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,17(5&Ç0%,2 9RO 9,,, 6LPSyVLR $63(&726 '2 &20321(17( 62&,2/Ð*,&2 '2 (16,12 '$ /,1*8$*(0 José Luiz MEURER (UFSC) ABSTRACT: Researchers and professionals concerned with the production and use of knowledge related to language learning and teaching are aware of the need for a sociological component to describe and explain the interrelationship between language and the social context. So far, nevertheless, the production of knowledge for language learning and teaching still seems to lack sociological theorisation which would allow for systematic descriptions and explanations of that interrelationship. Attempting to contribute toward an initial solution to this problem, I discuss aspects of Anthony Giddens' structuration theory relating them to the intrinsic association between language and social practices. 1. Introdução Em seu livro Language as Social Semiotics (The Social Interpretation of Language and Meaning (1978), Halliday faz o seguinte comentário: Se descrevermos o contexto de uma situação em termos de observações ad hoc sobre o ambiente no qual a linguagem é usada, podemos dizer que isso constitui um relato ou avaliação 'social' da linguagem, mas dificilmente um relato 'sociológico', pois os conceitos nos quais nos apoiamos não se referem a nenhum tipo de teoria social geral (p. 35). [Tradução minha] Como Halliday apropriadamente observa, considerações sociais podem ser muito esclarecedoras. Entretanto, para que a pesquisa sobre a linguagem em contextos específicos seja útil a um professor profissionalmente preocupado com o sucesso de seus alunos em termos de linguagem, é necessário que os critérios sejam sociológicos ("baseados em alguma teoria de estrutura social e de mudança social" (ibid.)) e não simplesmente sociais. O parágrafo citado a seguir, retirado do livro Social Semiotics, de Hodge e Kress (1988), pode ser visto como um exemplo de considerações que vão além do relato simplesmente social, mas que poderiam, talvez, ser sociologicamente mais visíveis e relevantes para o profissional da linguagem. Em sociedades capitalistas contemporâneas, como na maioria de outras formações sociais, há desigualdades na distribuição de poder e outros bens. Como resultado, há divisões na textura social entre os que governam e os governados, exploradores e explorados: tais sociedades exibem estruturas características de dominação. A fim de manter essas estruturas de dominação, os grupos dominantes tentam representar o mundo em formas que refletem seus próprios interesses, os interesses do seu poder. Mas eles também precisam manter os laços de solidariedade que são a condição do seu domínio. Os grupos dominados não são sempre e em todos os lugares cegos às operações dessas estruturas (como têm sido retratados em certos relatos marxistas. Tentam, por sua vez, resistir aos efeitos da dominação, muitas vezes com sucesso, em inúmeros encontros sociais dentro de estruturas sociais (p. 3). [Tradução minha] As opções lexicais e o conteúdo contidos nesta citação apontam para a fundamentação neo-marxista dos seus autores. Neste sentido, o trecho é mais do que * Simpósio Produção de Conhecimento e Gêneros do Discurso.

,17(5&Ç0%,2 9RO 9,,, 6,03Ð6,2 um relato ou avaliação social, classificados, na citação que fiz de Halliday, como 'observações ad hoc'. Entretanto, nem o trecho, nem o contexto onde se insere se apoia em teorizações sociais explícitas que possam nos auxiliar a visualizar com maior clareza as inter-relações entre a linguagem e a sociedade. A teoria de estruturação de Giddens pode ser um caminho em direção à explicação dessas inter-relações. Vejamos alguns dos seus princípios básicos e como se relacionam às práticas da linguagem. 2. Teoria da estruturação A teoria da estruturação diz respeito ao processo de reprodução das práticas sociais humanas através do tempo e do espaço. Por meio dessa teoria, Giddens procura reconciliar o dualismo estrutura e agentividade, reunindo essas duas noções em uma dualidade. Isto significa que não se admite nem a supremacia da estrutura e nem a da agentividade, mas sim a simultaneidade de ocorrência, a interação constante (a dualidade (dessas duas dimensões. A estrutura está implicada na constituição da ação (aquilo que os agentes fazem) e a ação, por sua vez, está implicada na constituição da estrutura. Ação e estrutura, portanto, se pressupõem mutuamente. Através de suas ações, os indivíduos fazem a história, mas isto acontece sempre dentro de estruturas já existentes e que tomam forma e são recriadas ou modificadas através dessa ação (Marx, apud Giddens 1984). O termo estrutura tem muitos sentidos, mas na teoria de estruturação é entendido como as regras e os recursos envolvidos na reprodução das práticas sociais nos variados contextos de atividade humana, isto é, nos vários contextos onde os agentes sociais atuam e põem em prática as várias faces da agentividade. A agentividade, por sua vez, diz respeito à noção de self e suas ligações com as opções de ação e com o poder que os indivíduos têm, para agir, como seres únicos, dentro dos diversos contextos das práticas sociais. O termo práticas sociais é utilizado para representar tudo o que os indivíduos efetivamente fazem, as atividades que executam, recriando ou modificando as estruturas sociais existentes. Apresento a seguir uma breve discussão dessas noções. 2.1 Estrutura As estruturas são constituídas por regras e recursos. Entende-se por regras as convenções, as normas e os significados que os indivíduos utilizam e recriam ao compreender e desempenhar ações sociais. Entende-se por recursos as capacidades e as posses que permitem aos indivíduos executar ações, agir ou exercer controle sobre o meio ambiente e sobre outros indivíduos. Como ou por que as regras e os recursos constituem estruturas? Constituem estruturas porque se repetem no espaço e no tempo e, à medida em que re-ocorrem, vão constituindo maquetes, esquemas ou espécies de arcabouços típicos, em grande parte tácitos, que são utilizados pelos indivíduos na realização das práticas sociais em que se envolvem. A noção de estrutura, portanto, representa uma concepção abstrata e não um arquétipo concreto como, por exemplo, as vigas de um prédio. Em última análise as estruturas são traços

0(85(5 mentais, formas de conhecimento que os indivíduos têm e usam para compreender e agir da maneira que agem, nos diferentes contextos de ação e interação humanas. Um aspecto essencial da teoria da estruturação é a noção da dualidade da estrutura. Nas palavras de Giddens, a dualidade da estrutura quer dizer: a estrutura é simultaneamente "o meio e o resultado da conduta humana que ela organiza; as propriedades estruturais dos sistemas sociais não existem fora da ação mas são cronicamente implicados em sua produção e reprodução" (1984: 174). Isto significa que a estrutura não é algo externo, que impõe coerção sobre a ação humana, mas algo interno, que serve como condição e conseqüência da conduta humana. Significa que a estrutura entra na constituição (é o meio, portanto) da ação humana e ao mesmo tempo 'existe' no momento gerador (é o resultado) dessa constituição. Em outras palavras, poderíamos dizer que a dualidade da estrutura implica que regras e recursos são usados e reconstituídos, simultaneamente. 2.2 Regras e recursos Tanto as regras como os recursos se subdividem em dois tipos básicos, como representado na Figura 1, abaixo. As regras se bifurcam em elementos normativos e códigos de significação e os recursos em alocativos e autoritativos (Giddens, 1984). Os elementos normativos, como o termo sugere, são as regras que os indivíduos usam para estabelecer como as coisas são, ou como devem ou não devem ser. Os códigos de significação, por sua vez, são os aspectos das regras que orientam os indivíduos a respeito do significado das coisas, a respeito de como os eventos, fatos ou realidades devem ou podem ser interpretados, vistos ou compreendidos. Sabemos que os significados não são inerentes às coisas, mas sim atribuídos a elas pelos indivíduos, dependendo das estruturas sociais onde vivem e atuam. No tocante ao uso de textos, por exemplo, de maneira geral, diferentes elementos normativos e códigos de significação são usados por diferentes comunidades para produzir e interpretar diferentes gêneros textuais. Da mesma forma, diferentes elementos normativos estão implicados, por exemplo, na produção de uma carta de reclamação e de uma nota informativa sobre uma nova descoberta científica. Além disso, diferentes códigos de significação orientam a interpretação de, por exemplo, um bilhete e de um poema. Cada gênero textual, assim como cada ação humana, envolve elementos normativos e códigos de significação típicos. Passemos para o segundo componente da estrutura, os recursos. Os recursos estão diretamente ligados à potencialidade de ação por parte dos agentes sociais relativamente ao gerenciamento e controle de outros seres humanos e de aspectos do mundo físico. A disponibilidade de recursos cria para as pessoas e para as instituições estruturas de poder de umas sobre as outras, capacitando-as a fazer 'coisas acontecerem'. Para se compreender a dinâmica das praticas sociais, é importante notar que as próprias regras são implementadas a partir da disponibilidade que os indivíduos têm de recursos alocativos e autoritativos. Os alocativos são os recursos ligados ao controle de aspectos materiais do meio ambiente (matéria prima, por exemplo), meios

,17(5&Ç0%,2 9RO 9,,, 6,03Ð6,2 de produção material e bens em geral. Os autoritativos, por sua vez, são os recursos implicados na coordenação ou gerenciamento de pessoas, na coordenação social do tempo e do espaço (por exemplo, os recursos, associados a regras específicas, permitem estabelecer quem tem direito a falar, sobre o que, quando e onde). O conhecimento em si é uma forma de recurso autoritativo pois, em conjunto ou independentemente de recursos alocativos, dá aos indivíduos capacidade de gerenciar e exercer influência sobre outros indivíduos. ESTRUTURA REGRAS RECURSOS ELEMENTOS NORMATIVOS CÓDIGOS DE SIGNIFICAÇÃO ALOCATIVOS AUTORITATIVOS ESTRUTURAS DE LEGITIMAÇÃO (regulamentações normativas, instituições legais) ESTRUTURAS DE SIGNIFICAÇÃO (discursos, expectativas, significados de comportamento) ESTRUTURAS DE DOMINAÇÃO - HEGEMONIA (política, econômica, intelectual) Figura 1: Regras e recursos implicados na reprodução social 2.3 Estruturas de dominção, legitimação e significação Conforme tento representar na Figura 1, o uso de recursos autoritativos e alocativos pelos indivíduos em práticas sociais concretas resulta na produção e reprodução de formas ou estruturas de dominação e hegemonia tanto política como econômica, intelectual etc. De maneira semelhante, através da implementação de regras (elementos normativos e diferentes significados (os seres humanos criam e recriam estruturas de legitimação, como instituições legais, e estruturas de significação, como discursos institucionalizados (Fig. 1). Dessa forma, através da interação entre essas estruturas, vão se criando e recriando formas legitimadas e aceitáveis de práticas sociais, incluindo formas legitimadas de discursos e expectativas sobre o papel social dos indivíduos, suas identidades e relacionamentos sociais.

0(85(5 Conforme tento sugerir pela bidirecionalidade das flechas na parte inferior da Figura 1, uma série de sub-processos ocorre simultaneamente ao se instaurar uma determinada estrutura. Assim, as normas e os significados são legitimados pelos recursos ao mesmo tempo que os recursos são legitimados pelas normas e significados. A partir da implementação de formas de dominação e hegemonia, surgem ou se recriam diferentes normas e diferentes estruturas de significação. Há, portanto, uma interação constante entre regras e recursos. Assim como as formas de dominação levam à (re)criação e legitimação de diferentes regras, as estruturas de significação e legitimação afetam as estruturas de dominação tanto no sentido de reproduzi-las como de desafiá-las, instalando processos de mudança. 3. Linguagem e estrutura social O papel da linguagem aqui é de extrema importância, pois, as estruturas de significação e legitimação são em grande parte produzidas e reproduzidas através de textos específicos, que refletem e reproduzem diferentes discursos. Forma-se, desta maneira, uma espécie de amálgama entre estruturas de poder e estruturas de significação e legitimação de forma que, na maioria das vezes, embora os indivíduos freqüentemente não percebam, as coisas significam o que as estruturas de poder permitem que signifiquem e as estruturas de poder se legitimam através dos significados criados e recriados em textos e discursos através do tempo e do espaço. Essa é a razão essencial para buscarmos explicações que ajudem a esclarecer o inter-relacionamento constante entre práticas sociais e linguagem. Devido à existência de diferentes estruturas de dominação, legitimação e significação, diferentes gêneros textuais são (re)produzidos na condução de diferentes atividades sociais, e os textos adquirem formas e significados mais ou menos específicos dependendo da estrutura social onde ocorrem. Existe sempre uma estreita interação entre texto e estrutura social de modo que, ao fazerem uso de gêneros textuais, os indivíduos constituem estruturas sociais e simultaneamente reproduzem tais estruturas (como também observam Berkenkotter e Huckin, 1995). Dentro dessa perspectiva, é importante que o ensino e o aprendizado da linguagem em ambientes escolares explore situações que permitam aos alunos ter acesso a um amplo número de gêneros textuais, levando-os a investigar, comparar, questionar e compreender as regras e recursos implicados em seu uso. Estabelecendo tais relações, os alunos estarão mais aptos ao exercício da cidadania, a realizar ligações inteligentes, produtivas e vantajosas entre textos e seus contextos de uso. Dentro dessa perspectiva, é de grande relevância a noção de que ensinar e aprender a produzir, compreender e analisar textos orais ou escritos sejam vistos como o desenvolvimento da competência no uso de um número sempre crescente de gêneros textuais levando em consideração as muitas e variadas implicações da noção de estrutura introduzida acima. A discussão e o estudo explícito de princípios e variáveis implicados nos aspectos da teoria social que apresentei podem auxiliar na análise e compreensão de relações sociais no mundo atual, na compreensão das identidades e posicionamentos dos indivíduos nas mais diversas práticas sociais atuais e na compreensão dos

,17(5&Ç0%,2 9RO 9,,, 6,03Ð6,2 conhecimentos envolvidos em tais práticas. O estudo da linguagem sairá, desta forma, do círculo de linguagem como forma abstrata, objeto de estudo, para um círculo de linguagem como forma de prática social, inserida em estruturas sociais tipificadas pela implementação de regras e recursos que criam e recriam estruturas existentes. 4. Considerções finais As práticas sociais, as ações dos indivíduos, são realizadas através do uso e da reconstituição, simultâneos, de regras e recursos, em locais e espaços temporais definidos. As práticas sociais contemporâneas são caracterizadas por desigualdades muito grandes não apenas relativamente a posses e usufruto de recursos alocativos e autoritativos mas também na criação e aplicação de elementos normativos e dos próprios significados. (Na verdade, sempre houve tais discrepâncias, apesar de nada existir de intrínseco para que a 'realidade' tenha sido ou seja essa). Os indivíduos executam suas ações em grande parte sem se dar conta e não intencionalmente. Desta forma, a agentividade pode gerar a simples reprodução das estruturas e das relações que constituem os sistemas sociais (Cohen, 1989). No aprendizado e nos estudos dos diferentes usos da linguagem, é importante que professores e alunos se alertem para o fato de que se as estruturas (regras e recursos (são formas de coerção, são também caminhos para a mudança através da ação individual. Nada é permanente (Feyerabend, 1979) e o mundo é mais um processo do que um estado de coisas. A cada momento da execução e reprodução das práticas sociais existe igualmente um potencial para desafiar as estruturas e para estabelecer maior equilíbrio na relação humana com os recursos e com as normas e os significados envolvidos nessas práticas. As estruturas sociais existem, mas são os indivíduos que fazem a história, como disse Marx. "As práticas sociais não se reproduzem, os agentes o fazem", como observa Cohen (1989:45). E muito disso, como os estudos do discurso apontam, se dá em função da linguagem. A escola e os estudantes, em conjunto com os pesquisadores e profissionais envolvidos com a produção e uso de conhecimentos relativos ao ensino/aprendizagem de línguas, precisam encontrar formas de passar a praticar essas noções mais explicitamente. Talvez o maior potencial de mudança em direção ao equilíbrio a que me referi no parágrafo anterior esteja na compreensão generalizada da associação intrínseca entre linguagem e sociedade. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BERKENKOTTER, Carol and HUCKIN, Thomas N. (1995) Genre knowledge in disciplinary communication: Cognition/culture/power. Hillsdale, NJ.: Lawrence Earlbaum Associates. COEHN, Ira J. (1989) Structuration Theory - Anthony Giddens and the Constitution of Social Life. New York: St. Martin's Press. FEYERABEND, P. (1979). Consolando o especialista. In LAKATOS, I. e MUSGRAVE, A. (orgs.). A crítica e o desenvolvimento do conhecimento. São Paulo: Cultrix/Edusp. GIDDENS, Anthony. 1984) The constitution of society. Cambridge: Polity Press. HALLIDAY, M. A. K. (1978) Language as social semiotic. London: Edward Arnold. HODGE, Robert, and KRESS, Gunther. (1988) Social Semiotics. Cambridge: Polity Press.

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