equilíbrio de receitas e despesas dos entes federativos. Conforme Andréa Teixeira Lemgruber, "o mecanismo de transferências de receitas tributárias adotado pelo Brasil procura corrigir tanto os desequilíbrios verticais quanto os horizontais, sendo instrumento básico de redistribuição de renda inter-regional". 26[26] Há basicamente dois tipos de transferências possíveis: as constitucionais (que são realizadas automaticamente após a arrecadação dos recursos) e as nãoconstitucionais (que dependem de convênios ou vontade política entre governos). De um modo em geral, os Estados e Municípios mais pobres são extremamente dependentes das transferências federais, pois sua arrecadação própria é insuficiente para financiar seus gastos. Entretanto, na opinião de Andréa Teixeira Lemgruber, há dois problemas básicos nesse mecanismo: O primeiro diz respeito ao baixo incentivo dado aos Municípios de realizarem esforço próprio de arrecadação, pois os critérios de partilha não consideram o desempenho tributário como um dos fatores que determinam o montante de recursos intergovernamentais a ser recebido. O segundo relaciona-se ao fato de que, ultimamente, tem havido um grande movimento em prol da criação de novos Municípios no Brasil, justamente em decorrência do fato de que qualquer governo local já tem assegurada sua fonte básica de receitas, aquela proveniente de transferências intergovernamentais. A vantagem de se criar representação política independente do esforço arrecadatório é bastante atraente e gerou, na última década, substancial aumento no número de Municípios brasileiros. 27[27] Vale a pena mencionar que o número de municípios existentes antes da Constituição de 88 era de 4.112. Atualmente, esse número é superior a 5.500 municípios, o que representa um crescimento da ordem de 35% em menos de 15 anos. 1.4.3 Diversidade de órgãos responsáveis pela administração tributária 26[26] LEMGRUBER, Andréa T. Op. cit.. 27[27] LEMGRUBER, Andréa T. Op. cit..

Uma característica marcante do federalismo tributário brasileiro é a multiplicidade de órgãos arrecadadores. Grande parcela deste fenômeno decorre de normas constitucionais, que distribuíram competências tributárias entre os três níveis de governo. Por esta razão, coexistem no Brasil mais de 5500 administrações tributárias autônomas, sendo 27 no nível intermediário de governo (Estados e Distrito Federal) e a grande maioria no nível de governo local (Municípios). Por sua vez, a esfera federal também apresenta multiplicidade de administrações tributárias, não por imposição constitucional, mas por vontade política do Poder Executivo. Andréa Teixeira Lemgruber assim descrevendo o atual quadro da administração tributária brasileira, na esfera federal: Em nível federal, as duas principais administrações tributárias são a Secretaria da Receita Federal (SRF) e o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). A SRF, órgão pertencente à estrutura do Ministério da Fazenda, acumula as funções de fiscalização e arrecadação de todos os impostos federais (inclusive aduaneiros), além de parte substancial das contribuições sociais (COFINS, PIS, PASEP, CSLL e CPMF). É responsável por cerca de 41% da arrecadação nacional e ainda desempenha as funções de assessoramento na elaboração da política tributária federal. Por sua vez, o INSS é vinculado ao Ministério da Previdência e Assistência Social e administra, basicamente, a Contribuição sobre Folha de Salários (empregados e empregadores) e sobre o trabalho autônomo. Realiza, adicionalmente, as tarefas de administração do sistema de previdência pública do País, inclusive dos pagamentos de aposentadorias e pensões. Sua arrecadação atinge 20% da carga tributária brasileira. 28[28] No nível intermediário de governo, coexistem 26 fiscos estaduais e 1 fisco distrital, responsáveis pela administração dos tributos de sua competência. Vale lembrar que os Estados e o Distrito Federal têm competência para administrar o imposto de maior arrecadação do País (ICMS), que ostenta uma das bases tributárias mais dinâmicas da economia (circulação de mercadorias e serviços). Por esta razão, na opinião de Andréa Teixeira Lemgruber, os Estados e o Distrito Federal "praticamente não exploram os demais impostos, fazendo com que o 28[28] LEMGRUBER, Andréa T. Op. cit..